sábado, março 26, 2016

Não vai ter golpe! - HÉLIO SCHWARTSMAN

Folha de SP - 26/03
Se "golpe de Estado" significa ruptura da ordem constitucional, como parece mais ou menos consensual, então os simpatizantes do governo de Dilma Rousseff estão certos ao cantar "não vai ter golpe!". Os acontecimentos dessa crise têm sido surpreendentes, não raro descambando para o surrealismo, ainda assim, por mais que eu ponha a imaginação para trabalhar, não vislumbro tanques tomando as ruas do país para apoiar aventureiros civis ou militares.

Há várias possibilidades verossímeis de desfecho. Elas incluem manutenção do atual governo até o fim do mandato, impeachment, cassação e renuncia –todos eles conciliáveis com a Carta. Evocar um paralelo com o golpe de 64 ou acenar com o espectro de um "salvador da pátria" pode até produzir algum efeito retórico, mas são cenários que parecem pouco compatíveis com a realidade.

Ao contrário do que tenho lido em comentários na imprensa, penso que as pessoas, incluindo a maior parte dos militantes de ambos os lados, têm se comportado até aqui de forma exemplar. Multidões que se contam em várias centenas de milhares têm tomado as ruas num ambiente de forte polarização e não há por enquanto registro de grandes incidentes. Os episódios de violência foram limitados e não raro alimentados pela já proverbial inabilidade de nossas polícias militares de lidar com aglomerações e protestos.

A democracia, como já escrevi aqui, é necessariamente barulhenta e um pouco mal-educada. Acusar, xingar, exagerar, pedir o impeachment, convocar a resistência ao golpe, tudo isso é legítimo e faz parte do jogo. A democracia, nunca é demais lembrar, não elimina o conflito entre diferentes tendências políticas que existem em qualquer sociedade. Ela apenas procura discipliná-lo, de modo que a disputa pelo poder se resolva pela vias institucionais e não as de fato. Até aqui e até onde a vista alcança, está funcionando bem.

O nome da traidora - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 26/03

O golpe de 1964 consumou-se porque o "dispositivo militar" de Jango Goulart não passava de um blefe do general Assis Brasil.

O golpe em curso, identificado pelo governo, avança na estrada aberta pela inércia de Dilma Rousseff, que prefere denunciá-lo em discursos a aplicar as medidas previstas na Constituição. O remédio está no artigo 137, que prevê a decretação do estado de sítio na hipótese de "comoção grave de repercussão nacional".

Sob o estado de sítio, o governo adquire poderes excepcionais para reprimir os golpistas, suspendendo a liberdade de reunião, restringindo a liberdade de imprensa e encarcerando os conspiradores. Mas a presidente nada faz, exceto falar. Isso se chama traição.

No Itamaraty, o diplomata Milton Rondó Filho emitiu circulares às representações no exterior com mensagens de alerta sobre o golpe, mandando que fossem transmitidas à opinião pública no estrangeiro. O gesto patriótico, um eco das denúncias emanadas do Planalto, valeu-lhe admoestação oficial e foi anulado por circular do secretário-geral do ministério.

A conspiração golpista tem ramificações dentro do próprio governo. Dilma reuniu em palácio, num ato de denúncia do golpe, os juristas Celso Bandeira de Mello, Dalmo Dallari, Fábio Comparato e Paulo Bonavides. Em 2001, os quatro protagonizaram tentativa de golpe urdida pelo PT, apresentando pedido de impeachment de FHC.

Os golpistas arrependidos, hoje convertidos em arautos da legalidade, conhecem o texto constitucional. Mesmo assim, não apontaram à presidente a solução contida no artigo 137, uma evidência de que simpatizam secretamente com os conspiradores. Na campanha de defesa da democracia, o governo deve se afastar de aliados ambíguos, cujos princípios oscilam ao sabor das circunstâncias.

A conspiração avança à luz do dia, usufruindo da inação do governo. Uma vantagem disso é que a identidade dos golpistas não está coberta pelo manto da clandestinidade. Na sua missão legalista, o governo tem o dever de elencar os criminosos. Ofereço uma lista preliminar de perigosos subversivos.

1) Sergio Moro. Crimes: violação da lei, instauração do arbítrio. O juiz obtém confissões pelo recurso à "extorsão" (Eugênio Aragão), persegue Lula por motivos políticos e divulga áudios privados da Presidência da República, ameaçando a "segurança nacional" (Dilma). Co-réus: juízes do TRF da 4ª Região, do STJ e do STF que confirmaram suas decisões.

2) Procuradores, auditores e policiais da força-tarefa da Lava Jato. Crimes: atentados contra a ordem política e econômica. A "república de Curitiba" prepara o golpe criando comoção popular por meio de vazamentos seletivos e espalhafatosas operações midiáticas. Na orgia subversiva, desestabiliza a economia, gerando desemprego e "R$ 200 milhões em prejuízos" (Lula).

3) Rodrigo Janot. Crimes: os mesmos que pesam sobre a força tarefa. O Procurador-Geral aceita delações premiadas obtidas por "extorsão" e autoriza interceptações telefônicas que envolveram a presidente.

4) Mídia. Crime: difusão de notícias destinadas a provocar comoção social. A imprensa coordena a operação golpista, disseminando os vazamentos oriundos da "república de Curitiba". Na lista de subversivos, excetue-se a "imprensa" patriótica baseada na internet e financiada por empresas estatais.

