sábado, abril 27, 2019

Carlos é ‘doido’ e ‘radical’ e Eduardo Bolsonaro é ‘deslumbrado’ - ENTREVISTA COM RODRIGO MAIA

BuzzFeed News - 26/04

EXCLUSIVO: Rodrigo Maia elogia Bolsonaro, mas não a família: um filho é pra internar, o outro está deslumbrado

O presidente da Câmara disse que governo abandonou o discurso da "nova política" para aprovar a Previdência. Na entrevista ao BuzzFeed News, Maia criticou a "briga idiota" de Carlos com Mourão e disse que os militares vão isolar Olavo.
publicado 26 de Abril de 2019, 6:18 p.m.

Severino Motta
Repórter do BuzzFeed News, Brasil

Principal articulador da aprovação da reforma da Previdência, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), acredita que caiu finalmente a ficha do presidente Jair Bolsonaro que é preciso fazer política para conseguir votos no Congresso.

Segundo ele, o governo ainda está longe dos 308 votos necessários para mudar o sistema de aposentadorias do país, mas a articulação do Planalto melhorou nas últimas semanas – ele elogia Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e espinafra o líder do governo na Câmara, Vitor Hugo (PSL-BA), que "dá até dó."

Segundo ele, a principal preocupação dos deputados é a de serem lançados ao deserto depois de darem R$ 1 trilhão ao presidente. E rechaça que a distribuição de emendas e investimentos nas bases de quem vai arcar com o desgaste da reforma seja toma-lá-dá-cá.

Na entrevista concedida ao BuzzFeed News em sua residência oficial, Maia traçou um diagnóstico ácido da família presidencial. Sobre Eduardo, o filho deputado, disse que este ascendeu do "baixíssimo claro" para comandar de fato uma política externa que é "essa loucura aí".

Rodrigo Maia acha que Carlos pode ser "doido à vontade", mas age em uma estratégia definida pelo próprio presidente nas redes sociais.

“Ninguém fica preocupado com Carlos, todo mundo tem convicção que o Bolsonaro é que comanda isso”, disse. “Alguém coloca aquilo do golden shower que colocou no Carnaval, sem o pai ver? O filho pode ser doido à vontade, mas num negócio daquela loucura só com autorização do dono da conta”, completou.

A seguir os principais trechos da entrevista:

***

Família Bolsonaro
BuzzFeed News - O pai do sr., Cesar Maia, é um quadro importante da política nacional [ex-prefeito do Rio]. Se o sr. fizesse metade do que o Carlos Bolsonaro faz, qual seria a reação do seu pai?

Rodrigo Maia - Olha, eu não gosto de falar como os pais cuidam dos seus filhos. Eu sei como eu cuido dos meus. E sei como é que o meu pai cuida dos filhos dele. Quando eu estou aqui e começo a falar algumas coisas que ele acha que está errado, ele só manda a seguinte mensagem: ‘Olha, Rodrigo, a gente não se falou nos últimos dias, mas se você quiser conversar, quiser uma opinião, estou aqui à sua disposição’. Já entendi que fiz besteira. E eu, para entender qual besteira que eu fiz, e vou ao Rio para entender. É assim que eu faço.

Eu não sei como é a relação na família dele [Bolsonaro]. As famílias têm relações distintas, não é? O Bolsonaro colocou o filho com 17 anos para disputar contra a própria mãe desse filho. Ele derrotou a mãe para vereador. Isso deve ser normal na cabeça de um ser humano? Derrotar uma mãe com 17 anos? Isso deve ter gerado muito problema na cabeça do Carlos. A informação que eu tenho, apenas de ouvir falar, é que eles ficaram sete anos sem se falar, ele e o pai. E você vê que ele tem uma admiração enorme pelos filhos, diz que devia ser ministro, que só chegou à Presidência por causa dele. O que influenciou muito a eleição foi a facada que quase o matou. Se Bolsonaro achar que foi a internet que elegeu ele…

O que achou da nota da revista Época de que o Carlos segurou a senha do Twitter e impediu o pai de acessar a rede?

Eu acho que pode ser verdade, você não acha? Não me parece verdade, mas eu não acho impossível ser. Eu até acho que não é, acho que o filho não vai a tanto, pois aí seria uma relação… Aí precisaria internar…

Essa atuação do Carlos reflete no Congresso?

Ninguém fica preocupado com Carlos, todo mundo tem convicção de que o Bolsonaro é que comanda isso. E eu não acredito, e ninguém acredita mais, que é o Carlos que comanda esse jogo.

Ou seja, o que o sr. afirma é que o Carlos escreve mas a estratégia é do presidente?

Alguém coloca aquilo do golden shower sem o pai ver? O filho pode ser doido à vontade, mas num negócio daquela loucura só com autorização do dono da conta.

A briga dele com o Mourão atinge o Congresso ou a política no país?

Não acho que atrapalha muito, não. Mas temos que tomar cuidado para não entrar nessa briga. Quem vai investir no país e vê o filho do presidente batendo no vice questiona isso. Acho que pode gerar insegurança em alguns atores que estão mais distantes. Para quem está aqui perto, todo mundo sabe que é uma briga idiota.

O sr. imaginou o país vivendo esse momento, com um vereador gerando crises nacionais?

O filho do presidente é um radical.

E o filho que está na Câmara, o Eduardo? Alguns parlamentares dizem que ele está agindo no Congresso como um imperador, com arrogância.

Ele não era nada, era um deputado do baixíssimo clero, o pai vira presidente, ele passa a ser chamado pela equipe do Trump, pela equipe de não sei o quê… Um pouquinho de vaidade é um direito, não é? Não vamos exagerar também, achar que ele não pode ter um momento de deslumbramento. Quem é que nunca teve? Quando eu ganhei minha primeira eleição para presidente da Câmara eu também tive. Todo mundo tem, mas com o tempo você vai vendo que isso ai tudo é passageiro.

E ele é realmente o chanceler de fato do Brasil?

Não foram eles que fizeram o ministro [Ernesto Araújo]? Eles que comandam o ministro, a agenda deles é a mesma, essa loucura aí…

E o escritor Olavo de Carvalho? Ainda é um foco de crise?

Apesar de achar que ele influencia demais o Bolsonaro, as agendas dele. Eu acho que ele vai perder relevância.

E quem ganha, os militares?

Acho que o governo. Os militares ganham e o governo ganha na relação com a política, porque sai esse ambiente de radicalismo e de grosseria desse cara [Olavo] e do entorno dele.

A ala militar tem sido a ala moderadora?

Minha impressão é que tem.

As cabeçadas da articulação do governo
A reforma da Previdência passou na CCJ. Como está a articulação do governo e a atuação do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni?

Melhorou muito. Ele (Onyx) compreendeu que se ele não fizer articulação ele vai cair, então ele começou a fazer articulação. Tem gente que quer cargo? Tem. Tem gente que quer orçamento para os seus Estados? Todos, inclusive os da oposição. Agora, não é só isso. Uma boa conversa no Palácio do Planalto traz muito voto. Eu vi deputado aqui na época do Michel Temer que eu falava: ‘não é possível, o Michel não fez nada para esse deputado, esse parlamentar está morto no Estado dele’… Mas recebeu para almoçar, levou para jantar no Jaburu e o deputado volta falando do presidente, que nós temos que votar e ajudar. E eu ficava: ‘meu Deus do céu’.

Uma boa conversa, em que se mostra que vai dar certo, que precisamos fazer e aprovar juntos, que vamos governar juntos, que o Brasil vai crescer e a gente vai junto… Isso tem muito valor para muita gente.

O Onyx não vinha fazendo isso?

Ele estava mais distante, não é? Estava meio acanhado. Agora, também, escolheram um líder do governo na Câmara que dá dó.

O Major Vitor Hugo (PSL-BA)?

Sim, muito fraquinho. Não ajuda. A Joice [Hasselmann, PSL-SP, líder do governo no Congresso] ajuda, participa. A Joice está fazendo política. O outro faz a antipolítica achando que o Bolsonaro vai ficar feliz porque ele está fazendo a antipolítica. E ao mesmo tempo ele quer ser articulador político, o que cria uma confusão na cabeça das pessoas.

Um deputado que votou a favor da reforma na CCJ veio falar comigo: ‘Mas, Rodrigo, ninguém me ligou do governo. Votei por convencimento, pelo campo ideológico… E o governo não ligou nem para pedir o voto e nem para agradecer’. É uma coisa estranha, não é?

Na reforma do Temer foram 10 dias na CCJ. Por que agora demorou tanto?

