quarta-feira, janeiro 17, 2018

Carta aberta ao Comitê Olímpico Internacional - Furando o bloqueio contra o politicamente correto - ANA PAULA HENKEL

ESTADÃO - 17/01

Esta é uma carta aberta aos dirigentes do Comitê Olímpico Internacional (COI) e estendida aos dirigentes do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), da Federação Internacional de Vôlei (FIVB) e da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), em defesa das modalidades femininas dos esportes profissionais.

Prezados,

Antes de tudo, quero agradecer ao COB e à CBV pela oportunidade de representar meu país em quatro Olimpíadas e inúmeros mundiais no vôlei de quadra e de praia. Foram anos de enorme sacrifício e prazer testemunhando diariamente os valorosos ideais do Barão de Coubertin, ideais que morarão para sempre em minha alma.

Poder representar meu país entre os melhores do mundo é a maior honra que qualquer atleta pode sonhar na carreira. Entre os títulos alcançados, certamente a confiança depositada em mim, de que eu representaria com respeito e dignidade o esporte brasileiro durante 24 anos da minha vida, está entre as mais importantes conquistas da minha carreira.

É com respeito mas com grande preocupação que escrevo às entidades responsáveis pelo esporte sobre a ameaça de total desvirtuação das competições femininas que ocorre atualmente com a aceitação de atletas que nasceram homens, que desenvolveram musculatura, ossos, capacidade pulmonar e cardíaca como homens, em modalidades criadas e formatadas especificamente para mulheres. Se alguém tem que ir à público e pagar um preço em nome da verdade, do bom senso e dos fatos, estou disposta a arcar com as consequências. O espaço conquistado de maneira íntegra por mulheres no esporte está em jogo.

Tenho orgulho de ser herdeira dos valores que construíram a civilização ocidental, a mais livre, próspera, tolerante e plural da história da humanidade. Este legado sócio-cultural único permitiu que nós mulheres pudéssemos conquistar nosso espaço na sociedade, no mercado e nos esportes. Na celebração das diferenças é que nos tornamos ainda mais unidos, homens e mulheres, dentro e fora das quadras. E é apenas com esse legado que podemos olhar para cada indivíduo como um ser único e especial.

Num tempo em que a militância política condensa e resume o pensamento às pautas ideológicas para negar a realidade, não é difícil identificar a armadilha em que as entidades esportivas caíram e que podem levar junto todo o esporte feminino. Sabemos da força do esporte para elevar o espírito humano acima das guerras e conflitos, especialmente a cada quatro anos, quando durante três semanas mágicas testemunhamos o que há de melhor e mais nobre em todos nós. É esse legado que precisamos defender.

A verdade mais óbvia e respeitada por todos os envolvidos no esporte é a diferença biológica entre homens e mulheres. Se não houvesse, por que estabelecer categorias separadas entre os sexos? Por que colocar a rede de vôlei masculina a 2,43m de altura e a feminina com 2,24m? Basta uma análise superficial com um mínimo de bom senso no porte físico de jogadores de basquete masculino e feminino para entender que não são intercambiáveis.

A nadadora americana Allison Schmitt estabeleceu o recorde mundial dos 200 metros (livre) em 1:53.61, um feito admirável, mas quando comparado aos 1:42.96 de Michael Phelps na mesma prova só evidencia a óbvia diferença física entre homens e mulheres. Seleções de futebol feminino costumam treinar (e perder) de times masculinos sub-17. Os exemplos são infinitos de como não faz sentido misturar homens e mulheres em modalidades onde a força física faz diferença no resultado final.

É justo simplesmente fingir que estas inegáveis diferenças biológicas não existem em nome de uma agenda político-ideológica que servirá para cercear um espaço tão duramente conquistado pelas mulheres ao longo de séculos? Como aceitar homens “biológicos” em competições como lutas, batendo impiedosamente em mulheres e ainda ganhando dinheiro, fama e medalhas por isso? Será que todos enlouquecemos ao permitir tamanho descalabro?

Médicos já começam a se pronunciar sobre a evidente vantagem de atletas transexuais no esporte feminino e contestam a recomendação feita pelo COI de permitir atletas trans de competirem entre mulheres com apenas um ano com o nível de testosterona baixo. Inúmeros fisiologistas já atestaram que esse parâmetro estabelecido pelo COI não reverte os efeitos do hormônio masculino na já finalizada construção de ossos, tecidos, órgãos e músculos ao longo de décadas. Treinadores de voleibol no Brasil e na Itália já relatam que agentes esportivos estão oferecendo atletas trans que já podem competir no vôlei feminino, homens biológicos que ocuparão o lugar de mulheres nos times. Até quando vamos assistir calados a tudo isso? Eu me recuso.

Esportistas em geral e jogadoras de vôlei em particular estão sendo patrulhadas e cerceadas da sua liberdade de expressão. Muitas não expressam sua indignação pela total falta de proteção das entidades esportivas, coniventes com esse disparate. “É uma diferença muito grande e nos sentimos impotentes”, relata Juliana Fillipeli, atleta do time de vôlei do Pinheiros, depois de assistir Tiffany Abreu, ex-Rodrigo, vencer seu time e ser, mais uma vez, recordista em pontos na partida. Tiffany, que jogou na Superliga Masculina no Brasil como Rodrigo, é hoje a maior pontuadora da Superliga Feminina em apenas poucos jogos, deixando para trás a campeã olímpica Tandara, uma das melhores atacantes do Brasil e do mundo.

Durante 24 anos dedicados ao voleibol, fui submetida ao mais rigoroso controle antidoping por todas as entidades esportivas, incluindo a Agência Mundial Antidoping (WADA). Fui testada dentro e fora das competições para provar que meu corpo não estava sendo construído em nenhum momento da minha vida com testosterona. De todos os testes, um dos mais importantes para mulheres é o que mede exatamente o nível do hormônio masculino, proibido de ser usado ou mesmo de ser naturalmente produzido, em qualquer fase da vida de uma atleta mulher além do permitido.

Em resumo, desde a adolescência preciso provar, cientificamente, que sou mulher para competir e depois manter minhas conquistas, títulos e medalhas. Quantas mulheres não perderam títulos ou foram banidas do esporte especificamente por conta deste hormônio que sobra num corpo masculino normal? Havia uma relação de confiança mútua entre atletas, entidades e confederações para garantir o esporte limpo, justo e honesto, sem atalhos ou trapaças. Esta relação está a um passo de ser quebrada.

O material colhido de anos atrás para testes antidoping de todos os atletas, como eu, continua guardado até hoje e pode ser novamente acessado e testado. Uma nova medição que constate níveis incompatíveis de testosterona num corpo feminino pode retirar títulos retroativamente, conquistas de anos ou décadas anteriores. Este nível de rigor foi totalmente abandonado para acomodar transexuais que até pouco tempo eram homens, alguns deles tendo competido profissionalmente como homens. O que uma amostra de anos atrás de atletas transexuais femininas acusaria? É simplesmente inaceitável.

