segunda-feira, maio 29, 2017

O autor da crise - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 29/05

Lula não pode continuar, sem ser contestado, a se oferecer como remédio para o mal que ele mesmo causou


A escassez de lideranças políticas no Brasil é tão grave que permite que alguém como o chefão petista Lula da Silva ainda apareça como um candidato viável à Presidência da República, mesmo sendo ele o responsável direto, em todos os aspectos, pela devastadora crise que o País atravessa.

A esta altura, já deveria estar claro para todos que a passagem de Lula pelo poder, seja pessoalmente, seja por meio de sua criatura desengonçada, Dilma Rousseff, ao longo de penosos 13 anos, deixou um rastro de destruição econômica, política e moral sem paralelo em nossa história. Mesmo assim, para pasmo dos que não estão hipnotizados pelo escancarado populismo lulopetista, o demiurgo de Garanhuns não só se apresenta novamente como postulante ao Palácio do Planalto, como saiu a dizer que “o PT mostrou como se faz para tirar o País da crise” e que, “se a elite não tem condição de consertar esse País, nós temos”. Para coroar o cinismo, Lula também disse que “hoje o PT pode inclusive ensinar a combater a corrupção”. Só se for fazendo engenharia reversa.

Não é possível que a sociedade civil continue inerte diante de tamanho descaramento. Lula não pode continuar, sem ser contestado, a se oferecer como remédio para o mal que ele mesmo causou.

Tudo o que de ruim se passa no Brasil converge para Lula, o cérebro por trás do descomunal esquema de corrupção que assaltou a Petrobrás, que loteou o BNDES para empresários camaradas, que desfalcou os fundos de pensão das estatais, que despejou bilhões em obras superfaturadas que muitas vezes nem saíram do papel e que abastardou a política parlamentar com pagamentos em dinheiro feitos em quartos de hotel em Brasília.

Lula também é o cérebro por trás da adulteração da democracia ocorrida na eleição de 2014, vencida por Dilma Rousseff à base de dinheiro desviado de estatais e de golpes abaixo da linha da cintura na campanha, dividindo o País em “nós” e “eles”. Lula tem de ser igualmente responsabilizado pela catastrófica administração de Dilma, uma amadora que nos legou dois anos de recessão, a destruição do mercado de trabalho, a redução da renda, a ruína da imagem do Brasil no exterior e a perda de confiança dos brasileiros em geral no futuro do País.

Não bastasse essa extensa folha corrida, Lula é também o responsável pelo tumulto que o atual governo enfrenta, ao soltar seus mastins tanto para obstruir os trabalhos do Congresso na base até mesmo da violência física, impedindo-o de votar medidas importantes para o País, como para estimular confrontos com as forças de segurança em manifestações, com o objetivo de provocar a reação policial e, assim, transformar baderneiros em “vítimas da repressão”. Enquanto isso, os lulopetistas saem a vociferar por aí que o presidente Michel Temer foi “autoritário” ao convocar as Forças Armadas para garantir a segurança de Ministérios incendiados por essa turba. Houve até mesmo quem acusasse Temer de pretender restabelecer a ditadura.

Para Lula, tudo é mero cálculo político, ainda que, na sua matemática destrutiva, o País seja o grande prejudicado. Sua estratégia nefasta envenena o debate político, conduzindo-o para a demagogia barata, a irresponsabilidade e o açodamento. No momento em que o País tinha de estar inteiramente dedicado à discussão adulta de saídas para a crise, Lula empesteia o ambiente com suas lorotas caça-votos. “O PT ensinou como faz: é só criar milhões de empregos e aumentar salários”, discursou ele há alguns dias, em recente evento de sua campanha eleitoral fora de hora. Em outra oportunidade, jactou-se: “Se tem uma coisa que eu sei fazer na vida é cuidar das pessoas mais humildes, é incluir o pobre no Orçamento”. Para ele, o governo de Michel Temer “está destruindo a vida do brasileiro”, pois “a renda está caindo, não tem emprego e, o que é pior, o povo não tem esperança”.