5) STF. Crime: legalização do plano golpista. A corte suprema definiu o rito parlamentar do impeachment, que é a forma política assumida pelo golpe de Estado.

6) Manifestantes do 13 de março. Crime: insurreição contra a democracia. Os milhões nas ruas são a infantaria da conspiração golpista.

Dilma trai a Constituição ao convocar CUT, MST e MTST à resistência contra o golpe. Sua obrigação é, na forma da lei, solicitar ao Congresso a decretação do estado de sítio. Se não a cumprir, sujeita-se a impeachment.

Só as baratas - IGOR GIELOW

FOLHA DE SP - 26/03

BRASÍLIA - A opção do ex-governo Dilma de ser enterrado sob protestos, enquanto lícita, evidencia algumas questões graves do momento.

O fato de que o PT não irá largar o osso com facilidade não só antevê o risco de batalhas nas ruas, mas poderá ter consequências nefastas sobre a gestão pública durante a transição para uma nova administração.

Exemplo algo benigno é a atitude de um diplomata apadrinhado do Planalto de mandar um telegrama alertando para o que o governo insiste em chamar de "golpe" ao exterior. Esse aparelhamento só é compatível com ditaduras da pior espécie.

Se isso ocorre no Itamaraty, sede da ideia de carreira de Estado por natureza, imagine o que irá acontecerá com cargos comissionados Brasil afora no caso de queda do governo.

Trata-se de um pequeno exemplo dos problemas à frente. É previsível a agitação de setores organizados à perda de poder após 13 anos; resta saber se ela transbordará às ruas.

Se sim, restará às autoridades, estaduais pois assim rege a Constituição, regular a ordem desse esperneio. Tudo o que as Forças Armadas não querem é ser obrigadas a intervir nessa confusão prática–não confundir com golpes e afins.

Mas há riscos. Se Eduardo Cunha quer fazer um circo irresponsável da votação do impeachment, ao buscar marcá-la para um domingo a fim de maximizar o quórum de manifestantes do lado de fora (que já serão muitos de todo modo), precisa também saber que os olhos do mundo verão gente fardada em torno do Congresso. Não é preciso ser um gênio para entender a mensagem a ser enviada.

Mas o que assusta nem é isso. Se a ruinosa Dilma é tratada no pretérito, o futuro pertence a uma incerteza brutal. É lista da Odebrecht para cá, é delação para lá, mas o substrato é claro: numa guerra em que são empregados artefatos termonucleares, só sobrevivem por um tempo os artrópodes. É sobre baratas e escombros que discutiremos o amanhã.

A República dos petralhas e os protestos - RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ

O Estado de S. Paulo 26/03

Contrariamente ao que pensava Tocqueville em A Democracia na América, como sendo a República “o reino tranquilo da maioria”, para os petralhas ela é o reino intranquilo da minoria. Por um motivo: Lula, Dilma et caterva privatizaram as instituições republicanas para que fossem postas por eles a serviço de si próprios e dos seus amigos, tendo, de outro lado, cooptado empresários para que vendessem criminosamente bens e serviços superfaturados à Petrobrás, a fim de a elite petralha se beneficiar financeiramente e abastecer o partido para se tornar hegemônico.

É isso que está levando as multidões às ruas. Os petralhas incorreram no vício que Aristóteles, na sua Política, assinalava como característica dos regimes corruptos: estes ocorrem quando os que governam o fazem exclusivamente em benefício próprio. Ora, a dupla Dilma-Lula, com a posse do ex-presidente como novo ministro da Casa Civil, pensou em termos puramente domésticos, como se o Palácio do Planalto fosse a “casa da mãe Joana”. Tudo é gerido, nesta República de araque, em benefício exclusivo da grande família lulopetralha. Para o resto, a maioria esmagadora dos cidadãos deste país, não há uma explicação que deva ser dada.

Acresce a isso a deformação que Lula, como populista, impingiu ao Estado Democrático de Direito e às instituições republicanas. Para ele, estas são dispensáveis, num clima de patrimonialismo rasteiro – segundo o jornalista Ruy Castro, “Lula transferiu a Presidência para o mictório de botequim” (O estilo é o homem, jornal Folha de S.Paulo, 16/3.

Convenhamos que o ex-presidente encarna, assim, a figura mais atrasada do líder patrimonialista, aquele identificado com personagens lendários das letras latino-americanas, como o Patriarca (que remete à figura do ditador venezuelano Juan Vicente Gómez), que presidia uma republiqueta de bananas onde burocratas se misturavam com pedintes e filhos das amantes, num clima de bordel caribenho, segundo a contundente narrativa de Gabriel García Márquez em O Outono do Patriarca (1975).

Ou como o personagem central – o chefete provinciano Facundo Quiroga – da obra de Domingo Faustino Sarmiento intitulada Facundo, Civilização e Barbárie no Pampa Argentino (1846). Facundo Quiroga semeava a miséria entre pobres, remediados e ricos da Província de São Luís, na Argentina, taxando-os com uma carga tributária insuportável, tendo-os submetido previamente ao terror policial para “abrandá-los”.