O combate ao preconceito contra transexuais e homossexuais é uma discussão justa e pertinente. A inclusão de pessoas transexuais na sociedade deve ser respeitada, mas essa apressada e irrefletida decisão de incluir biologicamente homens, nascidos e construídos com testosterona, com altura, força e capacidade aeróbica de homens, sai da esfera da tolerância e constrange, humilha e exclui mulheres.

Assistimos atualmente entidades esportivas fechando os olhos para a biologia humana na tentativa de ludibriar a ciência em nome de agendas político-ideológicas. Assistimos atualmente um grande deboche às mulheres e a cumplicidade dos responsáveis pelo esporte no mundo com a forma suprema de misoginia. Uma declaração de boas intenções das entidades encarregadas de proteger o esporte escrupuloso e correto não é suficiente para justificar tamanho absurdo.

O esporte sempre foi um grande e respeitado veículo de conquistas femininas, uma arma que sempre evidenciou o mérito das mulheres àqueles que tentaram impor limites aos sonhos de todas que lutaram e lutam para mostrar nosso verdadeiro valor, talento, capacidade de superação e mérito. Numa semana que celebramos Martin Luther King Jr., deixo aos dirigentes do esporte mundial uma de suas célebres frases: “nossas vidas começam a terminar no dia que nos silenciamos para as coisas que são realmente importantes.”.


Ana Paula é medalhista Olímpica tendo disputado 4 Olimpíadas pelo Brasil ao longo de 24 anos de carreira dedicados ao voleibol.Com um olhar original e bem-humorado sobre política e esportes, Ana Paula comenta as notícias que importam ao leitor sem medo do politicamente correto. Arquiteta formada pela UCLA, atualmente cursa Ciência Política na mesma universidade.

Menos estatal, mais social - ELENA LANDAU

Valor Econômico - 17/01

Com a melhoria dos resultados das estatais em 2017, vem sendo defendida a tese de que estatal que dá lucro não precisa ser privatizada e que e é possível pensar em novas formas de atuação empresarial do Estado. Essa ideia está errada.

Primeiro, porque recursos públicos são escassos. O fracasso da Nova Matriz Econômica deixou claro que não existe almoço grátis. Nossa tradição mostra que nossas estatais compõem o patrimônio de um grupo de interesse e de políticos que delas se servem e absorvem recursos que poderiam construir o verdadeiro patrimônio público: escolas e atendimento médico de qualidade, saneamento e segurança. Nossa carga tributária já é alta, mal distribuída entre entes federativos, com base num sistema regressivo e confuso. Sem a redução de despesas, especialmente quando podem ser assumidas pelo setor privado, será impossível aumentar os investimentos públicos.

Segundo, porque a eficiência na alocação de recursos não se resume apenas a dados positivos de balanço, mas também ao seu custo de oportunidade. É preciso analisar seus pares, custos operacionais, custo por empregado, múltiplos de mercado, dividendos previstos e averiguar se de fato os resultados são positivos para a União, que apenas representa a sociedade pagadora de impostos. Muito poucos daqueles que, por ideologia, defendem o controle estatal se sentem, de fato, donos das ações da empresa, ou pensam qual seria o melhor uso dos impostos que pagam. Há na nossa sociedade um sentimento subjetivo de patrimônio público, um misto de nacionalismo e soberania, que não envolve o cálculo financeiro.

Certamente não há uma ideia clara de que, para manter o Estado em atividades que o setor privado pode comandar, recursos deixam de ser alocados naquilo que fala direto com o bem-estar da população. Esse trade-off não é colocado para a sociedade. Será que alguém diria ser contra a privatização da Eletrobras se tivesse que escolher entre o governo capitalizar a empresa com mais de R$ 10 bilhões, além de deixar de receber outro tanto, ou em investir em setores que garantissem acesso a serviços públicos para si e sua família? O mesmo raciocínio se aplica a qualquer estatal, seja Petrobras ou Correios.

Terceiro, porque num país de tradição patrimonialista, na primeira oportunidade se dará a volta da interferência política. A principal oposição à desestatização da Eletrobras vem dos parlamentares, que não estão defendendo o futuro da empresa ou do Rio São Francisco, mas seu feudo. Tivessem de fato tanta preocupação não teriam assistido de braços cruzados a destruição da empresa nos últimos anos.

Responsabilidade na administração de recursos públicos não está tão arraigada na cultura empresarial das estatais quanto o patrimonialismo. Não fosse a Lei das Estatais dezenas de indicações políticas teriam ocorrido mesmo neste governo. Na realidade, nem deveríamos precisar de leis específicas para garantir a conformidade ética na condução dos negócios, como também não deveria ser necessária a lei das estatais se as sociedades de economia mista seguissem as regras mestres definidas pela Lei das Sociedades Anônimas. Tudo que foi descoberto na operação Lava Jato já era proibido antes. E o primeiro a desrespeitar todas as regras de boa governança foi o próprio Estado, acionista controlador.

Atuando no Conselho de Administração da Eletrobras, tive o privilégio de participar da mudança benigna na governança de uma grande estatal ocorrida no último ano e meio. A mesma transformação ocorreu em outras empresas, o que permitiu que, no seu conjunto, as estatais brasileiras melhorassem seu endividamento, interrompendo a trajetória perigosa de suas dívidas, reduzissem o número de empregados, adotassem novas regras de transparência e conformidade, gerando lucros após anos de prejuízo. Mas na mesma posição pude também testemunhar os danos causados pelo uso político das empresas federais. Excesso de empregados, investimentos ruinosos, ausência de critérios de conformidade, falta de responsabilização por decisões equivocadas são as consequências da má gestão.

Novas leis, ainda que desnecessárias se os princípios éticos e de gestão tivessem sido seguidos, ajudaram a estabelecer novos padrões, mas foi a autonomia dada pelo governo aos novos administradores que fez a real diferença. No entanto, a cultura não mudou de forma permanente. Um novo governo, ou uma mudança da administração das estatais, pode jogar todo esse esforço no lixo, como vimos no passado ainda bem recente. Um estatuto pode ser modificado ao sabor do grupo político da ocasião, uma lei pode ser revogada, não havendo garantia nenhuma de permanência da boa gestão.

Para reduzir o Estado, bastaria seguir o que está dito na Constituição em seu capítulo Ordem Econômica, mais especificamente, o que determina que a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo. Assim, não há previsão na nossa ordem econômica para uma "atuação empresarial do Estado". As funções do Estado estão também estão ali muito bem definidas, regulação, fiscalização e planejamento.

