sábado, abril 13, 2013

Até quando o ECA vai proteger os infratores? - ARI FRIEDENBACH

FOLHA DE SP - 13/04

A capital paulista hoje é reflexo do que acontece na maioria das cidades do país: o medo tomou conta da população. Em pesquisa divulgada pela Rede Nossa São Paulo em janeiro deste ano, a insegurança foi citada por 91% da população como a principal preocupação.

Conheço o problema da violência de perto. Em 2003, perdi uma filha de 16 anos, cruelmente assassinada por um menor com a mesma idade que a dela. O número de crimes cometidos por adolescentes vem crescendo ano a ano. Muito se fala sobre o assunto, mas nada de concreto foi feito.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, do PSDB, mostrou indignação com novos casos como a série de assaltos realizada pela gangue de Heliópolis formada por crianças de 9 a 14 anos e o assassinato do jovem Victor Hugo Deppman, no Belenzinho, cometido por um menor reincidente de então 17 anos, 11 meses e 27 dias.

Alckmin anunciou que encaminhará ao Congresso Nacional um projeto de lei que torna o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) mais duro em relação a adolescentes envolvidos em casos de violência grave e reincidência.

Não defendo a redução da maioridade penal. Defendê-la aos 16 anos é caminhar na contramão da maioria das nações. Analisando a legislação penal de 57 países, a pesquisa "Crime Trends", realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), constatou que apenas 17% adotam idade menor a 18 anos como definição legal de adulto.

A Alemanha, que tinha baixado a idade penal, fez retornar a maioridade para 18 anos e criou uma sistemática diferenciada para o tratamento de infratores entre 18 e 21 anos. O Japão, ao se surpreender com um súbito aumento de criminalidade entre seus jovens, ampliou a maioridade penal para 20 anos, por entender que é com educação que se previne a violência.

Há dez anos, desde o assassinato da Liana, venho defendendo que os jovens devem ser responsabilizados e punidos por seus atos. Hoje, segundo estudos psicológicos e discussões comportamentais das quais fiz parte, a conclusão é que crianças de 12 anos são perfeitamente conscientes de suas atitudes e consequências. A lei existe para ser cumprida, e os infratores a partir dessa idade --considerada a mínima passível de internação, segundo o ECA-- devem ser encaminhados à Fundação Casa.

Deveriam ser oferecidas medidas socioeducativas e acompanhamento psicológico, de forma a recuperar o menor. Isso não acontece hoje, e frequentemente os jovens se tornam reincidentes.

A responsabilização após a prática de um crime deve começar pelo exame do jovem por uma junta psiquiátrica. Ela avaliará se ele tem consciência do ato praticado. Se tiver, o juiz, por meio de uma alteração legal e não constitucional, deve ter a possibilidade de emancipar esse menor para que ele seja julgado, iniciando o cumprimento da pena numa unidade prisional da Fundação Casa. Assim que completar a maioridade, deverá passar para o sistema prisional comum.

Não vejo o ECA de forma negativa. Ele veio colocar a criança e o adolescente como preocupação central da sociedade. Orientou a criação de políticas públicas em todas as esferas de governo. E estabeleceu o fim da aplicação de punições para adolescentes, tratados com medidas de proteção em caso de desvio de conduta.

Mas isso foi há 23 anos. Está na hora de uma revisão para atualizar alguns pontos, especialmente no que diz respeito aos crimes graves.

Quanto antes esses adolescentes e crianças entenderem que seus atos são intoleráveis, mais rápido eles poderão deixar o caminho do crime e se reintegrar à sociedade.


Massa versus cidadania - SÉRGIO TELLES

O ESTADÃO - 13/04

Multidões arregimentadas dispostas em grandes espaços. Imensos e coreografados desfiles militares, nos quais os soldados se esmeram em exibir passos sincronizados e gestos enfáticos. Estamos vendo imagens da Alemanha nazista, da União Soviética stalinista ou da Guerra Fria, da China de Mao? Não. São imagens atuais da Coreia do Norte.

O equívoco é justificável, pois apesar de expressarem convicções ideológicas e realidades socioeconômicas diferentes, esses rituais têm em comum o fato de serem manifestações típicas da forma totalitária de exercício do poder, que tem na manipulação das massas um de seus maiores trunfos.

A massa é um tipo especial de agrupamento humano que se constitui quando uma multidão se agrega, fortuita ou deliberadamente, em torno de uma atividade ou empreendimento comum.

Ao se diluir no meio dela, o indivíduo tem seu comportamento habitual modificado, pois ocorre uma regressão em sua organização psíquica, decorrente da perda transitória de sua identidade. Com isso, ele fica privado dos parâmetros internos que estabelecem a forma como vê a si mesmo, aos outros e a realidade externa. Dizendo de outra maneira, o indivíduo abdica de seu ideal do ego e de seu superego, projetando-os na própria massa ou no líder que a conduz e se identificando com os demais participantes da mesma. Dessa forma, ele se isenta da responsabilidade pessoal, delegando as decisões ao grupo ou ao seu líder, um representante da figura paterna a quem segue sem restrições. Nesse estado regressivo, podem ser liberados impulsos agressivos e sexuais que jamais seriam veiculados se o sujeito estivesse sozinho. De tudo isso, como mostraram Freud e Canetti, advém a inebriante sensação de poder e liberdade que sente o indivíduo no meio da multidão.

Esses fenômenos psicológicos próprios da massa mostram a plasticidade e fluidez do aparelho psíquico, que é capaz de transitar do funcionamento mais estruturado e organizado que possibilita o exercício do pensamento racional e objetivo para posições comandadas por uma afetividade mais arcaica.

Por darem vazão a incontornáveis desejos humanos, as massas tendem a se formar espontaneamente e estão presentes tanto nos regimes totalitários como nos democráticos, que as encaram de forma diferente. Nos regimes autoritários, o poder as incentiva, pois facilitam a doutrinação ideológica e o controle social. Nas democracias elas são formalmente desestimuladas e substituídas por grupos de indivíduos atuantes e conscientes.

Entretanto, os meios de comunicação tornam mais complexa essa equação, pois para que se instalem os pressupostos da psicologia das massas, com seus movimentos de submissão acrítica a um líder, não é necessária a presença física de participantes numa grande multidão, como em manifestações políticas totalitárias.

Os meios de comunicação, especialmente a televisão, organizam multidões virtuais muito maiores que as reais, possibilitando sub-repticiamente a instalação dos fenômenos regressivos típicos dessa condição.

Vendo televisão na privacidade de seu lar, o espectador não tem plena consciência de fazer parte naquele exato momento de uma grande massa e, como parte dela, reagir sem crítica aos ditames que lhe são impostos. Nos países autoritários, ele recebe passiva e diretamente sua cota de doutrinação. Nos países democráticos, lhe é fornecido o "entretenimento", essa proteica produção que, sem cessar, veicula conteúdos ideológicos, visando igualmente a tornar desnecessário o esforço de pensar e discriminar.

Os modelos de comportamento oferecidos pelos meios de comunicação (voltados prioritariamente para o consumo) são seguidos da mesma forma, como o é o líder totalitário da multidão real, presencial.

Fazer essa constatação não significa ignorar as diferenças e confundir o autoritarismo totalitário com a democracia. O que está em jogo é o reconhecimento da importância dos elementos psicológicos no comportamento das massas, a compreensão de que elas inconscientemente desejam o controle autoritário, a obediência a pais poderosos que as isentem do peso inerente à independência, à liberdade e responsabilidade.

Isso significa que, para se fortalecer, a democracia teria de batalhar em duas frentes. A mais óbvia, lutando contra os que querem se apossar do poder para exercê-lo ditatorialmente. Outra, mais insidiosa e difícil, criando defesas contra o anseio regressivo das massas por um líder autoritário.

Poder-se-ia perguntar: se há um líder autoritário que quer o poder e massas infantis que desejam ser por ele comandadas, por que não deixar que isso aconteça? A experiência do nazismo talvez seja a resposta mais cabal a essa questão. Atender a esses anseios regressivos de ambas as partes é dar livre curso à irracionalidade psicótica mais destrutiva.

Para superar esses perigos, a democracia deveria evitar as circunstâncias que proporcionem a formação de massas, quer seja na prática política, quer seja como efeito dos meios de comunicação. As massas dependentes deveriam ser substituídas por coletividades compostas por cidadãos autônomos e críticos, que não abram mão de seus direitos e responsabilidades e que exijam o mesmo de seus representantes. No que diz respeito aos meios de comunicação, o exercício da crítica permitiria a necessária discriminação entre os apelos da ideologia do consumo e o inestimável valor da liberdade de circulação de ideias e notícias.

Talvez não haja novidade nesse programa. Seria apenas uma versão atualizada do clássico embate entre demagogia e democracia.

Há muito tempo se sabe da infantilização das populações mais carentes, sempre a mercê dos espertalhões e populistas. O que vemos agora é que a situação é mais grave. A regressão das massas, que as deixam vulneráveis às manipulações de líderes inescrupulosos, não depende de fatores econômicos, sociais, educacionais. É algo mais profundo, que atende a fantasias inconscientes que se manifestam na psicologia dos grupos.

Essa é uma questão que não pode ser ignorada no aprimoramento dos dispositivos da democracia.

Caros Leitores. Em função das amplas mudanças editoriais ora em curso neste jornal, escrevo-lhes pela última vez neste espaço. Agradeço a atenção de todos e espero revê-los em outras páginas.

CINE SAMPA - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 13/04

A Prefeitura de São Paulo deve criar a SP Filme, empresa de fomento ao cinema nos moldes da Rio Filme, que investe em produção e distribuição. O secretário municipal de Cultura, Juca Ferreira, já discute a ideia com profissionais renomados do setor.

BÊNÇÃO
O escritor Paulo Coelho enviou livro com dedicatória a Nicolás Maduro, presidente interino da Venezuela e que é candidato às eleições de amanhã: "Maduro: que Deus te abençoe e te guie". O portador do presente foi Fernando Morais, autor da biografia do mago.

OLHO ABERTO
E uma revoada de brasileiros pousou em Caracas, capital da Venezuela, para ver as eleições. Além de Morais, também o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães e o presidente do PSB, Roberto Amaral, estão lá como observadores internacionais da coligação de Maduro. Cada candidato à Presidência pode indicar alguns observadores para o pleito.

