O GLOBO - 09/02
Os títulos e mercados de câmbio dos países emergentes estão de novo sob severa pressão, mas as respectivas economias são mesmo tão frágeis como os operadores globais parecem temer? A resposta curta, para alguns poucos, provavelmente é “sim”; mas, para a maioria, é “ainda não”.
Na maioria dos países, o que estamos vendo é uma recalibragem na medida em que os investidores incorporam a seus cálculos o risco de que o PIB da China cresça mais lentamente, de que o Fed comece a apertar a política monetária mais rapidamente e que retrocessos de políticas em muitos países possam minar o potencial de crescimento. Ao mesmo tempo, a maciça mudança de direção da Europa rumo a superávits comerciais (um fator chave na sustentação da recente estabilização da região) e a rápida depreciação da moeda japonesa estão entre uma miríade de fatores a pressionar nações que buscam reduzir déficits em conta-corrente.
Parece que foi ontem que analistas do Goldman Sachs celebravam o milagre do crescimento dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e o FMI previa uma recuperação em três velocidades liderada pelos países emergentes.
O que aconteceu? O mais popular acusado é o Fed, que começou a afinar sua política altamente experimental de afrouxamento monetário, ou compras de ativos a longo prazo destinadas a apoiar o crescimento além do que poderia ser obtido com taxas zero de juros nominais. Mas o papel do Fed é quase certamente exagerado.
A retração do Fed reflete crescente confiança na economia americana, o que deveria significar um mercado mais forte para exportações da maioria dos emergentes. Além disso, o modesto aperto monetário pelo Fed está sendo compensado pela tendência a uma política monetária mais frouxa na zona do euro e no Japão; assim, de modo geral, a política monetária dos países avançados continua altamente acomodadora.
A incerteza sobre o crescimento da China é mais fundamental. Por mais de uma década, o estonteante crescimento do país estimulou uma notável alta nos preços que deliciou as autoridades nas nações exportadoras de commodities, da Rússia à Argentina. Lembram-se como os argentinos viravam o rosto ao Consenso de Washington, pró-mercado, em favor do intervencionista “consenso de Buenos Aires”?
Agora, não mais. O crescimento a curto prazo da China é uma questão aberta, pois sua liderança tenta restringir o insustentável boom baseado no crédito. Até recentemente, os mercados globais não pareciam reconhecer que uma perda de velocidade fosse possível. Certamente, se algum dia houver uma pausa no inebriante avanço da China, a atual perturbação nos países emergentes parecerá mero soluço comparada ao terremoto que se seguirá.
Há outros notáveis fundamentos nessa mistura, embora de consequências menores. A revolução do gás não convencional nos EUA está mudando a equação global no mercado de energia. Exportadores de energia, como a Rússia, estão sentido a pressão de baixa nos preços das exportações. Ao mesmo tempo, energia a baixíssimo custo nos EUA está afetando a competitividade da indústria asiática, pelo menos em relação a alguns produtos. E, à medida em que o México reforma seu setor energético, a extensão das pressões na indústria asiática se expandirá; o México já se beneficia de pressões de custo na China.
A Abenomics japonesa também é importante para alguns países, pois a forte depreciação do valor do iene pressiona a Coreia do Sul em particular, e outros competidores asiáticos em geral. A longo prazo, uma ressurgência japonesa seria, é claro, benéfica para as economias da região.
A estabilidade na zona do euro foi talvez o mais importante fator positivo a sustentar a confiança do mercado a longo prazo. Mas, à medida que os países europeus periféricos conseguem equilibrar seu balanço de pagamentos em conta-corrente e nações como a Alemanha têm superávits maciços, o outro lado tem sido a deterioração dos superávits dos mercados emergentes, o que aumenta suas vulnerabilidades.
O núcleo do problema do emergentes, contudo, é o recuo na política econômica. Aqui, há diferenças significativas entre os países. No Brasil, os esforços do governo para enfraquecer a independência do Banco Central e interferir nos mercados de energia e financeiro prejudicaram o crescimento.
A Turquia sofre agudos desafios a suas instituições democráticas, bem como pressão do governo sobre o banco central. O fracasso da Rússia em desenvolver instituições fortes e independentes tornou difícil para a classe empresarial emergir e ajudar a diversificar a economia.
Na Índia, a independência do banco central continua razoavelmente forte, com a instituição considerando adotar o regime de metas de inflação. Mas um período longo de políticas populistas enfraqueceu o crescimento e exacerbou a inflação.
Não obstante, alguns países emergentes estão avançando e devem se beneficiar se forem capazes de manter o curso. Além do México, nações como Chile, Colômbia e Peru estão bem posicionadas para se beneficiar de investimentos na criação de instituições. Mas, claro, novas instituições podem levar décadas, algumas vezes mais tempo, para se consolidar.
Então, de modo geral, quão frágeis são os mercados emergentes? Diferentemente dos anos 1990, quando taxas fixas de câmbio eram generalizadas, a maioria dos países hoje tem taxas flexíveis, capazes de amortecer choques. De fato, o drama de hoje pode ser interpretado, em parte, como um reflexo desses amortecedores em ação.
Os títulos das nações emergentes podem ter despencado, mas isto também é um amortecedor. A questão real é o que acontecerá quando a confusão se mudar para o mercado da dívida. Muitos países acumularam reservas substanciais e estão agora emitindo muito mais títulos de dívida em moeda nacional. É claro, a opção de inflar a dívida dificilmente será uma panaceia. Infelizmente, haverá mais drama a caminho nos próximos anos.
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