Uma revisão das leis que criaram estatais num contexto pré-1988, ampliando o programa de desestatização, é o primeiro passo para uma redução drástica do desperdício de recursos públicos. É apenas um dos meios, que pode e deve vir acompanhada da reforma da Previdência, da reforma administrativa e do funcionalismo, da eliminação de programas de poupança compulsória que sustentam a ineficiência no sistema financeiro público, da redução do conjunto de incentivos e desonerações e, por fim, da revisão da própria forma de prestação de serviços essenciais para prover saúde e educação de qualidade para todos. Em 2018 o debate será em torno do Estado que podemos ter. A privatização é só uma parte de uma agenda muito mais ampla e muito mais complexa.


Muito além da aritmética - CRISTIANO ROMERO

Valor Econômico - 17/01

Certa feita, uma jornalista se aproximou do economista Luiz Guilherme Schymura, presidente do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, e perguntou o que ele achava da necessidade de corte dos gastos públicos e da implantação no Brasil do "Estado mínimo". Sem pestanejar, Schymura respondeu: "Você está fazendo a pergunta à pessoa errada. Eu tive condições de estudar e ter hoje um doutorado. Meu escritório na FGV é grande, tem ar-condicionado e vista para o Pão de Açúcar. Eu não uso quase nada dos serviços públicos. Você deve fazer essa pergunta a quem precisa do Estado".

Há quem veja na resposta de Schymura um viés antiliberal ou até mesmo um deboche - o Estado brasileiro está quebrado e o gasto público precisa, sim, ser reduzido. Não é ironia do economista: políticas públicas só dão certo se a torcida do Flamengo for ouvida antes. Ademais, o presidente do Ibre teve irretocável formação liberal - graduação na PUC do Rio, mestrado e doutorado na FGV, onde, além de presidir o mais antigo "think tank" liberal do país, dá aulas.

Especialista em concorrência, ele assumiu o comando da Anatel em abril de 2002, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, e foi demitido em 2004 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mais de um ano antes do fim do mandato. A saída foi ruidosa - o governo do PT não admitia a independência dos órgãos reguladores, instituída por lei na gestão FHC, depois de o Congresso aprovar o fim dos monopólios estatais. Talvez, ali, vendo de perto a operação de um governo de esquerda, Schymura tenha começado a entender a complexidade brasileira.

Tom Jobim dizia que "o Brasil não é para principiantes". Como economista, Schymura diz - aí, sim, com uma boa dose de ironia - que a solução dos problemas está na aritmética. Hoje, com exceção de setores do funcionalismo público, todos sabemos que o país tem um sufocante déficit nas contas da Previdência Social e das aposentadorias dos servidores públicos. Negar a existência do buraco é equivalente a dizer que o aquecimento global é uma ficção criada pelos países ricos para impedir o desenvolvimento dos pobres.

Os gastos com aposentadorias e pensões já consomem 57% das receitas da União. Se nada for feito, a conta chegará a 80% do Produto Interno Bruto (PIB) em dez anos, justamente quando o bônus demográfico (a existência de mais trabalhadores na ativa do que aposentados) estará se esgotando. Na entrevista arrasa-quarteirão que concedeu ao Valor, publicada na última sexta-feira, Schymura observou que, aplicando-se a solução aritmética, bastaria matar os idosos para resolver o problema previdenciário. Depois disso, a economia cresceria 10% ao ano.

"Isso é aritmética, não é o mundo", adverte Schymura. A alusão, claro, é às soluções técnicas que, mesmo formuladas de maneira brilhante, são forjadas por economistas dentro de gabinetes em Brasília. Esta é uma boa pista para se entender por que muitas leis e políticas públicas no Brasil não saem do papel. É preciso ir além da aritmética: para darem certo, mudanças nas regras do jogo precisam ser pactuadas na sociedade. Sem isso, tornam-se letras mortas.

O problema fiscal brasileiro é gravíssimo. Desde 1991, os gastos da União crescem, em média, 6% ao ano em termos reais, isto é, descontada a inflação. Em algum momento, essa pirâmide ia desmoronar. A ex-presidente Dilma Rousseff resolveu dar um empurrãozinho ladeira acima ou abaixo, a depender da perspectiva de quem observa - entre 2008 e 2015, quando ela mandava no Planalto Central, a despesa avançou 50% em termos reais. Como as políticas de Dilma jogaram o país numa longa recessão, no mesmo período as receitas cresceram apenas 15% e a diferença foi coberta com dívida.

Neste momento, o governo não consegue baixar o déficit primário (que não considera o gasto com juros) abaixo de 2,5% do PIB. Se nada for feito, a dívida, que vem crescendo à ordem de dez pontos percentuais de PIB por ano, tornar-se-á inadministrável. Já vimos esse filme em 1982, 1987, 1990, quando houve o confisco das contas bancárias, um congelamento forçado da dívida pública. O resultado foi hiperinflação, baixo investimento e crescimento, desemprego etc.

Diante dessa tragédia, Schymura recusa-se a pensar apenas como um técnico que precisa achar solução para um problema econômico. Sua preocupação é o teto de gastos inscrito na Constituição pelo governo Temer. Por essa regra, a despesa da União não poderá crescer em termos reais durante dez anos. O problema é que vinha subindo 6% acima da inflação. Como alguns gastos, como o da Previdência, é obrigatório e cresce de maneira vegetativa, fica ainda mais difícil ficar dentro do teto.

Que setor da sociedade vai ceder para que a União se ajuste ao teto? Há o consenso, diz Schymura, da necessidade de um ajuste fiscal, "mas desde que o ônus seja do outro". Como não há acordo, até porque geralmente esse tipo de medida não é negociado antes com os segmentos afetados, o risco de crise institucional nos próximos dois anos é considerável. Como as punições pelo não cumprimento do teto recairão sobre o funcionalismo e os aposentados, a chance de o assunto terminar na Justiça é grande.

Para Schymura, o problema é institucional: Brasília, como Washington e outras capitais de nações democráticas, é dominada por grupos de interesses específicos. Uma olhadela no orçamento de isenções tributárias e nas políticas públicas é suficiente para saber quem são os donos do poder. É bom que se diga que esses estão representados por todos os extratos da pirâmide social, com exceção dos pobres.

Durante os oito anos em que comandou a Receita Federal, Everardo Maciel, desabafava, depois de gastar muita energia tentando conter ataques à renda nacional: "Pobre não tem representante em Brasília". É o que Schymura destaca como "interesses difusos": ninguém os defende, a não ser, os populistas de esquerda e direita, que costumam dar esmola aos desfavorecidos, em vez de adotar políticas que os emancipem.

O teto é uma medida radical e emergencial. O presidente do Ibre acha, apenas, que ele não será cumprido e a solução do problema fiscal será dada, mais uma vez na história do país, pela explosão da inflação. Sendo assim, novamente, o grosso da conta será pago por quem não tem representantes no Planalto Central: eles, os pobres.