OLHO ABERTO 2
Já o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Dias Toffoli está lá como observador indicado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) brasileiro. Integra colegiado formado por representantes de todos os países da Unasul.

MARATONA
E, além de celebrar seus 60 anos com 200 convidados na casa do advogado Sergio Bermudes, no Rio, no dia 26, o ministro Luiz Fux, do STF, já prepara nova empreitada.
Ele organiza festa algumas vezes maior do casamento da filha, Marianna, com Hercílio José Binato. Será no Copacabana Palace, em outubro.

ARTE NO RIO
Um quadro de Di Cavalcanti ("Noturno na Favela com Três Mulatas", de 1970) e um de Carybé ("Canoeiros", de 1963), da coleção do marchand Valdemar Szaniecki, vão a leilão, no dia 23, no Atlântica Business Center, em Copacabana, no Rio. Os lances iniciais são de R$ 350 mil e R$ 290 mil, respectivamente. As obras ficarão expostas de 15 a 22 de abril.

LIVRO DOS SONHOS
"Sonho Grande", livro sobre a trajetória do trio fundador da Ambev lançado nesta semana, já seguiu para segunda impressão, de 25 mil exemplares. Os primeiros 30 mil volumes da obra, escrita pela jornalista Cristiane Correa, ficaram menos de dez dias no estoque da editora Primeira Pessoa.

TECLADO
Os pianistas Nelson Freire, Wagner Tiso, Cristóvão Bastos, Leandro Braga, Gilson Peranzzetta e João Carlos Coutinho estarão reunidos para celebrar Tom Jobim no 24º Prêmio da Música Brasileira, que ocorre no dia 12 de junho, no Theatro Municipal do Rio. Eles tocarão algumas obras do maestro.

ANO BOM
A Ernst & Young realizou a 15ª edição do Prêmio Empreendedor do Ano. O CEO da empresa, Jorge Luiz Canabarro Menegassi, recebeu anteontem as empresárias Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza, e Chieko Aoki, dos hotéis Blue Tree, o presidente da CPFL, Wilson Ferreira Junior, e a jornalista Ana Paula Padrão.

URBANO
A exposição "Cidade Invertida", com obras do fotógrafo Antonio Brasiliano e da artista Laura Guimarães, foi inaugurada na Tag Gallery, na quarta. O cineasta Lucas Fazzio, a artista plástica Mirella DonnaMaria, a modelo Cristina Herrmann e o fotógrafo Vitor Pickersgill estiveram no evento.

CURTO-CIRCUITO

A produtora Conspiração é a nova patrocinadora do MAM (Museu deww Arte Moderna de São Paulo).

A Liga Solidária promove hoje, às 12h, feijoada beneficente no Complexo Educacional Dom Duarte, no Jardim Educandário.

A Banda Uó se apresenta no Cine Joia, hoje, a partir das 22h. 18 anos.

O vereador Floriano Pesaro (PSDB-SP) comemora seus 45 anos amanhã, às 16h, no Clube Glória.

O cirurgião plástico Ivo Pitanguy foi premiado pela Aesthetic Surgery Education & Research Foundation, em Nova York.

O evento NFW Beauty Trends será em agosto, no Instituto Tomie Ohtake. Organização de Lu Medeiros.

Presente de grego - ABRAM SZAJMAN

O Estado de S.Paulo - 13/04

O Brasil é campeão mundial de encargos trabalhistas. Aqui, a contratação legal de um trabalhador gera despesas superiores a 100% do salário nominal, um custo que nos EUA não chega a 10%. Por essa razão, é reivindicação antiga e comum a empresas de todos os portes e dos diferentes segmentos da economia a desoneração da folha de pagamentos, medida que pode alcançar efeitos benéficos de caráter estrutural, como a redução dos altos índices de informalidade e do chamado custo Brasil, com a consequente melhoria da competitividade dos produtos que exportamos.

Na atual e difícil conjuntura por que passa o País, acossado pela crise financeira internacional, pelo crescimento medíocre do PIB nos últimos dois anos e pelo recrudescimento da inflação, a desoneração anunciada no final de 2012 pelo governo de Dilma Rousseff cumpriria, ainda, um papel importante de estímulo ao crescimento econômico e de auxílio ao controle dos preços.

Ocorre que o foco do programa proposto recaiu sobre a troca da cobrança dos 20% para o INSS que incidem sobre a folha por alíquotas de 1% a 2% sobre o faturamento bruto. O enorme cavalo de madeira, colocado na praça das empresas sitiadas por uma carga tributária asfixiante, parecia, à primeira vista, tão vistoso e atraente como aquele deixado pelos gregos para os troianos.

Assim como na narrativa épica, porém, o presente escondia uma armadilha, por tratar de maneira igual um universo empresarial desigual por sua própria natureza. Um exame preliminar feito por entidades representativas dos setores em tese beneficiados logo levantou a seguinte questão: o que aconteceria com aquelas empresas de quadro funcional enxuto, para as quais a folha de pagamento representa parcela reduzida da sua receita total?

A resposta, traduzida em estudo divulgado pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP), revelou que a nova fórmula só representaria benefício efetivo para as empresas cujas folhas significassem mais de 5% do seu faturamento bruto. Em outras palavras, pelas regras atuais, uma companhia cuja folha seja de 4% em relação a um faturamento de R$ 100 mil e que desembolsa hoje R$ 800 de contribuição previdenciária teria o tributo não reduzido, mas aumentado para R$ 1 mil.

Com o exemplo citado, salta aos olhos que as Medidas Provisórias (MPs) 582, que desoneraria a indústria, e 601, destinada a beneficiar o comércio varejista, precisariam de emendas que tornassem a troca facultativa. Em outras palavras, empresas que buscam aumento sistemático de produtividade do trabalho por meio de uma gestão de recursos humanos que possibilite fazer mais com menos gente não seriam injustamente penalizadas e travadas em sua capacidade de competir, como inevitavelmente acontecerá, se mantida a troca compulsória de regime.

Sensível ao argumento de que o sistema tributário do País não deve inibir ou punir ganhos de produtividade obtidos com investimento na qualificação da mão de obra, o Congresso Nacional tornou optativa a troca de regime prevista na MP 582. Essa mesma sensibilidade, porém, não prevaleceu na esfera do Executivo: sob alegação de que "descaracteriza o modelo original da política, gera grande imprevisibilidade na arrecadação e dificulta a sua fiscalização", a presidente Dilma vetou o dispositivo e manteve o caráter compulsório do novo regime para os setores industriais contemplados.

Caso faça o mesmo em relação à MP 601, que conta com uma emenda apresentada pelo deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) para também tornar facultativa a troca para o varejo, o governo terá consumado o presente de grego da desoneração.

Esperamos que o Executivo e o Legislativo possam ainda corrigir, de algum modo, essa anomalia. Política pública digna desse nome não pode ser aquela em que parte da renúncia fiscal é fictícia, pois na verdade se está tirando de alguns para dar a outros. Ainda que a maioria seja beneficiada, o processo todo estará conspurcado pela injustiça cometida contra a minoria laboriosa.


O futuro do passado - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 13/04

Amanhã a Venezuela contrata um futuro difícil, qualquer que seja o resultado da eleição. O mais provável é a vitória de Nicolás Maduro para um novo período presidencial chavista. É o resultado da manipulação da emoção da morte do líder Hugo Chávez ao ponto do desatino. Ele foi apresentado como divindade. A oposição não teria, se ganhasse, a capacidade de suturar o tecido social do país.

A Venezuela vive uma divisão que só aumentou depois da morte de Hugo Chávez. Vem de erros políticos históricos, mas piorou pelo estilo de liderança escolhido por Chávez. Ele não fez a revolução que prometeu, mas aprofundou a clivagem entre os pobres, que são a clientela das suas políticas sociais paternalistas, e a classe média e elite do país.

O eleito terá que enfrentar um espantoso crescimento da criminalidade do país, que faz com que a Venezuela tenha se tornado um dos campeões na estatística de homicídios por 100 mil habitantes. A leniência com que Chávez tratou essa questão foi apenas um dos sintomas da sua inabilidade para as ações administrativas. Chávez dedicava seu tempo às ações de mobilização, como se estivesse eternamente em campanha.

Além disso, terá de enfrentar uma conjuntura econômica de inflação crescente. Já era alta e ainda está sendo elevada como efeito da forte desvalorização cambial. O desabastecimento que sempre houve no governo chavista, em alguns produtos, tem incomodado mais os consumidores. Nem a inflação, nem o desabastecimento devem melhorar a curto prazo. O país perdeu o melhor do boom do preço do petróleo que ocorreu durante os 14 anos de governo Hugo Chávez.

Maduro usou tudo o que pôde usar, ao arrepio das instituições, para se eleger. A Constituição estabelece que é o presidente da Assembleia que deve governar neste período até a eleição. Mas ele é que foi empossado. Assim, ficou no lugar privilegiado para a campanha, concedendo aumentos salariais e outras benesses no meio da disputa eleitoral. A institucionalização democrática é outro desafio que a Venezuela está longe de enfrentar. Lá, vale a máxima: se a regra não favorecer o grupo chavista é desrespeitada.

Se a oposição vencer -o que não é o mais provável - dificilmente terá resposta para tudo isso e para controlar as Forças Armadas, que hoje tutelam o governo chavista e querem mantê-lo no poder. Nos últimos dias, o candidato Henrique Capriles demonstrou força política e reduziu a diferença nas intenções de voto. Mas não o suficiente.

É muito difícil que o chavismo permaneça unido sem Chávez. Ficará nos primeiros tempos. Nos próximos anos vai se fracionar nas brigas internas para testar a liderança ainda incipiente de Nicolás Maduro. Nada será como antes, Maduro não é Chávez. Passado o período inicial, da força que vem das urnas, ele terá que acomodar os vários grupos de interesse no consórcio do poder para continuar governando.

A imprensa independente foi calada ou os grupos venderam as empresas, o que torna o debate político no país empobrecido para a dimensão dos desafios que o espera a partir de segunda-feira, quando um novo presidente estará oficialmente eleito.

