O GLOBO - 13/04
A sociedade brasileira vive atualmente um dilema curioso. Diante da necessidade de decidir entre duas situações contraditórias, a escolha geralmente recai sobre a proposta que oferece resultados mais imediatos. Não importa se tal decisão possa trazer consequências negativas de longo prazo. O que interessa atualmente é o aqui e agora. O futuro pouco importa. Infelizmente, essa tem sido uma prática comum nas decisões do poder público, especialmente quando o assunto envolve a cidade. A obsessão de realizar obras vistosas, mesmo que de baixa qualidade, tem sido uma constante nos dias de hoje. Partindo do pressuposto de que tudo é descartável, barbaridades são cometidas em nome de uma ideologia focada apenas na eficiência produtiva e nos seus resultados imediatos. Os jornais publicam diariamente as consequências perversas resultantes desse tipo de atitude.
Houve época em que as obras públicas extrapolavam os seus objetivos específicos e algumas se transformavam em marcos do desenvolvimento urbano da cidade. Obviamente que naquele tempo já existiam falcatruas, tanto na contratação dos serviços como durante a execução das obras. Hoje, contudo, esse processo adquiriu novos contornos e uma impressionante sofisticação. As grandes obras se transformaram em uma espécie de bilhete premiado para lobistas espertalhões, políticos inescrupulosos e empreiteiros ávidos por lucros fáceis. Algumas emendas nos orçamentos da União, dos estados e dos municípios refletem, com clareza, os interesses escusos e favorecimentos de diversas naturezas. Reajustes orçamentários e contratação de serviços adicionais se tornaram práticas recorrentes na maioria das obras públicas no Brasil.
A geração de lucro é, sem dúvida, uma contingência inerente a qualquer atividade empresarial. Todavia, não se justifica ampliar margens de lucro forjando obras desnecessárias e de baixa qualidade. Muito menos, apelar para o encarecimento da mão de obra e dos materiais de construção para justificar reajustes previamente planejados. A incapacidade de sobreviver em um mercado competitivo não pode ser acobertada por acordos nocivos aos interesses da sociedade. Não adianta enaltecer o resultado das concessões de obras públicas e das parcerias público-privadas se o controle do produto oferecido está muito aquém do desejado.
No Rio, as intermináveis intervenções na Cidade das Artes, a perdulária reforma do Maracanã e o recente colapso técnico do Elevado do Joá e do Engenhão demonstram o quanto são verdadeiros o desperdício e a malversação dos recursos públicos. A estes exemplos soma-se um significativo número de edificações produzidas pelo programa Minha Casa Minha Vida, em sua maioria de péssima qualidade arquitetônica e construtiva. A decomposição estrutural dos prédios recém-construídos para receberem as vítimas da tragédia do Morro do Bumba, em Niterói, mostra a que ponto se chegou com os desvios éticos e morais no trato da coisa pública. Este e outros casos são exemplos escandalosos que envergonham os que não compactuam com esse tipo de tramoia generalizada.
Zelar pelo aprimoramento de critérios técnicos que assegurem resultados compatíveis com a destinação da obra que está sendo realizada é um pressuposto indissociável da melhoria da qualidade do produto final oferecido. Planejar pensando no futuro é uma prática que deve ser retomada o mais rapidamente possível. Basta de tratar as construções — especialmente a moradia — como um bem descartável semelhante a outro qualquer. A sociedade brasileira está longe de ter status financeiro para arcar com o ônus dessa equivocada pretensão. Enquanto os responsáveis — diretos e indiretos — por esse conjunto de desatinos permanecerem impunes não há dúvida de que a farra com o dinheiro público irá continuar indefinidamente.
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