quarta-feira, maio 31, 2017

Ausência de alternativas visíveis é a novidade sombria da crise de 2017 - IGOR GIELOW

FOLHA DE SP - 31/05

O aspecto mais angustiante da crise entrópica do governo Michel Temer não é só seu prolongamento, já apontado aqui pela musculatura ainda relevante do Planalto, mas o fato de que ela carrega uma novidade fundamental em relação a outras experimentadas no passado.

Trata-se da ausência de alternativas. Sem juízo algum de mérito sobre o que veio depois, todas as crises institucionais sérias do país na história republicana mais ou menos recente traziam alguém, ou algum grupo, na fila. Fossem os tucanos pós-Collor ou o condomínio que assumiu após a queda do PT, para ficar em exemplos próximos, sempre havia alguma alternativa à mão.

Agora, para espanto de qualquer observador externo, não existem opções claras para o caso de derretimento final de Temer. Se parece altamente improvável que ele dure até 2018, essa ausência pode configurar a arte trevosa a operar o milagre de manter o peemedebista no cargo.

Esse vácuo tem a ver com o desmonte geracional provocado pela Operação Lava Jato, algo inédito para nosso padrão insolvente de ética pública. Há outros fatores, como a máxima de Ulysses Guimarães segundo a qual a próxima legislatura sempre será pior do que atual, por pior que esta seja.

E a percepção, quando são perfilados os nomes de destaque das duas Casas do Parlamento, é de que chegamos no fundo no poço: ou falamos de enrolados com a Justiça, ou de medíocres ineptos, ou das duas coisas juntas. Há exceções, claro, mas são gotas em oceanos.

Essa é uma consideração dentro do marco constitucional, de eleições indiretas caso Temer caia, cassado pelo TSE ou abatido por eventuais novas revelações na investigação contra si na Lava Jato. A opção pelas diretas, bonita filosoficamente, é impraticável hoje.

Mesmo nelas, as diretas, a ideia de que são rejeitadas só porque Lula ganharia facilmente constitui cegueira, dada sua rejeição e a quantidade de passivos jurídicos que carrega. O maior perigo aparente é o do surgimento de alguma opção populista, no campo conservador ou mesmo à esquerda, com soluções fáceis. É isso que a ideia de rasgar o "livrinho" e mudar as regras tem de mais nefasto.

Um importante ator da crise dizia, na noite de terça (30), que a disposição de Temer de enfrentar a Lava Jato com a indicação de Torquato Jardim para o Ministério da Justiça poderá apenas acelerar todo o processo em curso. O clima em Brasília era de acirramento hora a hora.

Esse político lamentava que, hoje, nenhuma das soluções no mercado emerge como consensual. É disso que se trata a entropia, o conjunto de forças destruidoras num sistema de troca de energia que inexoravelmente marcha para a devastação completa.

* * *

Se não inventou a roda da corrupção, o PT deu ao engenho sofisticação e ousadia inauditas em seus anos no poder. É simplesmente de cair o queixo a admissão casual de Guido Mantega que, comandante da economia do país por longos oito anos, ele ocultava patrimônio no exterior e sonegava imposto.

Na nossa escala deturpada de valores, fica parecendo multa de trânsito. Não é, nem deveria ser, mesmo quando comparado à tragédia legada por Mantega e os seus nos anos finais de sua gestão.

Aturdida, mídia global examina drama brasileiro em editoriais - MARCOS TROYJO

FOLHA DE SP - 31/05

Por mais que ocupe, desde os anos 1970, posição entre as dez maiores economias e represente grande peso relativo em sua região, o Brasil não é figura frequente na imprensa internacional.

Claro que a atenção se expandiu em 2010, quando o PIB do país cresceu 7,6%, em meio à grande recessão que assolava EUA e Europa, no que muitos enxergaram um "segundo milagre econômico brasileiro".

Multiplicou-se também a exposição do país nas coberturas associadas aos megaeventos esportivos que o Brasil sediou. Mesmo assim, por vezes outros latino-americanos, como Colômbia ou Cuba, rendem mais espaço na mídia jornalística mundial.

Nesse contexto, ganha especial relevância notar que nestes últimos cinco dias alguns dos gigantes da opinião pública planetária, como "The Economist", "Financial Times" e "Washington Post", devotaram extensos editoriais ao drama político nacional. Nas avaliações, há ao menos três pontos constantes.

Primeiro: a ideia de que, com Temer ao comando, o Brasil não se encontra "sob nova direção". O PMDB, ao amparar os anos Lula-Dilma, não apenas teria deixado as digitais na má gestão macroeconômica, mas também no desfrute das recompensas que o capitalismo de Estado brasileiro conferiu à coalizão governamental.

Nesse aspecto, se Temer conseguiu distanciar-se da incompetência na administração da política econômica, o fez menos por convicção e mais por imposição da realidade. Temer e seu PMDB poderiam ter abraçado parâmetros presentes no resumo "Ponte para o Futuro" em qualquer momento dos últimos 20 anos. Fizeram-no apenas em 2015/2016 pois a dura situação do país assim exigiu.

No caso da Lava Jato –luz que se lança sobre a penumbra da economia de compadrio brasileira– ficou mais difícil romper com o passado recente, o que veio nítida e dramaticamente à tona nas últimas duas semanas. O editorial da "The Economist" sugere que a chegada de Temer ao poder não representou jamais "claro rompimento com um passado sórdido".

Segundo: a noção de que muitos escândalos elucidados pela Lava Jato são símbolo do fortalecimento das instituições no Brasil. Ainda assim, o "Washington Post" defende que, caso o país mergulhe num caos político antes da aprovação de algumas reformas estruturais, de pouco terá válido todo o processo de depuração política que emerge das investigações na Petrobras ou na seletivamente generosa política de favorecimento a empresas "campeãs nacionais" por parte do BNDES.

Deriva dessa percepção a certeza, esposada nas três publicações, de que as reformas, e não as pessoas que dirigem o país, são o que realmente importa entre agora e as eleições presidenciais de 2018.

Terceiro –e último: o Brasil tem de embarcar numa reforma política que permita à população, como aponta o "Financial Times", saber que suas elites estão menos preocupadas em evitar a cadeia e mais voltadas a governar o país.

Aqui, claro, fala-se de todo o espectro político, em patente alusão ao PSDB e outras forças de oposição à aliança de poder que comandou o país de 2003 a 2016. Enquanto isso não ocorrer, a economia, ainda que com pontuais sinais de melhora, continuará refém da política no Brasil.

Temer e o otimismo do dinheiro - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 31/05

O CLIMA ERA estranho em uma grande reunião do poder político com donos do dinheiro. Ouvia-se tanto otimismo como preocupação contida nas análises do efeito econômico do choque político causado por todos os grampos do presidente.

Michel Temer parece ter chance de reter apoio, tanto na política como nas bases empresariais.

Muita gente reunida no Fórum de Investimentos Brasil 2017, nesta terça (30), em São Paulo, parecia acreditar no discurso do presidente da Câmara, também presidenciável da República, Rodrigo Maia (DEM), para certa surpresa deste jornalista.

"A agenda da Câmara, em sintonia com a do presidente, tem como foco o mercado, o setor privado"; "a Câmara mantem a defesa da agenda do mercado", disse Maia, no Forum, promovido pela Apex, agência oficial de marketing econômico.

Não que os participantes do evento estivessem flutuando na estratosfera. As perspectivas são agora piores do que antes do grampo e do inquérito contra Temer, mas a impressão geral é de que o "jogo não está perdido".

Isto é, ainda seria possível aprovar a reforma da Previdência, outras reformas importantes ainda passarão e ainda está difícil de avaliar qual o impacto do choque sobre a confiança de consumidores e deles mesmos, empresários e banqueiros.

O rumo geral do governo não mudaria tão cedo, de resto. Gente da política deve estar ouvindo essa conversa.

Como se fosse necessário, Maia deu outra demonstração de sua estratégia: manter-se no mesmo lugar. Assim, fica bem com Temer, com o núcleo do governismo, com o "mercado" e vai negociando com sua base eleitoral, o baixo clero, a maioria do Congresso. Ou seja, toca "reformas" dourando a pílula e mantém aberta a discussão de como aliviar as ameaças de cadeia ou ficha suja que vêm da Lava Jato.

Temer, por sua vez acredita que não ficará só, se o tempo for o senhor da razão. Quer dizer, se conseguir ganhar semanas de sobrevida com um julgamento arrastado no TSE.

O governo então poderia talvez demonstrar alguma força no Congresso, aprovando "reformas e reforminhas". Mostraria assim que é um bom regente da coalizão reformista liberal. Essa é a estratégia do governo, que voltou a barganhar votos para mudar a Previdência.

Para a sorte de Temer, o PSDB ora está meio isolado. Um relato de segunda mão diz que a conversa de Temer com FHC e Tasso Jereissati foi "diplomática", "cortês", mas "não foi boa".

Temer chiou e acuou o PSDB. Tucanos dizem que estão indo, mas não foram, até porque o partido está, para variar, sobre um muro rachado.

Está aí um problema para a estratégia de Temer.

Depois do grampo, a coalizão do governo perdeu oficialmente três ou quatro dúzias de parlamentares, isso sem contar as defecções oficiosas dentro do PSDB.

Ainda pior, a crise deu a oportunidade para muito deputado federal dizer que a crise criou problemas de "legitimidade" ou outra conversa qualquer para se livrar de um problema que era eleitoral.

Um terço da "base" do governo não queria votar a reforma da Previdência apenas por medo de não se reeleger.

Mas o governo espera fazer mais barulho otimista com PIBinho maior, com a mudança no BNDES e a queda de juros. Respira por aparelho e aparelhamento.

Tão perto, tão longe - FERNÃO LARA MESQUITA

ESTADÃO - 31/05

Se houvesse alternativa séria de compromisso com o futuro, este país certamente a agarraria



O Brasil do trabalho foi pego mais uma vez no fogo cruzado das facções em disputa pelo Brasil dos impostos e dos subsídios.

Quem é Michel Temer e o que é a política num país com as regras do nosso, isso o Brasil inteiro sempre soube, antes e depois de o destino tê-lo feito presidente. Assim como sabe agora que nada tem que ver com combate à corrupção a sua queda na esparrela do Jaburu na véspera da votação das reformas que pela primeira vez na história tocariam nos “direitos adquiridos” daquele milhãozinho de marajás que custa mais que 32 milhões de brasileiros aposentados somados, extinguiriam o imposto sindical e desmontariam a indústria do “trabalhismo de achaque”.

Só mesmo o mais alienado entre os habitantes de Brasília, onde ninguém precisa fazer força para pagar contas e o de todo mundo é disputar o poder, para afirmar sem corar que foi “um bom negócio para o Brasil” forçar a saída de Temer um ano antes do prazo, contra a reimersão do País no caos e a indulgência plenária dos banqueiros de todos os banqueiros do assalto do lulismo bolivarianista às instituições democráticas, onde quer que elas estivessem ao alcance do dinheiro dos 2ésleys ao sul do Equador. Sobretudo depois do golpe de despedida na Bolsa e no dólar para faturar em cima dos estertores do País apunhalado, mantido em segredo até depois de consumada a fuga para Nova York.

Passadas duas semanas, porém, está claro que nem se os 50 cegos mais cegos da velha-guarda da MPB cantassem em coro a sua cegueira o País real aceitaria engolir essa truta. Se ainda subsiste a esperança de que possa haver uma aurora depois dessa hora mais escura dos nossos 517 anos de vida, ela está nessa eloquente ausência de povo nas “ruas” falsificadas e sucessivamente armadas para impedir os avanços ou para comemorar os retrocessos nas tentativas de revogar o passado.