Durante a campanha, Nicolás Maduro disse aos eleitores que se for para fazer "a vontade do nosso comandante", os venezuelanos teriam que aprofundar as relações estratégicas com a China. O país tem emprestado muito dinheiro para a Venezuela, é natural que ele se volte para lá. O que não é natural é o Brasil continuar acreditando que haverá um bloco chamado Mercosul no qual a Venezuela entra para fortalecer. O país vizinho tem emergências que o Mercosul não consegue atender.

Razões a favor do aborto - DOM ODILO P. SCHERER

O Estado de S.Paulo - 13/04

A recente decisão do Conselho Federal de Medicina (CFM) favorável ao aborto até a 12.ª semana de gravidez, dependendo apenas da vontade autônoma da mulher, dá-nos a ocasião para tratar mais uma vez desse tema. Ouso escrever novamente sobre o assunto mesmo porque o silêncio poderia sugerir falta de argumentos, e isso não é verdade. Por falar nisso, tratemos de alguns argumentos favoráveis ao aborto.

O aborto seria aprovável até a 12.ª semana de gestação porque o tubo neural do feto ainda não se formou? Assim, a sua condição equivaleria à de um morto cerebral? Mas se assim fosse, como justificar os estudos e práticas de psicologia e de psiquiatria que se ocupam da vida humana desde uma fase bem anterior a 12 semanas de gestação? A condição de um morto cerebral nunca pode ser equiparada à de um feto, que está em plena dinâmica vital.

Na vida humana, não se pode estabelecer uma fase que já não seja humana desde o seu primeiro início, na fecundação. Aquilo que aparece na 13.ª semana já existia também desde a primeira semana de gestação: um ser humano vivo. Embora ainda não esteja completo, ele já existe em sua identidade humana, que não se inicia somente na 13.ª semana de gestação.

Legalizar o aborto valorizaria a autonomia da mulher e o respeito pela sua decisão livre? A questão não está bem colocada. A decisão não envolve exclusivamente a mulher, mas também a vida de mais um ser humano; e a liberdade de um não pode prejudicar o direito do outro. O feto ou bebê, enquanto é gerado, não é parte do corpo da mulher, mas já é um outro ser humano, que tem o direito de viver e de ser amado.

O aborto implica a supressão da vida de um ser humano e esse ato não pode ser considerado um direito de ninguém, nem valorizaria a dignidade da mulher. Sabe-se quantas consequências e quantos sofrimentos, inclusive psíquicos, esse ato causa à mulher. O sofrimento de uma gravidez indesejada ou difícil pode ser aliviado e não pode ser equiparado ao dano causado por um aborto, sobretudo porque se trata de uma vida suprimida.

Afirma-se que o Estado brasileiro é laico e não deveria levar em conta argumentos de tipo religioso. Esse é um sofisma frequente e mal esconde uma discriminação religiosa contra o direito à livre manifestação dos cidadãos. Além disso, os direitos humanos independem de religião e valem para todos, tanto como benefício quanto como imperativo ético. No caso do aborto, não se trata de questão religiosa, mas do mais elementar direito humano à vida.

Países desenvolvidos seriam favoráveis ao aborto e só os obscurantistas, fundamentalistas e fanáticos seriam contrários à sua aprovação. Será mesmo? Dar aos adultos e fortes a possibilidade de dispor da vida de indefesos e inocentes, até ao ponto de suprimi-los, não parece um sinal de verdadeiro desenvolvimento, mas de retorno à lei da selva.

O bem da sociedade justificaria a eliminação dos indesejados, dos defeituosos e doentes, das "vidas inviáveis" antes mesmo de nascerem? Foi com semelhantes raciocínios, habilmente apresentados, que regimes totalitários, cruéis e desumanos eliminaram milhões de seres humanos considerados inferiores ou não dignos de viver.

A maioria das pessoas seria favorável ao aborto? Isso requer uma verificação séria, pois não parece verdade. Mesmo se fosse, o direito de matar pessoas não pode ser submetido à vontade da maioria; há coisas que independem de consenso por serem verdades ou direitos inalienáveis. Ninguém pensaria em submeter a uma decisão consensual o direito a respirar, comer ou dormir. Muito menos ainda, o direito de viver!

A violência sexual, que viola a "dignidade sexual" da mulher, ou certas situações de injustiça social, que dão origem à pobreza, legitimariam, talvez, o aborto? O problema é que, dessa forma, se decretaria de maneira simplista a pena de morte contra um ser humano inocente e indefeso, em vez de atingir os verdadeiros culpados por injustiças e violências.

Fala-se que há males que vêm para bem. Assim, mesmo admitindo que o aborto seja um mal, considera-se que dele resultaria um bem, pois se evitariam os sofrimentos de "vidas inúteis", o fardo social de seres humanos improdutivos, o aumento da pobreza e a temida explosão demográfica. É preciso lembrar, contudo, que os fins não justificam os meios. Os males sociais e os da saúde precisam ser enfrentados, mas jamais mediante a negação do direito à vida das pessoas.

Diz-se ainda que os países mais desenvolvidos já liberaram o aborto e a não legalização dessa prática seria um sinal de atraso. Por certo, o descontrole na prática do aborto em clínicas especializadas, ou por mãos inexperientes, é um sinal de atraso e de pouco respeito à vida humana ou à lei que a protege. A solução seria, então, a legalização do aborto? Não o seria, antes, mediante uma atenção maior à saúde das gestantes e à educação para comportamentos sexuais dignos e responsáveis, sem o recurso à fórmula simplista e inaceitável da supressão de vidas indefesas e inocentes?

Não é por demais inglório manifestar-se sobre essa questão antipática, recebendo o carimbo de "conservador" e "mente fechada"? Dia mais, dia menos, o aborto será aprovado; existem pressões muito fortes sobre os legisladores e diversos interesses estão em jogo. Vale mesmo a pena? Eis o problema. A questão delicada da dignidade humana e do direito à vida é demasiado séria para ficar refém da pressão ideológica.

Não é questão religiosa, mas de direitos humanos. Só haveria uma maneira de mudar essa visão: se fosse provado, de maneira convincente, que o feto ou o bebê ainda não nascido não é um ser humano. Mas esse é um outro discurso, longo e complexo. Afirmamos que é um ser humano e, portanto, seu mais elementar direito, que é viver, não lhe deve ser negado.

A grita dos oficiais - LEONARDO CAVALCANTI

CORREIO BRAZILIENSE - 13/04

Um pacto de silêncio foi quebrado. Integrantes da elite das Forças Armadas decidiram falar pela primeira vez sobre a fuga de talentos para a iniciativa privada e para outras áreas do serviço público. Internamente, a preocupação com o tema levou o Exército a preparar estudos para explicar o óbvio: o percentual das desistências, iniciadas há pelo menos sete anos, sempre esteve ligado aos baixos salários. Com as ofertas cada vez mais tentadoras vindas de fora dos quartéis, apenas no ano passado, 245 oficiais abandonaram o posto — um número quase constante e iniciado em 2006, segundo levantamento apresentado na reportagem publicada por este Correio no último domingo.

A partir de relatos de coronéis e capitães, dados de forma anônima, e histórias de quem largou a farda, foi possível montar um quadro atualizado da situação das Forças Armadas no país. Nos primeiros três meses deste ano, 54 oficiais já deixaram a Marinha, o Exército e a Aeronáutica. A reportagem, assinada por Karla Correia, apresenta comparações de salários. Numa delas, pilotos de caça com a patente de coronel se aposentam com rendimentos líquidos de R$ 9,3 mil, incluídos soldo e adicionais. Pilotos de helicópteros, a depender do tipo de serviço, podem receber R$ 25 mil mensais. O debate aqui está no tanto que o Estado investiu na capacitação dos militares nas escolas de formação.

Cálculos conservadores apontam que a União gasta R$ 1,2 milhão para formar um oficial em uma das cinco instituições de ensino militar: as academias Militar das Agulhas Negras e a da Força Aérea, a Escola Naval e os institutos Militar de Engenharia (IME) e Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Assim, concordamos em pagar pelo ensino de uma elite militar que abandona o barco. A culpa, porém, parece não ser dos militares. “Deixei o coração no Exército, mas a pátria não começa no quartel, ela começa na família. E quando a família sofre, não tem vocação militar que aguente”, diz um dos entrevistados. O mais significativo é a incapacidade de o serviço público segurar talentos e gente preparada.

Sem funcionários capacitados e criativos, é impossível para qualquer gestor definir prioridades e ações de políticas públicas. Ao perder cérebros nas Forças Armadas, o Brasil perde também a possibilidade de aplicar estratégias de defesa, principalmente como guardiã das fronteiras e da plataforma continental. Tudo piora com uma tropa desestimulada. Ao longo de uma conversa com o Correio, um coronel resumiu o conflito nos quartéis: “Nada pior para um profissional do que atuar sem perspectiva de futuro. É assim que vivemos”. Uma pergunta se impõe: qual é de fato a estratégia do governo Dilma para a área militar? Enquanto tal resposta não vem, perdemos oficiais.

Outra coisa
Há algum fato mais danoso para a imagem de uma cidade que vai sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas do que uma mulher de apenas 21 anos ser estuprada oito vezes por integrantes de gangue dentro uma van? Um veículo que circulava livremente pelas ruas? Mais entusiasmadas com aeroportos e estádios, as autoridades deveriam estar preocupadas mesmo é com a violência desenfreada nas cidades. O que é mais preocupante, vexatório e estúpido para o Brasil, o país do futebol e da alegria: um estrangeiro reclamar de serviços de infraestrutura ou uma estrangeira sofrer nas mãos de bandidos pelas ruas do Rio? A indignação aumenta com a falta de reação de governantes. Fique, então, com a declaração desolada da promotora Márcia Colonese, da 32ª Vara Criminal: “Já vi todo tipo (de crime), mas esse me afetou de forma diferente. Eu, como mulher, me coloquei no lugar dela. É uma moça franzina e foi barbaramente violentada por três homens. Imagino o terror que viveu”. Na quinta, como se sabe, episódio parecido ocorreu em João Pessoa. Com uma jovem de 17 anos.

Em 100 caracteres
Essa história de reduzir a maioridade penal é coisa de político ineficiente no combate à violência.


