Folha de SP - 26/03
Se "golpe de Estado" significa ruptura da ordem constitucional, como parece mais ou menos consensual, então os simpatizantes do governo de Dilma Rousseff estão certos ao cantar "não vai ter golpe!". Os acontecimentos dessa crise têm sido surpreendentes, não raro descambando para o surrealismo, ainda assim, por mais que eu ponha a imaginação para trabalhar, não vislumbro tanques tomando as ruas do país para apoiar aventureiros civis ou militares.
Há várias possibilidades verossímeis de desfecho. Elas incluem manutenção do atual governo até o fim do mandato, impeachment, cassação e renuncia –todos eles conciliáveis com a Carta. Evocar um paralelo com o golpe de 64 ou acenar com o espectro de um "salvador da pátria" pode até produzir algum efeito retórico, mas são cenários que parecem pouco compatíveis com a realidade.
Ao contrário do que tenho lido em comentários na imprensa, penso que as pessoas, incluindo a maior parte dos militantes de ambos os lados, têm se comportado até aqui de forma exemplar. Multidões que se contam em várias centenas de milhares têm tomado as ruas num ambiente de forte polarização e não há por enquanto registro de grandes incidentes. Os episódios de violência foram limitados e não raro alimentados pela já proverbial inabilidade de nossas polícias militares de lidar com aglomerações e protestos.
A democracia, como já escrevi aqui, é necessariamente barulhenta e um pouco mal-educada. Acusar, xingar, exagerar, pedir o impeachment, convocar a resistência ao golpe, tudo isso é legítimo e faz parte do jogo. A democracia, nunca é demais lembrar, não elimina o conflito entre diferentes tendências políticas que existem em qualquer sociedade. Ela apenas procura discipliná-lo, de modo que a disputa pelo poder se resolva pela vias institucionais e não as de fato. Até aqui e até onde a vista alcança, está funcionando bem.
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