O ESTADÃO - 05/09
Aconteceu o que ninguém esperava. Com a inesperada morte de Eduardo Campos, a candidata a vice em sua chapa, Marina Silva, assumiu a vaga do ex-governador de Pernambuco e com isso embaralhou todos os prognósticos até então existentes sobre a sucessão presidencial.
Nesse aspecto, o único órgão de imprensa que acertou o futuro próximo nem sequer é brasileiro. Trata-se do Financial Times, da Inglaterra. Em sua edição eletrônica - redigida no calor da hora -, seus editores ousaram afirmar que a morte de Campos traria consequências imprevisíveis para o quadro sucessório brasileiro. Todos nós, ainda discutindo as circunstâncias do fatídico acidente, lemos a manchete do jornal britânico com ceticismo. No que, afinal, o falecimento de Eduardo Campos poderia afetar as eleições brasileiras? Campos estava em terceiros lugar nas pesquisas de intenção de voto e sua posição parecia já consolidada. Não havia nenhum fato que o fizesse superar a linha dos 10%.
Naquela altura ninguém pensou no fator Marina. Havia até mesmo quem acreditasse que, ainda que fosse convidada, ela dificilmente aceitaria ser candidata na vaga deixada por Eduardo Campos. Novamente todos subestimaram a sua tenacidade. Mas bastava que se dessem ao trabalho de reler a sua biografia para constatarem que a carreira de Marina Silva demonstrava ainda mais resiliência e espírito de superação que a do próprio Lula.
O ex-presidente apaixonou-se por sua própria história e se vendeu ao mundo como exemplo de sucesso e vitória contra as adversidades. Nem Lula teria percebido que a trajetória de Marina era ainda mais épica que a dele. Ambos nasceram pobres e desesperançados. Mas enquanto Lula fazia carreira no sindicalismo, Marina tratou de estudar - formou-se em História na Universidade Federal do Acre e especializou-se em Teoria Psicanalítica e em Psicopedagogia na Universidade de Brasília.
Quando foi nomeada ministra do Meio Ambiente, no governo Lula, entrou em conflito aberto com a então também ministra Dilma Rousseff por questões ambientais. A essa altura, era senadora eleita pelo Estado do Acre e ao Senado voltou depois de ter apresentado a sua carta de renúncia ao presidente. Jamais abriu mão de suas convicções, o que lhe tem garantido prestígio internacional. Também, ao que se sabe, ninguém ligado a ela se envolveu em escândalos como o do mensalão e, aos olhos de seus eleitores (34%, segundo o Instituto Datafolha), isso lhe garante uma imagem de quem "não rouba nem deixa roubar".
Quanto à eventual equipe de governo de Marina, sobressaem nomes como André Lara Rezende, um dos formuladores do Plano Real, e Eduardo Gianetti da Fonseca, economista que se destaca como sendo um dos melhores do Brasil, segundo a opinião de muitos.
Esta semana surgiram nos jornais especulações sobre uma possível volta de Lula para disputar a Presidência da República no lugar de Dilma. Até agora ele tem relutado a aceitar a ideia, embora o prazo para fazê-lo vá até 15 de setembro, de acordo com a legislação. Para Lula, essa seria uma aposta arriscada, pois implicaria pôr o seu inegável prestígio em jogo: se ganhasse, seria uma vitória humilde; se perdesse, uma derrota humilhante. Enquanto isso, ele aguarda...
O choque de honestidade que os eleitores esperam de Marina, em caso de vitória, significará defenestrar dezenas de milhares de pessoas do serviço público, em especial das empresas estatais. O fato é que o PT empregou à vontade gente não qualificada, em prejuízo do bom funcionamento da máquina pública. Calcula-se o número desses "militantes profissionais" em, no mínimo, 20 mil. É gente eficiente para organizar passeatas, mas incapaz de organizar governos. No mercado de trabalho privado não existe colocação para "profissionais" desse tipo. É por isso que todos temem a eventual derrota de Dilma. Trava-se um desesperado diálogo entre os pescoços e a guilhotina.
A vitória de Marina, no entanto, não representa nenhuma garantia de sossego e paz. Basta-lhe ter uma recaída e voltar-se para seu "alter ego de fada do bosque" para criar encrencas que ela nem imagina. Por exemplo, com o agronegócio, que é hoje a principal fonte de renda do Brasil e o único setor produtivo em que nosso país compete com vantagens com a concorrência estrangeira. Querer mexer com isso, na vã imaginação de ser possível reflorestar todo o território nacional, é um mau negócio, representa um tiro no pé para a nossa economia. Os ideais "sonháticos" de que Marina tem falado tampouco são exequíveis ou viáveis.
Marina Silva representa hoje mais uma aspiração do que uma realidade concreta. Ela mantém a sua popularidade menos pelo que promete e mais pela repulsa a Dilma, que, além de todas as atitudes erradas que tomou, está literalmente se liquefazendo por um problema de "fadiga de material". O povo que foi às ruas em junho do ano passado, embora em muito instigado pelo próprio PT, saiu de casa motivado pelo desejo de "mudanças". Embora ninguém saiba ao certo que mudanças seriam essas, todos concordam que como está não dá mais. Dilma, mesmo que recauchutada, está longe de representar uma mudança, por menos significativa que seja. As pessoas, agora, estão vendo em Marina o símbolo da mudança.
Eu ainda prefiro não me envolver com ideais utópicos e discursos inspiracionais. Confio mais em preparo e experiência. Mas o que se há de fazer? É o povo que haverá de decidir. E o povo, certo ou errado, é a última instância da vontade coletiva.
Como desfecho, lembro-me agora de um pensamento que li num livro antigo, cujo teor anotei porque muito me impressionou: "Um país assim, que ria das roubalheiras oficiais; que achava graça nas vigarices governamentais; não haveria de aceitar, sem incômodo e sem dor, uma passagem violenta para a moralidade no trato do dinheiro público, do direito de cada um e nos deveres de todos".