Com que roupa? - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 13/04

Definido o comando paulista do PT, dirigentes da sigla querem decidir em agosto quem será o candidato a governador. A escolha, restrita aos ministros Aloizio Mercadante (Educação) e Alexandre Padilha (Saúde), dependerá, além da liberação de Dilma Rousseff e do aval de Lula, de pesquisa qualitativa programada para o final do semestre. Salvo algum desastre impeditivo, o desempenho das respectivas pastas influirá menos que o perfil ideal, a ser traçado a partir da sondagem.
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Critérios Se a conclusão for a de que é melhor para o partido ter em São Paulo um nome mais associado à presidente, Mercadante é o favorito. Caso a estratégia caminhe para a aposta no "novo", reeditando Fernando Haddad, Padilha deve ser o escolhido.

Pré-estreia O timing de agosto coincide com as inserções de TV a que o PT terá direito. A ideia é já apresentar o candidato nesses comerciais.

Feridas Agora postulante único à presidência do partido em São Paulo, após a desistência de Vicente Cândido, Emídio de Souza coordenou a campanha de Mercadante em 2010, e terminou a disputa rompido com o então candidato. Os dois não voltaram a se aproximar desde então.

Imóvel Padilha evita entrar em bola dividida com o colega de ministério e tem dito a aliados que não fará nenhum gesto para transferir seu domicílio eleitoral de Santarém (PA) para São Paulo sem decisão do partido.

Prévia Os secretários estaduais José Aníbal (Energia) e Bruno Covas (Meio Ambiente) criticam, nos bastidores, o vereador Andrea Matarazzo por centralizar a articulação de sua candidatura à presidência do PSDB paulistano.

Plano B Para evitar choque entre os três potenciais candidatos à prefeitura da capital em 2016, o Palácio dos Bandeirantes cogita o nome do deputado estadual Marcos Zerbini como opção para assumir o comando municipal.

Alterosa Lula e Dilma Rousseff reaparecerão juntos em público no reduto do presidenciável Aécio Neves. Os dois serão estrelas de seminário do PT em Belo Horizonte na segunda-feira, que questionará o chamado choque de gestão do tucano.

Modus... Avisado da iminente derrota na votação da MP dos Portos, o Planalto responsabiliza o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), por incluir na lei a exigência da renovação de concessões posteriores a 1993. Para o governo, a renovação exige análise contratual, e não deve ser automática.

... operandi Cunha reage: "Eles querem escolher politicamente e a partir de critérios subjetivos quem terá seus contratos renovados. Nós queremos transparência e critérios objetivos".

E agora? Dilma pediu ajuda a Michel Temer, que organizou reunião na quinta-feira com ministros e o relator da MP, Eduardo Braga (PMDB-AM). Auxiliares da presidente lembram que o vice assegurou, na escolha do líder, que Cunha "não criaria problemas" ao governo.

Veteranos Em seminário do PPS, em Brasília, Cristovam Buarque (PDT-DF) disse ter em seu gabinete quadro com charge mostrando time de futebol de ex-petistas. "Só tem gente boa", brincou.

Reforço Na quarta-feira, a Secom da Presidência divulgará resultado da licitação para realizar pesquisas de governo. Hoje, as sondagens são feitas apenas pelo marqueteiro João Santana.

Visita à Folha Carlos Roberto (PSDB-SP), deputado federal, visitou ontem a Folha. Estava acompanhado de Juliana de Brito Soares, assessora de imprensa.
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tiroteio

"Ao propor a redução da maioridade penal, Alckmin tenta desviar a atenção das falhas na política de segurança em São Paulo."
DO DEPUTADO PAULO TEIXEIRA (PT-SP), sobre o governador ter anunciado que o PSDB apresentará projeto alterando a lei para punir menores infratores.
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contraponto


Ossos do ofício

O vice-presidente Michel Temer (PMDB) lançou ontem no Rio de Janeiro seu livro de poesias "Anônima Intimidade". O evento reuniu empresários e políticos cariocas na Associação Comercial do Rio.

Em determinado momento do evento, o presidente da entidade, Humberto Motta, pediu ao presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, que emprestasse seu exemplar da obra do peemedebista para que pudesse declamar um dos poemas ali mesmo.

Trabuco não resistiu e levou todos às gargalhadas:

--Eu empresto, mas quero receber de volta com juros!

Lula e o Rio - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 13/04

O ex-presidente Lula não vai apoiar qualquer iniciativa para retirar na marra a candidatura de Lindbergh Farias (PT) ao governo do Rio. Um integrante do governo Dilma relata que Lula contou que ele já pediu isso para Lindbergh (em 2010) e que não fará de novo. A direção do PT não tem aval nem disposição para uma nova intervenção (1998), que detonou a candidatura de Vladimir Palmeira.

PSD pode ir a pique
O PSD vai perder de 15 a 20 deputados se não for aprovado projeto que retira dos novos partidos o tempo de TV e o Fundo Partidário. Passada a euforia, seus deputados fizeram as contas e viram que o partido não vai reeleger nove em São Paulo, seis em Minas Gerais e na Bahia, cinco no Rio e quatro em Goiás e Santa Catarina. O Planalto não quer o PSD esvaziado e apoia a mudança, porque quer dificultar a eventual fusão PSB-PPS e a criação do Solidariedade, do deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), que está flertando com Aécio Neves e Eduardo Campos. O presidente da Câmara, Henrique Alves (RN), entrou nessa porque o PMDB pode perder até seis deputados.

MP da polêmica
O líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), fez barbeiragem ao negociar a MP dos Portos e vai ter que mudar o relatório. O Planalto avalia que o texto esvazia em 90% as concessões no Porto de Santos, em agosto.

"Que fazer?"
Amigos do governador Tarso Genro (PT-RS) começam a especular sobre sua eventual candidatura ao Senado em 2014. Alegam que o estado é "ingovernável" e um "cemitério de políticos". Mas seus assessores garantem que ele é um soldado do partido. O Rio Grande do Sul não costuma reeleger um governador ou um partido.

Pragmatismo
Os tucanos sempre quiseram enxugar o quadro partidário. No governo FH, aprovaram a cláusula de barreira, derrubada pelo STF. Agora, os tucanos estão trabalhando pela fusão PPS-PMN e para criar os partidos Rede e Solidariedade.

Humor em tempos de Serra
Na passagem por Brasília, José Serra se esmerou para mostrar bom humor. Fez brincadeira de gosto duvidoso. Pegando um celular, disse que as mulheres tiram foto segurando o aparelho com o dedo mindinho apontado para cima. E os homens, com todos os dedos grudados. Mas que 20% deles deixavam o dedinho em riste. "Eles estão naquela zona cinzenta", disse Serra, rindo.

Paulo Coelho entra em campo
O festejado escritor brasileiro Paulo Coelho enviou ao presidente da Venezuela em campanha, Nicolás Maduro, seus livros autografados com calorosas mensagens. Uma delas diz: "Que Deus te bendiga e te guie."

Panos quentes
A ordem no governo Dilma é não hostilizar o governador Eduardo Campos (PE). Mesmo estando ele em campanha para o Planalto, existe uma convicção entre os conselheiros políticos da presidente de que o socialista não será candidato.

Prazo de validade. 
O percentual da inflação acima da meta, segundo interlocutores da presidente Dilma, deve persistir ainda por seis meses.


A reforma malograda - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 13/04

O malogro de mais uma tentativa de reforma política no Congresso Nacional não surpreende ninguém. O que espanta é a insistência com que os políticos teimam em tentar fazer mudanças significativas nas leis que regulamentam a organização partidária, além do calendário e do sistema eleitorais. A ilusão não é exclusiva do PT, que anunciou uma campanha de comunicação "de alto impacto" em defesa dessa mudança, destacando o financiamento público exclusivo para campanhas, tema sempre muito caro a ilustres petistas, com o ex-presidente Lula à frente de todos. A perspectiva de reformar os cânones da política no Brasil também seduz os políticos de direita. Um conjunto de mudanças muito similar ao da última tentativa, feita pelo deputado Henrique Fontana (PT-PE), já tinha sido apresentado, em 2007, pelo líder ruralista Ronaldo Caiado (DEM-GO). E teve o mesmo destino desta.

Assim, seja iniciativa do governo chamado de socialista ou da oposição dita neoliberal, a pretendida adoção de um calendário em que todas as eleições venham a ser disputadas no mesmo ano (com a esdrúxula solução de um pleito realizado meses depois de outro) e de um sistema de voto "belga", no qual o eleitor opta por sufragar a legenda ou o candidato, parece sempre fadada ao fiasco. Só que, mal é consumado o naufrágio, logo se inicia nova tentativa de retorno ao debate das mesmas mudanças que nunca antes obtiveram consenso.

A falta desse consenso começa no conflito de interesses entre os dois maiores partidos governistas. O PT, dono da bola, defende o "voto de lista" (no qual o cidadão vota na legenda e a direção partidária preenche as vagas no Legislativo), por ser o campeão do voto dado apenas à legenda. O PMDB é um partido de caciques que não se entendem e lhes parece mais favorável o "distritão", que facilita o convívio entre eles. O peso de uma bancada anula o da outra e o cientista político Humberto Dantas, do Instituto de Ensino e Pesquisas, duvida, com razão, da possibilidade de a reforma pretendida resultar de uma ação organizada e articulada. A solução viável seria fatiá-la, atendendo a reivindicações específicas dos legisladores. A proposta de uma Assembleia Constituinte exclusiva para a reforma é, segundo o especialista, "coisa de um partido (PT) que está por cima da carne-seca".

A conclusão é semelhante à do ex-governador tucano de São Paulo José Serra, que, em artigo para o Estado (11/4), aplaudiu a rejeição da Câmara dos Deputados ao projeto de Fontana, que, de acordo com o articulista, "não era reforma, mas golpe".