Em ambos os casos, na Venezuela e na Argentina, o líder patrimonialista é essencialmente preguiçoso, somente se preocupando em se locupletar, bem como à sua corja de familiares e apaniguados, tendo as instituições republicanas caído na paralisia total. Tanto na narrativa de García Márquez quanto na de Sarmiento, só restou o poder privatizado na fazenda do tirano, que de público não tinha mais nada, pois tudo se converteu em função particular do caudilho. As notícias eram, segundo García Márquez, ilicitamente editadas por uma engenhoca que lia diretamente os pensamentos do dono do poder e os formatava com grande rapidez, para manter incólume “a nau do progresso dentro da ordem”, a fim de “esconjurar a incerteza do povo num poder de carne e osso que, na última quarta-feira de cada mês, divulgava um informe sedativo de sua gestão de governo através da rádio e da televisão”.

Convenhamos que os chefetes petralhas foram, com a ajuda dos marqueteiros, muito eficientes na arte de fabricar mentiras e divulgá-las aos quatro ventos, tendo para isso decuplicado os gastos da Presidência da República com propaganda, ao longo dos anos de desgovernos petistas.

É claro o clamor das ruas nestes tempos de descarada reformulação do poder por parte dos petralhas, tendo Dilma se colocado como coadjuvante da ópera-bufa dirigida por Lula e encenada apenas pelos militantes do PT e os poucos colaboradores que restaram dos outros partidos, que já começam a abandonar a nau em perigo.

Três coisas exigem os cidadãos irados nas passeatas e manifestações que tomaram conta das praças, ruas e avenidas das cidades brasileiras:

1) A saída de Dilma da Presidência, pela via da renúncia ou do impeachment;

2) a submissão de Lula à Justiça, a fim de responder pelos seus crimes de enriquecimento ilícito e de atentado contra as instituições republicanas;

3 – a defesa da magistratura (notadamente do juiz Sergio Moro), do Ministério Público, da Polícia Federal e outras instâncias que colaboram com as autoridades na administração de justiça.

Pelo o que se vê pelo Brasil afora, os cidadãos deste país não estão dispostos a abrir mão de sanear as instituições. Não adianta políticos espertalhões, da oposição, tentarem capitalizar para os seus currais eleitorais a insatisfação da sociedade. Onde eles têm aparecido têm sido devidamente enxotados. A mensagem é clara: os brasileiros querem renovação da forma de fazer política. Ou os candidatos para as próximas eleições municipais reciclam os seus discursos e as suas propostas, ao vão colher a derrota nas suas bases.

A mensagem vale para as autoridades dos três Poderes. Para o Executivo é clara: o tempo de Dilma acabou. Para os magistrados vale também: os cidadãos estão de olho nas decisões dos tribunais e não aceitarão pedaladas jurídicas destinadas a manter incólumes os interesses dos donos do poder. Para o Legislativo é meridiana: os representantes do povo devem representar mesmo os interesses dos cidadãos; é necessário que o Congresso Nacional se ocupe, de forma prioritária, da reforma política, de modo a revalorizar a representação, com a adoção de mecanismos de aproximação entre eleitor e eleito, como é o caso do voto distrital.

Dilma prepara o golpe - RONALDO CAIADO

FOLHA DE SP - 26/03

O governo do PT, no desespero dos sucessivos flagrantes a que a Operação Lava Jato o submete, busca desafiar as evidências, a Polícia Federal, o Poder Judiciário e os brasileiros. Para isso, não economiza no uso de mentiras contra as instituições democráticas. "Não vai ter golpe!" se tornou slogan de Dilma, Lula e do reduzidíssimo número de apoiadores desse desgoverno tomado pela corrupção em todos os seus níveis.

Os governistas golpeiam o Estado democrático de Direito e a inteligência dos brasileiros. Não à toa, sempre quando questionados sobre as denúncias e as provas de corrupção, respondem com essa frase de (d)efeito mais gasta que a imagem deles nestes últimos 14 anos. É como o gatuno que, ao bater a carteira alheia, grita "pega ladrão!", manobra que não resiste ao mais banal dos exames.

O que é um golpe, senão a ruptura da ordem constitucional? Portanto, a Constituição não pode regulá-lo e a ele só se refere para estabelecer punições. A Constituição prevê o impeachment (artigos 51, 52 e 85), nos casos dos crimes de responsabilidade. Não bastasse, o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, regulou o seu rito.

E ministros já deram declarações sobre a legalidade do impeachment e da Lava Jato, como Dias Toffoli e Cármen Lúcia, em sintonia com Carlos Velloso e Carlos Ayres Britto, dois ex-presidentes do STF. Sergio Moro age com rigor constitucional; suas decisões, submetidas aos tribunais superiores, têm sido confirmadas na quase totalidade (96%).

Opor-se ao impeachment, e não aos argumentos que o embasam, é o que se chama contradição em termos –tese que se autodesmente; chicana jurídica, artifícios processuais para impedir que se faça justiça. Mas há bem mais. Enquanto a OAB nacional apoiava a saída democrática da presidente, houve uma inacreditável reunião nesta semana da presidente com juristas chapa-branca. Uma afronta ao interesse público. O Palácio foi profanado, povo e instituições –Congresso e Judiciário, imprensa–, insultados, a Constituição, pisoteada. A presidente transformou o Planalto em palanque, o bem público, em sede partidária. Um governo é eleito por uma parte do eleitorado para governar o todo –e o que faz tem de corresponder ao interesse de todos. Não é, obviamente, o caso, como demonstram pesquisas e manifestações de rua.