O Brasil já sabe, decididamente, o que não quer. Falta-lhe apenas algo a que possa expressamente aderir para conduzir-se para o futuro.

Quem oferecer primeiro leva.

Dirão os pessimistas que um processo que desaguará, cedo ou tarde, numa eleição indireta não poderá ter seu rumo alterado por uma proposta que venha para moralizar de fato o “sistema”. Mas não é nisso que acredita o Brasil do passado. Apesar do horário gratuito, apesar do “patrulhamento” pelo barulho e pelo silêncio, apesar do aparelhamento das escolas, apesar dos artistas e dos intelectuais “orgânicos”, apesar da aspereza do próprio tema das reformas propostas, há uma maioria no Congresso que está disposta a jogar a favor do Brasil do futuro. E foi porque era certa a sua vitória na votação das reformas que o Brasil do passado encontrou um meio tão mal acabado de revogá-las à força.

O tiro saiu pela culatra. O Lula do poder pelo poder, ainda que sobre uma massa falida conflagrada e submetida pela violência, como se vê em todas as ditaduras que aplaude, já estava devidamente reservado no seu canto, quando muito atiçando o desastre que possa vir a redimi-lo. A ausência de qualquer escrúpulo em empurrar uma economia em colapso para além do ponto de não retorno e a olímpica desconsideração dos promotores que pairam acima da nossa “podridão” pela situação extrema de mais de 30 milhões de desempregados e subempregados confirmaram que ir apertando o espaço de convivência entre três Poderes independentes e harmônicos, o sema que separa a civilização da barbárie, a cada degrau que descemos nessa guerra de dossiês e de “grampos” sem nenhum cheiro de frescor, é outro caminho sem volta que nada tem que ver com os anseios e necessidades do Brasil do futuro.

Esse impasse só se decidirá com o hasteamento, pela parcela do Congresso que não está podre, de uma bandeira que o País real possa seguir, ainda que seja como resposta oportunista a um imperativo de sobrevivência, sempre o parteiro dos grandes movimentos da História.

O Brasil precisa saber, seja como for, o que tem o direito de desejar com base na experiência internacional. Iniciar essa receita por um compromisso formal de adesão a uma revisão da Constituição estritamente balizada pelo princípio da igualdade perante a lei é o formato adequado para o momento. Isso limparia o futuro do País de tudo quanto se enfiou nela para criar privilégios e tornar impossíveis o progresso e a esperança de justiça. Ir para uma Constituinte sem comprometê-la previamente com uma pauta clara seria outra temeridade.

Quanto à parte propositiva, entregar o poder ao povo tem sido a solução comum a todo o mundo que funciona. A alternativa real para os odebrechts e os ésleys da vida, também eles criaturas do Estado, são as eleições distritais puras, que dispensam as quantidades de dinheiro que se requerem para colher votos em extensões continentais e, assim como a sua antítese, o financiamento público que fecha tudo numa panelinha de cozinhar corrupção, encaminha o País obrigatoriamente para a essência da democracia, que é a primazia da política municipal, cabendo aos Estados só o que não pode ser resolvido por um único município e à União apenas o que não pode ser resolvido nem pelos Estados, nem pelos municípios.

O compromisso de armar o povo do poder de submeter a referendo as leis aprovadas pelos representantes quando achar necessário, começando pelo âmbito municipal, além de reafirmar que não há saída fora da democracia representativa, seria a garantia de que a solução oferecida não é só um desvio revogável do nosso padrão defeituoso. E o “recall” ou retomada dos mandatos dos representantes eleitos a qualquer momento armaria a mão do eleitor para exigir, sem ter de recorrer a intermediários, os limites que estabelecer para o comportamento do seu representante.

As meias-solas em consideração pelo Congresso não mobilizam ninguém. E a continuação dos apunhalamentos entre “podres” e “santos” nos sangrará a todos até a última gota. Se houvesse uma alternativa séria de compromisso com o futuro, este país cansado de guerra certamente a agarraria.

A República dos compadres - JOSÉ NÊUMANNE

ESTADÃO - 31/05

Chicanas e negaças não impedem o mau cheiro das manobras da máfia que ainda nos governa



Em nossa capital dos convescotes, onde os três Poderes da República confraternizam nos fins de semana e passam os dias úteis conspirando para salvar a própria pele e esfolar a Nação, a máfia dos compadritos – malfeitores portenhos na ficção genial de Jorge Luis Borges – se esfalfa para não ser extinta.

No Poder Legislativo, bocas malditas dão conta à boca pequena de que se conspira para dar de mão beijada aos ex-presidentes José Sarney, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (por que não Fernando Collor?) indulgência perpétua para manter Michel Temer solto, caso seja defenestrado, como o major boliviano Gualberto Villarroel – este foi atirado pela janela do Palacio Quemado e linchado pela malta enfurecida, em 21 de julho de 1946. Ninguém espera que Temer seja atirado vidraça afora do Palácio do Planalto, tendo a palavra defenestrado sido usada apenas como um reforço de linguagem, uma metáfora do desejo da quase totalidade da população brasileira, que o prefere sem poder. Mas que saia inteiro, como a rainha da sofrência Roberta Miranda se dirige ao ex-amor no sucesso Vá com Deus. Embora seja mais difícil querer que ele saia íntegro desde a explosão sobre a faixa presidencial da bomba H da delação de Joesley Batista, o marchante de Anápolis que virou tranchã do próspero negócio da proteína animal no mundo.

Passadas duas semanas das revelações do delator premiado, Temer não contestou nenhuma das acusações que lhe faz, com base na delação, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no pedido de abertura de inquérito encaminhado ao relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Edson Fachin: corrupção passiva, organização criminosa e obstrução da investigação. Em vez disso, contratou o perito Ricardo Molina para acusar a gravação da conversa nada republicana de delator com delatado de má qualidade e de prova de incompetência e ingenuidade dos procuradores que a negociaram. OK. E daí?

O Palácio do Planalto já desmentiu o procurador-geral. Mas juntamente com o desmentido foi dada a prova mais evidente – para qualquer cidadão com quociente de inteligência superior a 50 – de culpa do chefe do governo ao introduzir o roque do xadrez na gestão pública. Insatisfeito com a “timidez” de seu ministro da Justiça na direção da Polícia Federal (PF), ele demitiu o deputado Osmar Serraglio (PMDB) e o substituiu pelo jurista Torquato Jardim, cuja opinião depende tanto do interesse do patrão quanto a do atrapalhado legista. Renan Truffi revelou neste jornal que, em texto escrito em julho de 2015, ele escreveu que, “desconstituído o diploma da presidente Dilma, cassado estará o do vice Michel”.

Como se sabe, em maio de 2016, dez meses depois, o vice Michel era presidente e, no mês seguinte, o renomado causídico assumiu a pasta da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União. Desde então, tornou-se um devoto discípulo do “Velho Capitão” Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, cujo engenho, mesclado à flexibilidade ética que praticava, produziu a pérola que pode servir de lema para o brasão do mais ilustre membro do clã Jardim: “A coerência é a virtude dos imbecis”. É ou não é?

Segundo relato de Felipe Luchete, do site de notícias jurídicas Conjur, o ministro criticou, em 21 de fevereiro passado, procedimentos da Operação Lava Jato: Jardim “listou problemas como as longas prisões provisórias, com duração de até 30 meses, e condenações sem provas, já reconhecidas pela Justiça. Ao comentar a operação, ele afirmou ainda que vazamentos seletivos geram ‘nulidade absoluta’ de processos”. O jornal Diário do Povo do Piauí publicou no dia de sua posse no Ministério de Temer sua profecia de que a Lava Jato teria destino igual ao das operações anteriores da Polícia Federal, caso da Castelo de Areia, sepultada no STF. Bidu!

Fiel ao brocardo de Chatô professado pelo chefe, sua assessoria tentou negar os fatos acima revelados, contrários à opinião da maioria da população, em nota ao Fantástico, que os noticiara. Mas isso não quer dizer que a troca de Osmar Serraglio por ele difira da substituição, feita por Dilma, do advogado José Eduardo Martins Cardozo pelo procurador Eugênio Aragão, alcunhado de “Arengão” por seu chefe, ex-amigo e agora desafeto, Janot.

Mais pernóstica do que a missão que ele nega, contudo, é a tentativa de transferir o antecessor para a pasta que antes o incoerente ocupava. O boquirroto Serraglio se jactava para quem se dispusesse a dar-lhe um minuto de atenção de que não era “pato manco” no governo Temer. E todos sabemos que isso se devia a que sua permanência na pasta garantia o salvo-conduto para o suplente Rodrigo da Rocha Loures continuar no lado bom do dilema “ou foro ou Moro”, mantendo o foro privilegiado na cadeira para a qual o ex-futuro ministro da Transparência foi eleito.

O episódio encerrado com a recusa de Serraglio de ocupar o novo cargo cancela os significados de transparência, fiscalização, controle, justiça e outras já expelidas da gestão pública e da política do País: ética, decoro, vergonha... Mas essa consequência é menor do que o motivo real do frustrado “movimento combinado do rei e de uma das torres, que se desloca para uma posição mais atuante para dar mais segurança ao rei”, como o [ ]Dicionário Houaiss[/ ] define o roque, aquela jogada de xadrez acima citada.

Assim como a tentativa de desqualificar o depoimento do marchante delinquente por causa de seus crimes pregressos ou da má qualidade da gravação que ele fez nos porões do palácio, o odor infecto da matéria orgânica à tona de 17 de maio para cá já ficou insuportável. E exige mais atenção às manobras com que os compadritos da política tentam manter seus privilégios no statu quo. Desfaçatez, chicanas e negaças não perfumam o ar apodrecido das catacumbas da máfia multipartidária que nos governa.

*Jornalista, poeta e escritor

Respeito à Constituição - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 31/05

Não se pode usar a decisão contra o governador do Amazonas como precedente para o caso de Temer porque cada caso envolve marco jurídico específico. No caso do Amazonas, pautou-se pela Lei Eleitoral. No caso de Temer, vale a Constituição



Há quem tenha visto a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinando o imediato afastamento de José Melo do governo do Estado do Amazonas como um elemento complicador para a situação do presidente Michel Temer, como se o que lá foi decidido pudesse balizar o julgamento da ação contra a chapa Dilma-Temer no TSE. Na verdade, é descabida a relação entre os dois casos já que a Constituição Federal dispensa um tratamento específico aos presidentes da República. Sempre, e especialmente em momentos de crise, é de grande importância para o bem do País que o cristalino texto constitucional prevaleça sobre extravagantes interpretações, que nada mais são do que reflexo de interesses particulares.

No dia 4 de maio, por 5 votos contra 2, o TSE determinou o imediato afastamento do governador do Amazonas, José Melo (Pros), e de seu vice, Henrique Oliveira (SD), em razão de compra de votos nas eleições de 2014, quando a chapa obteve a reeleição no segundo turno com 55,5% dos sufrágios. Na decisão, contra a qual ainda cabe recurso, o TSE estabeleceu que o novo governador deverá ser escolhido por meio de eleições diretas.

Com tempos tão agitados como são os atuais, houve quem não tenha atinado para as diferenças entre os casos, fazendo uma indevida conexão do caso do governador do Amazonas com a ação que julga a chapa Dilma-Temer. Tentaram ver, na decisão que o TSE poderá adotar já no início do mês, uma brecha para que, em caso de eventual cassação do mandato de Temer, haja eleições diretas.

Não se pode usar a decisão contra o governador do Amazonas como precedente para o caso de Temer porque cada caso envolve um marco jurídico específico. No caso do governador, o Tribunal pautou-se pela Lei Eleitoral. No caso do presidente da República vale o tratamento que a Constituição dá à matéria.