É preciso entender que o Michel pegou o governo da metade para frente. É outro governo. Você pegar um governo no início os deputados estão cheios de vontade de fazer coisa, de apresentar projeto, de mudar o Brasil, é difícil, é mais difícil para um novo governo, com parlamento novo e com ambiente um pouco mais radicalizado e com o cara não querendo articular, é difícil mesmo. E eu acho que eles cometeram um erro. Se eles tivessem cedido a CCJ para os partidos possíveis aliados, com o comprometimento de tirar a Previdência num prazo mínimo. Para que o PSL queria a CCJ nesse momento? Se tivesse entregado para os partidos próximos à gente, cria um compromisso muito mais forte.

O que ficou claro é que o projeto só passou quando o centrão decidiu aprovar. O que mudou?

Mudou que alguns entraram, como eu, dizendo: ‘chega, vamos votar’. Eu chamei alguns e falei: ‘votar’. Primeiro, eu sabia que ninguém queria ruptura, romper com o governo. E eu imaginei o seguinte: se é vontade da maioria derrotar, que derrote logo.

Por exemplo, uma coisa é eu falar que sou contra, não quero mais relação com o governo e não devo dar a Previdência para esse governo e vou assumir a responsabilidade perante meu eleitor. Outra coisa é esticar demais a corda. Esticar um pouco a corda, tudo bem, é do processo político. 'Olha, pera aí, lá no Rio de Janeiro vocês prometeram resolver o dinheiro da segurança pública e não chegou, vamos dar uma pausa'. Mas nada que pareça boicote ao governo, chantagem ao governo. Uma coisa é o alerta, uma coisa é uma semana, outra coisa são três semanas. Chegou uma hora que eu mesmo disse que, da minha parte, se tiver que perder, perca, mas tem que votar.

E acabou tendo o teto de votos da base na CCJ, com 48 votos...

Sim, teve o máximo, foi muito bom. Por que todo mundo quer aprovar a Previdência, todo mundo é a favor. Agora o deputado tem medo de dar R$ 1 trilhão para o presidente e amanhã ficar como? No deserto?

Existe esse sentimento de que o deputado pode ajudar o governo hoje e ser abandonado no dia seguinte?

O governo sabe que precisa e o Bolsonaro não é uma pessoa que deixa de cumprir a palavra dele. Ele não gosta de conversar, de fazer aliança. Mas a experiência que o próprio PP tem com ele é que, toda a vez em que ele se comprometeu com o partido para fazer algo nas votações, ele fez. Ele nunca traiu a palavra dele, entendeu? Os partidos têm muita clareza de que, se o Bolsonaro falar ‘o caminho está dado, é assim, e vocês vão governar com a gente 4 anos', ele vai cumprir. O PR conhece bem ele, o PP conhece bem ele.


A "nova" política, as emendas e os cargos

O Bolsonaro está dando esse sinal de que os partidos vão governar junto?

Acho que o Onyx está dando. É um outro formato, não é? Mas acho que sim.

Mas como funcionaria isso, já que há o discurso da velha política?

Ontem [Anteontem, quarta-feira] ele fez um pronunciamento em cadeia nacional [em que Bolsonaro agradeceu nominalmente a Maia pelo empenho na Previdência] que, claro, ele não é bom no teleprompter, e eu também não sou… Você pode falar que ele não é um artista e não deve ser, nem apresentador da TV Globo, mas ele se dispôs a ler aquele texto, que foi construído com a equipe econômica, que é um texto muito forte, e é ele que aparece falando.

Mas isso não é ele empurrar para o Congresso, permitindo ao presidente colher os louros da aprovação e ficar longe do desgaste?

Ele está começando a mudar. Estou dizendo. O Onyx está conversando mais, estive com o Onyx três dias seguidos. Ele dizendo que quer construir junto, construir o processo eleitoral de 2020 junto com todo mundo. E isso vai acalmando todo mundo.

Mas tem promessa de emendas.

Deixa eu dizer uma coisa. Se eu vou aprovar o orçamento impositivo, você acha que R$ 10 milhões é relevante? Eu vou ter R$ 80 bilhões para aprovar junto com o governo. Isso [emendas] não é relevante. Se ele me oferecer R$ 100 milhões para a área de segurança do Rio de Janeiro, eu não vou aceitar? Vou. Mas não quer dizer que eu vou deixar de votar a Previdência por causa do orçamento dele. As pessoas confundem as coisas. No fundo ele vai ter que executar o orçamento e vai atender mesmo os Estados. Agora, não tem burro, não é? É o que os deputados estavam dizendo aqui hoje [ontem]. ‘Rodrigo, eu não estou preocupado com R$ 10 milhões, não. Eu estou preocupado é em aprovar a PEC do Orçamento Impositivo que amanhã eu tenho o orçamento inteiro das ações finalísticas para aprovar. Eu não dependo mais dele, ele vai executar o que eu mandar'.

Mas então por que essa história de emendas agora?

É porque era praxe no passado. Quem for ajudar o governo vai ter um orçamento extra. E, se eles oferecerem um orçamento extra, acho que todo mundo vai querer. Foi engraçado com um deputado do Rio. Ele disse que não sabia se era verdade, mas que ele estava precisando porque o Estado do Rio está quebrado. Então, no [governo do] PT não era assim? Agora, o que eu acho que vai ter que consertar em relação ao governo é a construção da base do governo, pois está construindo de trás para frente, não do início para o fim.

Como assim?

Primeiro você diz que tem um programa, uma agenda para as áreas, e chama os partidos para ver quem está de acordo com a agenda e dá o ministério para o partido indicar alguém para implementar. É assim que se forma governo num sistema democrático. Não é nem velho nem novo, é assim que se forma. Os partidos têm seus quadros, acertam um programa mínimo com o governo e governam esse programa, como foi com FHC, Lula Dilma e Michel Temer com a “Ponte para o Futuro”. Quem aceitou os ministérios aceitou aquela agenda. O governo não tem agenda, então eles estão indo do final para o início.

O final, qual é? Você faz parte do governo e no final você executa o orçamento e, por ser base do governo, você tem uma estrutura de atendimento às suas bases eleitorais maior do que quem está na oposição. É assim. Então, como o governo não construiu um programa mínimo e não fez a formatação dessa forma, ele está começando do final. Vamos ver como é que a gente resolve o orçamento? Pois se ele não tem o governo para dividir ele tem que dividir o orçamento, então é a confusão e fica parecendo o varejo do varejo.

Então o governo está no puro toma-lá-dá-cá?

Mas é ele que está construindo dessa forma, por isso que tem que pensar como organiza esse quebra-cabeça, para que não fique parecendo que as pessoas só vão votar a Previdência se tiver emenda. Tem 200 deputados que vão votar a Previdência com emenda, sem emenda, com cargo, sem cargo, com Bolsonaro, sem Bolsonaro. Tem uns que dizem o seguinte: ‘Meu amigo, eu sei que vou perder metade da minha base eleitoral, mas sei que tem de votar a Previdência. Como é que o governo garante a minha rede?’.

Mas isso não é toma-lá-dá-cá?

Não é toma-lá-dá-cá. É dizer o seguinte: ‘Amigo, eu tenho 50 mil votos no Rio de Janeiro, minha cidade é de servidor público, eu vou sair de 50 mil votos, que é metade da minha eleição, e vou para 10 mil. Qual é minha rede?’. [E ele dizer:] ‘Olha Rodrigo, fica tranquilo que todos os investimentos nos hospitais federais você vai ser protagonista, nós vamos contratar professor, contratar médico, vamos fazer política pública no Rio’. E eu vou recuperar meu eleitorado de outra forma. Isso é fazer política, é compreender o papel do parlamentar. Eu sei que é importante, sei que vou perder base eleitoral, mas com os benefícios da votação da Previdência eu vou ser o articulador do governo [federal] no Rio. E aí não são R$ 10 milhões, são os investimentos do governo [federal] no Estado do Rio.

Mas no discurso do governo isso não é velha política?

Mas eles já viram que não é assim. Se eu vou ter orçamento impositivo, já não é toma-lá-dá-cá. É assim, tudo o que começa mal conduzido, sem planejamento, para ajustar é pesado, para ajustar é duro, então agora cada um dos lados vai ter que ver de qual forma que constrói essa relação, dando transparência nessa relação para a sociedade e mostrando que é uma relação de governabilidade do Brasil, não é por causa da emenda que o cara vai votar. A execução do orçamento, a ocupação de um espaço no governo é consequência de você acreditar numa política.

Qual o problema? Num momento o governo pensou em negociar projeto por projeto. Eu falei: ‘Vocês estão propondo o maior toma-lá-dá-cá da história. Se cada votação for negociar com o parlamentar, cada votação for R$ 10 milhões de emenda, vai quebrar o Brasil'. Isso, sim, é toma-lá-dá-cá, e em algum momento eles pensaram nisso. E as bancadas temáticas? Elas são as mais caras.