A presidente não se contentou em restringir tais delitos ao âmbito do país. Convocou 40 embaixadores para difundir ao mundo a calúnia do golpe. Os presidentes da Bolívia, Evo Morales, e da Venezuela, Nicolas Maduro, fazendo eco a Dilma, prometeram agir caso ela seja deposta.

Não ficou claro o que pretendem: invadir o Brasil? Simultaneamente, os tais "movimentos sociais" –e é indispensável mencioná-los entre aspas, pois são braços partidários, providos com dinheiro público– decidem reverberar, na sua linguagem carnívora, os destemperos palacianos. Guilherme Boulos, do MTST, fazendo coro a João Pedro Stédile, do MST, promete "incendiar o país". O mantra da guerra civil, estimulado por Lula, é repetido pela militância Brasil afora.

Promovem essa suposta insurgência com um único propósito: decretar Estado de Defesa, buscando apoio militar. É irônico: Dilma quer buscar nos quartéis a sua própria salvação. O governo já estaria consultando o Ministério da Defesa. Assim, seriam restritos direitos a reuniões, sigilos de correspondência e de comunicação. Tudo o que um governo caótico deseja: fugir das graves denúncias e restringir a liberdade de seus cidadãos. Esse é o verdadeiro golpe de que Dilma, Lula e o PT tanto falam.


A voz rouca da crise - RONALD DE CARVALHO

O GLOBO - 26/03

A corrupção no Brasil pode acabar pela própria voz dos corruptos. O juiz Sérgio Moro quer manter as mãos limpas da Justiça, através do sucesso da operação Lava-Jato.


A corda da execução está sendo trançada pelo próprio enforcado, e o juiz Moro explica como a transparência do processo e a aliança com a sociedade são fundamentais para resistir às pressões dos poderosos que quer processar na investigação. Sérgio Moro, dirigindo no império da Justiça e no limite da lei, promoveu a divulgação do conteúdo dos grampos de Lula que escandalizaram o país.

Esse era o objetivo. Moro tem consciência que administra muito mais do que um simples processo criminal, mas a demolição de uma organização empresarial criminosa com ramificações parlamentares, jurídicas e administrativas. Só com a aliança do povo não correria os riscos cometidos na Itália pela operação Mãos Limpas, dos anos 90.

A ironia é um dos melhores temperos da História. Casos de amor terminam em tragédia, e festejados ideais podem ser levados ao esgoto. A portentosa Mãos Limpas, realizada a partir da década de 1980, na Itália, pelos magistrados Paolo Borsellino e Giovanni Falcone, começou pelas denúncias de que Bukovsky, ex-agente da KGB, estava injetando dinheiro no Partido Comunista Italiano e terminou com o testemunho do ex-mafioso Tommaso Buscetta, por ser o primeiro capo da máfia italiana a quebrar o código de silêncio ou a omertà.

Qualquer semelhança, não é mera coincidência.

Houve um momento em que a população perdeu a capacidade de se indignar. A falta de informação e a banalização dos delitos anestesiaram o caráter do povo italiano.

A farsa da História corria o risco de se repetir. O promotor Di Pietro, o homem que inventou a delação premiada na Itália, temeu a repetição no Brasil e, sobretudo, as pressões que Sérgio Moro irá receber. Ele alertou que Moro vai ser criticado e podem querer transformá-lo no inimigo da classe política brasileira e, com isso, desviar a atenção das investigações.

Sérgio Moro tem plena consciência de que a divulgação dos diálogos de Lula deixaram o mito despido. O povo fala de forma simples e descuidada, mas não gosta que sua mãe, mulher e filhas ouçam grosserias e palavras sujas. Lula esqueceu que o povo é pobre, mas é limpo.

O juiz, com frieza de cirurgião, estratégia de diplomata e malícia de feiticeiro, em 48 horas, fez o povo saber quem é o verdadeiro Luiz Inácio da Silva, que, com a publicação de meia dúzia de diálogos sórdidos, provou a seu povo que nunca foi a criatura imaginária que criaram para Lula.

O rouco e pornográfico Luiz Inácio da Silva traiu o mito Lula. Há anos, quando Sérgio Moro era apenas um grande estudioso do processo italiano, que imortalizou Paolo Borsellino e Giovanni Falcone, já sabia o papel que reservaria à opinião pública na hora exata. "A publicidade conferida às investigações teve o efeito salutar de alertar os investigados em potencial sobre o aumento da massa de informações nas mãos dos magistrados, favorecendo novas confissões e colaborações", já garantia o juiz Moro.

A voz rouquenha e o destempero oratório que fizeram de Lula o mito popular podem soar como frases musicais de seu réquiem. As palavras impróprias de Luiz Inácio e o inconveniente de entrar nas casas de família traem Lula, mesmo quando ele tenta falar como o velho líder das multidões. Há pouco, quando do alto de um palanque, confessava que era o único capaz de incendiar o país, não mais assustava, apenas revelava a absurda irresponsabilidade que representa.