Mantendo a virgindade - FERNÃO LARA MESQUITA

ESTADÃO - 17/01

É preciso impor a lei a quem a desafia com a força que se mostrar necessária


O Secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano disse ao Valor do fim de semana que são 29,8 milhões os aposentados do INSS mas que se a reforma for aprovada nos termos a que está reduzida apenas 9,5% – entre eles o grosso daquela fatia do funcionalismo federal que segue o padrão salarial de Wall Street – “teriam a sua renda afetada em mais de 1%”. A regra de transição é escandalosamente lenta para o tamanho do incêndio que se propõe amainar. A idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres só começaria a se alterar a partir de 2020 e só estaria valendo plenamente em 2038. Quase nenhum dos privilegiados vivos (posto que só a “nobreza” que tem 100% dos proventos da ativa realmente se aposenta no limite de idade de hoje) seria afetado. E, por consequência, nenhum miserável também. Permaneceria praticamente intacto do começo ao fim desse caminho, portanto, o vasto favelão nacional cuja raiz é diretamente irrigada por essa sangria desatada.

Mas esse pormenor não diminui um milímetro a intransigência da nossa privilegiatura. “Sacrifício” e “contribuição” para o esforço de salvação nacional são palavras que não constam dos dicionários do Planalto Central mas esses 1% num prazo de 20 anos não se enquadram nessas categorias. A questão, aqui, não é de perda de qualidade de vida nem muito menos de sacrifício. É de perda de virgindade. É a criação do precedente que os aterroriza. Ceder a migalha que for da montanha de “direitos adquiridos” empilhados em cima da qual se refestela a fera pode expor o tigre de papel que devora o Brasil como o que é.

Vai que o país acorda!

De todos os aposentados do Brasil, lembra o secretário, 60% recebem 1 salário mínimo. Os “direitos” dessa ralé e de todo o resto da sub-ralé que, multiplicada por 29,8 milhões de vezes custa o que custam as 980 mil “excelências” para a previdência, podem ser alterados por lei ordinária ou até por Medida Provisória. A presente reforma só tem de passar por Projeto de Emenda Constitucional (PEC), que requer quórum especial, para poder incluir esse milhãozinho de funcionários cujos direitos previdenciários estão inscritos nessa constituição que só por exclusão é a “dos Miseráveis” deste país onde, em pleno Terceiro Milênio nada, das prisões para cima, é igual para nobres e para plebeus.

Mesmo assim, fato é fato, até o providencial evento estrelado pela dupla Janot & Joesley da véspera da votação de 18 de maio de 2017, a reforma da previdência, por todas as contagens, ia passar no Congresso Nacional. E isso depois que uma maioria de deputados e senadores, um por um declinando seu nome e suas razões diante das câmeras da rede de televisão que os ameaçava de fuzilamento sumário, votou a favor da reforma trabalhista no primeiro horário nobre sem novela de que ha memória neste país. E o mesmo estava marcado para acontecer com a previdenciária. É tão negra a alma que se requer para continuar indiferente à chuva de balas perdidas e balas acertadas que implica não abrir mão desse 1% que já nem no Congresso Nacional, onde todos fazem jus aos privilégios visados, é possível encontrá-las em numero suficiente.

Junto com o outro poder eleito, o Legislativo é sempre quem acaba recebendo toda a carga da cobrança pela desgraça nacional. Mas relevadas as figuras teratológicas que lhe fazem a fama e considerada apenas e tão somente a sequência dos acontecimentos desde a aprovação no voto da cláusula de barreira (1995) depois também derrubada pelo STF(2006), não se sustenta a acusação de que é ele quem barra as reformas sem as quais o Brasil não sai dessa sua anacrônica idade média. Sistematicamente, tem havido quem faça e quem desfaça para impedir todo e qualquer avanço institucional. E eles estão sempre nos mesmos lugares.

O fato presente em todas as mentes mas que os brasileiros dificilmente trazem à boca ainda é que nós estamos em plena vigência de uma forma mal camuflada do “excesso de democracia” bolivariano onde a vontade expressa do povo pode ser anulada e cassados os seus representantes eleitos ao arrepio da lei ao bel-prazer de meia dúzia de tiranetes. A terceirização das culpas para as próprias vítimas, o povo que “não sabe votar” basicamente porque não permitem que mudem as regras que o obrigam a votar como vota, só se torna possível pelo viés sistemático com que trata esses acontecimentos a parcela das mídias de massa mais claramente embarcada nesse jogo de interesses inconfessáveis.

Alimentar qualquer ilusão a esta altura é suicídio. A festejada “recuperação da economia” não passa, por enquanto, de especulação em cima de uma expectativa de mudança cuja probabilidade real foi mais exatamente medida pela desclassificação do Brasil pela Standard & Poor’s que pela fervura da bolsa de valores, de resto doentia nesse paroxismo cheirando a Baile da Ilha Fiscal em que anda. Cinco estados não conseguiram pagar o 13.º salário de 2017 e a maioria dos demais está na ponta da prancha para o mergulho. A pré-estreia do que vem vindo foi dada pelas polícias sem soldo deixando o crime rolar. Está caindo a última barreira antes do nada enquanto os “camisas pardas” do PT e profundezas são abertamente atiçados contra a parte sã do poder judiciário que, de Curitiba para cima, se tem mantido, por assim dizer, em claro “desafio atitudinal” à outra.

O Brasil só se começará a curar quando armar os eleitores dos instrumentos necessários para fazer com que finalmente se imponha a regra da maioria. A receita é conhecida: despartidarização das eleições municipais e eleições primárias para a remoção dos velhos caciques políticos, iniciativa para a apropriação da pauta nacional por quem tem o direito legítimo de defini-la, recall e referendo para impor a vontade dos eleitores aos seus representantes eleitos. Mas para que se torne possível sonhar com esse futuro é preciso antes impor a lei a quem a desafia com a força que se mostrar necessária e restabelecer os limites dos três poderes, sem o que naufragamos já.

*Jornalista

Fiz, mas não fui eu... - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 17/01

"Narrativa" virou uma palavra da moda. Há quem acredite que, mais que uma verdade, só é necessária uma narrativa que possa ser facilmente reproduzida pelos militantes de plantão, o que no contexto da disputa política é possivelmente verdade, mas certamente não quando estamos tentando entender o que de fato ocorreu.

Digo isso porque está em curso uma tentativa de criar uma narrativa (ou várias) que tire do governo anterior a responsabilidade pelo desastre que se abateu sobre a economia brasileira a partir do começo de 2014, do qual só começamos a sair no fim de 2016 e no começo do ano passado.