É esse homem que, ademais de ter seis inquéritos policiais nas costas, pretende voltar a governar o Brasil. Que Deus – ou a Justiça – nos livre de tamanha desgraça.


Para quem cultua fetiches trabalhistas - ODEMIRO FONSECA

O GLOBO - 29/05

Quando acima de 65% trabalham, sobem arrecadações e diminuem demandas sociais. Legislações trabalhistas e previdenciárias do sul da Europa faliram todos governos

Há um quarto de século Hamish McRae foi otimista em seu “O mundo em 2020”. Mas preocupava-se sobre potencial conflito nas sociedades com baixo crescimento, sem geração de empregos, grupos de interesse entrincheirados e envelhecimento causando crescentes gastos com previdência e saúde.

McRae nos acertou. Estamos agora tentando resolver um problema agudo de impostos sobre o trabalho e injustiças previdenciárias. Agonizamos por reformas.

O moral objetivo de tais reformas é o de permitir que pelo menos 65% dos brasileiros possam trabalhar. Hoje temos 40 milhões de brasileiros que não conseguem trabalho. São os desempregados e os desalentados. Só temos 39 milhões de carteiras assinadas. Principalmente os jovens vivem de bico.

Quando acima de 65% de uma população trabalham, aumentam arrecadações e diminuem as demandas sociais. As legislações trabalhistas e previdenciárias do sul da Europa faliram todos governos, de Portugal à Grécia. Perenizou-se desemprego acima de 12% e até 50% entre jovens. Gastam até 18% do PIB em aposentadorias. Os europeus do Norte têm desempregos muito baixos, e 70% da população trabalham até mais de 65 anos. Têm os melhores IDHs e taxas de felicidade. Não por coincidência, dez países do Norte Europeu estão entre os 15 mais fáceis de fazer negócios. Nós estamos na 123ª posição (“Doing Business 2017”, Banco Mundial).

É muito caro assinar uma carteira. Não pelo salário levado pelo empregado, mas pelos impostos sobre o trabalho. Um dos fetiches trabalhistas é que os impostos sobre o trabalho “são pagos pelo empregador”. Falso. Quem paga são os trabalhadores. Um trabalhador com carteira assinada por R$ 1.500 custa para o empregador três vezes mais, devido a custos compulsórios por lei, ou seja, impostos sobre o trabalho. Os chamados “encargos trabalhistas” subestimam seriamente o custo do trabalhador. É penoso que o trabalhador leve para casa um terço do que custa para o empregador. Os outros dois terços atingem de forma dramática os desempregados, desalentados e informais.

Pequeno grupo político entende o problema e parece que conseguirá importantes reformas. Serão reconhecidos. Mas, mesmo antes de 2020, teremos que continuar a aperfeiçoar as regras fiscais e burocráticas para trabalhar e se aposentar.

As reformas futuras terão que acabar com os impostos sobre o trabalho. Previdências por repartição (pay as you go) não têm futuro. Precisamos de mais gente trabalhando e mais poupança. Um único desconto compulsório de 11% sobre salários encaminhado para fundos de pensão seria um caminho. Simples, se todos os pagamentos salariais fossem pelo sistema bancário. E o trabalhador levaria para casa quase 90% do que custaria. E depois de 40 anos, o trabalhador teria um fundo que o manteria por mais 25 anos com 80% do recolhimento médio. A aposentaria pública seria paga por impostos gerais, para os que ficassem abaixo de parâmetros mínimos. Se 135 milhões de trabalhadores em média poupassem 170 reais mensais em fundos de pensões, tal poupança alcançaria 15% do PIB por ano. Sonho? Os chineses poupam 50%. Os indianos, mais de 30%. Ambos crescem mais de 7% ao ano há 25 anos.

McRae acertou outra: “As economias dinâmicas virão da Asia, alimentadas pela cultura de trabalho e poupança pessoal e a China se tornará a maior economia mundial”. Na mosca. Há 15 anos, nossos indicadores de renda e pobreza eram muito melhores do que a China e Índia. A China nos passou, e a Índia está encostando. Será que estamos condenados à pobreza pela nossa cultura, como muitos argumentam? Seria doloroso concordar.