O ódio à Lava Jato - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 26/03

Faz tempo que o Brasil convive com um nível imoral de impunidade. E essa conivência é causa de grande desgosto para a imensa maioria dos brasileiros, que vivem com o suor de seus rostos e sabem que não há dinheiro fácil. Por essa razão, a Operação Lava Jato é tão respeitada e admirada pela população. Essa série de investigações, que começou a punir poderosos que até pouco tempo atrás nunca tinham levado a sério a possibilidade de um período atrás das grades, parece ser uma luz no fim do túnel. É o início de um trajeto que, se bem trilhado, pode pôr fim a um nível endêmico de corrupção na vida pública.

Esse trajeto, no entanto, não é isento de perigos. Há muito dinheiro envolvido. Há muitos interesses que antes tinham pista livre e agora são contestados. Ou seja, nem todo mundo está contente com a Operação Lava Jato. O PT e o Palácio do Planalto, por exemplo, não podem ter muita simpatia pelas investigações que desvelaram um sistema de corrupção meticulosamente instalado no governo e nas estatais, no qual líderes políticos, agentes públicos e empresários atuavam promiscuamente em benefício pessoal ou partidário, em claro detrimento do interesse público.

Diante da incapacidade de apresentarem respostas satisfatórias à Justiça para tantas denúncias de corrupção, o PT e o Palácio do Planalto foram buscar uma escapatória em sua ideologia. Querem aplicar a todo custo a máxima - tão cara à ética petista - de que os fins justificam os meios. Nessa esquisita lógica, o que realmente importa é fazer prevalecer o projeto de poder petista. Propinas de empreiteiros ou desvios de verbas em estatais não seriam intrinsecamente maus ou ilícitos. O único juízo que caberia fazer a respeito dessas ações é sobre sua utilidade ou não para a manutenção do lulopetismo no cume do governo.

O PT bem sabe que essas afirmações expressas de forma direta soariam mal aos ouvidos da maioria dos brasileiros, ainda tão afeitos à “moral burguesa”. Era preciso afirmar isso com outras palavras - e aqui entra em jogo o mais recente e perigoso sofisma divulgado pelo PT e o Palácio do Planalto. Fugindo da única questão realmente importante - se o País foi ou não pilhado pelos governos petistas -, tentam uma imoral inversão de fatos já por si mesmos imoralíssimos.

Não querem discutir se violaram ou não a lei. Isso seria uma questão menor, de gente mesquinha. Eles estão acima dessas picuinhas. As respostas de Lula no depoimento à Polícia Federal são um cristalino exemplo desse modo nada decente de proceder. Assim como foi a maneira desleixada de a presidente Dilma Rousseff se defender em relação às pedaladas fiscais, tratando a Lei de Responsabilidade Fiscal como mero ornamento, e não uma norma vinculante que fixa claros limites à gestão do dinheiro público.

Na retórica petista, a disjuntiva é outra e eles se colocam como perseguidos políticos. São coitados e perseguidos. Nesse pouco convincente jeito de ver as coisas - mas muito repetido, como se a repetição desse algum tipo de substância a débil conteúdo -, os poderosos, os autoritários, os poucos democráticos seriam as pessoas e instituições que promovem a Lava Jato e só o fazem por ódio contra o líder Lula e seu magnânimo projeto de Brasil.

Nessa estranha versão dos fatos, todo o trabalho dos investigadores, dos promotores e dos juízes se basearia no descontentamento das elites com a revolução social promovida por Lula, que tanta gente tirou da miséria. O cerne da Lava Jato não seria o cumprimento da lei. Para o sofisma petista, a batalha travada na Lava Jato é entre os defensores dos reacionários - Polícia Federal, Ministério Público, Poder Judiciário - e os “progressistas”, aqueles que não se detêm diante da lei, pois só querem o “bem do povo”, que só eles conhecem e defendem. E tanto querem o “bem do povo” que se arriscam corajosamente por esse ideal, enfrentando as odiosas instituições retrógradas, que os perseguem acintosamente.

Essa esfarrapada retórica tem um caráter profundamente antidemocrático. Afinal, sem respeito à lei, não há igualdade entre os homens.


Farsa em curso - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 26/03

Se a História se repete como farsa, vivemos repetição do que ocorreu na Itália. Se é verdade que a História se repete como farsa, estamos vivendo no Brasil uma repetição de fatos acontecidos na Itália nos anos 1990, na época da Operação Mãos Limpas, que o juiz Sérgio Moro, estudioso do assunto, considera "uma das mais impressionantes cruzadas judiciárias contra a corrupção política e administrativa".

Com apoio popular grande durante os primeiros anos, a operação acabou atingida por diversas denúncias que, mesmo não tendo sido comprovadas, corroeram a confiança popular. A reação do sistema político teve seu auge com a eleição de Silvio Berlusconi como primeiro-ministro em 1994. Aqui, os governistas fazem o paralelo entre Berlusconi e o vice Michel Temer, do PMDB, na tentativa de convencer que a melhor solução é deixar tudo como está.

Os juízes Di Pietro - que mais tarde entraria na política - e Davigo foram convidados para serem seus ministros, mas recusaram diante da evidência de que o que Berlusconi queria mesmo era desmobilizar a Operação Mãos Limpas.

Tomou corpo, então, uma campanha de difamação contra as principais figuras da Operação Mãos Limpas, em especial do juiz Di Pietro, e acusações de abuso de poder nas investigações.