Não falta quem tente atribuir a recessão bíblica que vivemos ao suposto "austericídio", apesar do aumento persistente das despesas públicas (R$ 16,5 bilhões, já ajustados à inflação, de 2014 para cá, equivalentes a 1,7% do PIB) e da elevação do deficit público (limpo de "pedaladas" e afins) de 1,2% para 3,1% do PIB no mesmo período, ignorando acintosamente o papel dos erros da política econômica acumulados até o final de 2014.

Tentativa mais sutil de relativizar os erros do período é a de Marcio "Antonieta" Holland, em artigo recente na revista "Conjuntura Econômica", em que ensaia um mea-culpa, algo envergonhado, mas que esbarra numa série de problemas.

A começar porque quer limitar sua responsabilidade aos aspectos macroeconômicos do desastre, deixando para outros o fardo das intervenções desastradas no domínio econômico, que, como afirmei recentemente, conseguiram ser ainda piores que a política macro.

Quer também atribuir parcela do fracasso à corrupção, deixando convenientemente de lado que as oportunidades para a corrupção generalizada que se observou no período tenham se originado precisamente do intervencionismo patrocinado pela Nova Matriz.

Ou alguém em sã consciência acredita que é mera coincidência a concentração de tais atos na Petrobras, exemplo maior da política intervencionista? E as acusações relativas à compra de medidas provisórias, justamente na área das desonerações tributárias, que o próprio Holland associa à Nova Matriz?

Por outro lado, mesmo quando se penitencia, ainda se gaba do crescimento do país entre 2011 e 2013 afirmando "algo parece que deu certo". Já quando fala do período posterior, lamenta que o estouro do boom de commodities não seja considerado como fator responsável por "pelo menos um pouco da recessão".

Lógica curiosa: quando o país cresce, é porque "algo deu certo"; já na recessão, invoca-se o preço das commodities.

A verdade é que países latino-americanos como Chile, Colômbia e Peru —que compartilhavam com o Brasil a dependência de preços de commodities (e são muito mais abertos ao comércio internacional, portanto mais sensíveis a esta variável), mas que mantiveram políticas econômicas corretas— sofreram uma desaceleração de seu crescimento da casa de 1,5% a 2,5% entre 2011-14 e 2015-16; já o Brasil passa por uma queda de seis pontos percentuais (de +2,3% ao ano para -3,7% anuais) no mesmo período e vê seu PIB encolher. Algo parece que não deu certo.

Ao fim da história, temos mais um exercício de equilibrismo do que o reconhecimento do estrago que suas políticas causaram ao país. Em vez de um longo artigo, Holland poderia simplesmente ter dito: fiz a Nova Matriz, mas não fui eu...

COLUNA DE CLÁUDIO HUMBERTO

POLÍCIA TEME QUE O PT ‘PRODUZA’ UM CADÁVER DIA 24Autoridades de segurança estão prevenidas sobre a forte possibilidade de o PT promover manifestações violentas, no próximo dia 24, o “dia de fúria” contra a Justiça, provocando policiais gaúchos a tentar “produzir um cadáver”. Só a comoção provocada por uma morte, na concepção de porraloucas petistas, poderia inibir a condenação de Lula por corrupção no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, de Porto Alegre.

TUDO PELA CAUSA
As forças de segurança estão cientes de que os manuais de agitação e propaganda preconizam a fabricação de cadáver, em casos extremos.

CADÁVER COMO TROFÉU
“Tudo o que o PT mais deseja, na situação atual, é um cadáver”, adverte experiente analista de inteligência de órgão de informações.

INCITAÇÃO À VIOLÊNCIA
A “palavra de ordem” de ódio foi da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, incitando a violência: “Para prender o Lula, vai ter que matar gente”.

É SÓ LADROAGEM
Não há manipulação no processo contra Lula. Sérgio Moro o condenou a 9 anos e seis meses de prisão por corrupção, simples assim.

AZUL USA BIMOTOR QUE ESPANTA PELA ROTINA DE PANES
Não é caso isolado a pane que provocou pouso forçado do bimotor ATR 72-600 da empresa aérea Azul em Vitória da Conquista (BA), segunda (15). Não é caso isolado nem mesmo naquele aeroporto, que já registrou vários pousos forçados desse avião de fabricação franco-italiana. É o mesmo que chocou o mundo em fevereiro de 2015, ao cair em um rio na zona urbana de Taiwan matando mais de 40 pessoas.

LISTA EXTENSA
Panes em ATR da Azul ocorreram em Uberlândia, São José do Rio Preto, Juiz de Fora, Salvador, Belo Horizonte, Vitória da Conquista etc.

VENDEM-SE
A Azul garante que “não tem fundamento” a preocupação, mas já anunciou a venda de dez dos seus 40 ATRs, e a devolução de três.

O QUE MOVE O MUNDO
O ATR 72-600 é muito usado por ser mais barato (US$ 25 milhões), um quarto do valor do Airbus A320, e pelo baixo custo de manutenção.

MEIO BILHÃO DE PRIVILÉGIOS
O governo do DF terá de pagar a 6.508 servidores meio bilhão de reais (R$519 milhões), a título de “pecúnia”, regalia que existe apenas no DF e no Acre. É a materialização em dinheiro da tal “licença-prêmio”.

QUE VERGONHA, MINISTRO
O ministro Blairo Maggi (Agricultura) parece ter sido abduzido pelo lobby das poderosas distribuidoras de combustíveis: ameaça remover a taxa de 20% sobre a criminosa importação de etanol podre (muito poluente) dos Estados Unidos, que incide a partir de certo volume.

MANOBRA VETADA
Lula e sua turma, incluindo advogados, insultam a Justiça, mas não abrem mão de manobras protelatórias. A uma semana do julgamento, o desembargador João Pedro Gebran Neto negou nova oitiva de Lula.

CHAME O UBER, MADAME
O carro oficial da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), estava às 11h40 desta terça (16) no estacionamento do Centro Clínico Sul, na 716 Sul, em Brasília. Com o Congresso em recesso e ela fora do juízo perfeito com a iminente prisão de Lula, ninguém sabe a quem o veículo servia.

O BRASIL NO RADAR
O Grupo Industrial João Santos recebeu a visita de representantes da empresa indiana Aditya Birla, que fatura U$43 bilhões em 36 países, produzindo mais de 100 milhões de toneladas de cimento.

FABINHO PESSIMISTA
Atual vice-presidente da Câmara, o deputado Fabio Ramalho (PMDB-MG) é pessimista quanto à reforma da Previdência. Ele estima que o governo só conta com 160 dos 308 votos necessários à aprovação, e “se trabalhar muito, muito mesmo” pode chegar aos 220 apoiantes.

DESENCANA, ALCKMIN
Geraldo Alckmin ainda se sente ameaçado por João Dória: disse ontem a José Luiz Datena, da rádio Bandeirantes, que “o Brasil não precisa de showman”. Não era alfinetada no global Luciano Huck, mas no prefeito que durante anos apresentou o programa de TV “Show Business”.