De toda forma ainda é preciso dar os cargos…

Ou não. Ou nomeia alguém que atenda o deputado. Do meu ponto de vista pessoal, não faz a menor diferença. Eu não quero saber quem é o secretário de educação básica, por exemplo, eu quero saber se ele vai me arrumar dinheiro para construir creche nos municípios onde eu tenho voto. Isso não é nem velho nem novo, é a política. Se eu estou eleito para defender a cidade do Rio, o Estado do Rio, eu tenho que levar recurso para o Estado do Rio, é uma demanda diária.

No meu panfletinho, sabe o que faz mais sucesso? Foram minhas emendas de R$ 500 mil, R$ 1 milhão, para os hospitais. O que me deu mais voto foi isso. Era R$ 300 mil para um tomógrafo, R$ 500 mil para um aparelho, para construir novo centro cirúrgico. Isso não é velha política nem nova política, e nem toma-lá-dá-cá. Eu estou eleito para isso, o eleitor me elege para isso, para eu conseguir que tenha escola no bairro dele. Às vezes ele até erra pois ele quer coisa que não cabe ao governo federal… A política é essa. Qual a principal peça de um Parlamento? É o orçamento.

Dentro dessa lógica de projeto, o que tem o governo além da Previdência?

Paulo Guedes está construindo lá. Acho que construindo atrasado, mas está construindo.

Pois parece que até agora só se viu a reforma e o projeto do Moro…

Depois de a gente ter conseguido separar Ministério da Justiça da área de segurança… Isso de voltar a responsabilizar o governo federal pela política de segurança pública do Brasil eu acho que foi um erro. Mas o Moro tem a agenda dele, uma agenda de corrupção. Tem uma agenda, tem Ibope, mas não resolve roubo, homicídio… Mas ele tem uma agenda clara e competente, não podemos negar isso.

Longe dos votos para aprovar a Previdência
Qual o cenário de votação hoje da reforma da Previdência?

Não dá para dizer quantos votos, mas está longe.

O que precisa para chegar num quadro confortável?

Precisa fazer o que o Onyx está fazendo. Dialogar. O que o presidente está fazendo, pronunciamento a favor, falando a favor, construindo relação de diálogo e não de conflito, tudo isso ajuda e vai colocando a coisa no lugar.

Aprova neste primeiro semestre?

Parece que está apertado… Mas são só duas semanas de recesso, tanto faz metade de julho ou início de agosto… Isso não é o mais importante, o mais importante é aprovar. Um mês, um mês e meio a mais ou a menos não vai tirar pedaço de ninguém.

Luta no Gel! Carlucho X Mourão! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 27/04

E o Imposto de Renda? Declaro que tô duro! Pronto!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Peguei a gripe Olavo de Carvalho: aquela que derruba a família inteira. E o Bolsonaro tem dois gurus: Olavo de Carvalho e Trump! Um só fala merda e o outro só faz merda! Rarará!

Breaking News! 1) "Amigos de Lula querem fazer vaquinha para pagar multa de R$ 3 milhões do STJ." Eu vou colaborar: mandar um quilo de capim. Pra engordar a vaquinha! Rarará!

2) "Presidente do BB atende Bolsonaro, demite diretor e tira do ar comercial com jovens 'descolados'." Negro de cabelo rasta dançando, adolescente de skate e menina tatuada tirando selfie não pode. É tudo esquerdinha. Vagabundos! Tem que ser com camiseta verde amarela e fazendo arminha com a mão! E ainda demitiram o diretor de marketing. Ou seja, aumentou o desemprego no Brasil! Rarará!

3) Tuiteiro Beto: o filme que vai bater todos os recordes —"Xingadores: Ultimato", com Carlucho, Mourão e Olavo de Carvalho! Rarará!

4) E a família Bolsonaro devia fazer um reality show tipo as Kardashians: "Keeping Up with the Bolsonaros!". Rarará!

5) Chargista Amarildo revela o efeito Carlos Bolsonaro: "Pai, qual é o cargo mais importante da República?". "VEREADOR." Rarará!

6) Telecatch Carlucho X Mourão! Sugiro luta no gel! Hoje! Na Arena Twitter! Luta no Gel! Carlucho X Mozão! Ou então decidem no Golden Shower! Quem mijar mais longe ganha! Rarará!

E o Imposto de Renda? Declaro que tô duro! Pronto! E do jeito que eu pago juros vou declarar como meus dependentes: Itaú, Bradesco e Santander. E adoro os quesitos. "Dependente": QUÍMICO! "Doações efetuadas": dois celulares e um tênis. Em assalto! Rarará! "Situação em 31/12/2018": BÊBADO. Como todo brasileiro no Réveillon. E cirurgia plástica pode ser descontada! Oba! Marta, Ana Maria Braga e Amaury Jr. terão isenção vitalícia! E eu vou aproveitar e desentortar o pingolim! Rarará!

E uma amiga preencheu assim o quesito sexo: uma vez só, em Porto Seguro! E um amigo preencheu assim o quesito sexo: ENORME! E, com a péssima situação econômica, devia ter mais um quesito no Imposto de Renda. A seção JÁ TIVE! Já tive um Fiat 2002, já tive uma TV 60 polegadas e já tive uma amante! Rarará!

Nós sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

José Simão
Jornalista, precursor do humor jornalístico.

O que o futuro imediato reserva aos brasileiros? - MARCUS PESTANA

O Tempo - MG - 27/04

A preocupação com os descaminhos do governo Bolsonaro


O perfil cultural brasileiro – fruto de séculos de sincretismo, miscigenação, diversidade e originalidade – acumulou, entre várias outras tradições, o apego a algumas crendices, mitos, dogmas e supertições.

Uma delas reflete o nosso atávico otimismo. Afinal, “Deus é brasileiro”, “o brasileiro não desiste nunca” e “o Brasil é o país do futuro”. Acreditamos sempre que, independentemente de nossas ações conscientes e concretas, alguma coisa transcendental ou divina vai sempre nos salvar de nossos erros ou desvios.

Realmente, o Brasil foi o país que mais cresceu no pós-guerra até 1980. O fantástico desempenho da economia brasileira no período autorizou a visão ufanista sobre nosso futuro. Mas o segundo choque do petróleo, a moratória da dívida externa e a hiperinflação crônica puxaram o freio de mão.

Os últimos 40 anos configuraram o “voo de galinha” na economia e o agravamento dos desequilíbrios fiscais. A Constituição Cidadã de 1988, ao lado de grandes avanços democráticos, deixou inequivocamente uma bomba de efeito retardado no plano fiscal que se tornou insustentável com a mudança de cenário em relação ao crescimento e com a lentidão das reformas que refundassem o desenvolvimento capitalista no Brasil. Compare, leitor, a variação da renda per capita do Brasil, do Chile e da Coreia do Sul, entre 1975 e 2018.

Todas as iniciativas reformistas, como as de FHC – Plano Real, Lei de Responsabilidade Fiscal, Proer, privatizações, reforma da Previdência Social, enfrentaram imensas resistências e produziram resultados aquém dos necessários.
Outra crença difundida e que tem razões verdadeiras é a de que há uma “lua de mel” dos governos com a sociedade em seus primeiros seis meses. A força herdada das urnas deve embasar uma ação enérgica e transformadora na implantação das diretrizes governamentais.

Daí, a fundada e crescente preocupação de lideranças políticas, sociais e empresariais com a deterioração do cenário nacional e os descaminhos do governo Bolsonaro.

Chegamos aos quatro meses de governo com decepcionantes e insuficientes resultados. O governo se perde na falta de coordenação e na energia gasta com assuntos secundários e polêmicos. O jogo entre os polos econômico-liberal, militar, ideológico e familiar, orientado pelo “bruxo da Virgínia”, e os ministros técnicos e políticos tem produzido um jogo de soma zero e realçado a falta de um plano estratégico. O exemplo maior dos “gestos inúteis” foram os ataques do “zero dois” e seu guru ao vice-presidente, general Hamilton Mourão.

Enquanto isso, a reforma da Previdência Social leva três meses para a votação da admissibilidade, houve queda de 179 mil postos formais de trabalho no primeiro trimestre, denotando uma tendência recessiva, e assistimos à queda súbita e consistente da popularidade do presidente, medida pela pesquisa CNI/Ibope.

Se as reformas não avançarem rapidamente, pode haver uma reversão radical das expectativas em relação à economia do país, a “lua de mel” chegará ao fim com a erosão da força política do governo, e o mau humor da população explodirá com a falta de resultados apresentados pela “nova política”.

Nesse caso, o futuro será nebuloso, e, infelizmente, começaremos a desconfiar dessa história de que “Deus é brasileiro” e o “Brasil é o país do futuro”.

Mãos à obra, líderes desta pobre e sofrida nação!