O art. 81 da Constituição determina que, “vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga”. Em seguida, no § 1.º do mesmo artigo, lê-se que, “ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei”. Não cabe, portanto, convocação de eleição direta.

Como é natural, os constituintes de 1988 poderiam simplesmente ter deixado as eleições diretas como regra geral em caso de vacância dos cargos de presidente da República e vice-presidente. No entanto, decidiram expressamente criar uma regra específica, caso a vacância ocorresse nos últimos dois anos do período presidencial. Não se pode, portanto, ignorar a existência desse mandamento constitucional e criar, seja por qual motivo for, uma regra diferente.

Seria uma fraude ao Estado Democrático de Direito se determinado grupo político ou estrato social pudesse, diante de determinadas circunstâncias, mudar as regras do jogo simplesmente porque elas agora não lhe são apetecíveis. Quando os defensores da ideia de eleições diretas, em caso de cassação do presidente Michel Temer, vinculam sua bandeira à campanha das Diretas Já, ocorrida no final do regime militar, como se fossem causas semelhantes, estão fazendo uma contrafação. Então, nos inícios dos anos 80 do século passado, lutava-se pela volta do regime democrático e pelo estabelecimento de uma Constituição cidadã que estivesse acima da estrutura legal criada durante a ditadura militar. Agora, quem promove a bandeira das eleições diretas está lutando em sentido contrário, querendo que determinados interesses prevaleçam sobre o disposto na Constituição de 1988.

O rigor com o Direito e com os conceitos jurídicos não é um formalismo jurídico arcaico. Ele representa uma das garantias de que a vontade da população, expressa na lei – no caso, na Constituição –, será respeitada. Sem esse cuidado, não há democracia possível, restando apenas a voz dos mais fortes. Ou de quem grita mais alto.

terça-feira, maio 30, 2017

Minha Casa, Minha Vida agrava o apartheid social - LEÃO SERVA

FOLHA DE SP - 29/05
Chamado "Minha Casa, Minha Vida, Meu Fim de Mundo" pelo arquiteto Jaime Lerner, o programa habitacional que foi vitrine das administrações Lula e Dilma poderá ser alvejado de morte por um estudo minucioso a ser divulgado em julho: "Quanto Custa Morar Longe" é o nome dado pelo Instituto Escolhas, ligado ao Insper, para o levantamento que está computando todos os custos diretos e indiretos das moradias, para governos e moradores.

Os primeiros números comprovam o que os críticos vêm dizendo há anos, mas que a sanha eleitoreira impediu os administradores de ouvir: os governos ditos de esquerda, a partir de 2009, geraram um programa habitacional que agravou os defeitos dos conjuntos populares da ditadura militar. Ao priorizar as metas de número de unidades habitacionais em curto prazo, o poder público reduziu o custo das unidades a um valor que só é possível atingir construindo em locais distantes dos centros urbanos.

Em outras palavras, o país empenhou os maiores investimentos em habitação popular das últimas décadas para aumentar o apartheid social e deixar para as décadas futuras custos imensos, tanto para os governos quanto para moradores, seus filhos e netos.

Isso vale para São Paulo, onde só dá para fazer MCMV na extrema periferia, como também para pequenas cidades do resto do país. Se uma árvore se conhece pelo fruto, a característica comum de todos os empreendimentos é agravar a segregação dos moradores de baixa renda, levando-os para longe das cidades, em conjuntos habitacionais homogêneos.

Minha Casa Minha Vida produz Cidades Tiradentes em todo o país: em áreas onde não há emprego, os trabalhadores têm que fazer diariamente longos deslocamentos para ir trabalhar. O bairro da zona leste de São Paulo tem 33 anos e até hoje esse defeito estrutural não foi resolvido, nem será tão logo, forçando gerações de moradores a sofrerem o suplício de um deslocamento correspondente a meia jornada formal de trabalho, todos os dias.

Além do tempo de viagem e da falta de emprego, a opção por terrenos baratos resulta em áreas onde não há infraestrutura: sem hospitais, sem escolas, sem saneamento básico, arruamento e transportes públicos. A casa, financiada pelo Ministério das Cidades, fica dentro do orçamento previsto. Mas em seguida começa a demanda para os órgãos de Educação, Saúde, esgotos, ônibus, segurança...

segunda-feira, maio 29, 2017

O autor da crise - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 29/05

Lula não pode continuar, sem ser contestado, a se oferecer como remédio para o mal que ele mesmo causou


A escassez de lideranças políticas no Brasil é tão grave que permite que alguém como o chefão petista Lula da Silva ainda apareça como um candidato viável à Presidência da República, mesmo sendo ele o responsável direto, em todos os aspectos, pela devastadora crise que o País atravessa.

A esta altura, já deveria estar claro para todos que a passagem de Lula pelo poder, seja pessoalmente, seja por meio de sua criatura desengonçada, Dilma Rousseff, ao longo de penosos 13 anos, deixou um rastro de destruição econômica, política e moral sem paralelo em nossa história. Mesmo assim, para pasmo dos que não estão hipnotizados pelo escancarado populismo lulopetista, o demiurgo de Garanhuns não só se apresenta novamente como postulante ao Palácio do Planalto, como saiu a dizer que “o PT mostrou como se faz para tirar o País da crise” e que, “se a elite não tem condição de consertar esse País, nós temos”. Para coroar o cinismo, Lula também disse que “hoje o PT pode inclusive ensinar a combater a corrupção”. Só se for fazendo engenharia reversa.

Não é possível que a sociedade civil continue inerte diante de tamanho descaramento. Lula não pode continuar, sem ser contestado, a se oferecer como remédio para o mal que ele mesmo causou.

Tudo o que de ruim se passa no Brasil converge para Lula, o cérebro por trás do descomunal esquema de corrupção que assaltou a Petrobrás, que loteou o BNDES para empresários camaradas, que desfalcou os fundos de pensão das estatais, que despejou bilhões em obras superfaturadas que muitas vezes nem saíram do papel e que abastardou a política parlamentar com pagamentos em dinheiro feitos em quartos de hotel em Brasília.

Lula também é o cérebro por trás da adulteração da democracia ocorrida na eleição de 2014, vencida por Dilma Rousseff à base de dinheiro desviado de estatais e de golpes abaixo da linha da cintura na campanha, dividindo o País em “nós” e “eles”. Lula tem de ser igualmente responsabilizado pela catastrófica administração de Dilma, uma amadora que nos legou dois anos de recessão, a destruição do mercado de trabalho, a redução da renda, a ruína da imagem do Brasil no exterior e a perda de confiança dos brasileiros em geral no futuro do País.

Não bastasse essa extensa folha corrida, Lula é também o responsável pelo tumulto que o atual governo enfrenta, ao soltar seus mastins tanto para obstruir os trabalhos do Congresso na base até mesmo da violência física, impedindo-o de votar medidas importantes para o País, como para estimular confrontos com as forças de segurança em manifestações, com o objetivo de provocar a reação policial e, assim, transformar baderneiros em “vítimas da repressão”. Enquanto isso, os lulopetistas saem a vociferar por aí que o presidente Michel Temer foi “autoritário” ao convocar as Forças Armadas para garantir a segurança de Ministérios incendiados por essa turba. Houve até mesmo quem acusasse Temer de pretender restabelecer a ditadura.

Para Lula, tudo é mero cálculo político, ainda que, na sua matemática destrutiva, o País seja o grande prejudicado. Sua estratégia nefasta envenena o debate político, conduzindo-o para a demagogia barata, a irresponsabilidade e o açodamento. No momento em que o País tinha de estar inteiramente dedicado à discussão adulta de saídas para a crise, Lula empesteia o ambiente com suas lorotas caça-votos. “O PT ensinou como faz: é só criar milhões de empregos e aumentar salários”, discursou ele há alguns dias, em recente evento de sua campanha eleitoral fora de hora. Em outra oportunidade, jactou-se: “Se tem uma coisa que eu sei fazer na vida é cuidar das pessoas mais humildes, é incluir o pobre no Orçamento”. Para ele, o governo de Michel Temer “está destruindo a vida do brasileiro”, pois “a renda está caindo, não tem emprego e, o que é pior, o povo não tem esperança”.

É esse homem que, ademais de ter seis inquéritos policiais nas costas, pretende voltar a governar o Brasil. Que Deus – ou a Justiça – nos livre de tamanha desgraça.


Para quem cultua fetiches trabalhistas - ODEMIRO FONSECA

O GLOBO - 29/05

Quando acima de 65% trabalham, sobem arrecadações e diminuem demandas sociais. Legislações trabalhistas e previdenciárias do sul da Europa faliram todos governos

Há um quarto de século Hamish McRae foi otimista em seu “O mundo em 2020”. Mas preocupava-se sobre potencial conflito nas sociedades com baixo crescimento, sem geração de empregos, grupos de interesse entrincheirados e envelhecimento causando crescentes gastos com previdência e saúde.

McRae nos acertou. Estamos agora tentando resolver um problema agudo de impostos sobre o trabalho e injustiças previdenciárias. Agonizamos por reformas.

O moral objetivo de tais reformas é o de permitir que pelo menos 65% dos brasileiros possam trabalhar. Hoje temos 40 milhões de brasileiros que não conseguem trabalho. São os desempregados e os desalentados. Só temos 39 milhões de carteiras assinadas. Principalmente os jovens vivem de bico.

Quando acima de 65% de uma população trabalham, aumentam arrecadações e diminuem as demandas sociais. As legislações trabalhistas e previdenciárias do sul da Europa faliram todos governos, de Portugal à Grécia. Perenizou-se desemprego acima de 12% e até 50% entre jovens. Gastam até 18% do PIB em aposentadorias. Os europeus do Norte têm desempregos muito baixos, e 70% da população trabalham até mais de 65 anos. Têm os melhores IDHs e taxas de felicidade. Não por coincidência, dez países do Norte Europeu estão entre os 15 mais fáceis de fazer negócios. Nós estamos na 123ª posição (“Doing Business 2017”, Banco Mundial).

É muito caro assinar uma carteira. Não pelo salário levado pelo empregado, mas pelos impostos sobre o trabalho. Um dos fetiches trabalhistas é que os impostos sobre o trabalho “são pagos pelo empregador”. Falso. Quem paga são os trabalhadores. Um trabalhador com carteira assinada por R$ 1.500 custa para o empregador três vezes mais, devido a custos compulsórios por lei, ou seja, impostos sobre o trabalho. Os chamados “encargos trabalhistas” subestimam seriamente o custo do trabalhador. É penoso que o trabalhador leve para casa um terço do que custa para o empregador. Os outros dois terços atingem de forma dramática os desempregados, desalentados e informais.

Pequeno grupo político entende o problema e parece que conseguirá importantes reformas. Serão reconhecidos. Mas, mesmo antes de 2020, teremos que continuar a aperfeiçoar as regras fiscais e burocráticas para trabalhar e se aposentar.

As reformas futuras terão que acabar com os impostos sobre o trabalho. Previdências por repartição (pay as you go) não têm futuro. Precisamos de mais gente trabalhando e mais poupança. Um único desconto compulsório de 11% sobre salários encaminhado para fundos de pensão seria um caminho. Simples, se todos os pagamentos salariais fossem pelo sistema bancário. E o trabalhador levaria para casa quase 90% do que custaria. E depois de 40 anos, o trabalhador teria um fundo que o manteria por mais 25 anos com 80% do recolhimento médio. A aposentaria pública seria paga por impostos gerais, para os que ficassem abaixo de parâmetros mínimos. Se 135 milhões de trabalhadores em média poupassem 170 reais mensais em fundos de pensões, tal poupança alcançaria 15% do PIB por ano. Sonho? Os chineses poupam 50%. Os indianos, mais de 30%. Ambos crescem mais de 7% ao ano há 25 anos.