DEPARTAMENTO DOS ENCOSTADOS
Itamaraty diz que servidores de várias classes vão para o Grupo de Assistência Operacional e Administrativa (Gaoa), segundo “o interesse da administração”, blábláblá. Localizado no porão do Anexo 2, o Gaoa é a nova versão do “Departamento de Escadas e Corredores (DEC)”.

PENSANDO BEM...
...se Eduardo Cunha merece 386 anos de prisão, o ex-presidente Lula, considerado o “chefe”, corre o risco de penas milenares.

A direita está pronta para o Lula que sairá do TRF4? - LUIZ GUILHERME DE MEDEIROS

GAZETA DO POVO - PR - 17/01

Para rebater a propaganda petista, liberais e conservadores devem ligar os crimes de Lula ao sofrimento que a crise causou ao povo brasileiro


Enquanto o dia 24 pode marcar a condenação de Lula na segunda instância, tal data encerra apenas um episódio jurídico dentro da disputa eleitoral que se dará em 2018. Enquanto a eleição não influencia o julgamento de Lula, o julgamento de Lula influencia a eleição. Do menor deputado estadual até o presidenciável do PT, todos esperam os votos dos desembargadores para definir e coordenar o discurso com que pretendem tomar de assalto o imaginário popular.

Esta estratégia é conhecida, se não pelo público geral, ao menos pelos formadores de opinião do bloco que se contrapõe de forma mais firme ao projeto petista: a direita brasileira. No entanto, à medida que o grande momento chega, parece que apenas um lado se prepara para tomar a bola e marcar seus gols.

A extrema-esquerda sabe a importância de ter uma narrativa forte sobre o julgamento 

Chega a hora da verdade para o chefe do petrolão, o ícone que a esquerda forjou e ao qual se atrelou desde a redemocratização. Mas liberais e conservadores dormem na tarefa de divulgar a verdade sobre os crimes de Lula. Há perigosa confiança num legalismo estéril, que sozinho causará pouca mudança de consciência e será rapidamente deixado de lado graças ao esforço da propaganda partidária petista.

A tática do “deixar sangrar”, guiada pela ilusão de que as instituições farão aquilo que é dever daqueles que atuam na guerra política, mostrou ser um fracasso já no escândalo do mensalão, em 2005. Em vez de avançar o impeachment contra Lula, os tucanos apostaram que a mera exposição da corrupção petista bastaria para afundá-lo perante o povo. O resultado foi a reeleição de Lula, que ainda fez Dilma como sucessora, com um saldo final de mais 11 longos e desnecessários anos de PT no poder.

Pode-se dizer que a direita teria feito diferente dos social-democratas caso tivesse, em 2005, a força política e organização civil que tem hoje, ambas ainda em crescimento. Mas a história nos permite atuar tão somente no período que vivemos, e estamos perigosamente perto de mostrar frouxidão similar à que teve o PSDB ao lidar com a corrupção sistemática de seu irmão mais radical à esquerda.

Há tempo para sair da inércia e preparar a direita para a disputa de narrativas. É preciso mostrar como os crimes de Lula traumatizaram o Brasil, como ele tirou dinheiro do povo para dar a ditadores amigos, como seus esquemas resultaram na destruição de nossa economia e, acima de tudo, como a volta dele ao poder nos levaria ao início do ciclo de miséria e censura que vemos hoje devastar a Venezuela.

Coube à Lava Jato trabalhar para mostrar à Justiça por que Lula devia ser condenado perante a lei. Cabe à direita trabalhar para mostrar ao povo por que Lula deve ser condenado perante a opinião pública.

Luiz Guilherme de Medeiros é diretor do Instituto Liberal do Centro-Oeste.

A persistente e cansativa cara de pau de Lula e PT - RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ

ESTADÃO - 17/01

Sua retórica se inspira na tradição totalitária que fez milhões de vítimas mundo afora


O fato que salta à vista neste início de ano é a eterna cara de pau de Lula e dos advogados e militantes do Partido dos Trabalhadores (PT). O famigerado líder petista e seus sequazes tentam peitar a magistratura, com o propósito de tumultuar o julgamento do réu pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, no próximo dia 24, tendo sido já o ex-presidente condenado pelo juiz federal Sergio Moro em primeira instância, no âmbito da Operação Lava Jato.

A finalidade da estratégia petista sempre tem sido pescar em águas turvas. Para Lula, só há uma alternativa: guindá-lo de novo ao poder, do qual ele e seu partido foram desalojados pela sociedade brasileira após 14 anos de desmandos.

Inovou Lula com essa estratégia? Definitivamente, não: essa é a via aberta pelos totalitários desde os jacobinos e Lenin até os dias atuais.

O grande problema não resolvido pelos totalitários é que eles se acham superiores ao restante da humanidade. O termo “democracia”, para o espírito totalitário, significa governo dos próprios totalitários sem nenhuma limitação. Eles assumiram o espírito pregado por Jean-Jacques Rousseau no seu Contrato Social: o líder e os “puros”, seus seguidores, têm a missão escatológica de dar origem ao “homem novo”, aquele não conspurcado pela defesa dos interesses individuais. E somente pode haver uma forma de governo válida: a ditadura do líder messiânico e dos puros, a fim de garantir a unanimidade ao redor da “vontade geral” encarnada neles.

Ora, segundo pensava o maluco filósofo de Genebra na obra citada, o poder total a ser exercido pelo líder e seus seguidores consiste na unanimidade de todos ao redor deles para garantir a felicidade do gênero humano. Qualquer dissidência deve ser aniquilada como atentado contra a felicidade geral. A infelicidade infiltra-se na sociedade em decorrência da existência dos indivíduos e dos seus interesses privados. Devem ser esmagados, portanto, todos aqueles que não se curvarem ao “interesse público”, entendido como a imposição da “vontade geral”, da qual são garantia e manifestação soteriológica, na História, o líder messiânico e os seus seguidores imediatos, os “puros”. O ideal da nova ordem política foi bem definido por Lenin, em O Estado e a Revolução, como “um poder não limitado por leis”.

O espírito totalitário perversamente apregoado por Rousseau passou, na modernidade, a encarnar nas lideranças revolucionárias radicais, que tingiram de sangue a História desde os jacobinos na Revolução Francesa e no Terror por eles imposto, no final do século 18, passando pelo império napoleônico (entre 1804 e 1814) e seguindo, já nos séculos 20 e 21, com a Revolução Bolchevique, na Rússia, em 1917, e a emergência dos totalitarismos. Em todos eles o fantasma do “poder total” assoma, até na mais recente manifestação de chantagem nuclear do tresloucado líder norte-coreano, Kim Jong-un.