Marcus Pestana é secretário geral do PSDB

Cada um por si - JOÃO DOMINGOS

O Estado de S. Paulo - 27/04

Rodrigo Maia construiu sua força política à revelia de Bolsonaro


Há sinais evidentes de que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), optou por seguir um caminho paralelo ao de Jair Bolsonaro, embora na economia tenha muitos pontos em comum com o governo. Ou, talvez, exatamente por ter pontos em comum com o governo na economia, e este setor ser tocado pelo ministro Paulo Guedes, tão ou mais liberal que ele, é que Maia mostra concordância com várias propostas do governo, como as reformas da Previdência e tributária, além do programa de privatizações ainda a ser lançado, mas não com outras iniciativas ou com a agenda conservadora de Bolsonaro.

Toda a força política que tem hoje, e que aumentou muito depois que passou a se entender perfeitamente com os partidos de centro e de centro-direita que formam o Centrão ou que deste grupo não participam organicamente, Maia a construiu à revelia de Bolsonaro. O presidente tinha outros candidatos para dirigir a Câmara.

O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que é do DEM, chegou a tentar sabotar a candidatura de Maia à presidência da Câmara. E olha que são do mesmo partido. Não deu certo. Depois, Bolsonaro apoiou os ataques do filho Carlos Bolsonaro a Maia, ataques estes que insinuavam ser o presidente da Câmara uma espécie de chefe da “velha política”, responsável por enfiar a faca no pescoço do presidente para arrancar cargos do governo. Foi um Deus nos acuda, todos se lembram. Restabelecidas as relações, Maia passou a cobrar de Bolsonaro uma atuação maior nos esforços para a aprovação da reforma da Previdência. Hoje, com o projeto já admitido pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, graças à atuação de Maia e do Centrão, Bolsonaro continua devendo uma defesa mais enfática da reforma da Previdência.

O certo é que, a partir do momento em que o Congresso se descolou do Palácio do Planalto, a reforma da Previdência começou a andar. Sem ter de dar satisfação a Bolsonaro, o presidente da Câmara negociou a formação de uma comissão especial para apreciar a proposta que tem, na presidência, um ex-militante do PCdoB, o deputado Marcelo Ramos (AM), hoje no PR, que defende a reforma da Previdência, mas é radicalmente contrário à forma como Bolsonaro administra o País. Numa entrevista ao Estado, publicada ontem, o deputado disse que o governo só tem rumo na economia. De resto, “não tem proposta para o País”. Ramos chegou a aconselhar Bolsonaro a ficar calado sobre a reforma da Previdência até que ela seja aprovada. Para não atrapalhar.

O que Marcelo Ramos disse não difere muito do juízo que Maia já fez do governo, que seria “um deserto de ideias”. O presidente da Câmara não esconde que a pauta conservadora de Bolsonaro nos costumes tem potencial para atrapalhar as votações no Congresso. Não está disposto a abrir espaço para ela se houver riscos de comprometer os trabalhos da Câmara.

Ao assumir a reforma da Previdência, os partidos de centro e centro-direita, aliados a Maia, vislumbraram uma bandeira política para o futuro, apesar de o projeto ser polêmico e enfrentar fortes resistências de corporações poderosas. Com as mudanças que pretendem fazer no texto, como a retirada da redução no valor dos benefícios pagos a carentes (BPC) e do aumento da idade mínima para a aposentadoria rural do projeto, os parlamentares que defendem a reforma previdenciária dirão que mostraram preocupação com o futuro das próximas gerações, garantindo a elas o direito à aposentadoria. E que, ao aprovar a reforma da Previdência, buscaram dar ao País equilíbrio fiscal, o que vai melhorar a economia e garantir a geração de empregos.

É uma bandeira muito boa, que pode ser tirada de Bolsonaro, à medida que não se vê nele uma disposição forte para atuar em favor da reforma.

Desconto camarada - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 27/04

Se Jair Bolsonaro realmente deseja vender sua reforma pelo melhor preço possível no Congresso, o primeiro passo é parar de tratá-la como mercadoria encalhada


A equipe econômica refez as contas e chegou à conclusão de que a reforma da Previdência pode gerar uma economia de R$ 1,236 trilhão nos próximos dez anos, um aumento de R$ 164 bilhões em relação à estimativa original. A perspectiva mudou porque a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deixou de prever reajuste real para o salário mínimo, base para dois terços dos benefícios do INSS. É uma ótima notícia, pois dá ao governo uma margem melhor para negociar com o Congresso as mudanças que provavelmente reduzirão esse ganho.

No entanto, o presidente Jair Bolsonaro parece inexplicavelmente inclinado a fazer concessões e descontos antes mesmo que alguém demande, como se ele mesmo não desse muito valor à reforma. Enquanto a equipe econômica insiste que tudo fará para que as mudanças na Previdência resultem em uma economia de pelo menos R$ 1 trilhão, o presidente Bolsonaro declara agora que aceita fazer por R$ 800 bilhões. “É a previsão mínima, né?”, disse ele a jornalistas.

É evidente que uma reforma dessa magnitude enfrentará resistência no Congresso e que o governo terá de aceitar mudanças para preservar uma economia que não somente recoloque as contas em ordem, mas também evite que uma nova reforma se torne necessária em breve. Já se tem como certo que sairão do texto as mudanças na aposentadoria rural, que renderiam uma economia de R$ 94,2 bilhões em uma década, e no benefício assistencial para idosos de baixa renda, o chamado BPC, cuja expectativa de ganho é de algo em torno de R$ 34,8 bilhões. Também se espera oposição à proposta de restringir o pagamento do abono salarial a quem ganha até um salário mínimo – hoje se paga para quem ganha até dois mínimos –, proposta que geraria uma economia de R$ 169,4 bilhões em dez anos.

Ou seja, há muito o que negociar, e é claro que a equipe econômica certamente tem consciência de que a economia inicialmente prevista é apenas um ponto de partida, mas seria lógico esperar que os descontos fossem pedidos no Congresso, e não pelo governo que encaminhou a proposta.

Não tem sido o caso, infelizmente, do governo de Jair Bolsonaro. Quando é o próprio presidente que oferece de saída um desconto tão generoso em relação às pretensões de sua equipe, manda um sinal claríssimo para sua já frágil base aliada no Congresso: não está convencido de que a reforma é necessária ou, pelo menos, bem sustentada sobre números e conceitos.

“O presidente, cada vez que fala, desidrata um pouco a reforma. Se ele não falar até o final da votação, vai ajudar um bocado”, disse o deputado Marcelo Ramos (PR-AM), que vai presidir a Comissão Especial da Reforma da Previdência. A essa conclusão certamente também já chegaram outros deputados que se veem na ingrata tarefa de defender a reforma enquanto o presidente, quando pode, a desvaloriza.

De nada adianta Bolsonaro vir a público dizer que o Brasil enfrentará o “caos” caso a reforma da Previdência não seja aprovada se ele mesmo não demonstra firmeza em relação ao projeto que patrocina. Isso obriga a equipe econômica a correr para desdizer o presidente, tal como fez o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, segundo o qual o governo “continua a defender a íntegra da reforma” mesmo depois de Bolsonaro informar que topa deixar por R$ 800 bilhões uma reforma de R$ 1,2 trilhão. Segundo Marinho, o presidente quis apenas demonstrar “respeito pelo Parlamento brasileiro”. E pelo contribuinte, o presidente demonstrou o quê?

Depois da repercussão negativa de sua fala, o presidente tentou voltar atrás a respeito do valor mínimo que o governo aceitaria na negociação da reforma. “Eu falei que a bola está com o Poder Legislativo. Eu gostaria que a nossa proposta saísse na ponta da linha de como entrou (sic). Mas nós sabemos, até pela minha experiência de sete legislaturas, que haverá mudança. Agora, não existe um dado mínimo. O Paulo Guedes (ministro da Economia) fala em torno de R$ 1 trilhão. A gente espera, em havendo qualquer desidratação, que não seja um número que comprometa uma reforma”, declarou Bolsonaro.

Se o presidente realmente deseja vender sua reforma pelo melhor preço possível no Congresso, o primeiro passo é parar de tratá-la como mercadoria encalhada.

"Conservador é a mãe e a avó" - MARCOS PENA JR

GAZETA DO POVO - PR - 27/04

Reações antirrevolucionárias intolerantes no máximo são revanchismo reacionário



"Poucos termos filosófico-políticos são tão surrados no Brasil quanto “conservadorismo” (e, consequentemente, “conservador”). Basta alguém sair a dizer que “não houve golpe em 1964”, ou que “o governo militar foi essencial e excelente para o país”, ou ainda que “as políticas de cotas são péssimas para nossa população” e pronto, com certeza conseguirá o rótulo de “conservador”. Vejam, não se trata de entrar no mérito dos pontos acima, mas de analisar o motivo da sua associação automática a essa filosofia, ou visão de mundo, o conservadorismo.