Serra pode ter razão, mas não há dúvida de que o projeto petista não foi derrubado pelo plenário, no qual o partido da presidente da República é majoritário, por motivo assim nobre. O que pesou mesmo foi o risco de que os chefões dos partidos terminassem perdendo o controle sobre os resultados de uma votação que poderia prejudicar seus interesses e os de sua grei. Como observou o professor Rubens Figueiredo, diretor do Centro de Pesquisas e Análises de Comunicação, foi uma atitude pragmática, para não dizer oportunista ou ainda casuística. Segundo ele, não é sensato mudar um sistema político "que criou as possibilidades para os atuais parlamentares se elegerem. A reforma política mexe com uma gama enorme de interesses e esses interesses já estão sedimentados". Esse raciocínio é similar ao que inspira a máxima adotada pelos técnicos de futebol segundo a qual "não se mexe em time que está ganhando".

De qualquer maneira, o partido que manda no Executivo e é majoritário no Legislativo insistirá no financiamento público exclusivo para campanhas eleitorais. O pretexto, que certamente inspirará a campanha de comunicação encomendada pelo PT ao marqueteiro oficial de Lula e Dilma, João Santana, é combater a corrupção. De fato, o PT quer que o contribuinte, que sustenta o Fundo Partidário, mantenedor dos partidos e do qual se origina parte dos recursos que bancarão a tal campanha, e financia a propaganda nada gratuita no rádio e na TV, também pague para que os políticos o convençam a votar neles e em seus parceiros de legenda.

Abaixo o tabu - ALBERTO DINES

GAZETA DO POVO - PR - 13/04

Já se pode falar abertamente no assunto, encará-lo sem preconceitos, discuti-lo sem medo de ser amaldiçoado pelas vestais dos direitos difusos. A questão da diminuição da maioridade penal saiu, enfim, da clandestinidade e não foi por um passe de mágica. Desta vez a violência, a perversidade e o sangue derramado conseguiram vencer a hipocrisia e permitir que uma controvérsia legítima circule livremente numa sociedade que se pretende democrática e seja tratada sem interdições de espécie alguma.

A participação de um menor no estupro da turista americana e o espancamento do seu namorado no Rio seguiu-se ao assassinato, em São Paulo, de um estudante universitário por outro menor que estava às vésperas de completar 18 anos. A soma de horrores acrescentou-se à generalizada sensação de medo que domina o país de ponta a ponta. Desqualificá-la simplesmente como “histeria” é um artifício perverso e pseudo-humanitário.

A questão não pode ficar enrustida na retórica bacharelesca daqueles que imaginam que os criminosos de menor idade estão sendo piedosamente reeducados pelas entidades previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Os menores em questão eram reincidentes e perigosos. Classificá-los beatificamente de “crianças” é desconhecer o número de fugas dos estabelecimentos destinados aos menores transgressores. A maioria recusa a ressocialização; prefere a rua, onde eles serão aliciados, protegidos e muito bem remunerados pelas facções criminosas.

É enganoso o argumento de que a diminuição da maioridade penal de 18 para 16 anos será seguida por sucessivas reduções para 14, 12 ou 10 anos. Os constituintes de 1988 foram criteriosos ao estabelecer um marco para o exercício da cidadania: aos 16 anos o jovem recém-saído da adolescência já está em condições de votar. Considerado apto a escolher os governantes, em condições de discernir e selecionar os melhores legisladores; por que, então, estaria desobrigado de respeitar suas leis?

A questão não se situa no âmbito da pedagogia ou da psicologia. Está no campo do direito, da isonomia, princípio fundamental do Estado democrático onde todos são iguais perante a lei. O jovem eleitor de 16 anos é um cidadão pleno, como outro qualquer. Aprendeu a respeitar os códigos eleitorais, não vende o seu voto, não ataca os mesários, não rouba as urnas nem assassina os militantes de partidos adversários. Qual a lógica de liberá-lo para matar, roubar e estuprar em outras esferas e situações?

O governador paulista Geraldo Alckmin não prima pela audácia, mas agora sentiu a pressão popular e retomou a promessa feita em novembro para aumentar o rigor contra criminosos adolescentes. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, pediu cautela. Decisões impensadas, ponderou, correm o risco de sobrecarregar ainda mais nosso precário sistema penitenciário.

Menos cauteloso que o colega de governo, o ministro-chefe da Secretária Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho – e, tal como Alckmin, identificado com o pensamento católico tradicionalista –, apelou para a manutenção do tabu: anunciou que “está torcendo para que a iniciativa do governador não prospere no Congresso”.

O ponderado Gilberto Carvalho não percebeu que está na contramão da sociedade brasileira. Carecemos justamente de mais debates, menos interdições e preconceitos. O tartufismo, o farisaísmo e a dissimulação têm sido os incubadores do atraso e das injustiças.

STF: a difícil escolha - WALTER CENEVIVA

FOLHA DE SP - 13/04

É legítimo que cada candidato tenha modos de aproximação com os quais confirma suas qualidades


Se bem me lembro --e posso estar enganado-- o começo do trabalho de conquista do voto, nas academias culturais do mundo, tem origem na França. Lá, na "Academie Française", fundada pelo cardeal Richelieu em 1634, teria nascido o costume de que a escolha do novo acadêmico fosse precedida por sua visita aos 39 antigos titulares.

No Brasil, a boa política sugere que o candidato a ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e do STJ (Superior Tribunal de Justiça) visite membros da corte de justiça pretendida, para pedir seu abono (no STF) ou seu voto (no STF).

Como explicar o costume? No ritual dos arts. 101 e 104, da Carta Magna, a nomeação para os dois tribunais é exclusivamente do presidente da República. Aceita-se que candidatos ao STF também visitem autoridades próximas do presidente da República, levando seu currículo de vida e dados confirmatórios do enquadramento nas exigências constitucionais.

De certo modo explica uma parte da entrevista do ex-ministro do governo Lula, José Dirceu de Oliveira e Silva a esta Folha, naquilo que ela teve de mais momentoso. Tratou-se da afirmação (por Dirceu) da promessa de sua absolvição, atribuída ao ministro Luiz Fux, do STF, no caso do Mensalão.

Dirceu, em suas próprias palavras, teria trocado um favor com Fux, que este não confirmou. Embora a escolha do ministro da Corte Suprema caiba apenas ao chefe da administração republicana, é evidente ser raro que tenha preferência definitivamente assentada em cada nomeação. Confia na indicação de seus auxiliares diretos, entre outras fontes. Fux, porém,votou pela condenação de Dirceu, alinhando razões colhidas nos autos processuais examinados. Gerou a reação do réu, na entrevista.

Voltando à origem deste comentário: é pouco provável que a escolha de candidatos para altos postos nos três poderes da União passem a incluir dispositivo constitucional ou legal que impeça a interferência de amigos e companheiros do candidato, pedindo sua nomeação. Razão palpável, nesse sentido, está na sua legitimidade. É natural e legítimo que cada candidato tenha modos de aproximação, com os quais possam confirmar suas qualidades em face da autoridade.

Por outro lado, é comum que os encarregados da verificação dos fatos da vida do candidato registrem a ficha completa do interessado. O presidente da República e os governadores dos Estados têm à sua disposição muitas fontes de consulta, acolhendo opiniões sobre os postulantes, favoráveis e contrárias, para chegar a decisão final. O ponto essencial está na confiança em que o candidato à nomeação seja digno da escolha, conforme colhido em mais de uma origem.

Nenhum critério é definitivo. Sabe-se da história republicana, dos que progrediram tocados por laços de família ou outras formas de privilégio. A subsistência de famílias, em cargos de governo ou repartições públicas continua, qualquer que seja o padrão seletivo adotado, junto à autoridade com título para a nomeação.

É assim no Brasil e em outros países, até pela circunstância óbvia de que os sistemas de escolha podem ser sujeitos a erro. É importante o cuidadoso histórico do personagem. A história de Fux sugere que sua nomeação satisfez esse parâmetro de qualidade, o que Dirceu não nega.

O descaso com as obras públicas - LUIZ FERNANDO JANOT

O GLOBO - 13/04

A sociedade brasileira vive atualmente um dilema curioso. Diante da necessidade de decidir entre duas situações contraditórias, a escolha geralmente recai sobre a proposta que oferece resultados mais imediatos. Não importa se tal decisão possa trazer consequências negativas de longo prazo. O que interessa atualmente é o aqui e agora. O futuro pouco importa. Infelizmente, essa tem sido uma prática comum nas decisões do poder público, especialmente quando o assunto envolve a cidade. A obsessão de realizar obras vistosas, mesmo que de baixa qualidade, tem sido uma constante nos dias de hoje. Partindo do pressuposto de que tudo é descartável, barbaridades são cometidas em nome de uma ideologia focada apenas na eficiência produtiva e nos seus resultados imediatos. Os jornais publicam diariamente as consequências perversas resultantes desse tipo de atitude.

Houve época em que as obras públicas extrapolavam os seus objetivos específicos e algumas se transformavam em marcos do desenvolvimento urbano da cidade. Obviamente que naquele tempo já existiam falcatruas, tanto na contratação dos serviços como durante a execução das obras. Hoje, contudo, esse processo adquiriu novos contornos e uma impressionante sofisticação. As grandes obras se transformaram em uma espécie de bilhete premiado para lobistas espertalhões, políticos inescrupulosos e empreiteiros ávidos por lucros fáceis. Algumas emendas nos orçamentos da União, dos estados e dos municípios refletem, com clareza, os interesses escusos e favorecimentos de diversas naturezas. Reajustes orçamentários e contratação de serviços adicionais se tornaram práticas recorrentes na maioria das obras públicas no Brasil.

A geração de lucro é, sem dúvida, uma contingência inerente a qualquer atividade empresarial. Todavia, não se justifica ampliar margens de lucro forjando obras desnecessárias e de baixa qualidade. Muito menos, apelar para o encarecimento da mão de obra e dos materiais de construção para justificar reajustes previamente planejados. A incapacidade de sobreviver em um mercado competitivo não pode ser acobertada por acordos nocivos aos interesses da sociedade. Não adianta enaltecer o resultado das concessões de obras públicas e das parcerias público-privadas se o controle do produto oferecido está muito aquém do desejado.