Odemiro Fonseca é empresário

Idiotas da tecnologia se julgam livres porque trabalham usando WhatsApp - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 29/05
A primeira vez que ouvi a expressão "cansaço dos materiais", de um amigo engenheiro, me pareceu muito peculiar, uma vez que significa que pontes, cimento, prédios, ferros se cansam. Se eles, que são indestrutíveis, se cansam, que dirá nós.

Achei, com o tempo, que se tratava de uma expressão de rara elegância. Até os átomos ficam de saco cheio de viver na função de ser átomo. Uma ponte cansa de ser ponte, um prédio de ser prédio, uma viga de ferro de ser viga de ferro. Pareceu-me ser este cansaço indício de que exista um Deus. E que os materiais foram feitos também à sua imagem e semelhança. E que não haveria um Deus mais sincero do que um Deus cansado do que criou.

Somos um mundo fadado ao cansaço, mas sem direito a ele. O imperativo do sucesso é a prova de que nosso mundo está condenado. O simples fato de que o normal, esperado e necessário, é o crescimento econômico eterno já nos devia fazer duvidar do que fazemos todo dia.

Você é uma daquelas pessoas que pensam ter resolvido esse problema só porque tem tempo de ir a pé para o trabalho? Ou come sem pressa de manhã porque esse hábito em nada vai alterar sua capacidade de consumo? Bem, se você for uma dessas pessoas, ou é rica ou não tem qualquer possibilidade de sobreviver (e nesse caso não estaria me lendo nesse exato instante, estaria passando fome em algum lugar), ou vive só com muito pouco e jamais deixará de ser só porque faz parte da cultura single (hoje em dia o marketing dá nomes em inglês para justificar seus custos, tipo "cozinhar em casa" virou "comida comfort"), ou seu pai paga pra você não ter pressa de manhã e você fará duas pós-graduações, uma em Nova York e outra em Barcelona.

Não há saída dessa economia non-stop. Quer saber por que não há saída? É fácil descobrir. Venha comigo. Quem pode abrir mão de wi-fi, cultura mobile, Airbnb, aviões cada vez mais seguros, direitos civis cada vez mais definidos, hospitais cada vez mais equipados, exames laboratoriais cada vez mais precisos, Netflix, gente fácil pra fazer sexo sem encher o saco depois, bikes cada vez mais leves, crianças cada vez mais caras e da cidade de Gonçalves como paradigma de gente bacana, tolerante e cool (esse tipo de gente custa muito caro)?

Ninguém abrirá mão dessas coisas, e muitas outras —a lista é interminável e cansativa, então não vou insistir nela.

Nunca houve na Terra uma geração de jovens mais cansada e sem futuro. Claro que falam muito deles como estrelas high-tech. Uma mistura de high-tech com sensibilidade vegana. Pais babam quando bebês colocam os dedinhos na tela do iPhone 7 e sorriem. Como são inteligentes esses pequenos!

Ouço constantemente de jovens que eles são narcisistas, intolerantes com pessoas reais (e tolerantes com rúculas, baleias e crianças na África), ansiosos e arrogantes porque nós lhes legamos um mundo em chamas. Um mercado de trabalho incerto os acompanha há algum tempo. Alguns idiotas da tecnologia acham que o Chatbot fará um mundo melhor graças a sua brilhante inteligência artificial. O novo gozo é com o "algoritmo", mas o que ele vai fazer mesmo é destruir empregos na velocidade da luz. Esses idiotas da tecnologia se julgam mais livres porque trabalham pelo WhatsApp em casa no domingo.

Mas como escapar dessa economia frenética, se o Waze e o Uber são formas de algoritmo, e se sem esses dois as pessoas bacanas não existem? E temos que criar algoritmos cada vez melhores e mais rápidos e mais precisos para termos mais gente superbacana.

Todos os que afirmam ser possível escapar desse frenesi da produção têm um neurônio a menos. Faça um teste e liste o que você considera essencial pra sua vida. Sem mentir, tá? Se pegar um celular na mão, desista de qualquer utopia, você já perdeu a partida porque esse seu celular "cool", provavelmente, depende de salários baixos em algum elo da cadeia produtiva, do contrário ele seria ainda mais caro do que é.