Atribui-se a Edmund Burke, filósofo escocês do século 18, a “fundação” de um pensamento estruturado ao qual se veio denominar conservadorismo. Burke no seu Reflexões sobre a revolução na França, ao analisar o que ocorria naquele país sob a liderança dos Jacobinos, demonstra o sem-número de aspectos negativos de uma revolução. Dentre muitos pontos, e de maneira impressionante, ele foi capaz de antever a ocorrência do Terror e do surgimento de um “general popular (…), a pessoa que realmente (…) será seu soberano” (Napoleão!).

Aqui reside o coração do pensamento conservador: uma revolução dificilmente resulta em grandes ganhos políticos e sociais; e ainda que venha a resultar, os custos (especialmente em termos de sofrimento e vidas humanas) são muito mais altos. Por isso, o conservador é amplamente contrário a revoluções, e se dedica a defender a moderação e, consequentemente, processos de reformas.
Nesse ponto é importante colocar que Aristóteles é considerado o primeiro pensador ocidental a abordar uma visão filosófica de mundo conservadora (em detrimento da utópica e despótica de Platão) ao defender, especialmente em A política e em Ética a Nicômaco, a necessidade de em tudo buscarmos “o caminho do meio”, a “moderação”. Isso traz à tona que, sendo antirrevolucionário, o conservadorismo é embasado num espírito moderado. Ora, reações antirrevolucionárias intolerantes, por mais que possam ser antirrevolucionárias, não são conservadoras. O conservadorismo é tão contrário à intolerância quanto o é à revolução.

Reações antirrevolucionárias intolerantes no máximo são revanchismo reacionário. Um político que, ao ter sua vitória eleitoral definida, faz um breve mas inflamado discurso de vencedor, afirmando que “vamos varrer do mapa bandidos vermelhos” – seus adversários políticos – se demonstra um revanchista, não um conservador, um indivíduo moderado.

Esclarecimentos detalhados sobre o que é o conservadorismo se encontram no livro homônimo do filósofo português João Pereira Coutinho. Nele temos um excelente trabalho de esclarecimento sobre a filosofia conservadora, bem como sobre a história da construção desse pensamento. Em meio às polêmicas sobre “ideologização” nos diferentes aspectos da nossa vida social, importa dizer que, ao não ter um ideal de mundo predefinido, o conservadorismo é a ideologia menos “ideologizada”, pois se funda em um posicionamento: agir de maneira moderada e antiutopista, ou seja, é uma ideologia posicional.

Finalmente, e de forma concisa, o conservadorismo contemporâneo é: esclarecido sobre e, portanto, respeitador da imperfeição humana; entendedor e respeitador dos pluralismos; forte defensor das tradições (justamente porque foram se constituindo de maneira orgânica e não a partir das planilhas de algum “filósofo de gabinete”); austero partidário de reformas (afinal, o que não se pode reformar, também não se pode conservar); e, fervoroso entusiasta e argumentador em prol da sociedade comercial.

O “conservador/conservadorismo” significado pelo senso comum e pela grande mídia é a mãe e a avó. Vida longa ao Conservadorismo! Agradecido, Burke e Aristóteles!

Marcos Pena Jr. é economista e escritor."

O Brasil digital e o Brasil analógico - EDITORIAL GAZETA DO POVO PR

GAZETA DO POVO PR - 27/04


A cada ano perdido, a distância entre o Brasil e os países desenvolvidos aumenta.


Nesta quinta-feira (25), a Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) divulgou o relatório da 30ª Pesquisa Anual do Uso de Tecnologia de Informação, confirmando que o Brasil está mergulhando de cabeça no mundo digital. O investimento em TI cresceu para 7,9% da receita das empresas, mantendo uma tendência de incremento que a estagnação econômica não reverteu. O Brasil já está bem acima da média mundial, embora ainda atrás dos Estados Unidos, na taxa per capita de computadores e smartphones. A previsão é de que o país alcance a taxa de um computador por habitante nos próximos cinco anos – no total, em 2019, haverá 420 milhões de dispositivos digitais operando por aqui.

Os dados vêm reforçar uma pesquisa inédita divulgada pela consultoria McKinsey no início do mês, que mostra que os brasileiros estão mesmo imersos no mundo digital. Mais de dois terços da população do país já têm acesso à internet – ante 53% da média mundial. No Brasil, 38% das pessoas têm acesso à internet pelo computador e 90% por meio de smartphones – e os brasileiros já passam cerca de 9h por dia conectados, só perdendo para os filipinos. Curiosamente, porém, o Brasil não tem nenhuma empresa de tecnologia entre as 10 maiores do país, enquanto o setor já representa 38% do valor das 10 maiores chinesas e 67% das 10 maiores empresas dos Estados Unidos.

Por que um país com um potencial de consumo tão grande no mercado digital está tão atrasado na corrida tecnológica? A primeira razão desse atraso deve-se ao déficit de infraestrutura e investimentos. A média da velocidade da internet no Brasil é de 13 Mbps, bem abaixo da média mundial de 31 Mpbs, e ainda menor que a dos Estados Unidos e do Sudeste Asiático, que está em 46 Mbps. O país investe apenas 1,3% do PIB em pesquisa e desenvolvimento, contra 2,1% na China e 2,6% nos Estados Unidos. Ajuda a explicar esse atraso também a pouca abertura comercial da economia: enquanto Chile tem acesso a 95% dos mercados mundiais por meio de algum tipo de acordo, o Brasil tem apenas a 5%, o que reduz drasticamente o incentivo ao investimento privado.

Uma segunda razão é a burocracia estatal, especialmente deletéria para um setor dinâmico, em constante mutação e cujos processos empresariais estão cada vez mais acelerados. O Brasil está na 109ª posição entre 167 países no ranking de competitividade do Banco Mundial. Dois terços das empresas fecham as portas antes de cinco anos de funcionamento, e o custo de fechamento de uma empresa no país pode ser até 44% maior que o custo de abertura, que já é quase impeditivo em termos monetários e de tempo. O desestímulo ao empreendedorismo e ao risco, vital para liberar o potencial da criatividade, é brutal. Diante desse quadro, chega a ser quase um milagre que o ecossistema de startups financeiras tenha multiplicado por oito seu tamanho nos últimos três anos.

Além da falta de clientes, a falta de crédito – outro gargalo estrutural – é a principal razão para o fechamento das empresas no país, mas logo em seguida aparece a falta de conhecimento e expertise. Isso nos leva à terceira razão para explicar esse atraso: a estagnação da produtividade nas últimas décadas. Embora o Brasil tenha conseguido aumentar o número médio de anos na escola dos brasileiros, e o investimento na educação, em percentual do PIB, já ultrapasse a maioria dos países desenvolvidos, a produtividade do brasileiro ficou estagnada nos últimos 40 anos. No mesmo período, a produtividade chinesa mais que triplicou. A produtividade americana, que era cerca de três vezes maior que a brasileira, hoje já é quase cinco vezes maior. Não haverá solução para isso enquanto o Brasil não mudar o modelo e a gestão educacional.

Somos, portanto, um dos líderes no consumo de tecnologia e informação no mundo, mas não conseguimos transformar isso em desenvolvimento pleno. Os consumidores são digitais, mas o país continua analógico. Há um enorme capital humano desperdiçado e gargalos que persistirão enquanto o Brasil não reduzir a burocracia, enxugar o Estado e der eficiência ao setor público, além de liberar o orçamento – hoje engessado em 94% e consumido com o rombo na Previdência e com o funcionalismo – para investimentos em áreas com potencial multiplicador, como ciência, tecnologia e inovação (CT&I). A cada ano perdido, a distância entre o Brasil e os países desenvolvidos aumenta. Em um cenário de Revolução Industrial 4.0, em que inteligência artificial, robótica e nanotecnologia são realidades cada vez mais palpáveis, esse atraso é intolerável.


Inveja da Bolívia - RICARDO AMORIM

REVISTA ISTO É

A renda per capita de quase todos nossos primos latino-americanos deve ser maior que a nossa em duas décadas. Colombianos e peruanos logo vão chegar lá


Em 1980, cada brasileiro ganhava, em média, 56% mais do que um peruano. Hoje, a diferença é só de 14%. Neste período, todos os ex-presidentes do Peru foram presos, estão foragidos ou se suicidaram para evitar a prisão por crimes de corrupção.

Em 1980, o brasileiro ganhava, em média, 79% mais do que o colombiano. Hoje, a diferença é só de 7%. Neste período, a Colômbia foi abalada por uma duríssima guerra contra o tráfico de drogas e o terrorismo.

Estes dois exemplos deixam claro pontos importantes. O Brasil não viveu apenas uma década perdida. Há quatro décadas nossa economia patina, com desempenho pior até mesmo que nossos vizinhos latino-americanos. Há duas gerações,somos um país submergente.