O mesmo vem acontecendo com o juiz Sérgio Moro, os procuradores doMinistério Público Federal e membros da Polícia Federal que fazem parte da força-tarefa, desde Lula atribuindo o desemprego recorde à ação anticorrupção até a tentativa de distorcer os fatos, transformando bandidos em mocinhos.

A farsa se completa com os boatos de que Lula estaria preparando um plano B de asilo no exterior caso venha mesmo a ser condenado. O mesmo aconteceu com Bettino Craxi, do Partido Socialista Italiano, condenado à revelia, que acabou se asilando na Tunísia, onde morreu, para não ir para a cadeia.

Em vez de aprovarem reformas que evitariam a corrupção, na Itália houve uma reação do sistema político, dos próprios investigados, pessoas poderosas e influentes, e foram aprovadas leis para garantir a impunidade. Por isso, os procuradores da Operação Lava-Jato propuseram as "10 medidas contra a corrupção", que pretendem apresentar como projeto de iniciativa popular ao Congresso ainda no primeiro semestre deste ano.

O procurador Deltan Dallagnol, coordenador do Ministério Público em Curitiba, anunciou esta semana que já conseguiram dois milhões de assinaturas no projeto. Na Itália de Berlusconi, o conselho de ministros aprovou um decreto-lei impedindo prisão cautelar para a maioria dos crimes de corrupção, a partir do que grande parte dos presos foi solta.

O decreto, que ficou conhecido como "salva ladrões", causou tanta indignação popular que acabou sendo revogado poucos meses depois de editado, mas provocou retrocesso nas investigações. Aqui, o PT já está tentando aprovar uma série de medidas que esvaziam o combate à corrupção.

O deputado petista Wadih Damous apresentou propostas que restabelecem um ambiente jurídico confortável para os corruptos. Uma delas define que só será aceita delação premiada de quem estiver em liberdade. O texto determina a preservação da identidade das pessoas mencionadas na delação e estabelece pena de até quatro anos de prisão para quem vazar delação.

Em outra proposta, Damous quer acabar com uma jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal que permite a prisão de condenado em segunda instância, restabelecendo o princípio de que, até o trânsito em julgado, o réu pode recorrer em liberdade.

A divulgação de uma suposta lista de doações da Odebrecht, com o nome de políticos que nem mesmo concorreram às eleições, colocou no mesmo saco todos os gatos, e o Congresso hoje se debate entre o processo de impeachment da presidente Dilma e a desmoralização de sua atuação.

Provavelmente a melhor saída institucional, como defende Marina Silva, e anteriormente o presidente do PSDB Aécio Neves, por sinal dois dos favoritos segundo as pesquisas eleitorais, seria a convocação de uma eleição presidencial, como previsto caso o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anule a eleição de 2014 por abuso de poder econômico.

Melhor ainda se houvesse uma maneira de convocar eleições gerais também para o Congresso, junto com as eleições municipais de 2016. Como não existe previsão constitucional para tal, o impeachment deve ser a saída imediata para a crise, mas não se deve descartar a hipótese de que a crise política se agrave tanto que seja preciso chegar a um acordo de renovação geral de mandatos para que seja possível reconstruir o país destruído.


Falta um gesto de grandeza - PLÁCIDO FERNANDES VIEIRA

CORREIO BRAZILIENSE - 26/03 

Eu ia começar a escrever este texto quando o som ecoou lá fora: "Prova de amor maior não há do que doar a vida a um irmão..." Pois é. Dou-me conta que é plena Sexta-feira da Paixão, quando cristãos do mundo inteiro relembram o dia em que Jesus Cristo foi crucificado e morto. Tantos séculos depois do calvário, é triste constatar que a humanidade ainda não aprendeu a lição maior: a de que devemos amar uns aos outros. No Brasil, por exemplo, vivemos dias de exacerbação de ânimos e de incentivo ao ódio contra o próximo.

Nas redes sociais, então, vive-se num mundo paralelo. Conflagrado. Território sem lei em que predomina espécie de vale-tudo. Uma idade das trevas dos tempos virtuais pós-modernos. Um second life reloaded, onde integrantes de patrulhas ideológicas, boa parte paga com dinheiro roubado para fazer esse serviço sujo, comportam-se como fascistas na perseguição aos que pensam diferente, jogam gasolina na fogueira e tentam reduzir o país a dois tipos de debiloides: os petralhas e os coxinhas. Não haveria vida inteligente fora disso.

Na política real, também falta grandeza. Um gesto de grandeza. De reconhecimento de que foi perpetrado estelionato eleitoral sem precedentes no país. No lugar da ética que Lula e o PT prometiam instituir na política, o que se viu, após a conquista do poder, foi o aprofundamento dos esquemas de corrupção. Primeiro com o mensalão. Depois com o petrolão. Seguidos das cenas vexaminosas de tesoureiros e caciques do partido presos, após a descoberta de bilionário esquema de desvio de dinheiro público sem paralelo na história brasileira.

Falta humildade à atual elite política para dizer ao povo que errou, renunciar ao governo e propor um pacto para garantir que a Lava-Jato vá até o fim nas investigações, livre de qualquer interferência política. Que tudo seja investigado e puna-se quem tiver de ser punido. À direita, à esquerda, ao centro.