A China venceu. Você compra roupa "cool" feita por mão de obra quase escrava sem culpa porque no Facebook xinga o Trump e acha o Haddad um grande estadista.

Ótica do tudo ou nada não serve para enxergar a crise brasileira - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 29/05

SÃO PAULO - Poucas aberturas de romance são tão trovejantes como a de "Um Conto de Duas Cidades", de Charles Dickens. "Era o melhor dos tempos, era o pior dos tempos; (...) era a estação das Luzes, era a estação das Trevas; era a primavera da esperança, era o inverno do desespero."

A Paris revolucionária do final do século 18, onde os personagens londrinos Darnay e Carton vivem a sua agonia, torna verossímil a imagética apocalíptica contida naquelas sentenças iniciais. O Brasil em transe desde 2013 não é para tanto.

A violência ao final do último protesto em Brasília não destoou da habitual. Células neoanarquistas abrigadas nas marchas da esquerda botaram para quebrar.

Não há multidões a guerrear contra o statu quo. Tampouco há tropas do czar patrocinando banhos de sangue em reação. As PMs são mal preparadas para a repressão, mas não deixaram rastro de cadáveres ao atuarem nos protestos, alguns bem violentos, dos últimos quatro anos.

O "Exército nas ruas" era uma piada das redes esquerdistas que às vezes gostam de alegorias como as de Dickens. Um punhado de soldados a resguardar prédios da União após as depredações em nada remete a autoritarismo ou ditadura.

O chamado mercado também tem seus momentos barrocos. O "tudo ou nada" associado à realização breve da reforma da Previdência é um exagero. Vamos logo observar indicadores e expectativas se acomodarem, com prejuízo modesto, à perspectiva de que esse importante acerto de contas aconteça apenas em 2019.

E o que dizer das propostas que brotam no noticiário de punição coletiva aos políticos com atropelo de regras constitucionais? Antecipar eleições gerais? Com que poder revolucionário o faríamos? Quem lideraria a cruzada? Os templários do Ministério Público e do Poder Judiciário?

Um pouco de ceticismo nos faria bem. O Brasil não vai acabar nem se salvar amanhã.

O monstro terno - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 29/05

RIO DE JANEIRO - A realidade política brasileira tem sido comparada a um filme de terror. E com razão, porque, não importa para que lado se olhe, o cenário é de porões de castelos assombrados, caninos ensanguentados, homens peludos, mortos que caminham e mulheres de maus bofes. Para completar, vários dos nossos políticos têm o "physique du rôle" para interpretar Drácula, o Lobisomem, Norman Bates, Freddy Krueger e até Minnie Castevet, a vizinha de apartamento de "O Bebê de Rosemary".

Em muitas dessas comparações, as pessoas citam Boris Karloff —como se, por ter feito os papéis-título em "Frankenstein" (1931) e "A Múmia" (1932), ele fosse um símbolo do horror. Mas, olhe, é uma injustiça. Boris Karloff apenas viveu aqueles papéis, e os dois filmes ficaram entre os maiores do gênero. Na vida real, Karloff (1887-1969) foi um dos homens mais queridos de Hollywood.

Ele era, na verdade, inglês, com formação teatral, fã de Joseph Conrad e amigo de escritores e dramaturgos. Devia ser um grande ator, já que, conhecido por sua suavidade e ternura para com os amigos, os filmes só o queriam para viver loucos, drogados, carrascos, sádicos e até violadores de túmulos.

Karloff trabalhava em Hollywood, mas mantinha um apartamento em Nova York, no —logo onde— edifício Dakota, onde se passa "O Bebê de Rosemary" e onde John Lennon seria morto em 1981. No Halloween, Karloff deixava doces e balas à porta dos apartamentos do Dakota onde moravam crianças –adorava-as e não queria que tivessem medo dele. Para elas, gravou disquinhos infantis e trabalhou em "Alice no País das Maravilhas" e "Peter Pan" na Broadway.