McRae acertou outra: “As economias dinâmicas virão da Asia, alimentadas pela cultura de trabalho e poupança pessoal e a China se tornará a maior economia mundial”. Na mosca. Há 15 anos, nossos indicadores de renda e pobreza eram muito melhores do que a China e Índia. A China nos passou, e a Índia está encostando. Será que estamos condenados à pobreza pela nossa cultura, como muitos argumentam? Seria doloroso concordar.

Odemiro Fonseca é empresário

Idiotas da tecnologia se julgam livres porque trabalham usando WhatsApp - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 29/05
A primeira vez que ouvi a expressão "cansaço dos materiais", de um amigo engenheiro, me pareceu muito peculiar, uma vez que significa que pontes, cimento, prédios, ferros se cansam. Se eles, que são indestrutíveis, se cansam, que dirá nós.

Achei, com o tempo, que se tratava de uma expressão de rara elegância. Até os átomos ficam de saco cheio de viver na função de ser átomo. Uma ponte cansa de ser ponte, um prédio de ser prédio, uma viga de ferro de ser viga de ferro. Pareceu-me ser este cansaço indício de que exista um Deus. E que os materiais foram feitos também à sua imagem e semelhança. E que não haveria um Deus mais sincero do que um Deus cansado do que criou.

Somos um mundo fadado ao cansaço, mas sem direito a ele. O imperativo do sucesso é a prova de que nosso mundo está condenado. O simples fato de que o normal, esperado e necessário, é o crescimento econômico eterno já nos devia fazer duvidar do que fazemos todo dia.

Você é uma daquelas pessoas que pensam ter resolvido esse problema só porque tem tempo de ir a pé para o trabalho? Ou come sem pressa de manhã porque esse hábito em nada vai alterar sua capacidade de consumo? Bem, se você for uma dessas pessoas, ou é rica ou não tem qualquer possibilidade de sobreviver (e nesse caso não estaria me lendo nesse exato instante, estaria passando fome em algum lugar), ou vive só com muito pouco e jamais deixará de ser só porque faz parte da cultura single (hoje em dia o marketing dá nomes em inglês para justificar seus custos, tipo "cozinhar em casa" virou "comida comfort"), ou seu pai paga pra você não ter pressa de manhã e você fará duas pós-graduações, uma em Nova York e outra em Barcelona.

Não há saída dessa economia non-stop. Quer saber por que não há saída? É fácil descobrir. Venha comigo. Quem pode abrir mão de wi-fi, cultura mobile, Airbnb, aviões cada vez mais seguros, direitos civis cada vez mais definidos, hospitais cada vez mais equipados, exames laboratoriais cada vez mais precisos, Netflix, gente fácil pra fazer sexo sem encher o saco depois, bikes cada vez mais leves, crianças cada vez mais caras e da cidade de Gonçalves como paradigma de gente bacana, tolerante e cool (esse tipo de gente custa muito caro)?

Ninguém abrirá mão dessas coisas, e muitas outras —a lista é interminável e cansativa, então não vou insistir nela.

Nunca houve na Terra uma geração de jovens mais cansada e sem futuro. Claro que falam muito deles como estrelas high-tech. Uma mistura de high-tech com sensibilidade vegana. Pais babam quando bebês colocam os dedinhos na tela do iPhone 7 e sorriem. Como são inteligentes esses pequenos!

Ouço constantemente de jovens que eles são narcisistas, intolerantes com pessoas reais (e tolerantes com rúculas, baleias e crianças na África), ansiosos e arrogantes porque nós lhes legamos um mundo em chamas. Um mercado de trabalho incerto os acompanha há algum tempo. Alguns idiotas da tecnologia acham que o Chatbot fará um mundo melhor graças a sua brilhante inteligência artificial. O novo gozo é com o "algoritmo", mas o que ele vai fazer mesmo é destruir empregos na velocidade da luz. Esses idiotas da tecnologia se julgam mais livres porque trabalham pelo WhatsApp em casa no domingo.

Mas como escapar dessa economia frenética, se o Waze e o Uber são formas de algoritmo, e se sem esses dois as pessoas bacanas não existem? E temos que criar algoritmos cada vez melhores e mais rápidos e mais precisos para termos mais gente superbacana.

Todos os que afirmam ser possível escapar desse frenesi da produção têm um neurônio a menos. Faça um teste e liste o que você considera essencial pra sua vida. Sem mentir, tá? Se pegar um celular na mão, desista de qualquer utopia, você já perdeu a partida porque esse seu celular "cool", provavelmente, depende de salários baixos em algum elo da cadeia produtiva, do contrário ele seria ainda mais caro do que é.

A China venceu. Você compra roupa "cool" feita por mão de obra quase escrava sem culpa porque no Facebook xinga o Trump e acha o Haddad um grande estadista.

Ótica do tudo ou nada não serve para enxergar a crise brasileira - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 29/05

SÃO PAULO - Poucas aberturas de romance são tão trovejantes como a de "Um Conto de Duas Cidades", de Charles Dickens. "Era o melhor dos tempos, era o pior dos tempos; (...) era a estação das Luzes, era a estação das Trevas; era a primavera da esperança, era o inverno do desespero."

A Paris revolucionária do final do século 18, onde os personagens londrinos Darnay e Carton vivem a sua agonia, torna verossímil a imagética apocalíptica contida naquelas sentenças iniciais. O Brasil em transe desde 2013 não é para tanto.

A violência ao final do último protesto em Brasília não destoou da habitual. Células neoanarquistas abrigadas nas marchas da esquerda botaram para quebrar.

Não há multidões a guerrear contra o statu quo. Tampouco há tropas do czar patrocinando banhos de sangue em reação. As PMs são mal preparadas para a repressão, mas não deixaram rastro de cadáveres ao atuarem nos protestos, alguns bem violentos, dos últimos quatro anos.

O "Exército nas ruas" era uma piada das redes esquerdistas que às vezes gostam de alegorias como as de Dickens. Um punhado de soldados a resguardar prédios da União após as depredações em nada remete a autoritarismo ou ditadura.

O chamado mercado também tem seus momentos barrocos. O "tudo ou nada" associado à realização breve da reforma da Previdência é um exagero. Vamos logo observar indicadores e expectativas se acomodarem, com prejuízo modesto, à perspectiva de que esse importante acerto de contas aconteça apenas em 2019.

E o que dizer das propostas que brotam no noticiário de punição coletiva aos políticos com atropelo de regras constitucionais? Antecipar eleições gerais? Com que poder revolucionário o faríamos? Quem lideraria a cruzada? Os templários do Ministério Público e do Poder Judiciário?

Um pouco de ceticismo nos faria bem. O Brasil não vai acabar nem se salvar amanhã.

O monstro terno - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 29/05

RIO DE JANEIRO - A realidade política brasileira tem sido comparada a um filme de terror. E com razão, porque, não importa para que lado se olhe, o cenário é de porões de castelos assombrados, caninos ensanguentados, homens peludos, mortos que caminham e mulheres de maus bofes. Para completar, vários dos nossos políticos têm o "physique du rôle" para interpretar Drácula, o Lobisomem, Norman Bates, Freddy Krueger e até Minnie Castevet, a vizinha de apartamento de "O Bebê de Rosemary".

Em muitas dessas comparações, as pessoas citam Boris Karloff —como se, por ter feito os papéis-título em "Frankenstein" (1931) e "A Múmia" (1932), ele fosse um símbolo do horror. Mas, olhe, é uma injustiça. Boris Karloff apenas viveu aqueles papéis, e os dois filmes ficaram entre os maiores do gênero. Na vida real, Karloff (1887-1969) foi um dos homens mais queridos de Hollywood.

Ele era, na verdade, inglês, com formação teatral, fã de Joseph Conrad e amigo de escritores e dramaturgos. Devia ser um grande ator, já que, conhecido por sua suavidade e ternura para com os amigos, os filmes só o queriam para viver loucos, drogados, carrascos, sádicos e até violadores de túmulos.

Karloff trabalhava em Hollywood, mas mantinha um apartamento em Nova York, no —logo onde— edifício Dakota, onde se passa "O Bebê de Rosemary" e onde John Lennon seria morto em 1981. No Halloween, Karloff deixava doces e balas à porta dos apartamentos do Dakota onde moravam crianças –adorava-as e não queria que tivessem medo dele. Para elas, gravou disquinhos infantis e trabalhou em "Alice no País das Maravilhas" e "Peter Pan" na Broadway.

Karloff dizia que, ao morrer, queria ser enterrado maquiado de Frankenstein. Não foi possível. Nossos políticos não terão esse problema —bastará que sejam enterrados como si mesmos.

Poder e responsabilidade - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 29/05

A Constituição de 1988 deu a cara que o Ministério Público (MP) tem hoje. Alçou a instituição à condição semelhante de poder independente e a inseriu no dia a dia da vida dos brasileiros. Até então, o órgão padecia de uma espécie de conflito existencial, ora atuando como patrono dos interesses do Estado, ora como fiscal dos atos de agentes deste mesmo Estado, de quem, em última análise, dependia para funcionar. A nova Carta Magna reconfigurou o papel do MP e deu origem a uma instituição totalmente autônoma - funcional e administrativamente - e independente de quaisquer controles dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

O Ministério Público foi uma instituição que saiu muito fortalecida da Assembleia Nacional Constituinte. À independência administrativa, funcional e financeira, somou-se a significativa ampliação da esfera de atuação do órgão - especialmente com o instituto da Ação Civil Pública -, dando-lhe projeção, protagonismo e, sobretudo, poder. Tanto é assim que é justamente o Ministério Público que abre o Capítulo IV da chamada “Constituição Cidadã”, o que trata das funções essenciais à Justiça. Sem dúvida, fortalecer o Ministério Público representou um enorme ganho para a sociedade brasileira, que saíra havia pouco de uma ditadura que a privou do exercício dos mais elementares direitos.

Entretanto, ao significativo ganho de poder do Ministério Público na vida institucional do País não houve correspondência na criação de mecanismos de controle que pudessem conter eventuais excessos e, nos casos mais graves, abusos dos membros daquela instituição. O controle interno - e único - dos atos de promotores e procuradores de justiça é exercido pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), criado em dezembro de 2004 pela Emenda Constitucional n.º 45.

O colegiado é composto pelo procurador-geral da República, que o preside, e mais 13 conselheiros, que são indicados pelas instituições de origem às quais pertencem - Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar, além de advogados - e devem ser aprovados pelo presidente da República e pelo Senado. Em suma, promotores e procuradores têm as suas condutas controlados fundamentalmente por seus pares. Trata-se de uma excrescência da ordem constitucional brasileira que precisará ser enfrentada com coragem numa necessária revisão da Carta.

Em um regime que se propõe democrático, é essencial o controle externo de uma instituição republicana por outra - o chamado sistema de pesos e contrapesos. Ora, se este balanço institucional vigora plenamente para os Três Poderes da República, por que não haveria de valer para uma instituição que, repita-se, foi alçada à categoria de poder independente pela ação de seus próprios membros? Lembre-se que Executivo e Legislativo são ainda mais controlados, dada a natureza eletiva dos cargos que os compõem.

O Ministério Público tem prestado um grande serviço ao País. A Operação Lava Jato tem produzido bons resultados, tanto do ponto de vista jurídico como do ponto de vista da opinião pública, que passou a ver nela as razões para restaurar a confiança no primado elementar da igualdade de todos os cidadãos perante a lei. De pouco valerá este legado, no entanto, se, tal como cruzados, promotores públicos e procuradores de justiça insistirem em assumir o papel de purificadores da vida institucional do País, promovendo a explosão da legítima atividade político-partidária, usando a justa indignação da sociedade como combustível para levar a cabo seus próprios desígnios corporativos.