Além disso, ao contrário do que acham muitos, corrupção e violência não são os únicos problemas fundamentais brasileiros que, se resolvidos, garantirão o sucesso do País. Enfrentá-los, obviamente, é fundamental, mas sem encarar também outros problemas ao menos tão graves quanto, nosso futuro não irá mudar significativamente. Países com problemas de corrupção e violência tão graves ou piores que o Brasil tiveram desempenho econômico bem melhor. Fica claro que há outras áreas também muito importantes nas quais eles têm se saído melhor do que nós.

Sem reverter a incompetência na gestão da economia – que privilegia regulamentações como a recente suspensão do reajuste dos combustíveis, que parece ajudar, mas na realidade criará pobreza — e combater os que se apropriaram do Estado em busca de privilégios — como todos os que recebem benefícios previdenciários maiores que as contribuições que conseguem bancar –, o Brasil continuará condenado ao subdesenvolvimento.

Sem reduzirmos substancialmente o tamanho do Estado, seu peso sobre o setor privado e melhorarmos substancialmente nossa educação básica, em breve, nós brasileiros ficaremos para trás de praticamente todos nossos primos latino-americanos em termos de renda per capita. Chilenos, uruguaios, mexicanos e argentinos já ganham mais do que nós. Colombianos e peruanos devem nos ultrapassar nos próximos anos, paraguaios e equatorianos, na próxima década, assim como os bolivianos daqui menos de 20 anos, se mantidas as tendências. Inveja da Bolívia?! É este o futuro que queremos para nossos filhos e netos?

Nós, os patos - MURILLO DE ARAGÃO

REVISTA ISTO É

O País é um paradoxo sustentado por nossa mansidão. Aceitamos os absurdos apenas por acreditarmos que é assim que as coisas são

A certa altura de sua entrevista à GloboNews, o ministro da Economia Paulo Guedes soltou uma pérola: “A minha interpretação é que está ficando muito claro para o brasileiro comum o seguinte: tem cinco bancos, tem seis empreiteiras, tem uma produtora de petróleo, tem três distribuidoras de gás e tem 200 milhões de patos. Os patos somos nós.”

Paulo Guedes tem razão. A cidadania brasileira é feita de patos que pagam a conta do privilégio de poucos. Temos uma carga tributária injusta e excessiva, recebemos serviços de baixa qualidade e aceitamos o privilégio das aposentadorias milionárias pagas pelo erário.

Aceitamos pagar um dos maiores spreads bancários do mundo. O nosso é cinco vezes maior que o da quebrada Argentina. Em novembro passado, os juros do crédito rotativo dos cartões de crédito no Brasil chegaram a singelos 305% ao ano.

Aceitamos um Estado burocratizado, que cria dificuldades para vender facilidades. Nós nos humilhamos nos postos de saúde e nos acotovelamos nos transportes públicos de baixa qualidade. E, quando temos carro, vamos desviando dos buracos ou ficamos paralisados em engarrafamentos.

Partidos políticos são sustentados por cofres públicos e não por seus militantes. E, até há bem pouco tempo, os sindicatos de trabalhadores recolhiam compulsoriamente contribuições, além de manterem “monopólios” por região. Agora, após a Operação Lava Jato, a presunção da inocência deixou de existir. Todos são culpados até que se prove o contrário. Na burocracia, tal assertiva já valia há tempos: o cidadão é sempre penalizado com montanhas de pré-requisitos. Quase diariamente a burocracia produz normas e atos num imenso redemoinho de exigências. No Brasil, a papelada aumenta para atender o crescimento da própria burocracia.

Nos tribunais administrativos da Receita Federal, o voto de minerva é de quem jamais votará contra a redução de seus bônus, decorrentes de multas bilionárias. Certidões são penosamente extraídas, mesmo que as obrigações do cidadão estejam em dia. Gastamos horrendas 2 mil horas por ano para pagar impostos, enquanto a média mundial é de apenas 250 horas.

O Brasil pune quem quer gerar emprego com um dos piores ambientes de negócios do mundo. Entre 190 países, estamos no 109º lugar. O País é um imenso paradoxo sustentado por nossa mansidão. Trata-se de uma lógica muito louca, que revela que aceitamos os absurdos apenas por sempre ter sido assim. E se é assim, o verdadeiro absurdo está em nós.

A corte do bobo - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 27/04

O guru bolsonarista adula seu rei para iludi-lo, conduzindo-o à beira do precipício


Os soberanos renascentistas empregavam um profissional encarregado de entreter os cortesãos e, antes de tudo, a si mesmos: o bobo da corte. A entourage bolsonarista tem um personagem assim, que é Olavo de Carvalho. Mas, com uma diferença: por aqui, a corte é que presta serviço ao bobo.

Nas cortes do passado, recrutavam-se bobos no próprio círculo da nobreza, entre jovens com deficiência mental. Mais comumente, eles eram pinçados entre comediantes que cantavam ou dançavam em grupos de saltimbancos. Salvo engano, Olavo enquadra-se no segundo caso.

Depois de tentar a sorte como astrólogo e islamita, ele vestiu a fantasia de filósofo e passou a exibir truques intelectuais primários no palco itinerante da internet. O ofício de comediante intelectual propiciou-lhe uma carreira precária no diversificado mercado da autoajuda —até que, miraculosamente, o colapso do sistema político brasileiro degenerou no governo dos ignorantes da extrema direita. Daí, ele virou um bobo singular: o guru de uma corte abobalhada.

Os bobos eram contratados para cometer equívocos divertidos. Nesse ponto, Olavo, o bobo de plantão, é fiel à tradição. Segundo o que ele qualifica como uma “tese histórica irrefutável”, os militares brasileiros entregaram o país ao comunismo. O interessante, aqui, é que não há, entre pessoas medianamente informadas, nem mesmo um debate histórico relevante sobre o tema.

O golpe de 1964 não salvou o país da ascensão comunista pelo simples fato de que a hipótese inexistia: Jango e os seus, populistas da cepa varguista, não nutriam qualquer simpatia pelo comunismo. Os comunistas, cindidos em dois partidos rivais, eram colinas periféricas na paisagem nacional. Duas décadas depois, na hora da transição democrática, a esquerda aglutinou-se no PT, que de socialista só tem trechos esparsos de resoluções escritas para enganar trouxas.

Golbery do Couto e Silva tinha razão, se é verídica a versão de que enxergava em Lula o coveiro da esquerda radical no Brasil. Mas, ainda que divertida, a “tese histórica irrefutável” de Olavo é um equívoco proposital de um profissional da comédia. O bobo que nada tem de bobo formulou uma galhofa destinada a ser levada a sério por seus devotos estúpidos da corte bolsonarista, entre os quais contam-se o presidente e seus rebentos.

No “Rei Lear”, o bobo desempenha papéis cruciais. Honesto, completamente leal, ele vai muito além de seu dever de entreter, agindo quase como superego do rei. Depois do injusto banimento de Cordelia, o bobo assume a função da única filha íntegra do rei, protegendo Lear e, por meio da ironia e do sarcasmo, alertando-o sobre seus impulsos autodestrutivos.

Na corte bolsonarista, tudo se passa ao inverso. Leal apenas a si mesmo, o bobo sabota incessantemente o rei, estimulando seus piores instintos e semeando perenes intrigas palacianas. O bobo de Lear não teme dizer a verdade desinteressada; o bobo de Bolsonaro só profere mentiras interessadas. Nesse país tão pouco shakespeariano, a corte presta vassalagem a um bobo que não almeja o triunfo do rei, mas unicamente seu triunfo pessoal.

“Bobos frequentemente provam-se profetas”, diz Regan, a segunda filha de Lear, a Goneril, sua irmã mais velha. Olavo errou em todas as suas profecias, mas esforça-se para acertar na mais recente: a implosão do governo Bolsonaro “em seis meses”. O bobo shakespeariano, um sábio cético que vira a procissão inteira de vilezas humanas, ria da afetada pretensão de majestade de Lear. Entretanto, inarredável na sua decência, jamais o abandonou, acompanhando-o na trajetória da humilhação, rumo à loucura. Já o bobo bolsonarista, um malcriado untuoso, adula seu rei para iludi-lo, conduzindo-o à beira do precipício.

“Rei Lear” é a mais sublime tragédia da literatura. A nossa é uma farsa de terceira. Mas não é ficção.

Demétrio Magnoli
Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

Como o favorecimento de raça e gênero corrompeu a universidade e a cultura - RODRIGO CONSTANTINO

GAZETA DO POVO - PR - 27/04

As universidades nunca tiveram tanta diversidade étnica e cultural. Não obstante, a obsessão dos “progressistas” está em expandir ainda mais essa diversidade, como se a fiel representação da população em geral ali dentro, com base em raça ou gênero, fosse um fim em si mesmo. Com isso, uma cultura coletivista racial, alimentada pela vitimização dessas “minorias”, tomou conta dessas universidades, com graves efeitos na qualidade do ensino.