Karloff dizia que, ao morrer, queria ser enterrado maquiado de Frankenstein. Não foi possível. Nossos políticos não terão esse problema —bastará que sejam enterrados como si mesmos.

Poder e responsabilidade - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 29/05

A Constituição de 1988 deu a cara que o Ministério Público (MP) tem hoje. Alçou a instituição à condição semelhante de poder independente e a inseriu no dia a dia da vida dos brasileiros. Até então, o órgão padecia de uma espécie de conflito existencial, ora atuando como patrono dos interesses do Estado, ora como fiscal dos atos de agentes deste mesmo Estado, de quem, em última análise, dependia para funcionar. A nova Carta Magna reconfigurou o papel do MP e deu origem a uma instituição totalmente autônoma - funcional e administrativamente - e independente de quaisquer controles dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

O Ministério Público foi uma instituição que saiu muito fortalecida da Assembleia Nacional Constituinte. À independência administrativa, funcional e financeira, somou-se a significativa ampliação da esfera de atuação do órgão - especialmente com o instituto da Ação Civil Pública -, dando-lhe projeção, protagonismo e, sobretudo, poder. Tanto é assim que é justamente o Ministério Público que abre o Capítulo IV da chamada “Constituição Cidadã”, o que trata das funções essenciais à Justiça. Sem dúvida, fortalecer o Ministério Público representou um enorme ganho para a sociedade brasileira, que saíra havia pouco de uma ditadura que a privou do exercício dos mais elementares direitos.

Entretanto, ao significativo ganho de poder do Ministério Público na vida institucional do País não houve correspondência na criação de mecanismos de controle que pudessem conter eventuais excessos e, nos casos mais graves, abusos dos membros daquela instituição. O controle interno - e único - dos atos de promotores e procuradores de justiça é exercido pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), criado em dezembro de 2004 pela Emenda Constitucional n.º 45.

O colegiado é composto pelo procurador-geral da República, que o preside, e mais 13 conselheiros, que são indicados pelas instituições de origem às quais pertencem - Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar, além de advogados - e devem ser aprovados pelo presidente da República e pelo Senado. Em suma, promotores e procuradores têm as suas condutas controlados fundamentalmente por seus pares. Trata-se de uma excrescência da ordem constitucional brasileira que precisará ser enfrentada com coragem numa necessária revisão da Carta.

Em um regime que se propõe democrático, é essencial o controle externo de uma instituição republicana por outra - o chamado sistema de pesos e contrapesos. Ora, se este balanço institucional vigora plenamente para os Três Poderes da República, por que não haveria de valer para uma instituição que, repita-se, foi alçada à categoria de poder independente pela ação de seus próprios membros? Lembre-se que Executivo e Legislativo são ainda mais controlados, dada a natureza eletiva dos cargos que os compõem.

O Ministério Público tem prestado um grande serviço ao País. A Operação Lava Jato tem produzido bons resultados, tanto do ponto de vista jurídico como do ponto de vista da opinião pública, que passou a ver nela as razões para restaurar a confiança no primado elementar da igualdade de todos os cidadãos perante a lei. De pouco valerá este legado, no entanto, se, tal como cruzados, promotores públicos e procuradores de justiça insistirem em assumir o papel de purificadores da vida institucional do País, promovendo a explosão da legítima atividade político-partidária, usando a justa indignação da sociedade como combustível para levar a cabo seus próprios desígnios corporativos.

Não são apenas a Presidência da República, o Congresso Nacional, a classe política em geral que estão sob escrutínio da sociedade, como é natural num regime democrático. O Ministério Público também. Os inegáveis avanços da Operação Lava Jato lhe parecem um salvo-conduto para agir sem questionamentos. Não são.

Autoridade e vandalismo - DENIS LERRER ROSENFIELD

ESTADÃO - 29/05

O presidente Temer fez o que tinha de fazer: restabeleceu a ordem, com auxílio do Exército



Para melhor compreendermos as violentas manifestações de rua da última semana, tendo como roupagem todo um falso vocabulário democrata, torna-se necessário melhor avaliarmos a questão do Estado e da democracia.