No Rio, as intermináveis intervenções na Cidade das Artes, a perdulária reforma do Maracanã e o recente colapso técnico do Elevado do Joá e do Engenhão demonstram o quanto são verdadeiros o desperdício e a malversação dos recursos públicos. A estes exemplos soma-se um significativo número de edificações produzidas pelo programa Minha Casa Minha Vida, em sua maioria de péssima qualidade arquitetônica e construtiva. A decomposição estrutural dos prédios recém-construídos para receberem as vítimas da tragédia do Morro do Bumba, em Niterói, mostra a que ponto se chegou com os desvios éticos e morais no trato da coisa pública. Este e outros casos são exemplos escandalosos que envergonham os que não compactuam com esse tipo de tramoia generalizada.

Zelar pelo aprimoramento de critérios técnicos que assegurem resultados compatíveis com a destinação da obra que está sendo realizada é um pressuposto indissociável da melhoria da qualidade do produto final oferecido. Planejar pensando no futuro é uma prática que deve ser retomada o mais rapidamente possível. Basta de tratar as construções — especialmente a moradia — como um bem descartável semelhante a outro qualquer. A sociedade brasileira está longe de ter status financeiro para arcar com o ônus dessa equivocada pretensão. Enquanto os responsáveis — diretos e indiretos — por esse conjunto de desatinos permanecerem impunes não há dúvida de que a farra com o dinheiro público irá continuar indefinidamente.

'Drones' e DNA - MARCELO LEITE

FOLHA DE SP - 13/04

Nos anos 1970, entrou em voga a preocupação com as ameaças à privacidade.

Os mais radicais lutavam contra a adoção de números únicos de identificação (o nosso CPF) e a favor do habeas data (o direito de uma pessoa conhecer e retificar seus dados em repositórios oficiais). O "Grande Irmão" orwelliano parecia prestes a encarnar e atendia pelo nome de governo.

Esses receios, hoje, parecem coisa de velho. A moda agora é entregar informação pes- soal nas redes sociais voluntária e gratuitamente. Até sequências de DNA as pessoas põem no domínio público.

Acumular dados sobre indivíduos tornou-se fonte de lucros para empresas ("data brokers") como Acxiom, Experian e Datalogix. Seu negócio é rastrear padrões de comportamento de indivíduos e vender a informação.

Os compradores podem ser agências de publicidade, bancos e operadoras de cartão de crédito ou marqueteiros de campanhas políticas. Seu interesse é vender certos produtos para as pessoas com maior propensão a comprá-los. Por exemplo, o candidato fajuto.

Só a Acxiom, que vale US$ 1,4 bilhão segundo informou quarta-feira o jornal "Financial Times", tem 7.000 clientes e dados sobre 700 milhões de consumidores. Sob pressão de autoridades, já se prepara para permitir que cada pessoa tenha acesso a seu próprio dossiê digital. Excluir ou corrigir dados serão outros 500.

Serviço mais simpático oferecem bancos genealógicos, sucesso nos EUA. A partir de US$ 159, o cidadão motivado a localizar parentes desconhecidos pode encomendar a leitura de um fragmento de seu DNA. Depois, faz o "upload" da sequência para descobrir sobrenomes de famílias com perfil genético similar.

Há sites em que a busca é gratuita (www.ysearch.org e www.smgf.org). A genealogia recreacional, no entanto, implica riscos adicionais para a privacidade.

Em 18 de janeiro, pesquisadores do MIT contaram, na revista "Science", como os bancos genealógicos ajudaram a identificar uma pessoa entre milhares que já cederam para uso científico a sequência completa de seu genoma (e não só um pedacinho do cromossomo Y). Em teoria, qualquer voluntário pode agora ter seu nome vinculado às mazelas hereditárias em seu DNA.

Tudo isso empalidece, contudo, diante da ameaça à privacidade veiculada pelos "drones". Além das mortes de civis e terroristas que causaram no Afeganistão, esses aeromodelos já sobrevoam as cabeças de cidadãos norte-americanos, primeiro pelas mãos da polícia, logo teleguiados por empresas, "paparazzi" ou bandidos. Alguns Estados preparam leis para disciplinar a invasão.

Os anos 1970 voltam à moda, e o retorno das calças boca de sino não é o pior a temer.

Ricos em falta - PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O GLOBO - 13/04

Posso falar um pouco dos meus assuntos? Na semana que vem, teremos aqui em Washington um encontro ministerial do G20 e as reuniões de primavera do FMI e do Banco Mundial. Autoridades econômicas de todas as partes do mundo se reunirão para discutir o quadro internacional e avançar as agendas de seus países.

Por exemplo, os ministros de finanças e/ou presidentes de bancos centrais de nove dos 11 países da nossa cadeira no FMI virão a Washington, inclusive o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central do Brasil.

Um dos temas na agenda é a reforma do FMI. A direção do Fundo terá que explicar aos ministros o progresso realizado nessa área. Progresso? Nunca a palavra foi tão imprópria. Estamos num ponto baixo em termos de reforma institucional. O ponto mais baixo em seis anos, diria.

Depois da eclosão da crise nas economias avançadas em 2007-2008 começaram a acontecer mudanças significativas na governança internacional. O G7 foi substituído pelo G20 como principal foro para a cooperação econômica e financeira. Para fazer face à crise, o G20, com forte presença de países emergentes, decidiu ampliar rapidamente a capacidade de emprestar do FMI.

Países como China, Brasil, Rússia e Índia participaram desse esforço no entendimento de que os empréstimos ao FMI seriam uma ponte para a ampliação das quotas, isto é, do capital da instituição. A ampliação das quotas, por sua vez, permitiria o realinhamento das quotas e do poder de voto dos países na instituição, corrigindo a sub-representação das nações em desenvolvimento.

Esse foi o grande acordo político. Não foi cumprido. Os emergentes fizeram a sua parte, mas os países avançados estão inadimplentes.

Houve, é verdade, alguns movimentos relevantes no FMI: a reforma de quotas de 2008, por exemplo, seguida da reforma de quotas de 2010. Mas, desde 2011, o processo praticamente parou. A própria reforma de 2010 ainda não entrou em vigor — por falta de ratificação do Congresso dos Estados Unidos.

Todos os prazos previstos no acordo de 2010 vêm sendo desrespeitados. Perdeu-se o prazo previsto para a entrada em vigor das novas quotas, que era outubro de 2012. Em seguida, perdeu-se o prazo previsto para a revisão da fórmula de quotas, que era janeiro de 2013 — nesse caso, por resistência organizada da Europa. Agora, o início das discussões para a próxima revisão geral de quotas, previsto para março de 2013, foi adiado sem nova data.

Por motivos diferentes, as potências tradicionais — Estados Unidos e países da Europa — estão obstruindo a implementação de reformas já negociadas e inviabilizando o “aggiornamento” do FMI. A sucessão de frustrações afetará inevitavelmente a credibilidade dos países avançados, do G20 e do FMI.

O efeito Abe-Kuroda - CELSO MING

O ESTADÃO - 13/04

Dia 4 de abril, o Banco do Japão (BoJ, banco central), presidido por Haruhiko Kuroda, anunciou decisão de política monetária ultra-agressiva que ameaça provocar terremotos em cadeia pelo mercado global.

Trata-se de compras maciças de títulos públicos que vão despejar cerca de 50 trilhões de ienes por ano, que, a câmbio de hoje, equivalem a meio trilhão de dólares. E mais: não há limites para a empreitada. O que tiver de ser será.

É claro que esta não é uma decisão unilateral do BoJ. Faz parte da nova estratégia de superação da prostração da economia japonesa, traçada pelo primeiro-ministro Shinzo Abe.

É uma iniciativa que muda muita coisa. Até agora, o BoJ atuava sob mil restrições. Não queria levantar acusações de que estaria imprimindo dinheiro para cobrir despesas do governo. Por isso, sua política que procurava impedir a excessiva valorização do iene (cotação baixa do dólar em ienes) e, assim, derrubar as exportações limitava-se quase tão somente à compra de moeda estrangeira no mercado de câmbio.

A decisão que acaba de ser tomada é da mesma natureza do chamado afrouxamento monetário quantitativo colocado em prática pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos). Com uma diferença: tem tudo para ser uma operação ainda mais gigantesca. Não se limitará a recomprar títulos públicos; vai adquirir também títulos privados e fundos negociados em bolsa.

Esse superdespejo de moeda nos mercados terá duplo efeito. O primeiro deles é a imediata desvalorização do iene. Em apenas uma semana, a moeda japonesa perdeu 1,4% em relação ao dólar. E, na medida em que essa política se aprofundar, mais desvalorização cambial deverá provocar. O segundo efeito será o barateamento do produto japonês em outras moedas e, consequentemente, o aumento das exportações. As autoridades comerciais da China estão aflitas, já imaginando o estrago que essa política vai provocar sobre as exportações chinesas. Somente no primeiro bimestre deste ano, o comércio entre os dois gigantes, Japão e China, já havia encolhido mais de 8% se comparado com igual período de 2012 e, a partir de agora, deve se reduzir ainda mais.

Os analistas globais se dedicam a avaliar os efeitos dessa decisão sobre o valor dos ativos financeiros e sobre a economia global. É uma tarefa exaustiva que, provavelmente, não será conclusiva. Quanto mais o Fed, o Banco Central Europeu, o Banco da Inglaterra e agora o BoJ se dedicarem a despejar trilhões nos mercados, mais cresce a apreensão sobre o custo de tudo isso em inflação. Por enquanto, não há indício de que um desastre desse tipo esteja em gestação. Mas essas coisas não são de dar aviso prévio.

Outra questão importante está em saber até que ponto essas megapolíticas não se anulam umas às outras. Caso o dólar se desvalorize em relação ao iene por obra do Fed e, se, logo em seguida, o BoJ iniciar um formidável processo de desvalorização do iene sobre o dólar, qual será então o resultado líquido desse choque de monstros?

O governo Dilma, que já vinha denunciando o tsunami monetário provocado pelo Fed, tem agora essa ameaça adicional. Gente muito próxima a ela prevê nova enxurrada de moeda estrangeira sobre o câmbio do Brasil. E essa é uma percepção partilhada também pela diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde.