É o que mostra Heather Mac Donald em The Diversity Delusion. Heather é autora de War on Cops, livro que disseca a narrativa oca “progressista” sobre a criminalidade, com base nas falácias do Black Lives Matter, movimento que tem instigado a tensão racial no país. Por conta disso, a autora conhece bem o atual clima de intolerância nas universidades: foi alvo de protestos violentos que demandaram escolta policial para garantir sua segurança. Isso num ambiente que deveria fomentar a liberdade de expressão.

O que ela argumenta no novo livro é que os alunos universitários cada vez mais apelam para a força bruta, às vezes a violência criminosa, para calar as ideias de que não gostam. Quando palestrantes conservadores necessitam de proteção policial para falar, e muitas vezes nem assim conseguem, isso deveria acender um alerta geral de que alguma coisa deu muito errado nas universidades. E há método nisso: o objetivo é impedir que intelectuais dissidentes se conectem aos alunos para preservar o monopólio do pensamento esquerdista.

O marco da civilização ocidental é o compromisso com a razão e o argumento. A grande conquista do Iluminismo europeu foi obrigar que qualquer forma de autoridade tenha que se justificar com base em argumentos racionais, em vez de pura coerção. Nas universidades, isso tem sido cada vez mais suprimido por uma censura escancarada. Se ela não for combatida agora, perderemos um precioso legado, e uma forma de totalitarismo poderá se tornar a nova norma na América (desnecessário dizer que tudo que se passa nas universidades americanas é uma realidade ainda pior no caso brasileiro).

Os alunos chegam às universidades sem conhecimentos básicos sobre a história, e aprendem que a herança ocidental é sistematicamente racista e machista. Todo esse discurso alimenta a vitimização das “minorias”, que passam então a apelar para todo tipo de autocomiseração. Em vez de desfrutar do rico ambiente intelectual de que dispõem, e que por si só já é restrito, esses jovens acabam adotando uma postura derrotista e carregam esse fracasso nos ombros quando saem de lá para a vida. Eles precisam parar de sentir pena de si mesmos e aceitar que são privilegiados só por estarem ali.

Qualquer reitor que permite a criação de “locais seguros” no campus contra as supostas “microagressões” já perdeu a condição de preservar o verdadeiro sentido de uma universidade. Alguns argumentam que isso é o resultado de uma geração protegida demais, mimada pelos “pais helicópteros”, mas Heather discorda: se fosse apenas isso, os homens brancos também bancariam as vítimas e pediriam ajuda. Há o fator psicológico da geração “flocos de neve”, sem dúvida, mas a autora acrescenta o fator ideológico: no centro de tudo está a visão de que a cultura ocidental é racista e sexista.

Essas universidades ensinam os jovens a se enxergar como oprimidos. Ganha mais pontos na escala de vitimização quem consegue marcar mais quesitos de minoria. Uma mulher negra e lésbica, por exemplo, tem mais “direitos” do que um homem gay. Cria-se uma disputa para ver quem conquista o lugar de mais oprimido, o que lhe dará vantagens profissionais e a blindagem contra críticas, por conta do seu “lugar de fala” privilegiado. Não se discute mais o que é dito, mas apenas quem o disse.

O politicamente correto interessa a quem quer calar o debate por falta de argumentos. É uma forma velada, ou nem mais tão velada assim, de intimidar o oponente. Então se rotulam as supostas malignas intenções — ele é racista, machista, homofóbico, xenófobo — para não ter de rebater aquilo que se diz. Ataca-se o mensageiro para não ser preciso responder à mensagem.

Há também, como mostra Heather, o puro oportunismo. Um enorme aparato burocrático foi criado só com o intuito de aplicar a “diversidade” nas universidades. Cada vez mais gente vive desse esquema. As universidades gastam rios de dinheiro só para atender à pressão desse discurso, que faz vítimas reais, como alunos que foram expulsos por acusações falsas e absurdas. A “cultura do estupro”, uma histeria fomentada pelo movimento feminista, mereceu um capítulo inteiro, rebatendo várias falácias disseminadas.

Claro que na área de humanas essa visão “progressista” fez um estrago bem maior. Mas nem as ciências exatas escaparam. A obsessão por “diversidade” vem forçando uma redução do nível de exigência nos testes, assim como uma troca de questões objetivas por outras mais subjetivas. E não importa se existem diferenças inatas entre homens e mulheres, ou se seus interesses não necessariamente se equivalem. É preciso ter uma quantidade igual de homens e mulheres, ponto. Óbvio que essa demanda não existe em cursos onde já há grande predominância feminina, expondo a hipocrisia da turma. Mais de 80% dos médicos residentes em obstetrícia e genecologia são mulheres, por exemplo, mas ninguém reclama. Por que será?

Tudo isso tem consequências drásticas não só para a qualidade do ensino, mas para o futuro da América. Esses alunos vão para cargos importantes, pois estamos falando das universidades da “Ivy League”, como Harvard e Yale. No mais, reduzir os padrões para combater o sexismo fantasma e o suposto racismo endêmico é algo um tanto imprudente num mercado global competitivo e implacável. Impulsionada pela meritocracia sem remorso, a China está alcançando rapidamente os Estados Unidos em ciência e tecnologia. A política de identidades é um luxo caro demais que a elite culpada abraçou.

Ao invés de emergir das universidades com mentes ampliadas e informadas pelo melhor que a herança cultural tem a oferecer, os estudantes cada vez mais se fecham em bolhas de reclamações e queixas, grupos definidos pela vitimização. Heather conclui deixando duas perguntas incômodas no ar: quem, além de uma vasta burocracia administrativa, se beneficia com essa situação? E o que irá substituir o que foi perdido?

Artigo originalmente publicado pela Gazeta impressa

A Petrobras deve ser privatizada? - DÉCIO ODDONE

O GLOBO - 27/04

Os campos maduros da Bacia de Campos e do Nordeste declinam por falta de investimentos. Por não termos refinarias suficientes, nos tornamos um exportador de petróleo que importa combustíveis


A recente crise do preço do diesel mostrou o resultado de um modelo que vem fazendo água há tempos: o da concentração no setor de petróleo e gás. E trouxe à tona discussões sobre a privatização da Petrobras, que desde que foi criada se confunde com o setor no Brasil. A exploração e produção de petróleo foi aberta nos 90, quando o monopólio foi extinto, mas, com a descoberta do pré-sal, a empresa voltou a ter privilégios. Nas áreas de refino e gás natural a sua posição dominante jamais foi revisada. A distribuição de combustíveis e de gás de cozinha (GLP) há muito é controlada por poucas empresas, dentre elas subsidiárias da estatal, que é sócia de vinte das distribuidoras de gás natural nos estados. As contradições são visíveis. Enquanto a própria Petrobras defende o aumento da competição, as associações de empresas de distribuição, com o suporte e financiamento das subsidiárias da estatal, defendem a manutenção do modelo vigente.

Embora a Petrobras atue legitimamente para defender os interesses dos seus acionistas, na maior parte privados, para muitos brasileiros ela é do povo e existe para fazer política pública. O setor carece de investimentos, e a regulação reflete o modelo que privilegia a estatal e as suas subsidiárias, beneficiando também os seus poucos competidores privados. Os resultados são conhecidos. Enquanto a Petrobras, afetada pela Lava-Jato e pelo endividamento, vende ativos para reduzir a dívida e concentra recursos no pré-sal, o nível de atividade sofre, e os preços são questionados. O petróleo caminha para a obsolescência, mas ainda não conhecemos o potencial brasileiro, pois grande parte do nosso território segue inexplorada. Os campos maduros da Bacia de Campos e do Nordeste declinam por falta de investimentos. Por não ter refinarias suficientes, nos tornamos um exportador de petróleo que importa combustíveis. Porque há concentração excessiva, e o mercado de gás não se desenvolveu. A Petrobras nunca teve condições de fazer tudo. Agora não quer mais. Porque o setor de petróleo e gás no Brasil é maior que a Petrobras, precisamos de muitas empresas investindo no país.

Quando havia controle de preços de gasolina e diesel, como no governo Dilma, só a Petrobras importava. Quando a Petrobras praticava preços acima dos internacionais, o que ocorreu nos períodos Lula e Temer, apareceram os importadores privados. O prejuízo era da estatal; o lucro de vários. Nesses períodos, os preços dos demais derivados e do gás natural tampouco seguiram as referências internacionais.