Em qualquer país civilizado, um governo envolvido num gigantesco escândalo de corrupção como esse já teria caído. Se não caiu até agora é certamente porque o subdesenvolvimento ético e moral ainda resiste no Brasil. Com a Lava-Jato, se as investigações não forem logo enterradas mais adiante, o país pode dar um passo à frente. Principalmente com uma reforma política que garanta aos cidadãos mais poderes e mecanismos de controle sobre os eleitos. Um mandato, hoje, no Brasil, é como um cheque em branco daqueles que Lula um dia disse que daria a Roberto Jefferson, o homem que implodiu o mensalão e acabou implodido pelo próprio escândalo.

A hora da democracia - MARCO AURÉLIO NOGUEIRA

O Estado de S. Paulo - 26/03

Aceitemos, como hipótese para discussão, que esteja em curso no País um “golpe contra a democracia”. Um golpe, como se sabe, é um ato de força que infringe a legalidade e as instituições com que uma sociedade se governa e processa seus conflitos, que fere com a arma da excepcionalidade o que está instituído e os parâmetros éticos. Na visão governista, como tem repetido à exaustão o discurso oficial, esse golpe se materializaria no pedido de impeachment contra Dilma e no tratamento “inquisitorial” dispensado a Lula pela Justiça.

A imagem do “golpe”, no entanto, não está plenamente caracterizada, não se apoia em fatos concretos. O que enseja o surgimento de várias outras versões da tese. Algumas podem chegar até mesmo a ser mais convincentes e tecnicamente corretas do que a versão oficial.

O que prejudica mais a democracia, por exemplo: um processo de impedimento que corre segundo ritos e ritmos legais ou a catilinária disparata da presidente contra a Justiça, o Congresso e a mídia, uma arenga regressista como poucas se viram no País, de nível mais primário que falas exasperadas de agitadores de botequim? O que é mais antidemocrático: uma campanha pelo engajamento cívico da população contra um governo que não governa (e nessa medida prejudica a todos) ou o estímulo para que as pessoas se disponham a defender todo e qualquer ato, mesmo os mais destemperados, desde que ele venha com o carimbo do Palácio do Planalto?

É patético, e preocupante, ver o governo Dilma cercado por apoiadores que prometem “incendiar o País” e acabar com a “paz” caso o impeachment avance, alimentando a insanidade política e a violência só pela necessidade de obter tribuna. Não se trata de nada próximo do que se poderia chamar de esquerda, mas de uma estratégia de sobrevivência posta a serviço de um ataque contra o pouco de coesão social que existe por aí, contra as instituições democráticas e contra o bom senso.

A hora é, pois, de defender a democracia e de tentarmos nos entender, minimamente, sobre o significado que essa palavra deve ter entre nós. Democracia passa pelo respeito às leis, pelo Estado Democrático de Direito, tão falado nos últimos dias. Tem que ver com a admissão de que nenhum poderoso está acima da lei, o poder político governamental precisa ter freios e ser controlado, não pode mentir e eventuais bravatas de seus ocupantes precisam ser criticadas e desmascaradas – a serenidade e a sensatez são recursos democráticos por excelência. Passa pela integridade moral da classe política, por mais impreciso que isso possa ser. Necessita de espaços de liberdade de contestação e de cidadãos mobilizados, educados politicamente e dispostos a lutar por seus interesses. Exige a criação de um clima favorável ao diálogo e à resolução negociada de crises e problemas. Passa pela adoção de políticas que promovam justiça, igualdade e bem-estar para todos.

Boa parte desses pressupostos da democracia está em falta hoje. Pode ser que as oposições estejam açodadas no combate ao governo, mas a pouca oferta democrática tem no próprio governo sua maior fonte geradora. Um governo que não governa, que não tem qualidade de gestão, que se compõe conforme conveniências e interesses fisiológicos, que se vale de procedimentos destinados a dar privilégio de foro a seus correligionários, que agita para tentar se defender das críticas, que age para disseminar o medo – um governo assim é um pesadelo para a democracia.

A crise atual não tem desfecho líquido e certo. A imprevisibilidade é sua marca registrada. O momento necessita demais da atuação de políticos criteriosos e realistas, estes seres vocacionados para encontrar saídas quando tudo parece imerso na escuridão.

O impeachment pode não ser a melhor opção, mas está à mão e tem respaldo legal. A impugnação da chapa que venceu em 2014 surge como alternativa algo mais difícil, pois depende do TSE, personagem externo à lógica da política. Pode-se ainda recorrer a um plebiscito para que a população se manifeste e endosse, ou não, um novo pacto programático no País. Pode-se jogar tudo para cima, convocar novas eleições e começar de novo. E, por fim, o impeachment pode não ser aprovado, a impugnação não passar pelo TSE e nada acontecer até 2018, com o prolongamento extremado das dores do parto.

Se habilidade tivesse, se não pensasse a política com o fígado, se soubesse construir apoios e se afirmar com destemor, ousadia e coragem no cenário, a presidente Dilma poderia ser protagonista decisiva do desfecho de que tanto se necessita. Poderia ser o polo de articulação de uma saída democrática da crise, um operador revestido de força ímpar para tirar o País do torpor em que se encontra.