Guerra de mentira - ADEL EL TASSE

GAZETA DO POVO - PR - 13/04

A Coreia do Norte diz ter iniciado preparativos para uma guerra nuclear contra os Estados Unidos. Chama a atenção a imagem de seu líder em reuniões tensas com chefes militares, convocando a população para manifestar seu patriótico apoio à defesa da nação. O detalhe interessante, porém, é que a guerra não existe; apenas a população norte-coreana imagina que o mundo esteja à beira de uma catástrofe nuclear a demandar o exercício de coragem de seus líderes e a ação de sua população em defesa da nação.

O que houve foi a morte do ditador que controlava a Coreia do Norte havia décadas, e a assunção de seu filho ao poder com a necessidade de reafirmação, na mente do povo coreano, de sua necessidade de continuar vivendo submetido ao mesmo regime autoritário. Isso se dá porque os regimes autoritários somente persistem quando fazem os cidadãos interiorizassem a ideia de que o regime é bom para eles por protegê-los. Por isso o patriotismo ufanista e os sentimentos nacionalistas extremados sempre foram marcas de regimes autoritários, pois mantêm permanente conflito imaginário contra o restante da humanidade, afirmando a necessidade de que as estruturas de poder se mantenham inalteradas.

A experiência atual da Coreia do Norte põe em manifesto elementos do processo de interiorização da necessidade de inalterabilidade do poder: a afirmação de um inimigo abstrato comum, a geração de pânico em relação ao inimigo e a apresentação da necessidade de reação violenta para conter o inimigo.

Trazida a questão para a América Latina, fica claro que as preocupações do papa Francisco – manifestadas em suas primeiras falas e ações políticas com relação à estruturação latino-americana do poder – são de todo procedentes, pois a agressividade social existe e é um dado inegável, decorrente de múltiplos fatores, mas a sua maximização discursiva é motivo de alerta e receios, evidenciando uma atuação permanente para gerar a sensação de que se está vivendo em uma sociedade na qual a violência impera e o inimigo que a gera não consegue ser visto, mas atende pelo nome genérico de impunidade. Dessa forma, há um inimigo comum e abstrato, com relação ao qual se experimenta o pânico coletivo; e, para combatê-lo, é necessário o emprego de meios de força dotados de violência e cerceadores das liberdades.

Assim como a guerra hoje travada pelos norte-coreanos é uma mentira, mentirosa também é a guerra latino-americana contra a impunidade, sendo manifestações da mesma estratégia de diminuição de garantias individuais e fortalecimento do poder por quem o detém. No sistema punitivo brasileiro, por exemplo, ocorreu uma pulverização das prisões preventivas, antecipando a punição sobre pessoas tecnicamente inocentes; adota-se em larga escala a proclamação retórica de razoabilidade para flexibilizar regras processuais, desde que seja para chegar ao resultado de condenação; as penas fixadas superam em muito a medida de culpabilidade e proporcionalidade em relação ao delito praticado; as garantias dogmáticas são manipuladas, como o conceito de dolo eventual hoje estendido para situações que nele não se enquadram; e a defesa dos acusados passa a ser vista com hostilidade e a sofrer perseguições.

O resultado final do combate ao inimigo comum é, assim, o maior controle pelo Estado sobre a liberdade das pessoas. A nota preocupante, porém, é que a América Latina vive a ilusão de democracia inatacável, sem a percepção da sua fragilidade e da aproximação que experimenta com conteúdos de forte índole autoritária.

Funciona - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 13/04

SÃO PAULO - A entrevista em que José Dirceu acusa o ministro Luiz Fux de ter prometido absolvê-lo no julgamento do mensalão como parte de sua campanha para conquistar uma vaga no Supremo já faz com que muitos questionem o processo de escolha dos magistrados.

É feio descobrir que os candidatos a ocupar uma vaga na corte máxima se lançam em périplos por gabinetes de políticos influentes com o intuito de conquistar-lhes a simpatia. Se o que Dirceu diz é verdade, ao sugerir que votaria pela absolvição, Fux teria caminhado perigosamente perto de ilícitos éticos e penais. Apesar disso, penso que a grande notícia aqui é a de que o sistema, ao menos neste caso, funcionou. Uma vez galgado ao posto, o ministro teve condições de votar com autonomia.

Se Fux fez acordos, o que está por ser provado, sentiu-se livre para traí-los. A chave para tal independência é o mecanismo constitucional da vitaliciedade no cargo. Depois que o sujeito se senta na cadeira, não deve mais nada a ninguém, pois só a morte ou a aposentadoria o tiram dali.

Daí não decorre que o sistema de nomeação de ministros --que não criamos, mas copiamos dos norte-americanos-- não possa ser melhorado. Em teoria, a indicação feita pelo presidente da República deve ser confirmada pelo Senado, fazendo com que o candidato receba o aval do Executivo e do Legislativo. O problema é que, no Brasil, os senadores não levam muito a sério suas obrigações, limitando-se a dizer amém ao nome apresentado pelo governo.

O sistema ganharia muito se os parlamentares se informassem sobre o candidato e o questionassem de fato, tentando avaliar suas credenciais e, eventualmente, vetando quem não estivesse à altura do cargo.

Até pela inoperância do Congresso, o STF vem se tornando cada vez mais importante para o país. Não dá para tratá-lo como se fosse mais um punhado de cargos políticos que o presidente precisa preencher.

A revolução da empregada - GUILHERME FIÚZA

O GLOBO - 13/04

O conto de fadas do oprimido continua. Agora, as empregadas domésticas foram libertadas da escravidão. Mas esse capítulo ainda promete fortes emoções. Uma legião de advogados espertos já está de prontidão para o primeiro bote trabalhista num desses “senhores feudais” de Ipanema ou Leblon. Aí a burguesia vai ver o que é bom. Patrões perderão as calças para cozinheiras demitidas sem justa causa. E o Brasil progressista irá ao delírio. Babás levarão uma baba ao provar — com seus advogados — que naquela sexta-feira chuvosa estouraram o período da jornada sem ganhar hora extra. Com a PEC das domésticas, cada lar brasileiro assistirá à revanche do povo contra as elites.

A apoteose cívica em torno da empregada lembra o clima da Constituinte em 1987. A Carta promulgada por Ulisses Guimarães com “ódio e nojo à ditadura” removia o entulho autoritário, e trazia o entulho progressista. Até limite de taxa de juros enfiaram na Constituição — entre outras bondades autoritárias e/ou lunáticas. A partir dali, deu-se no Brasil o milagre da multiplicação de municípios, com a interminável criação de prefeituras e câmaras de vereadores sangrando os cofres públicos. Tudo em nome da descentralização democrática.

Agora o país comemora a Lei Áurea das domésticas, com ódio e nojo aos patrões. Eles tiveram sorte, porque não apareceu nenhum revolucionário propondo guilhotina em caso de atraso do 13º.

Os escravocratas do século 21 — como os patrões foram chamados pelos libertadores das empregadas — garantiram nos últimos anos à classe das domésticas aumentos salariais bem acima da inflação (e de todas as outras categorias). Mas não interessa. Os progressistas querem direitos civis, querem que os patrões paguem encargos. A consequência será simples: para pagar os encargos, os patrões não darão mais reajustes acima da inflação. Através do FGTS, por exemplo, o dinheiro se desviará das mãos da empregada para as mãos do governo — onde será corrigido abaixo da inflação, a julgar pelas médias recentes.

O fim da escravidão aboliu o bom senso, e conseguirá trazer perdas para patrões e empregados, democraticamente. Mas os populistas serão felizes para sempre.

Já se pode antever a excitação no Primeiro de Maio, com a “presidenta” mulher e faxineira indo às lágrimas em cadeia obrigatória de rádio e TV. Mais uma pantomima social que a nação engolirá sorridente e orgulhosa. Na vida real, evidentemente, a nova Lei Áurea vai dar um tranco no mercado, com patrões temerosos de contratar mensalistas — não só pelos custos inflados, como pelos altos riscos de indenizações pesadas (as casuais e as tramadas). Muitos recorrerão a diaristas e outros improvisos para fazer frente aos serviços da casa. E o enorme contingente das empregadas domésticas que só sabem ser empregadas domésticas, diante da crescente dificuldade de se fixar no emprego “seguro” que a Constituição progressista lhe trouxe, terá que perguntar a Dilma e aos humanistas como ganhar a vida.

O governo popular não está preocupado com isso. Se o contingente das alforriadas sem-teto crescer muito rápido, isso se resolve com uma injeçãozinha a mais no Bolsa Família (o Bolsa Casa de Família). País rico é país que dá dinheiro de graça. Enquanto a Europa acorda dolorosamente desse sonho dourado, com saudades de Margaret Thatcher, o Brasil fabrica um pleno emprego pendurando parte da população numa mesada estatal. São os filhos profissionais do Brasil, que não precisam se emancipar nem procurar trabalho. É claro que isso vai explodir um dia, mas a próxima eleição (pelo menos) está garantida.

A festa da propaganda populista não tem hora para acabar. O Ministério da Educação, por exemplo, está bancando uma grande campanha nas principais mídias nacionais sobre o sistema de cotas para negros no ensino público. A peça traz a encenação de um jovem humilde, que conta ter conseguido vaga na universidade por ser afro-descendente. É o governo popular torrando o dinheiro do contribuinte para apregoar a sua própria bondade. Só um país apoplético pode consumir numa boa essa propaganda política travestida de utilidade pública.

É esse país que baba de orgulho diante da PEC das domésticas, jurando que está assistindo a uma revolução trabalhista. É típico das sociedades culturalmente débeis acharem que legislar sobre tudo é passaporte civilizatório. É um país que não acredita nos seus acordos, no que é instituído a partir da responsabilidade individual, do bom senso e dos bons costumes. É preciso cutucar Getúlio Vargas no túmulo, para empreender uma formidável marcha à ré progressista — que servirá para entulhar de vez a Justiça, porque as crianças só confiam no que está nos livros guardados por mamãe Dilma. Pobres órfãos.

Se o prezado leitor escravocrata enjoou da comida de sua empregada, melhor consultar seu advogado. O socialismo chegou à cozinha — e o tempero agora é assunto de Estado.