Essa saga do totalitarismo já se tinha manifestado em Fidel Castro e na sua ditadura familiar, no Che Guevara, com o seu dístico “Pátria (totalitária) ou morte”, na louca aventura nazi-fascista, com o endeusamento da minoria ariana ao redor do Führer, ou com Mussolini apregoando o princípio do “poder total” na célebre proposta de “tudo dentro do Estado, nada fora dele”.

Não nos enganemos: se Lula representa alguma tradição política, ela se filia a essa herança do totalitarismo hodierno. Não é por outra razão que, para ele e seus cansativos militantes, só há uma alternativa para salvar o Brasil: Lula e o PT.

Como a tradição totalitária se encarna com as cores de cada cultura, no Brasil Lula e os seus sequazes adotaram uma máscara: a cara de pau do “herói sem nenhum caráter”, Macunaíma, genialmente descrito por Mário de Andrade no seu clássico de 1928. Vamos convir: não é de cara de pau a feição do líder messiânico quando aparece na televisão, ou em palanque, afirmando para a enojada audiência que não há vivalma mais ética do que ele? Os petralhas especializaram-se em fazer da corrupção método de ação política e em esfregar no rosto dos perplexos cidadãos tungados por eles na roubalheira geral as “façanhas” praticadas.

Não são, aliás, de cara de pau as feições do comando petralha que “visitou” o desembargador Thompson Flores recentemente em Porto Alegre, como se ele e o tribunal por ele presidido fossem os meliantes, e não eles próprios? Os seguidores de Lula entenderam bem a lição da tragicomédia montada pelo líder: aparecer em público com ar contrito e na maior cara de pau, para dizer o seguinte: “Corruptos são vocês, otários, que votaram em nós e ficaram na rua da amargura juntamente com os 14 milhões de desempregados! Nós somos os puros, os retos, os que devem prevalecer no comando do Estado. Fora de nós não há salvação”. É mesmo muita cara de pau!

A sociedade brasileira tem um caminho para tirar esse lixo da História e impedir que os petralhas assumam, de novo, o poder no Brasil, a fim de destruírem o que ficou das nossas já combalidas instituições republicanas: repetir, em alto e bom som, que sabemos de quem se trata, conhecemos os malfeitos por eles praticados, que hoje já se situam na casa dos bilhões de dólares roubados e ainda estão intactos em paraísos fiscais.

Devemos repetir até o cansaço que acreditamos nas instituições, que a Justiça fará o seu trabalho até o fim, para pôr atrás das grades todos os que se aproveitaram da passagem pelo poder para enriquecer ilicitamente. E devemos repetir, na cara de Lula e dos seus sequazes, que já identificamos onde se inspira a sua retórica vazia: na tradição totalitária que deixou espalhados pelo mundo afora milhões de vítimas.

*Coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas da Universidade Federal de Juiz de Fora (Ufjf), professor emérito da Eceme, é docente da Universidade Positivo, em Londrina

Em defesa do habeas corpus - GILMAR MENDES

FOLHA DE SP - 17/01

Os juízes têm uma relação paradoxal com a liberdade. De um lado, são defensores da ordem: apenas a ordem escrita e fundamentada de um juiz legitima que alguém seja mantido preso (artigo 5º, LXI, da Constituição). De outro, eles são defensores da liberdade: sempre que a lei admitir a liberdade, a obrigação do juiz é assegurá-la (art. 5º, LXVI, da Constituição).

O Brasil é um país violento e corrupto. A sociedade clama por reação, ainda que simbólica, especialmente em face de crimes de sangue e corrupção. Não é surpresa que as decisões que privilegiam a ordem, determinando o encarceramento, sejam bem vistas pelo público.

Por outro lado, decisões que afirmam a liberdade são impopulares. O juiz também é um membro da sociedade e, como tal, compartilha o sentimento coletivo. Ainda assim, ao determinar a prisão, deve seguir a lei à risca, evitando encarceramento além do necessário.

Dentre outras maneiras, o sistema jurídico manifesta a preferência pela liberdade por meio da ação de habeas corpus (HC), uma via processual prevista constitucionalmente, destinada a assegurar a liberdade, podendo ser proposta por qualquer um do povo para fazer cessar uma prisão indevida.

O habeas corpus é igualmente valorado pelos tribunais, seja ele escrito pelo advogado consagrado, em papel especial timbrado, seja pelo próprio preso —ou seus parentes— em folhas de caderno.

O HC acaba sendo o meio para coibir interpretações equivocadas e mesmo abusos na prisão. Essa característica de defesa da liberdade o torna bastante impopular entre aqueles que pregam a punição desmedida, gerando reações destinadas a limitar sua utilização.

Um dos projetos de lei elaborados pelo Ministério Público Federal na campanha intitulada "Dez Medidas contra a Corrupção" buscava justamente reduzir o poder dos tribunais para conceder habeas corpus. Felizmente, restou rejeitado pela Câmara dos Deputados.

Em outra frente, discute-se a limitação do poder do Supremo Tribunal Federal de conhecer de ações de habeas corpus, por meio de uma nova interpretação da Constituição.

A inovação seria limitar os pedidos da defesa a apenas duas instâncias. Assim, contra decisões de primeira instância caberia habeas corpus ao Tribunal de Justiça e recurso ordinário ao Superior Tribunal de Justiça. O Supremo não poderia ser acionado.

Defendo que a ação de habeas corpus não pode ser limitada. O Brasil tem a terceira população carcerária do mundo, com 726.000 pessoas presas —quase o dobro do número de vagas. Cerca de 40% dos encarcerados não foram julgados em definitivo. Não vamos resolver a impunidade ou a morosidade judicial antecipando penas, muitas vezes injustamente, mas apenas criar novos problemas.

Os presídios servem como agências do crime organizado, verdadeiros escritórios de logística e de recursos humanos das organizações.

Nesse contexto, defender o habeas corpus é defender a liberdade individual, é defender a expectativa de civilidade para todos e cada um, mas também é defender a sociedade contra a propagação desenfreada do crime. A violência e a corrupção não podem ser combatidas fora da lei. A persecução dos criminosos sem o Estado de Direito apenas gera novos crimes.

GILMAR MENDES, ministro do Supremo Tribunal Federal, é presidente do Tribunal Superior Eleitoral

O positivo avanço de bancos privados na infraestrutura - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 17/01


Redução da inflação e dos juros é essencial para ampliar crédito de longo prazo a empresas, com a redução do papel do BNDES e dos bilhões em incentivos creditícios


A devastação causada pela histórica recessão do biênio 2015/16 atingiu, de maneira dura, como não poderia deixar de ser, os investimentos, em especial na infraestrutura, em que os projetos, além de serem geralmente de maior porte, costumam ter longa maturação.