Nas últimas semanas, com suas intervenções sanguíneas e atabalhoadas, Dilma talvez tenha queimado parte importante de suas reservas estratégicas, talvez tenha detonado algumas pontes preciosas que a ligavam à razão de Estado e à racionalidade política.

Mesmo assim, a presidente não pode ser sumariamente descartada. Sua eventual contribuição – que representaria sua manutenção no jogo –, porém, é inversamente proporcional à disposição que vem demonstrando de confrontar as instituições e os políticos para tentar cair nos braços da galera.

Há um clima de impasse e paralisia no País. Sua reprodução não interessa a ninguém. Se o combate a isso tardar e passar do ponto, as consequências serão certamente as piores. Não é ainda uma situação desesperadora, mas requer atenção e cuidado.

Se a hora é da democracia, então é indispensável que os democratas saiam a campo para promovê-la. A hipótese do “golpe” não ajuda a agregar forças amplas e deixa seus defensores num gueto com pouco oxigênio. Há resistências e obstáculos de todo tipo, o diálogo anda travado, faltam sensatez e serenidade. Mas é preciso tentar, sem vetos e com o concurso de todos. Porque, se der certo, todos ganharão.


Querem incendiar o Brasil - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 26/03

No mesmo dia em que a presidente Dilma Rousseff deflagrava uma patética “campanha da legalidade”, para, alegadamente, defender a prevalência da lei contra o que qualificou como tentativa de “golpe” por parte dos que articulam seu impeachment, o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Guilherme Boulos, anunciava, para quem quisesse ouvir, que pretende “incendiar” o País caso se concretize o afastamento da petista.

Não se tem notícia de que Dilma, tão preocupada com a legislação pátria quando se trata de avaliar os atos da oposição, tenha alertado Boulos de que “incendiar” o País é ato criminoso, atentatório à ordem pública e, portanto, passível de pena de reclusão, como está capitulado em lei.

Já faz tempo que Dilma e os petistas, que hoje posam de zeladores da Constituição, tratam Boulos et caterva como interlocutores legítimos, ainda que abundem incontestáveis provas de que atuam fora da lei e tenham como objetivo subverter a ordem e derrubar o regime democrático. Mesmo depois de invadir prédios públicos, bloquear estradas e avenidas, ocupar propriedades privadas e destruir plantações, essa turma teve assento em diversos eventos no Palácio do Planalto com a presença de Dilma, sem nenhum constrangimento aparente. Ao contrário: em agosto de 2015, quando Boulos e seus colegas de baderna estavam entre os convidados de uma cerimônia na sede da Presidência da República, a petista os chamou de “companheiros e companheiras” e os cobriu de afagos.

De onde se conclui que, na peculiar interpretação de Dilma e dos petistas, ilegal é advogar que o Congresso, conforme o que prevê expressamente a Constituição, julgue a presidente sob acusação de crime de responsabilidade, em um processo que, se admitido, dará à petista amplo direito de se defender, tudo conforme o trâmite estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal. Já a truculência dos “companheiros e companheiras” é, por suposto, expressão da mais autêntica democracia e do respeito ao Estado de Direito.

Assim, respaldado pela presidente da República, bem à vontade para aterrorizar a sociedade, Boulos – dizendo defender as “garantias constitucionais” e queixando-se do “clima macarthista de intolerância e ódio” – informou ao distinto público que o Brasil não terá descanso se Dilma for destituída. “Este país vai ser incendiado por greves, por ocupações, mobilizações, travamentos. Se forem até as últimas consequências nisso, não haverá um dia de paz no Brasil”.

Boulos é líder de uma certa “Frente Povo Sem Medo”, cuja plataforma defende a “radicalização da democracia” – nome fantasia para a destruição da democracia representativa e sua substituição por um Estado totalmente aparelhado pela companheirada. Para chegar lá, o tal “povo sem medo” substitui a política pela violência, na presunção de que, acuada, a sociedade lhe dê o que exige.

É a mesma tática de outra notória pandilha, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), espécie de decano da arruaça nacional. Um de seus principais dirigentes, Gilmar Mauro, também declarou que, “se fizerem o golpe, não terão um dia de sossego”. E acrescentou, belicoso: “Vamos esticar a luta democrática até o limite do limite, mas não fugiremos da guerra”. Para garantir que ninguém de seu bando vá “se esconder debaixo da cama”, Mauro avisou que “o MST não forma covardes”.

Na visão desses liberticidas, Dilma é irrelevante. Não foram poucas as vezes em que MST, MTST e outros grupelhos manifestaram profundo desapreço pela presidente, vista por eles como tímida demais na implementação de sua agenda anticapitalista. Mas eles devem ter concluído que a queda de Dilma representará o fim da prosperidade que o lulopetismo tem lhes proporcionado. Não é à toa, pois, que, ao menos no discurso, essa turma esteja disposta a partir para o confronto em defesa de Dilma, criando um clima de guerra que só é útil para quem quer confusão.

Tal esforço, contudo, terá como único resultado a desmoralização completa dos baderneiros, porque a maioria absoluta dos brasileiros não quer o que eles pregam. Quer apenas voltar a trabalhar em paz, com um governo que recoloque o País na trilha do desenvolvimento e com a exemplar punição daqueles que abusaram da confiança do povo para enxovalhar a democracia.