Francisco e a razão de Estado - ROBERTO ROMANO

O ESTADO DE S. PAULO - 13/04
A passagem de Bento XVI para Francisco na Sé romana faz recordar a diatribe de Dupanloup sobre os liberais do século 19. "Vocês nos falam",diz ele,"de progresso, liberalismo e civilização como se fôssemos bárbaros (...), mas estas palavras sublimes que vocês desnaturam fomos nós que lhes ensinamos, que lhes demos o verdadeiro sentido e, melhor ainda, a realidade sincera. (...) O dia em que este sentido perecer, perecerá todo progresso real, todo liberalismo sincero, toda civilização verdadeira". As palavras do bispo são claras para quem estuda a hierarquia eclesiástica. Elas defendem dois textos pontifícios contra a modernidade: o Syllabus (coleção de erros modernos condenados pela doutrina católica), adendo à encíclica Quanta Cura. Estranho notar que Dupanloup integra as hostes modernistas. Na França e na Alemanha os liberais católicos formaram minorias combativas que resistem ao controle pontifício. Tivemos repercussões de sua militância no Brasil. Rui Barbosa traduz o livro O Papa e o Concílio (Rio de Janeiro, 1877).O autor original é Döllinger, líder dos católicos liberais alemães.Analistas até hoje se espantam com a defesa feita por Dupanloup de escritos pontificais que proíbem o liberalismo católico. É preciso ver o contexto da brochura: ela une dois eventos diversos, mas presos à razão de Estado e à razão da Igreja. Vejamos o título:A convenção de 15 de setembro e a Encíclica de 8 de dezembro. Em 15 de setembro (1864)Victor Emmanuel assina um tratado com o imperador Napoleão III em prejuízo do Vaticano. Em 8 de dezembro o papa lança a Quanta Cura, na qual o secularismo político é condenado. Impossível ignorar o elo entre os eventos.Contra a Real politik o pontífice endurece princípios. Dupanloup, embora favorável a mudanças na ordem eclesiástica, não pode abandonar normas que permitem à Igreja resistir ao secularismo político, pois elas convocam as massas católicas na Europa e no mundo contra o Estado agnóstico ou ateu. O "verdadeiro"liberalismo, segundo Dupanloup, encontra-se na Igreja, mesmo que ela siga uma rota que leva a sendas espinhosas. Após a Quanta Cura a política disciplinar vaticana doma os liberais católicos na Alemanha, na França e... no Brasil. Depois da Questão Religiosa é impossível achar pessoas como o liberal Diogo Feijó:estadista,leitor do kantismo e padre. No primeiro momento do século 20 a Igreja brasileira exorciza o liberalismo com a força de imensas multidões. (cf. Romualdo Dias,Imagens de Ordem, a Doutrina Católica sobre Autoridade no Brasil, 1922-1933).

Volto à História atual. Quem segue a CNN e similares só tem notícias dos escândalos eclesiásticos (pedofilia, finanças, Vatileaks, etc.). A instituição que recolhe milênios de culturas, políticas, filosofias, estéticas é vista em prisma anamorfótico que tudo deforma. Analistas falam em "modernidade", "adaptação da Igreja ao mundo moderno", como se atrás de tais frases se escondesse o paraíso. Num mundo imerso em guerras genocidas, crises econômicas que jogam milhões na fome e no desemprego, no qual o Estado não exerce plenamente a soberania interna ou externa e a propaganda esmigalha a política, é quase delírio dizer que a Igreja deve adaptar-se ao padrão cultural vigente. A modernidade e a pós-modernidade exibem chagas mais purulentas do que as mostradas no corpo eclesiástico.

Quando Bento XVI abdicou, fui ao prestigioso Globo News Painel, coordenado pelo competente William Waack. Após ouvir a tese de que Bento não se abriu para a cultura atual, repliquei que o problema não é do pontífice, mas da Igreja desde o século 16. Recordei o filósofo Leibniz, que elogia os jesuítas na China e o convívio entre catolicismo e cultura oriental. Na América, as reduções guaranis seguem rumo similar (Lugon, Clovis: A República Comunista Cristã dos Guaranis, Paz e Terra, 1968, e, contra Lugon, Sylvio Back, no filme A República dos Guaranis). O etnocentrismo soba batuta dos padres dominicanos proibiu as experiências jesuítas: tudo na China e no Japão devia ser feito segundo o padrão latino, das vestes litúrgicas às doutrinas morais.No momento do debate na Globo News ninguém sabia que um papa jesuíta seria escolhido.Recebi mensagens de colegas estranhando minha intervenção.

Explico o ponto resumindo os enunciados deste artigo.Trabalho desde longa data com a razão de Estado como fruto de doutoramentos obre Igreja e poder estatal (Brasil: Igreja contra Estado, 1979). Os textos de Leibniz sobre os Estados, o Direito e a religião entram na pesquisa(cf., entre muitos, Lach, D.F.:Leibnizand China,no Journal of the History of Ideas, 1945).

Dupanloup,embora liberal,discursa num instante em que dois Estados (Itália e França) prejudicam a Igreja. Para salvar sua instituição ele segue o "sacrificio dell'intelletto", pedra de toque da obediência na fé.

Existem muitos hierarcas,padres e leigos como Dupanloup.

Eles sacrificam teses em proveito do todo eclesiástico. Assim militam os jesuítas. Donos de refinada técnica missionária, eles compreendem a razão de Estado e a razão da Igreja. O santo que mais serviu ao poder papal é jesuíta, Roberto Bellarmino, alvo de ataques no Leviatã hobbesiano. Seu colega de colégio jesuíta foi Giovanni Botero, que escreveu o primeiro livro explícito sobre a razão de Estado (cf.Della Ragione di Stato, 1588). Para quem estuda a Igreja e o Estado, portanto, era clara a via a ser trilhada pelo Colégio Cardinalício após Bento XVI: eleger um jesuíta com domínio da política e da religião, afeito às culturas do mundo,mas defensor da Igreja.Trata-se de corrigir a rota após a desastrosa decisão de impor formas europeias à fé católica, ou seja, universal. Francisco buscará a mudança em relação à política pontifical do século 17.Nela venceram os dominicanos, mas a Santa Sé perdeu a China e, talvez, o mundo.

Apocalipse 2013 - KÁTIA ABREU

FOLHA DE SP - 13/04

O sertanejo é um forte, mas há muito está exausto; hoje, a tarefa de mudar a saga de seca é de todos os brasileiros


"A água de beber está sendo racionada no Recife dos rios cortados de pontes. Dois terços do território de Pernambuco são quase um Saara. Os efeitos da seca do sertão já alcançaram o agreste, a zona da mata, o verde litorâneo. A caatinga está desnuda.

A produção de cana de açúcar está reduzida em 30%, a de milho, feijão e mandioca, em quase 100%. O rebanho bovino foi diminuído em quase 40%, e o caprino-ovino, ainda mais. A fábrica da Coca-Cola em Suape parou de produzir por falta d'água.

Fazendeiro que teima em resistir já comprou seu rebanho duas vezes, pois o que hoje vale seu gado já lhe custou o dobro em ração, e os animais continuam morrendo de fome. A praga da cochonilha destrói as palmas forrageiras."

Esse texto não é fantasia inspirada no "Livro Revelação" do apóstolo João, do Novo Testamento, nem tampouco uma narrativa delirante. É o relato do agrônomo e fazendeiro pernambucano Pio Guerra, publicado no "Diário de Pernambuco", para leitores que não apenas testemunham mas sentem na carne o que está descrito.

E não houve quem julgasse o autor exagerado. Suas palavras calaram fundo, pela responsabilidade e pela qualificação desse sertanejo que preside a Federação da Agricultura de Pernambuco.

Há um século e meio, Euclides da Cunha calculava que a crueldade da seca --essa mesma que hoje maltrata 30 milhões de nordestinos-- se repetia a cada período de 11 ou 13 anos. Quem se dá ao trabalho de ler documentos e diagnósticos sobre a seca no Brasil se vê perplexo diante da constatação de que já conhecia grande parte do material produzido desde 1690, quando têm início registros da série histórica do fenômeno.

Triste sinal da convivência rotineira com histórias de seca e dor, embora não se trate de fatalidade, mas de questão equacionável. Não por tentativas de trapacear o "jogo da chuva", ignorando a meteorologia dos trópicos, que, nos melhores anos, faz cair 91% das águas no primeiro semestre.

Soluções existem. Falta a mobilização nacional que reverta esse processo sazonal de devastação, inaceitável no atual estágio do país. Hoje temos pesquisa tecnológica, planejamento econômico e políticas públicas adequadas à situação regional.

São instrumentos capazes de reverter "a favor", como concluiu nos anos 1930 do século 20 o holandês Von Thilling, depois de longa visita à região.

"Bendita a terra onde não chove...", disse o holandês. Evidentemente, e porque estava próximo ao rio São Francisco, acrescentou: "...Mas onde existe água para irrigação".

Não repitamos, nem naturalmente desdenhemos, ações anteriores inspiradas por secas e que se mostraram ineficazes.

No início, foi a retórica do imperador d. Pedro 2º, prometendo vender, se necessário, "a última joia da Coroa". Desde então, a história demonstra que secas avassaladoras inspiraram supostas soluções definitivas.

O Banco do Nordeste foi o subproduto da terrível seca de 1952. Nova estiagem, seis anos depois, fez Juscelino Kubitschek projetar a Operação Nordeste.

E, inspirado por Celso Furtado, JK concebeu a Sudene. Ao lançar, confiante, a nova Superintendência no estio de 1957, Juscelino discursou: "Esta é a última seca que assola o Nordeste".

As repetidas estiagens ajudam a explicar a longevidade do Departamento Nacional de Obras Contra Secas, criado em 1909. Estudos do engenheiro Jean Saraiva mostram que os governos destinaram ao Denocs o total de US$ 22 bilhões em valores atuais.

Mas ele calcula que só a metade tenha chegado efetivamente à região, para acudir o sertanejo. O restante foi consumido no custeio do próprio Dnocs, que chegou a ter 13 mil funcionários. Um exagero que só reforçou o discurso da "indústria da seca".

Assim, contam-se séculos em que o homem do sertão figura como um predestinado à miséria, sem direito a futuro. Deixo, aqui, um convite à reflexão. O sertanejo é, antes de tudo, um forte, como disse Euclides da Cunha. Mas há muito está exausto, e, hoje, a tarefa de mudar a saga eterna de seca e sofrimento é de todos os brasileiros.