Não são apenas a Presidência da República, o Congresso Nacional, a classe política em geral que estão sob escrutínio da sociedade, como é natural num regime democrático. O Ministério Público também. Os inegáveis avanços da Operação Lava Jato lhe parecem um salvo-conduto para agir sem questionamentos. Não são.

Autoridade e vandalismo - DENIS LERRER ROSENFIELD

ESTADÃO - 29/05

O presidente Temer fez o que tinha de fazer: restabeleceu a ordem, com auxílio do Exército



Para melhor compreendermos as violentas manifestações de rua da última semana, tendo como roupagem todo um falso vocabulário democrata, torna-se necessário melhor avaliarmos a questão do Estado e da democracia.

Quando o presidente Temer se viu confrontado pela violência instaurada em Brasília, foi levado a fazer uma escolha, tendo como foco o restabelecimento da autoridade estatal, que estava sendo minada. E tomou para si, como presidente da República, a difícil decisão de chamar o Exército Brasileiro para a defesa da ordem pública, abalada. Deixou claro para a sociedade brasileira que seu objetivo consistiu em defender o Estado e o regime democrático.

Se não o fizesse, não estaria exercendo a autoridade que lhe confere a Constituição. Se não o fizesse, estaria abdicando de sua função de governar, dando livre curso à violência. Se não o fizesse, estaria dando o exemplo de que o caminho da desordem pública estava aberto para novas manifestações por todo o País. Se não o fizesse, estaria renunciando a sustentar o Estado. Um sim seria dado à generalização da violência.

Vivemos uma situação única e particularmente explosiva, pois, após a captura do Estado pelo aparelho lulopetista e aliados, com a corrupção tendo se infiltrado decisivamente no sistema político-partidário, as regras democráticas começaram a servir aos mais distintos propósitos. Por exemplo, as manifestações são apresentadas como “pacíficas”, próprias a um regime democrático, quando visam, na verdade, a enfraquecer ainda mais a democracia por meio da violência.

Que não se venha repetir a patranha de sempre: que as manifestações são pacíficas, porém “infiltradas” pelos black blocs. Todas as manifestações da esquerda são acompanhadas pela violência, o que não se vê com as organizadas por MBL, Vem Pra Rua e outros movimentos, que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff. Tanto são os vândalos acobertados que, mascarados e com bombas caseiras, são defendidos pelos mesmos grupos de esquerda que organizam essas manifestações.

São, também, defendidos por advogados da mesma esquerda, que se autointitulam de “democratas” e defensores dos “direitos humanos”. Na Câmara dos Deputados e no Senado são apoiados por parlamentares que, nessas Casas, têm introduzido a baderna como meio de paralisação dos trabalhos parlamentares. Reproduzem o mesmo estilo de atuação, que toma a democracia para subvertê-la.

A anomia caracteriza-se pelo fato de as regras democráticas começarem a funcionar no vazio, como se fossem independentes do Estado. Dada a herança lulopetista e seus desdobramentos posteriores, os cidadãos não se sentem mais representados, o que faz com que as instituições sejam enfraquecidas e mesmo corroídas por dentro. Segue-se a falar de democracia num quadro de desmoronamento institucional.

Pode ocorrer que o uso que se faça das regras democráticas tenha o intuito de enfraquecer o próprio Estado. Defende-se uma forma de democracia que começa a perder sua substância, uma vez que o aparelho estatal se desarticula, vítima que veio a ser de uma apropriação “privada e partidária” e criminosa. O Estado foi tomado de assalto e os invasores apresentam-se como democratas.

Quando o presidente Temer assinou o decreto de Garantia da Lei e da Ordem, nada mais fez do que seguir a Constituição, em seu artigo 142, que lhe atribui essa função na defesa do Estado Democrático de Direito. Deixou claro que não compactuaria com a desordem nem com a subversão da democracia. Deixou igualmente claro que, uma vez restabelecida a ordem, revogaria o decreto, o que fez no dia seguinte, quando os manifestantes saíram, em seus ônibus, de Brasília.

Note-se que a atitude do Exército, como expresso pelos ministros do GSI, general Sergio Etchegoyen, e da Defesa, Raul Jungmann, foi nitidamente defensiva, visando a resguardar a vida dos funcionários nos ministérios depredados e incendiados e o patrimônio dos prédios públicos federais.

Imaginem a angústia e o medo de funcionários em ministérios sendo incendiados, precisando fugir das chamas, da fumaça e da asfixia. Imaginem a angústia e o medo de pessoas trabalhando em seus escritórios, sob o impacto de pedras e outros artefatos que destroem as paredes de vidro de suas instalações. O que poderia acontecer se a violência não fosse contida?

Os esquerdistas de sempre, PT, PSOL, PCdoB e Rede, logo passaram a falar de “repressão militar”, violação da democracia e assim por diante, num festival de besteiras sem igual. Alguém viu o Exército reprimindo alguém? Há um único vídeo ou foto a esse respeito?

Repito: teve uma atitude defensiva, de contenção da violência que se espalhava por toda a Esplanada dos Ministérios. Simbolicamente, sustentou as instituições e a democracia. Os falsos democratas são os que se insurgem contra essa atitude constitucional e compactuam com a violência.

Para quem esteve em Brasília nesse dia, a capital federal mais parecia uma praça de guerra. Fumaça em vários lugares, bombas sendo lançadas por manifestantes, vândalos atacando a polícia, em vez de fugirem dela, incêndios em ministérios e nas ruas, pontos de ônibus destruídos e banheiros químicos queimados.

A Polícia Militar do Distrito Federal havia sido transbordada, não era mais capaz de exercer a sua missão. A Força Nacional existente naquele momento em Brasília era constituída por pouco mais de cem policiais, número nitidamente insuficiente para conter a violência, que se alastrava.

O presidente Temer fez o que deveria ter feito, restabelecendo a ordem, com o auxílio do Exército, no estrito cumprimento de suas responsabilidades constitucionais. Protegeu o patrimônio nacional e a vida das pessoas, transmitindo à Nação a mensagem de que a violência não é opção para a democracia. Não há democracia sem autoridade estatal.

*PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS

Um erro renovado - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 29/05


Em 40 anos, o Brasil cometeu duas vezes o mesmo equívoco de se fechar ainda mais


Há uma compreensível aliança entre profissionais e empresários que dependem de encomendas de estatais, de bens e serviços, em favor de reservas de mercado, de medidas protecionistas que os protejam da concorrência externa. Barreiras desse tipo são quase uma constante na história da industrialização brasileira. Mesmo quando são barreiras naturais, pela falta de divisas.

O uso do enorme poder de compra da Petrobras, a maior das empresas públicas, grande mesmo em escala mundial, exerce irresistível sedução sobre governos. Se ele for nacionalista, de “direita” ou “esquerda”, é quase certo que aderirá a políticas deste tipo.

Nas últimas quatro décadas, o país viveu duas vezes a experiência, mas de sinal ideológico trocado: com a ditadura militar, e na fase nacional-populista do PT, a partir do final do primeiro governo Lula, quando a então ministra de Minas e Energia Dilma Rousseff ocupou a Casa Civil, no lugar de José Dirceu, abatido pelo mensalão.

Os resultados foram negativos. Na era Geisel, na ditadura, foi lançado amplo programa para substituir compras no exterior de máquinas, equipamentos e insumos básicos. Projetos nos setores de petróleo, petroquímica e siderurgia serviram de alavanca para gerar encomendas ao mercado interno. No lulopetismo, a Petrobras foi a âncora de um projeto com o mesmo objetivo: exigir índices elevados de nacionalização para os equipamentos encomendados a partir de projetos gerados principalmente em torno da atividade de exploração da Petrobras e grupos associados. Inclusive navios.

Nos dois casos, o BNDES foi o principal financiador do programa. Amplia-se a produção dos bens e serviços protegidos pela reserva de mercado, multiplicam-se empregos, cresce o subsídio do Tesouro, sempre de forma pouco transparente para a sociedade, embutido em juros camaradas, mas vem a inflação, o quadro fiscal desanda e tudo desinfla em escombros.

No caso da era Geisel — quando as contas públicas, além de não serem expostas de forma clara, eram mascaradas pela inflação —, o segundo choque do petróleo, sem que o país fizesse o ajuste devido — éramos a “ilha de paz e prosperidade” —, acelerou a debacle. A conta dos subsídios, jamais conhecida ao certo, ficou embutida na dívida interna, para o contribuinte pagar, também na forma de hiperinflação.

Na experiência lulopetista, com inflação em alta, porém mais baixa que na era Geisel, e sem correção monetária, foi mais fácil detectar o efeito do aumento de custos sobre Petrobras e petroleiras em geral, decorrente da reserva de mercado radical. Com razão essas empresas reclamaram. O crime de responsabilidade de Dilma, no campo fiscal, levou-a ao impeachment e abriu caminho para se começar a remover esses entulhos.

A torcida é para que se tenha aprendido que, sem investimentos no aperfeiçoamento da mão de obra, em tecnologia e a abertura para o mundo, segmentos da indústria brasileira não ganharão eficiência. O sonho da autossuficiência em tudo acabou com o avanço da globalização. Que não se repita pela terceira vez o mesmo erro.

Como restaurar a pinguela - RICARDO NOBLAT

O Globo - 29/05

Embora estrebuche na maca e negue que renunciará ao mandato, Michel Temer ainda não teve a má ideia de dizer que só sairá do Palácio do Planalto amarrado à cadeira presidencial. Era assim que Delfim Netto, ministro da Fazenda da ditadura militar de 64, prometia fazer se um dia o derrubassem. Depois de sete anos como o todo-poderoso xerife da economia, Delfim acabou demitido, mas a cadeira ficou.

A CADEIRA PRESIDENCIAL continuará sendo ocupada por Temer até que se entendam em torno de um nome para substituí-lo os protagonistas de sempre da cena política nacional — partidos, ministros de tribunais superiores, empresários e banqueiros. Fracassou quem havia se oferecido para unificar o país. A pinguela caiu. Mas quem irá restaurá-la para que o país consiga chegar em paz às eleições diretas de 2018?

NO PRÓXIMO DIA 6, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) começará a julgar a ação do PSDB que pede a impugnação da chapa Dilma-Temer por abuso de poder econômico nas eleições de 2014. O placar, ali, estava 5 a 2 para inocentar Temer e condenar Dilma antes que o empresário Joesley Batista delatasse Temer. Hoje seria de 4 a 3. O futuro a Deus pertence, e também ao ministro Gilmar Mendes, presidente do TSE.

GILMAR É AMIGO de Temer e um dos seus conselheiros mais influentes. Para escapar de grampos, os dois só se comunicam por meio de emissários. Mas Gilmar tem amigos em toda parte e não se nega a ajudá-los. Provou-o ao atender pedido de Aécio Neves para que convencesse o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) a aprovar o projeto de lei sobre abuso de autoridade. Por ora, Aécio expia seus pecados em prisão domiciliar voluntária.

A IMPUGNAÇÃO da chapa pelo TSE atenderia a uma das condições de Temer para deixar o poder: preservar a sua biografia. Foi Dilma que cuidou das contas da campanha. Logo, a culpa fora dela. Outras condições: não ser punido; alguma proteção para os amigos encrencados na Lava-Jato; não recondução de Rodrigo Janot ao cargo de procurador-geral da República; e ser ouvido para a escolha do seu sucessor.

TEMER IMAGINA que ganhará uma sobrevida se a perícia da Polícia Federal concluir que foi adulterada a gravação de sua conversa com Batista. Quando nada, isso serviria para livrá-lo da acusação de que tentou obstruir a Justiça ao incentivar Batista a seguir pagando pelo silêncio de Eduardo Cunha. Das outras acusações — corrupção passiva e organização criminosa —, acha que se livrará facilmente. A ver.