Quando o presidente Temer se viu confrontado pela violência instaurada em Brasília, foi levado a fazer uma escolha, tendo como foco o restabelecimento da autoridade estatal, que estava sendo minada. E tomou para si, como presidente da República, a difícil decisão de chamar o Exército Brasileiro para a defesa da ordem pública, abalada. Deixou claro para a sociedade brasileira que seu objetivo consistiu em defender o Estado e o regime democrático.

Se não o fizesse, não estaria exercendo a autoridade que lhe confere a Constituição. Se não o fizesse, estaria abdicando de sua função de governar, dando livre curso à violência. Se não o fizesse, estaria dando o exemplo de que o caminho da desordem pública estava aberto para novas manifestações por todo o País. Se não o fizesse, estaria renunciando a sustentar o Estado. Um sim seria dado à generalização da violência.

Vivemos uma situação única e particularmente explosiva, pois, após a captura do Estado pelo aparelho lulopetista e aliados, com a corrupção tendo se infiltrado decisivamente no sistema político-partidário, as regras democráticas começaram a servir aos mais distintos propósitos. Por exemplo, as manifestações são apresentadas como “pacíficas”, próprias a um regime democrático, quando visam, na verdade, a enfraquecer ainda mais a democracia por meio da violência.

Que não se venha repetir a patranha de sempre: que as manifestações são pacíficas, porém “infiltradas” pelos black blocs. Todas as manifestações da esquerda são acompanhadas pela violência, o que não se vê com as organizadas por MBL, Vem Pra Rua e outros movimentos, que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff. Tanto são os vândalos acobertados que, mascarados e com bombas caseiras, são defendidos pelos mesmos grupos de esquerda que organizam essas manifestações.

São, também, defendidos por advogados da mesma esquerda, que se autointitulam de “democratas” e defensores dos “direitos humanos”. Na Câmara dos Deputados e no Senado são apoiados por parlamentares que, nessas Casas, têm introduzido a baderna como meio de paralisação dos trabalhos parlamentares. Reproduzem o mesmo estilo de atuação, que toma a democracia para subvertê-la.

A anomia caracteriza-se pelo fato de as regras democráticas começarem a funcionar no vazio, como se fossem independentes do Estado. Dada a herança lulopetista e seus desdobramentos posteriores, os cidadãos não se sentem mais representados, o que faz com que as instituições sejam enfraquecidas e mesmo corroídas por dentro. Segue-se a falar de democracia num quadro de desmoronamento institucional.

Pode ocorrer que o uso que se faça das regras democráticas tenha o intuito de enfraquecer o próprio Estado. Defende-se uma forma de democracia que começa a perder sua substância, uma vez que o aparelho estatal se desarticula, vítima que veio a ser de uma apropriação “privada e partidária” e criminosa. O Estado foi tomado de assalto e os invasores apresentam-se como democratas.

Quando o presidente Temer assinou o decreto de Garantia da Lei e da Ordem, nada mais fez do que seguir a Constituição, em seu artigo 142, que lhe atribui essa função na defesa do Estado Democrático de Direito. Deixou claro que não compactuaria com a desordem nem com a subversão da democracia. Deixou igualmente claro que, uma vez restabelecida a ordem, revogaria o decreto, o que fez no dia seguinte, quando os manifestantes saíram, em seus ônibus, de Brasília.

Note-se que a atitude do Exército, como expresso pelos ministros do GSI, general Sergio Etchegoyen, e da Defesa, Raul Jungmann, foi nitidamente defensiva, visando a resguardar a vida dos funcionários nos ministérios depredados e incendiados e o patrimônio dos prédios públicos federais.

Imaginem a angústia e o medo de funcionários em ministérios sendo incendiados, precisando fugir das chamas, da fumaça e da asfixia. Imaginem a angústia e o medo de pessoas trabalhando em seus escritórios, sob o impacto de pedras e outros artefatos que destroem as paredes de vidro de suas instalações. O que poderia acontecer se a violência não fosse contida?

Os esquerdistas de sempre, PT, PSOL, PCdoB e Rede, logo passaram a falar de “repressão militar”, violação da democracia e assim por diante, num festival de besteiras sem igual. Alguém viu o Exército reprimindo alguém? Há um único vídeo ou foto a esse respeito?