O BNDES, banco público, a única grande fonte de crédito de longo prazo no país, detectou esta retração. Mas há projeções de elevação dos investimentos neste setor, seguindo a tendência já verificada em outros segmentos da economia, no segundo semestre de 2017.

A mudança de sinal na evolução dos investimentos coincide com a ação de fatores que induzem o aumento da participação privada no suporte financeiro aos projetos. Os fatores são a queda da inflação e a dos juros, o que facilita a troca da TJLP (taxa de longo prazo) pela TLP, com a consequente queda no enorme volume de subsídios que o contribuinte é forçado a despender com financiamentos do BNDES, ironicamente chamados de “bolsa empresário”. Mais uma transferência de renda de pobres para ricos.

Saem do bolso do contribuinte bilhões na forma de “subsídios implícitos” para reduzir os juros cobrados de empresas pelo banco. Sem qualquer controle do Congresso. Num processo de transição de cinco anos, a nova taxa de longo prazo, a TLP, flutuará, e substituirá integralmente a TJLP, fixada pelo governo abaixo dos juros básicos (Selic), com a diferença sendo bancada pelo Tesouro (contribuintes). Com a queda da inflação e dos juros, a TLP aproxima-se da Selic. Ou seja, cai bastante a conta de subsídio. Hoje, com a Selic a 7%, as duas taxas estão praticamente empatadas.

Isso atrai os bancos privados, que, diante de juros baixos, são incentivados a buscar projetos privados para financiar, a fim de elevar a rentabilidade. Acaba o tempo de se viver às custas dos títulos de dívida emitidos pelo Tesouro, o que também vale para as pessoas físicas.

Se tudo continuar a dar certo — inflação e juros comportados —, pressões fiscais sobre o Tesouro serão reduzidas, e grandes empresas terminarão sendo levadas a buscar crédito no exterior ou no mercado privado interno, em vez de continuar dependente de subsídios do contribuinte brasileiro.

Nos governos Lula e Dilma, o BNDES e o Tesouro mobilizaram pelo menos meio trilhão de reais para financiar grandes empresas, principalmente as escolhidas em Brasília para serem “campeãs nacionais”. Se usassem o crédito que tinham no exterior, liberariam o dinheiro do BNDES e do Tesouro para outros fins. Por exemplo, pequenas e médias empresas, e mesmo na restauração do superávit primário nas contas públicas, caminho da redução do peso da dívida interna no PIB, única forma de restabelecer para o país o grau de investimento, nota de bom pagador.

Há outros aspectos saudáveis. Permitir que o Banco Central fixe juros básicos mais baixos, pela redução do volume de créditos subsidiados. E também inviabilizar o uso político do BNDES, no apoio a projetos delirantes e estatistas, como ocorreu na área do petróleo, e de empresários amigos de Brasília, outrora generosos financiadores de campanhas. Também protagonistas de grandes esquemas de corrupção, mostra o caso do petrolão.

Uma chance para o Legislativo - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 17/01

Rebaixamento da nota de crédito do Brasil é um chamamento ao dever àqueles sobre os quais recai a responsabilidade de zelar pela estabilidade do País


Há muitas formas de ver o novo rebaixamento da nota de crédito do Brasil dada pela Standard & Poor’s (S&P). A que melhor serve aos interesses nacionais, sem dúvida, é encará-lo como mais um importante chamamento ao dever àqueles sobre os quais recai a enorme responsabilidade de zelar pela estabilidade do País.

O presidente Michel Temer se reuniu no domingo passado com os ministros Henrique Meirelles (Fazenda), Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) e Torquato Jardim (Justiça), além de Gustavo do Vale Rocha, subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, para discutir os desdobramentos econômicos da piora do rating brasileiro e traçar um plano de ação do governo para viabilizar a aprovação, no Congresso Nacional, da PEC 287/2016, que trata da reforma da Previdência, cuja votação é prevista para 19 de fevereiro na Câmara dos Deputados.

O adiamento da votação da reforma da Previdência, que era para ter ocorrido no final do mês passado, foi uma das principais razões citadas pela agência de classificação de risco para rebaixar a nota de crédito do Brasil de BB para BB-, três níveis abaixo do patamar mínimo para obtenção do grau de investimento.

Não é difícil acompanhar a lógica por trás da decisão da S&P. A reforma da Previdência é uma medida indispensável para garantir a solvência do País nos próximos anos, criando, assim, o ambiente de segurança e previsibilidade que é fundamental para a atração de investimentos. A rigidez das despesas obrigatórias previstas no Orçamento da União, aliada à saudável imposição de um teto constitucional para os gastos públicos, deixará pouca margem de manobra para o governo central gerir bem as contas públicas caso as distorções do atual sistema previdenciário não sejam corrigidas. Cabe lembrar que só a Previdência compromete 57% das despesas da União, segundo dados do Ministério do Planejamento.

O desequilíbrio demográfico registrado no País nos últimos anos projeta um crescimento insustentável dos gastos com a Previdência, que hoje já se aproxima perigosamente do colapso. O sistema brasileiro é do tipo contributivo, ou seja, as contribuições dos trabalhadores em idade economicamente ativa sustentam o pagamento dos benefícios dos aposentados e pensionistas. O aumento da expectativa de vida, aliado à redução da taxa de fecundidade, acionou a bomba-relógio fiscal que, entre outros fatores, contribuiu decisivamente para a queda da confiança nos investimentos a serem feitos no País.

Em Nova York, Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, foi ambíguo ao afirmar que é “viável” votar a reforma no mês que vem, mas que considera difícil obter quórum para sua aprovação. “Muitos deputados, em ano eleitoral, se não tiverem muita clareza de que há base sólida para aprovação, acabam não votando, nem vão aparecer no dia da votação”, disse. Como Maia já havia afirmado que não iria pautar o projeto sem uma base sólida que garantisse sua aprovação, fica difícil entender sua mensagem.

Sem ambiguidade alguma, no entanto, foi a declaração do deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), para quem “a classificação de risco que importa aos deputados é o risco eleitoral”.

Se, de fato, é este o espírito que hoje anima os deputados, o País corre o sério risco de sofrer novos rebaixamentos e com eles toda a sorte de percalços na penosa – porém inarredável – missão de recuperar o Brasil dos desvarios dos governos lulopetistas.

O suposto risco eleitoral que correriam os deputados dispostos a votar a favor da reforma da Previdência é nada menos que uma falácia já sobejamente desmentida por estudos estatísticos que tiveram por base eleições passadas, com destaque para um recente levantamento feito pelo consultor legislativo do Senado Pedro Fernando Nery, publicado pela Coluna do Estadão.

O Poder Legislativo tem diante de si uma valiosa oportunidade para atenuar o desgaste de sua imagem perante a opinião pública. Ao votarem pensando no que é melhor para o País, que é o que deles se espera, os deputados poderão ser vistos, enfim, como esteios da responsabilidade.