Como a estatal detém o monopólio de fato no refino, o debate sobre os preços dos combustíveis contamina o governo. Mas as discussões só abrangem o preço na refinaria, 50% do total no caso do diesel e menos de 40% no da gasolina e do GLP. A distribuição segue dominada por poucas empresas. O ICMS estadual, além de elevado, serve para acelerar a volatilidade no preço e na arrecadação dos estados. A sonegação, a adulteração, a fraude e a lavagem de dinheiro devem ser combatidas. Para modernizar a indústria de petróleo e gás no Brasil e dar um choque de energia barata, como quer o governo, devemos enfrentar todos esses problemas de forma estruturada, adotando medidas para aumentar a competição no refino e na distribuição e para racionalizar o modelo tributário.

Se a Petrobras vender seus campos maduros, a metade do parque de refino e as subsidiárias que operam na distribuição de combustíveis e de GLP, como anunciou, se o mercado de gás for aberto para a competição, como tem sido discutido, e se a ANP estipular regras claras para a divulgação dos preços, estarão dados os passos mais importantes para modernizar o setor. Em pouco tempo teremos substituído um monopólio por uma indústria competitiva e transparente. Os investimentos crescerão. Os preços passarão a ser ditados pela competição e a ser divulgados de forma transparente, tornando sem sentido potenciais intervenções do governo. As discussões sobre a privatização da Petrobras poderão se resumir a uma avaliação desapaixonada sobre a melhor alocação dos recursos da União. A companhia, se essa for a decisão política, poderá ser vendida, em partes para diminuir a concentração, levantando recursos que poderão ter um destino mais nobre que o setor de petróleo, já alvo então de investimentos privados mais elevados que os que a Petrobras sozinha jamais pode fazer.

Décio Oddone é diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis

Os bilhetinhos de Bolsonaro - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 27/04

O presidente Jair Bolsonaro é um simulacro de Jânio Quadros, que mandava bilhetinhos proibindo biquínis, desfile de misses, briga de galo. Os bilhetinhos do Bolsonaro são os seus tuítes. Tal qual o personagem de nossa tragédia, que agora se repete como farsa, Bolsonaro dá seu toque pessoal especialmente em questões comportamentais, um populismo tosco que se volta para seu público específico, e não para os interesses do país.

Agora mesmo vetou um vídeo publicitário do Banco do Brasil, e ainda demitiu o diretor de Comunicação e Marketing do banco estatal, Delano Valentim. A campanha, marcada pela diversidade, trazia atores e atrizes negros, uma transexual e jovens tatuados usando anéis e cabelos coloridos. O objetivo da propaganda era levar o Banco do Brasil até os jovens, e ele não gostou do que viu.

Se fosse o dono de um banco privado, poderia dar vazão às suas idiossincrasias, mas talvez tivesse problemas com seus conselheiros, que poderiam ficar preocupados com a imagem da instituição. Mas o Banco do Brasil não é do presidente do momento, e não pode, portanto, obedecer a seus desejos pessoais.

Tem que ser dirigido de acordo com objetivos técnicos, e a propaganda devia estar adequada aos nichos jovens que o banco busca. O país tem que acompanhar sua juventude, que é o seu futuro. Uma atitude hostil a comportamentos característicos de jovens contemporâneos é retroceder nos hábitos e costumes já aceitos, inclusive legalmente, no Brasil.

Acontece a mesma inadequação quando diz que o Brasil não pode ser o paraíso do turismo gay. “O Brasil não pode ser um país do mundo gay, de turismo gay, porque aqui temos famílias”. Além de intolerável, essa discriminação assumida já há muito, e que tentava negar, foi acompanhada de um comentário insensato: “Quem quiser vir aqui fazer sexo com mulher, fique à vontade”.

O país não pode ser receptáculo de turismo sexual, ponto. Sobretudo de pedofilia, uma praga, principalmente nos estados mais pobres. Tem a obrigação de receber bem seus turistas, homossexuais ou não. Se os gays se sentem no Brasil bem acolhidos, sem repressão, é ótimo que o país tenha uma fama internacional de ser acolhedor com os gays.

Fortalece a imagem de que somos um país acolhedor, que não reprime as minorias, não tem preconceitos. Alguns países perseguem as minorias, especialmente os gays. Essas posições pessoais do presidente Bolsonaro não podem se transformar em posições do Estado brasileiro. Ao falar essas coisas, o presidente estimula atitudes agressivas contra os gays, pode ter gente que se sentirá autorizada a discriminar gays, a não recebê-los em hotéis em restaurantes.

O Brasil, que já esteve entre os 20 países mais amigáveis aos gays, vem perdendo posições no ranking do site Spartacus, e passou do 55º lugar em 2018 para o 68º em 2019. A criminalização da homofobia está em julgamento no Supremo Tribunal Federal, suspenso com placar de 4 a 0 favorável para que o preconceito contra gays vire crime de racismo. O presidente Bolsonaro, ainda candidato, deu declarações contrárias a essa iniciativa.

Os avanços institucionais nesse campo são evidentes. Em 5 de maio de 2011 o Supremo Tribunal Federal reconheceu a família homoafetiva, conferindo aos casais homossexuais o direito à união estável, um direito apenas do homem e da mulher, em razão do artigo 1.723 do Código Civil, que define o núcleo familiar como formado “por homem e mulher”.

O STF permitiu a interpretação extensiva aos casais de mesmo sexo. Ao proferir a decisão, o STF deixou expresso que o reconhecimento deve ser feito "segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva". Mas a eleição de Bolsonaro trouxe inquietação a essa minoria, e comentários como os que fez diante de um grupo de jornalistas não ajudam em nada a conter a fama de homofóbico, que o presidente oficialmente renega.

A falta de compreensão do que seja uma política humanística e inclusiva faz com que o governo Bolsonaro pense em cortar verbas de estudos de Humanas como sociologia e filosofia, no pressuposto de que são matérias que não contribuem para o avanço do país. Tudo faz parte de uma visão estreita do que seja governar um país”.

Correção
Na coluna de ontem do jornal impresso escrevi que a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, previa um corte de R$ 1,2 bilhão na reforma da Previdência. Evidentemente o corte proposto é de R$ 1,2 trilhão. No blog saiu correto.

Recuo na violência - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 27/04

Levantamento mostra queda do número de crimes letais no primeiro trimestre


Os três primeiros meses de 2019 produziram uma boa nova para o trágico cenário da segurança pública no país. Levantamento desta Folha em 21 unidades da Federação com dados disponíveis constatou que em todas elas houve diminuição nas cifras de mortes violentas.

Nesse conceito se computam homicídios, roubos seguidos de mortes e lesões com o mesmo resultado, mas não os óbitos decorrentes de ações das polícias —de todo modo, o resultado é alentador.

O recuo no trimestre vem confirmar a tendência observada ao longo de 2018, após o pico de 63,9 mil mortes registrado no ano anterior, ou 30,8 por 100 mil habitantes (estatística que contempla a letalidade policial e todo o país).

A taxa situa o Brasil entre os países onde mais se mata no mundo, num ranking em que se destacam nações latino-americanas. Embora ainda careça de medição e explicações mais completas, trata-se de uma melhora em setor de enorme significado para a população, que ganhou destaque na campanha eleitoral para a Presidência.

Seria precipitado, por exemplo, associar a queda à chegada ao poder do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e de governadores que adotaram o discurso de endurecimento da repressão ao crime.

A expectativa de maior engajamento policial pode ter dado contribuição marginal para inibir a ação de bandidos, mas é fato que o recuo da violência já se iniciara na administração federal anterior —enquanto a atual se limitou a alinhavar um controverso pacote de medidas que ainda precisa passar pelo crivo do Congresso.

Pode-se afirmar que a alta da mortandade forçou providências anteriores das autoridades. É o caso da criação do Sistema Único de Segurança Pública, arcabouço há muito aguardado para uma atuação mais coordenada das várias polícias, embora ainda incipiente.

O tema também ganhou prioridade na agenda de governadores em final de mandato. Premido pela atuação cada vez mais desenvolta de facções, o estado do Ceará, por exemplo, modificou leis, convocou policiais da reserva e solicitou a presença da Força Nacional.

Os cidadãos cearenses têm o que comemorar: o total de mortes baixou de 1.267, no primeiro trimestre de 2018, para 545, em igual período deste ano. Uma queda de 57%, a mais acentuada no levantamento.

A má notícia está em que, em alguns estados, houve um concomitante aumento da letalidade policial. No Rio de Janeiro, em particular, registrou-se avanço de 18% (de 368 para 434 mortes), e, em São Paulo, estado muito mais populoso, de 8% (de 197 para 213).

A situação paulista, já se vê, é muito melhor que a fluminense. Ela é fruto de um investimento longo e consistente em capacitação, aparelhamento e inteligência policial, e não de invectivas irresponsáveis de políticos para que agentes públicos multipliquem as ocasiões em que atiram para matar.