Repito: teve uma atitude defensiva, de contenção da violência que se espalhava por toda a Esplanada dos Ministérios. Simbolicamente, sustentou as instituições e a democracia. Os falsos democratas são os que se insurgem contra essa atitude constitucional e compactuam com a violência.

Para quem esteve em Brasília nesse dia, a capital federal mais parecia uma praça de guerra. Fumaça em vários lugares, bombas sendo lançadas por manifestantes, vândalos atacando a polícia, em vez de fugirem dela, incêndios em ministérios e nas ruas, pontos de ônibus destruídos e banheiros químicos queimados.

A Polícia Militar do Distrito Federal havia sido transbordada, não era mais capaz de exercer a sua missão. A Força Nacional existente naquele momento em Brasília era constituída por pouco mais de cem policiais, número nitidamente insuficiente para conter a violência, que se alastrava.

O presidente Temer fez o que deveria ter feito, restabelecendo a ordem, com o auxílio do Exército, no estrito cumprimento de suas responsabilidades constitucionais. Protegeu o patrimônio nacional e a vida das pessoas, transmitindo à Nação a mensagem de que a violência não é opção para a democracia. Não há democracia sem autoridade estatal.

*PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS

Um erro renovado - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 29/05


Em 40 anos, o Brasil cometeu duas vezes o mesmo equívoco de se fechar ainda mais


Há uma compreensível aliança entre profissionais e empresários que dependem de encomendas de estatais, de bens e serviços, em favor de reservas de mercado, de medidas protecionistas que os protejam da concorrência externa. Barreiras desse tipo são quase uma constante na história da industrialização brasileira. Mesmo quando são barreiras naturais, pela falta de divisas.

O uso do enorme poder de compra da Petrobras, a maior das empresas públicas, grande mesmo em escala mundial, exerce irresistível sedução sobre governos. Se ele for nacionalista, de “direita” ou “esquerda”, é quase certo que aderirá a políticas deste tipo.

Nas últimas quatro décadas, o país viveu duas vezes a experiência, mas de sinal ideológico trocado: com a ditadura militar, e na fase nacional-populista do PT, a partir do final do primeiro governo Lula, quando a então ministra de Minas e Energia Dilma Rousseff ocupou a Casa Civil, no lugar de José Dirceu, abatido pelo mensalão.

Os resultados foram negativos. Na era Geisel, na ditadura, foi lançado amplo programa para substituir compras no exterior de máquinas, equipamentos e insumos básicos. Projetos nos setores de petróleo, petroquímica e siderurgia serviram de alavanca para gerar encomendas ao mercado interno. No lulopetismo, a Petrobras foi a âncora de um projeto com o mesmo objetivo: exigir índices elevados de nacionalização para os equipamentos encomendados a partir de projetos gerados principalmente em torno da atividade de exploração da Petrobras e grupos associados. Inclusive navios.

Nos dois casos, o BNDES foi o principal financiador do programa. Amplia-se a produção dos bens e serviços protegidos pela reserva de mercado, multiplicam-se empregos, cresce o subsídio do Tesouro, sempre de forma pouco transparente para a sociedade, embutido em juros camaradas, mas vem a inflação, o quadro fiscal desanda e tudo desinfla em escombros.

No caso da era Geisel — quando as contas públicas, além de não serem expostas de forma clara, eram mascaradas pela inflação —, o segundo choque do petróleo, sem que o país fizesse o ajuste devido — éramos a “ilha de paz e prosperidade” —, acelerou a debacle. A conta dos subsídios, jamais conhecida ao certo, ficou embutida na dívida interna, para o contribuinte pagar, também na forma de hiperinflação.

Na experiência lulopetista, com inflação em alta, porém mais baixa que na era Geisel, e sem correção monetária, foi mais fácil detectar o efeito do aumento de custos sobre Petrobras e petroleiras em geral, decorrente da reserva de mercado radical. Com razão essas empresas reclamaram. O crime de responsabilidade de Dilma, no campo fiscal, levou-a ao impeachment e abriu caminho para se começar a remover esses entulhos.