OBSTRUÇÃO DA JUSTIÇA foi o que levou o ex-senador Delcídio Amaral para a cadeia. Por encomenda de Lula, Delcídio pagou para que Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras, ficasse calado em Curitiba. Diante da Justiça, a situação de Temer é pior que a de Delcídio. Esse, pelo menos, amenizou a sua delatando. Temer poderá ser alvo de novas delações e de provas mantidas em sigilo até aqui.

HÁ UM ACORDÃO sendo costurado no Congresso capaz de beneficiar Temer, mas concebido para estancar a Lava-Jato. Um dos seus pontos é rever a posição do Supremo Tribunal Federal que, por 6 a 5, decidiu que condenado em segunda instância da Justiça será preso. Delação só para quem estivesse solto. E perdão para suspeito de ter feito caixa dois. Por esse ralo escaparia muita gente.

ESCAPARIA LULA, que mesmo se condenado em segunda instância estaria livre e à vontade para disputar as eleições de 2018.

domingo, maio 28, 2017

Operação Carne Muito Fraca - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA

O Brasil viu o PT criar o monstro JBS e ficou calado. O Brasil viu o monstro emboscar um presidente e depois voar livre para Nova York. Cadeia para o Brasil.

O que os companheiros Janot e Fachin consideraram suficiente para abrir investigação contra Michel Temer é um soluço diante daquilo que, durante dois anos, acharam insuficiente para abrir investigação contra Dilma Rousseff – a presidente do petrolão. A incrível rapidez dessa operação (que poderia se chamar Carne Muito Fraca) fez surgir nas redes sociais os codinomes de Rodrigo Enganot e Edson Facinho. Que gente má.

Antes dessa mão de areia jogada nos olhos da plateia, o espetáculo verdadeiro chegava ao coração do escândalo com as revelações de João Santana e Mônica Moura. Ali ficava claro – mais do que nunca – que o proverbial assalto exposto pela Lava Jato fora regido de dentro do palácio petista, sem intermediários.

O marqueteiro e sua esposa mostraram como o governo (repetindo: o governo, não o partido) agia para embaraçar as investigações da força-tarefa – inclusive tentando preveni-los da prisão e, consequentemente, evitar sua delação. Coisa de máfia. Acusado de atuar nesses vazamentos está o ex-ministro da Justiça – o mesmo que triangulava com o procurador-geral e o STF no longo período em que Dilma, a idônea, era tornada imune a investigações.

Como até os pedalinhos de Atibaia estão cansados de saber, Lula e sua revolução redentora inventaram os irmãos Batista como potência empresarial. Os subterrâneos do BNDES têm muito a revelar sobre essa história de sucesso, mas a Operação Carne Muito Fraca chegou bem na hora para embaçar a cena. O que se viu foi uma homologação tipo fast-food da espionagem de Joesley e da conclusão quase mediúnica sobre uma suposta autorização do presidente da República para a compra do silêncio de Eduardo Cunha.

Tudo muito grave. Ou o presidente tem de ser afastado e preso – e essa investigação não pode parar antes do fim – ou terá sido um erro de psicografia. Aí quem psicografou vai ter de pagar. Na mesma moeda.

Existirá psicografia seletiva? Fica a dúvida. Porque as mesmas mentes que detectaram crime do presidente na conversa com o campeão do Lula parecem não ter notado os crimes do campeão. Na mesma conversa, ele diz ter subornado meio mundo. Mas aí deu um tchau para os supremos companheiros e foi pousar livre como um pássaro na Quinta Avenida. Será que é normal? Ou seria paranormal?

Deixem os irmãos Batista curtir sua fortuna tranquilos em Nova York. O mais indicado mesmo, neste momento, é o Brasil se entregar e negociar uma delação premiada. Conte tudo, Brasil. Confesse que você viu o monstro sendo criado pelo PT e engordando na sua cara. Admita que desde o mensalão você viu (ninguém te contou) Lula e seu Estado-Maior transformando grandes empresas nacionais em anexos do PT para comprar seus melhores sonhos totalitários. E, por favor, não venha agora fingir surpresa com o fato de a política nacional estar contaminada por esses tubarões. Dizem que quem não recebia PC Farias na era Collor caía em desgraça. PC era uma criança perto dos seus sucessores na era Lula.

O Brasil acordou invocado na semana passada, olhou-se no espelho e se descobriu virtuoso. Decidido terminantemente a ser a virgem do bordel. Tudo bem. O que acontecia antes disso era que um presidente antiquado, de um partido fisiológico, abrira as portas do Estado brasileiro para que as melhores cabeças pudessem saneá-lo, salvá-lo do desastre petista. Por que Temer fez isso? Não interessa. O que interessa é que o seu time de ouro iniciou um milagre e virou todos os indicadores na direção certa – a única que interessa à sua vida real, Brasil.

Mas você estava com saudade de ver heróis da resistência como Lindbergh Farias sabotando as reformas, não é verdade? Bem, então está dando tudo certo para você. O lobista de José Dirceu, condenado a 20 anos de prisão na Lava Jato, também já está solto. Siga apoiando o processo de depuração das instituições deflagrado pelos irmãos Batista. Quem sabe eles não se comovem e criam uma Bolsa Brasil? Aí talvez você possa até largar essa vida corrida e ir descansar para sempre no Guarujá.

Herdeiros incompetentes - PERCIVAL PUGGINA

ZERO HORA 28/05
Estou cansado desse presidencialismo, cuja maior competência consiste em gerar crises


Senhores leitores. De denúncias estamos mais do que abastecidos. Estamos lotados. Não há mais espaço, seja nas gavetas, seja no HD. Dispenso-me de mencionar a saturação dos também repletos estômagos e suas náuseas. Penso que já passamos da hora. É tempo de começarmos a nos preocupar com a explicação que daremos a nossos filhos e netos quando nos questionarem sobre o que fizemos com o país em que lhes toca viver.

Aos que têm tantas respostas certas para perguntas erradas, chegará certamente o dia em que alguém fará as perguntas corretas: "Por que, diabos, vocês perseveram no mesmo erro, eleição após eleição, crise após crise? Por que, mais de um século após a proclamação da República, vocês insistem em manter um sistema de governo que nunca funcionou direito?". E eu ainda dirijo a mim mesmo esta outra pergunta: "Já não estás cansado, escriba, de escolher, a cada eleição, quem te parece menos pior? O mal menor?". Sim, estou! E como estou!

Em 1891 decidimos seguir, em parte, o modelo adotado nos Estados Unidos. Se funcionava lá, nos parecia razoável supor que funcionasse aqui. Mas o que era razoável aos olhos de Benjamin Constant e seus companheiros, há muito revelou não ser! Um inteiro século de evidências o comprovam. Eis por que observo atentamente os acontecimentos do Tio Sam. Pela primeira vez percebo os eleitores norte-americanos um pouco frustrados com algo que nos acompanha a cada eleição presidencial e na maior parte dos pleitos majoritários que nos são disponibilizados: forte rejeição aos dois candidatos e, como consequência, a nação legitimamente confiada a mãos imperitas e desacreditadas. Não seria diferente com uma vitória da Sra. Clinton. Se enfrentarem um processo de impeachment, verão o quanto dói uma saudade...

A irracionalidade do nosso presidencialismo berra nas páginas dos livros de História. Somos uma nação de condenados. Por imposição de um modelo institucional, somos sentenciados a suportar, longamente, governos incompetentes, corruptos, a respeito dos quais se acumulam suspeitas que se transformam em evidências e cujos males vamos tolerando em nome de uma governabilidade de regra capenga, negocista e inconfiável.

Se há algo que me amaina a consciência é saber que nos últimos 30 anos, nos meios de comunicação do Rio Grande do Sul, ninguém mais insistentemente do que eu combateu o presidencialismo. Aprendi a rejeitá-lo, primeiramente, nos ensinamentos do meu pai, o deputado Adolpho Puggina, e nos artigos de Mem de Sá, de Carlos de Brito Velho e Raul Pilla; posteriormente, no convívio com o dileto amigo e mestre professor Cézar Saldanha Souza Júnior. Os primeiros morreram sem ver os infortúnios destes anos de bruma e tormenta. Mas sei o quanto padeceu seu discernimento, nas dificuldades dos tempos em que viveram, escutando o silêncio suscitado por seus clamores. O que sentiram não terá sido diferente do que sinto agora, nesta quadra da minha existência, tendo vivido os abalos de 1961, 1964, 1969, 1992, e os audíveis e inaudíveis ruídos destes últimos desregrados e corrompidos anos. O mundo avança e o Brasil se arrasta em seus emaranhados institucionais. Sinto como se as centenas de palestras e programas de rádio de que participei tivessem entrado por um ouvido e saído pelo outro; como se o que escrevi em centenas de artigos e, pelo menos, em dois capítulos de livros recentes, tivessem entrado por um olho e saído pelo outro.

Sim, estou cansado desse presidencialismo, cuja maior competência consiste em gerar crises sem lhes dar solução que não as agrave. Sim, estou cansado de ver a nação fechar os olhos ao mal que vê porque a medicina institucional — sabe-se — pode matar o paciente. Então, vivemos da denúncia. Quanto bem nos faz denunciar! Mas isso não desfaz o que somos: herdeiros incompetentes desta terra da promissão, incapazes, negligentes no dever de assumir as soluções institucionais sem as quais o país jamais será saneado.

O mundo gira enquanto o Brasil se enrola - ROLF KUNTZ

ESTADÃO - 28/05

Ninguém vai deixar seus negócios à espera do fim da crise, nem os problemas darão trégua



Bateu em R$ 4,55 trilhões, valor muito maior que o da produção anual de qualquer outro país sul-americano, a dívida bruta do governo geral brasileiro. Essa era a posição de abril, segundo o último relatório das contas consolidadas do setor público. Esse monte de papagaios corresponde, pelo critério usado no Brasil, a 71,7% do produto interno bruto (PIB), valor adicionado da produção de bens e serviços – carros, aviões, tecidos, vestuário, bicicletas, cervejas, macarrões, óculos, sapatos, celulares, televisores, assistência médica, espetáculos, cortes de cabelo, jogos de futebol, telefonemas e tantos outros itens consumidos e usados no dia a dia dos brasileiros ou exportados. Pelo padrão brasileiro, a conta exclui os títulos do Tesouro na carteira do Banco Central (BC). Pelo método usado no Fundo Monetário Internacional (FMI), sem essa exclusão a dívida pública brasileira já chegou a 78,3% do PIB no ano passado, deve atingir 81,2% neste ano e alcançar 87,8% em 2022. Como esse padrão é aplicado aos 189 países-membros da instituição, os dados do Fundo são úteis para comparações internacionais.

O endividamento público brasileiro é muito maior que o da maior parte dos demais emergentes, de acordo com os números do FMI. Para a média das economias emergentes, o endividamento do governo geral ficou em 48,6% do PIB em 2016, deve chegar a 49,8% neste ano e aumentar até 52,4% em 2022. Na América Latina os números correspondentes a esses anos são 60,1%, 60,7% e 62,5%. Essas médias são obviamente afetadas pela posição brasileira e, em menor grau, pela situação de uns poucos países, como o Uruguai (60,9% no ano passado e 64% em 2022).

É bobagem comparar a dívida pública brasileira com as de países desenvolvidos, como os da Europa. Tesouros europeus podem ter compromissos proporcionalmente muito maiores, mas suas condições de financiamento são imensamente mais favoráveis. Podem rolar suas dívidas pagando juros muito baixos e, em alguns casos, negativos. No Brasil, os títulos vinculados, por exemplo, à Selic, a taxa básica de juros, pagam 11,25% ao ano. Há outras formas de remuneração, mas todas são muito mais pesadas que os custos suportados pelos governos do mundo rico.

Algumas outras diferenças podem tornar mais claro esse ponto. O crédito soberano do Brasil foi classificado no grau de investimento durante alguns anos, mas perdeu essa qualificação em 2015. Em 2016 as três maiores agências de avaliação de risco cortaram a nota brasileira mais uma vez, deixando-a dois níveis abaixo do chamado padrão de bom pagador. No jargão do mercado, papéis alojados no grau especulativo são também chamados de lixo (trash). Esse apelido pode ser um exagero no caso brasileiro, mas seria uma enorme tolice menosprezar o problema.

Os dois cortes da nota, no segundo semestre de 2015 e no primeiro de 2016, foram respostas das três principais agências – Standard & Poor’s (S&P), Moody’s e Fitch – a decisões fiscais irresponsáveis do governo da presidente Dilma Rousseff. Nem todos se lembram, mas ela realizou a rara façanha de provocar duas quedas na classificação brasileira de risco nos meses finais de seu desastroso mandato. As pedaladas, tema central de seu processo de impeachment, foram uma pequena parcela dos erros e desmandos cometidos na condução das finanças federais entre 2011 e o primeiro trimestre de 2016. O rebaixamento da nota de crédito soberano arrastou a classificação de muitas instituições financeiras e outros tipos de empresas, tanto estatais quanto privadas.

A inflação marca outra diferença considerável entre o caso brasileiro e o das economias europeias. Na zona do euro, a autoridade monetária vem batalhando há anos, com sucesso até agora limitado, para elevar a inflação até 2% ao ano. Para isso tem emitido montanhas de dinheiro e mantido os juros em níveis muito baixos. No Brasil, a inflação persistente e muito acima dos padrões internacionais foi combatida com juros elevados. Com a recessão e o crédito apertado, a alta de preços começou a perder vigor no ano passado. Em outubro o BC começou a reduzir os juros básicos, baixando-os de 14,25% para os atuais 11,25%.

Também a inflação, muito alta pelos padrões internacionais e certamente nociva por qualquer padrão razoável, tem contribuído para a manutenção de juros elevados e, como consequência, para encarecer o serviço da dívida pública. Mas a causalidade, nesse caso, opera em dois sentidos. De um lado, a inflação complica a gestão da dívida, por causa dos juros necessários à contenção dos preços. De outro, o desarranjo amplo e permanente das contas públicas cria pressões inflacionárias e reduz a eficácia da política monetária. Não se pode romper esse jogo de forma duradoura sem o conserto das contas de governo. Sem isso haverá sempre o risco de um repique inflacionário.

Com a crise política, a S&P decidiu pôr em observação o quadro brasileiro, com possibilidade de novo rebaixamento da nota. A nova condição foi estendida a 38 instituições financeiras, na maior parte sólidas, e a 57 empresas. Na sexta-feira, a Moody’s também anunciou o risco de rebaixamento.

Pode-se discutir se essa extensão é adequada, mas nenhuma pessoa responsável pode simplesmente menosprezar alguns fatos. O mundo continua a rodar, enquanto se desdobra a crise política brasileira. As agências de classificação têm de entregar serviço ao mercado. O mercado continua funcionando, por enquanto sem criar problemas muito sérios. Mas ninguém vai abandonar seus interesses à espera da solução das encrencas brasileiras. O banco central americano poderá em junho elevar de novo os juros básicos. Também isso poderá afetar o País.

Enfim, será preciso continuar o trabalho, complicadíssimo e nem sempre bem aceito, de resgatar as contas públicas e fortalecer a saúde fiscal com a reforma da Previdência. Cuidar do jogo político sem levar em conta esses dados pode ser desastroso. Quantos, em Brasília, têm consciência disso?

A política e a obstrução da Justiça - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 28/05

É dever da Polícia Federal e do Ministério Público proteger o bom andamento da Operação Lava Jato



Certamente, há muita gente interessada em obstruir ou, ao menos, dificultar o trabalho da Operação Lava Jato. É dever da Polícia Federal e do Ministério Público proteger o bom andamento desse trabalho investigativo e persecutório, que já revelou tantos crimes cometidos por gente graúda da política e do mundo empresarial.

Nessa tarefa de proteção das investigações, um instrumento valioso é a previsão constante na Lei da Organização Criminosa (Lei 12.850/2013), que tipifica o crime de obstrução de Justiça, estabelecendo a pena de três a oito anos de reclusão, além de multa, para quem “impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa”. Ao longo desses anos de Lava Jato, várias vezes foi necessário recorrer a esse artigo para assegurar o bom andamento da operação.

Nos últimos tempos, no entanto, tem havido certo abuso na interpretação do que vem a ser obstrução de Justiça. Caso recente ocorreu na petição da Procuradoria-Geral da República (PGR) endereçada ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), na qual se volta a pedir a decretação da prisão preventiva do senador Aécio Neves (PSDB-MG).

A PGR afirma que o senador Aécio Neves articulava para pôr um “freio de arrumação na Polícia Federal” e, como uma das provas, cita conversa gravada entre o senador mineiro e o senador José Serra (PSDB-SP). No diálogo transcrito, os dois concordam a respeito da necessidade de um ministro da Justiça forte.

De acordo com o conteúdo revelado no documento da PGR, o senador José Serra pede para que o senador Aécio converse com o presidente Michel Temer sobre a necessidade de um ministro da Justiça forte. Serra diz explicitamente que o objetivo “não é fazer algo arbitrário”, mas simplesmente que “as coisas tenham um caminho de desenvolvimento”.

Para a Procuradoria, o áudio confirma a tese de que o senador Aécio Neves articulava para pôr limites à Lava Jato. Pode até ser que haja outras provas e que o STF venha a considerar que o senador Aécio Neves tenha obstruído a Justiça. No caso do diálogo referido, no entanto, é mais do que excessivamente subjetiva a interpretação de que os interlocutores conspiravam, ao demandar um ministro da Justiça forte, contra os trabalhos da Polícia Federal e do Ministério Público.

A prevalecer a interpretação da PGR sobre o que seja obstrução de justiça, teremos a criminalização – e consequente proscrição – de toda e qualquer conversa sobre política. Desde a época do mensalão e, muito especialmente, com o petrolão, o sr. Lula da Silva e a tigrada alegaram que o PT era vítima da criminalização da política. Na verdade, petistas foram condenados pela prática de crimes comuns, mas eles tentaram vender a ideia de que esses crimes faziam parte da política nacional e que seria uma injustiça condená-los por esses crimes tão habituais. Todo mundo fazia, era a desculpa inerente ao argumento petista. Algo parecido ocorre com os black blocs que depredam patrimônio público e privado durante manifestações. Quando são incriminados por suas ações, que estão claramente tipificadas no Código Penal, eles dizem que são vítimas de uma suposta criminalização dos movimentos sociais ou criminalização da manifestação. Como é evidente, o argumento não se sustenta. Tanto no caso dos petistas como no caso dos vândalos, quem criminaliza é a lei, que diz, por exemplo, que é crime depredar patrimônio público.

Mas, quando o Ministério Público diz que uma conversa entre senadores, em que se discute a necessidade de um ministro da Justiça forte – o que, até onde se sabe, é uma coisa boa para qualquer país –, prova a intenção de pôr um “freio de arrumação na Polícia Federal”, ocorre de fato uma indevida e perigosa criminalização da política. Não fossem os tempos atuais tão estranhos, haveria pronta reação da sociedade a tal abuso interpretativo da lei e dos fatos. Só falta que a lei penal, nas poucas vezes em que é efetivamente aplicada, seja utilizada para fins políticos. Seria burlar o País.

Sexo e os sentimentos - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 28/05
Faz sentido dizer que sexo vale menos que amor? Essa hierarquia só existe para os excessivamente românticos, apegados aos contos de fada

Sexo é sinônimo de prazer. Erotismo, luxúria, pecado, sacanagem. O sexo traz em si um cenário de mil e uma noites de promessas, todas voltadas para a volúpia. Quem nunca praticou é tomado por fantasias libidinosas extraídas do cinema, das revistas masculinas e de piadas e relatos picantes que garantem não existir nada melhor na vida, para horror dos sentimentais e dos pudicos. Sexo melhor que amor? Heresia, fim do mundo.

Faltou dizer que sexo não é apenas prazer: ele é plural, dispara uma conjunção de sensações físicas de alta intensidade que comovem e podem nos levar à paixão — se não pelo outro, com certeza por nós mesmos, tamanho é o processo de autoconhecimento que ele dispara. Não estou falando, obviamente, dos encontros de uma noite só, as chamadas "one night stand", em que mal se sabe o nome da pessoa com quem estamos e cuja finalidade é praticamente aeróbica, uma aventura para apimentar o cotidiano. Ato sexual não é a mesma coisa que relação sexual.

Quando há relação, todos os sentimentos do mundo invadem a cama — e de uma forma tão contraditória que começa aí o espanto e a graça da coisa. Podemos, em nossa rotina de trabalho, ser um funcionário obediente, cumpridor de horários, servo de nossos patrões, e à noite, na cama, sermos dominadores, entrando no jogo erótico de assumir o controle e dar ordens. Ou, ao contrário: depois de um dia liderando e estimulando vários profissionais, nos tornarmos submissos sobre os lençóis, a ponto de escutarmos palavras que normalmente nos ofenderiam e humilhariam, mas que, naquele momento, se prestam ao cenário e à cena: excitação resulta de alguma performance também.

Esta variação de comportamento, ao mesmo tempo inocente e indecente, só é possível porque temos a segurança de saber que naquele instante não haverá julgamento moral, e sim entrega absoluta — e rara. Sexo envolve plena confiança, ou ficaríamos travados, temendo cair no ridículo. Desperta a coragem para permitir que nossos desejos mais secretos sejam expostos e realizados. Exige compreensão do tempo que cada um precisa para se desnudar de seus pudores. Requer um olhar generoso e terno para a desinibição do outro e, sobretudo, inteligência — sim, inteligência — para lidar com tudo que há de estranho, ilógico e dicotômico neste embate íntimo. Costumamos valorizar o corpão (que a maioria não tem), mas uma cabeça boa é que faz toda a diferença entre o sexo vigoroso e o sexo protocolar.

Diante desta universalidade de sensações, faz sentido dizer que sexo vale menos que amor? Essa hierarquia só existe para os excessivamente românticos, apegados aos contos de fada. Não é por acaso que transar é sinônimo de "fazer amor", pois é disso mesmo que se trata, de um êxtase emocional e não apenas físico (ainda que "fazer amor" seja uma expressão enjoada). Sexo pode ser bandido, perverso e impuro em sua essência, nunca em sua conotação. Em análise, sexo é sublime também.

Um festival de patrulhamento - EDITORIAL GAZETA DO POVO

GAZETA DO POVO - 28/05

Os diretores que retiraram seus filmes de um festival por causa da seleção de duas outras produções gostariam, no fundo, que o evento tivesse uma absoluta unidade político-ideológica



O Cine PE Festival Audiovisual, um dos principais festivais de cinema do Brasil, realizado no Recife, ainda está sem data para ocorrer. Originalmente previsto para começar em 23 de maio, foi adiado pela organização após o protesto de cineastas que retirarem sete filmes do festival. Mas o que tanto incomodou os diretores de Abissal, A menina só, Baunilha, Iluminadas, Não me prometa nada, O silêncio da noite é que tem sido testemunha das minhas amarguras e Vênus: Filó, a fadinha lésbica, a ponto de eles optarem por não exibir seus filmes?