A torcida é para que se tenha aprendido que, sem investimentos no aperfeiçoamento da mão de obra, em tecnologia e a abertura para o mundo, segmentos da indústria brasileira não ganharão eficiência. O sonho da autossuficiência em tudo acabou com o avanço da globalização. Que não se repita pela terceira vez o mesmo erro.

Como restaurar a pinguela - RICARDO NOBLAT

O Globo - 29/05

Embora estrebuche na maca e negue que renunciará ao mandato, Michel Temer ainda não teve a má ideia de dizer que só sairá do Palácio do Planalto amarrado à cadeira presidencial. Era assim que Delfim Netto, ministro da Fazenda da ditadura militar de 64, prometia fazer se um dia o derrubassem. Depois de sete anos como o todo-poderoso xerife da economia, Delfim acabou demitido, mas a cadeira ficou.

A CADEIRA PRESIDENCIAL continuará sendo ocupada por Temer até que se entendam em torno de um nome para substituí-lo os protagonistas de sempre da cena política nacional — partidos, ministros de tribunais superiores, empresários e banqueiros. Fracassou quem havia se oferecido para unificar o país. A pinguela caiu. Mas quem irá restaurá-la para que o país consiga chegar em paz às eleições diretas de 2018?

NO PRÓXIMO DIA 6, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) começará a julgar a ação do PSDB que pede a impugnação da chapa Dilma-Temer por abuso de poder econômico nas eleições de 2014. O placar, ali, estava 5 a 2 para inocentar Temer e condenar Dilma antes que o empresário Joesley Batista delatasse Temer. Hoje seria de 4 a 3. O futuro a Deus pertence, e também ao ministro Gilmar Mendes, presidente do TSE.

GILMAR É AMIGO de Temer e um dos seus conselheiros mais influentes. Para escapar de grampos, os dois só se comunicam por meio de emissários. Mas Gilmar tem amigos em toda parte e não se nega a ajudá-los. Provou-o ao atender pedido de Aécio Neves para que convencesse o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) a aprovar o projeto de lei sobre abuso de autoridade. Por ora, Aécio expia seus pecados em prisão domiciliar voluntária.

A IMPUGNAÇÃO da chapa pelo TSE atenderia a uma das condições de Temer para deixar o poder: preservar a sua biografia. Foi Dilma que cuidou das contas da campanha. Logo, a culpa fora dela. Outras condições: não ser punido; alguma proteção para os amigos encrencados na Lava-Jato; não recondução de Rodrigo Janot ao cargo de procurador-geral da República; e ser ouvido para a escolha do seu sucessor.

TEMER IMAGINA que ganhará uma sobrevida se a perícia da Polícia Federal concluir que foi adulterada a gravação de sua conversa com Batista. Quando nada, isso serviria para livrá-lo da acusação de que tentou obstruir a Justiça ao incentivar Batista a seguir pagando pelo silêncio de Eduardo Cunha. Das outras acusações — corrupção passiva e organização criminosa —, acha que se livrará facilmente. A ver.

OBSTRUÇÃO DA JUSTIÇA foi o que levou o ex-senador Delcídio Amaral para a cadeia. Por encomenda de Lula, Delcídio pagou para que Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras, ficasse calado em Curitiba. Diante da Justiça, a situação de Temer é pior que a de Delcídio. Esse, pelo menos, amenizou a sua delatando. Temer poderá ser alvo de novas delações e de provas mantidas em sigilo até aqui.

HÁ UM ACORDÃO sendo costurado no Congresso capaz de beneficiar Temer, mas concebido para estancar a Lava-Jato. Um dos seus pontos é rever a posição do Supremo Tribunal Federal que, por 6 a 5, decidiu que condenado em segunda instância da Justiça será preso. Delação só para quem estivesse solto. E perdão para suspeito de ter feito caixa dois. Por esse ralo escaparia muita gente.

ESCAPARIA LULA, que mesmo se condenado em segunda instância estaria livre e à vontade para disputar as eleições de 2018.