Os cineastas não quiseram ter suas produções exibidas no mesmo festival que também havia selecionado o documentário O Jardim das Aflições, sobre o filósofo Olavo de Carvalho, e a ficção Real – O plano por trás da história, romantização da criação do Plano Real, em 1994. Segundo um dos diretores responsáveis pelo protesto, a organização do festival estava dando espaço à “direita extremista”.

Os cineastas fizeram justamente aquilo de que acusam os realizadores do filme sobre Olavo de Carvalho 


De imediato, a ação dos cineastas prejudica o próprio público do festival, privado de ver não apenas as sete produções retiradas do evento (estuda-se uma exibição ao ar livre, paralela ao festival), mas todas as demais: o Cine PE exibe apenas poucas dezenas de filmes e a saída de sete deles força a organização a buscar substitutos para não esvaziar o festival, o que leva tempo. No entanto, há muito mais na atitude dos cineastas.

Pode-se argumentar que é seu direito não querer ter sua obra associada a outras que promovem ideias das quais se discorda – ainda que seja tarefa árdua descrever que tipo de “extremismo” há em O Jardim das Aflições e, especialmente, em Real. Até onde se sabe, os cineastas não exigiram que o festival rejeitasse os dois filmes, tendo apenas retirado as próprias produções – por mais que, na prática, a ação tenha inviabilizado o evento, mesmo que temporariamente. Mas será tudo mera questão de livre escolha dos cineastas?

Gabi Saegesser, diretora de Iluminadas, alegou que O Jardim das Aflições “vai contra qualquer possibilidade de diálogo”. Mas quem evita o diálogo são justamente os cineastas que se retiraram do festival, recusando-se a dividir a mesma tela com visões das quais discordam. Ela chegou a afirmar que a inclusão do documentário no Cine PE “é como se desrespeitasse a visão política e social de outros filmes”. O raciocínio implícito é o de que os diretores gostariam de ver no festival uma absoluta unidade político-ideológica (e eles nem consideram a hipótese de o teor de seus próprios filmes “desrespeitar a visão política e social” de outras produções ou da plateia). Mas não é para isso que tais eventos servem. O Cine PE, ao exibir filmes de diversos matizes, seria uma chance de fomentar o debate. Mas os cineastas preferiram isolar-se a engajar-se em uma conversa produtiva – fazendo justamente aquilo de que acusam os realizadores do filme sobre Olavo de Carvalho.

Não à toa o historiador e cineasta de esquerda Cleonildo Cruz atacou os diretores por sua atitude de “patrulhamento” e “intolerância político-cultural”, dizendo que “precisamos sair da bolha. Falar além dessa retórica que só empregamos para os nossos” e citando exemplos de eventos recentes que reuniram o juiz Sergio Moro (descrito por Cruz como “juiz parcial da Lava Jato”) e Dilma Rousseff.

Em meados da década de 90, Joseph Overton desenvolveu o conceito que depois ficou conhecido como “janela de Overton”: um “intervalo” dentro do qual estariam as ideias consideradas “aceitáveis” (Overton pensava no discurso que um político precisaria adotar para ser viável eleitoralmente), e fora do qual estariam posições tidas por “radicais”, “extremas” ou “inaceitáveis”. Esta janela, no entanto, pode mudar de posição, ser alargada ou estreitada. Uma distorção (normalmente provocada pela ação de grupos de pressão) pode fazer uma ideia perfeitamente razoável passar a ser vista como “extrema”, enquanto a defesa de verdadeiras barbaridades pode ser vista como perfeitamente normal. O episódio do Cine PE mostra como, no mundo cultural brasileiro, a “janela de Overton” está tão deslocada para a esquerda que qualquer outra posição é classificada como “extremista” e seus defensores não servem nem mesmo como interlocutores legítimos. Uma atitude que apenas prejudica a vida intelectual do país.

Desemprego e pensamento mágico - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 28/05

O pensamento heterodoxo brasileiro acredita que o crescimento tudo resolve.

A partir de leitura muito extremada de Keynes, a heterodoxia supõe um mundo em que, na prática, não há restrição de recursos. A suposição de desemprego permanente de recursos produtivos permite, se as políticas de estímulo à demanda forem adotadas, que a economia cresça sem limites.

Para essa tradição de pensamento, o sucesso do leste asiático não é fruto das elevadíssimas taxas de poupança, sempre acima de 35% do PIB, das prolongadíssimas jornadas de trabalho e dos melhores sistemas educacionais do mundo.

Para a heterodoxia brasileira, o sucesso do leste asiático deve-se ao BNDES deles e à capacidade que esse tipo de intervenção teria de alocar a poupança financeira aos setores "portadores de futuro", seja lá o que isso signifique. O escândalo do JBS, longe de ser caso isolado, sugere que mesmo nossos heterodoxos não sabem bem o que isso significa.

Reza a lógica heterodoxa: pau na máquina que o crescimento tudo resolve. Evidentemente, a heterodoxia brasileira não entende os motivos de os juros reais serem elevados, apesar de a inflação ser muito alta.

O pensamento mágico da heterodoxia brasileira tem sido particularmente alimentado pelo recente período de queda do desemprego, anterior à recessão. Segundo a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE, de 2003 até 2014 o desemprego recuou de 12,5% para 5%, expressiva queda de 7,5 pontos percentuais.

A política de pau na máquina teria sido responsável pela queda do desemprego.

A PME, pesquisa que foi descontinuada há pouco mais de um ano, cobre as seis principais regiões metropolitanas —Porto Alegre, São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Salvador e Recife—, ou 25% do mercado de trabalho nacional.

Desde 2012, temos a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), de abrangência nacional, que é trimestral e substitui a PME.

Adicionalmente temos, desde 1981, a Pnad anual, que apresenta fotografia do mercado de trabalho nacional para meses de setembro.

Meus colegas do Ibre Bruno Ottoni Vaz e Tiago Barreira, cruzando os dados da PME, da Pnad anual e da PNADC, construíram uma série da taxa de desemprego a partir de setembro de 1992 para todo o território nacional, harmonizada com a metodologia da PNADC.

O resultado é muito menos animador. Em vez da redução de 7,5 pontos percentuais, houve, entre 2003 e 2014, queda bem menos expressiva, de 3,2 pontos percentuais (de 10,0% para 6,8%).

Além disso, metade da queda, ou 1,6 ponto percentual, ocorreu no primeiro mandato da presidente Dilma (de 8,4% em 2010 para 6,8% em 2014). O problema é que o regime de política econômica de Dilma foi claramente não sustentável: juros artificialmente baixos, tarifas represadas, deficit público e externo elevados, inflação crescente etc.

Nos oito anos do presidente Lula, com toda a ajuda da economia mundial, a taxa de desemprego reduziu-se em 1,6 ponto percentual (de 10,0% em 2003 para 8,4% em 2010) e, na média, foi ligeiramente pior do que o período FHC (9,2% em Lula ante 8,9% com FHC).

Desde a estabilização econômica, em 1995, a taxa de desemprego cresceu muito e só caiu para níveis relativamente baixos, como o de 6,8% em 2014, quando comprometemos o futuro com políticas populistas.

Urge aprovar a reforma trabalhista para conseguirmos, de forma sustentável, reduzir o desemprego.

Rasgaram os manuais - MARCOS LISBOA

FOLHA DE SP - 28/05

Nos últimos 11 dias se sucederam decisões precipitadas, fora dos procedimentos esperados, por motivos nem sempre nobres.

Frequentemente, elabora-se alguma tese sobre a lógica e os interesses das decisões.

A política e seus desdobramentos, porém, nem sempre decorrem de grandiosas estratégias ou de movimentos conspiratórios. Cabe não desprezar a possibilidade de incompetência, erro operacional ou motivos mais comezinhos, como a simples vaidade.

Tudo começou com uma notícia no jornal "O Globo". A reportagem afirmava que Temer teria explicitamente consentido no pagamento a um possível delator em troca de seu silêncio. No dia seguinte, os principais jornais confirmaram o encontro.

Não resta dúvida de que há muito a investigar nas ações do presidente. Não se recebe empresário sem testemunha em casa à noite, ainda mais com as suspeitas que cercam os participantes.

Mais tarde, a gravação foi apresentada. Indicava fatos graves e duas surpresas. Certamente havia conversas que, se comprovadas, revelam prevaricação do presidente. Afinal, o empresário sugeria o cometimento de crimes.

A primeira surpresa foi que, no diálogo, não havia a anuência explícita à compra do silêncio. A imprensa atropelara as melhores práticas, que requerem reportar precisamente o que se pode afirmar –nesse caso, verificando a gravação original ou checando a notícia com fontes independentes.

A reportagem de "O Globo" foi publicada e repercutida por outros veículos sem que fosse verificada a veracidade do diálogo e sem que isso fosse deixado claro para os leitores. Credibilidade arranhada.

Nos dias seguintes, a segunda surpresa. A gravação não fora objeto de perícia oficial e as primeiras análises sugeriam edição. Nada que não pudesse ser esclarecido caso a gravação tivesse sido periciada previamente, como recomendável.

Na sequência das críticas à condução do processo, foram liberadas mais de 2.000 gravações feitas durante a investigação. No meio, várias sem relação com a ocorrência de crimes, como uma em que um jornalista conversa com a sua fonte. Divulgá-la fere a Constituição.

Não houve a necessária análise prévia de quais gravações eram relevantes para a investigação. Mais uma vez a precipitação, qualquer que seja o seu motivo, resultou em atropelo das boas práticas e feriu a norma legal.

Tempos conturbados e a gravidade dos problemas não justificam os excessos ocasionais que resultam em vítimas inocentes, como Reinaldo Azevedo.

O combate à corrupção tem permitido enfrentar práticas inaceitáveis da nossa constrangedora realidade. Fortalecer o Estado de Direito passa também por reconhecer os equívocos recentes.

Direta já? - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 28/05

SÃO PAULO - Direta já? Em tese, eu concordo. Todo poder, afinal, emana do povo. Além disso, a campanha seria uma oportunidade para a população definir para que lado o país deve caminhar, deixando para trás as intermináveis discussões sobre a legitimidade do presidente.

Só que nada na vida é tão simples. Além do reconhecimento do fato de que é improvável que o Congresso aprove uma emenda que lhe retiraria o poder de escolher sozinho o mandatário, o que me faz pensar duas vezes antes de sair gritando "direta já" são o custo e a oportunidade.

Só a parte operacional de uma eleição nacional sai por cerca de R$ 500 milhões. Se somarmos a isso o ressarcimento às rádios e TVs pelo horário eleitoral e as verbas que seria preciso repassar aos partidos para a campanha, chegamos fácil à casa dos bilhões. Talvez seja muito dinheiro para escolher um presidente que ficará pouco tempo no cargo. Na verdade, dependendo de quanto Michel Temer conseguir procrastinar sua saída, poderão ser poucos meses.

Outro problema é que os partidos não estão prontos para o pleito. Eles têm dificuldades não só para decidir quem poderá ser candidato sem correr o risco de ser preso em plena campanha como também para acertar o discurso que usariam na eleição.

Tome-se o caso do PT. O que o PT diria na campanha? Se o partido seguir se opondo às reformas econômicas e ganhar a Presidência, ou terá enormes dificuldades para governar, ou cometerá um segundo estelionato eleitoral. E, é claro, o PT não é a única sigla que se verá diante da tentação de dizer só o que o eleitor quer ouvir e não o que ele precisa saber.

Um fato triste da democracia é que basta haver um elemento na disputa disposto a usar a cartada populista para afetar o posicionamento dos demais. A pergunta é se o Brasil que tanto clama por honestidade conseguiria, nesse ambiente de polarização e ruína econômica que vivemos, fazer uma campanha honesta.