O Estado de S.Paulo - 04/04
Parece que Bolsonaro não se importa com o risco, inclusive o do ridículo
Três meses depois de assumir, Jair Bolsonaro demonstra que gosta de viver na beiradinha do risco. O principal deles no momento é arriscar um capital político – aquele que conquistou nas eleições – numa perigosa aposta contra o tempo. A comparação com o que acontece em economia é elucidativa: até agora ele investiu esse capital em quê?
Alguns sinais de erosão desse capital são bem evidentes e só não enxerga quem não quer. Não são as pesquisas de opinião (na qual bolsonaristas, a risco próprio, não acreditam mesmo). Essa deterioração é perceptível em repetidas manifestações de impaciência com o ritmo (ou falta dele) que o governo imprimiu às reformas. Traduzidas em frases desse tipo, que se ouvem por toda parte: “Acredito e AINDA acho que vai”.
É interessante observar o que está acontecendo em setores nos quais se formou, muito antes da eleição, a onda que empurrou Bolsonaro até o Planalto. São pequenos empreendedores, profissionais liberais, nutridas camadas médias de cidades do interior. Que viram em Bolsonaro uma resposta a problemas imediatos como insegurança (real ou percebida, não importa), burocracia, impostos, regulação, insegurança jurídica (em especial questões fundiárias para o agronegócio) – além do clamor anticorrupção.
Nesses grupos a onda ainda não “virou” num sentido contrário, mas, à medida que o tempo avança e a economia não deslancha, a política parece continuar a mesma e as brigas entre os Poderes permanecem inescrutáveis, aquilo que antes era uma mistura de esperança e engajamento está se transformando hoje apenas em esperança. Para alguém, como Bolsonaro, que atribui seu êxito eleitoral em boa parte a essa influência “de baixo para cima” na formação de opiniões, o perigo adiante é evidente.
O presidente despreza os chamados “formadores clássicos” de opinião, especialmente os que se manifestam pela imprensa. Mas esse é um risco grande também, considerando que as vozes críticas “na mídia” começam a se aproximar de outros grupos influenciadores. Trata-se de outros “formadores de opinião” clássicos que não são profissionais de comunicação: figuras respeitadas no mundo de vários segmentos da economia, por exemplo. Era possível “sentir” que a vitória de Bolsonaro estava garantida quando esses últimos pularam para o barco também.
Hoje eles não falam em pular do barco, mas em dar um jeito de dirigi-lo. Nesses círculos, que abrangem o mundo financeiro, industrial, de serviços e empresarial, Bolsonaro está se arriscando a provocar uma irreversível estupefação negativa. São setores que já em boa medida cessaram de ver nele o homem “que resolve”, para enxergar nele o “errático”, insuportavelmente viciado em redes sociais e polêmicas inúteis, que precisa “ser levado” a resolver. Essas elites nem sempre conseguem andar adiante dos acontecimentos, mas é inegável seu grau de influência.
A credibilidade e a confiança tão essenciais para qualquer governo estão hoje se deslocando sensivelmente da figura do “mito” em direção aos núcleos militar, econômico e da Justiça, com poucas figuras realmente de peso no mundo da política que o governo possa chamar de suas. E episódios como a bagunça no MEC e as tiradas do chanceler, reiteradas pelo próprio presidente, produzem situações de ridículo, talvez o mais poderoso ácido corrosivo da imagem de quem precisa ser levado a sério para governar.
Agora que ficamos sabendo, por exemplo, que Joseph Goebbels foi um esquerdista, vale a pena então lembrar uma frase celebremente atribuída a ele, a de que uma mentira repetida mil vezes vira uma verdade. No caso de cretinices, como a de dizer que o nazismo foi um movimento esquerdista, é diferente. Uma cretinice repetida mil vezes só vira uma cretinice ainda maior.
O Globo - 04/04
STF teme que ganhe a posição contrária à prisão em segunda instância, o que levaria Lula a ser solto
Mais do que uma solenidade autoelogiativa, o que aconteceu ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) foi uma demonstração do estado de ânimo que domina seus membros, e também os políticos, diante da divisão do plenário que joga a opinião pública ora para um lado, ora para o outro, sempre com críticas agressivas, quando não criminosas.
Acontece também com os políticos, especialmente aqueles que têm cargo de liderança nas duas Casas do Congresso. O ambiente no Congresso é tão ebuliente que a promessa dos bolsonaristas de apresentar uma proposta de emenda constitucional (PEC) revogando a que aumentou para 75 anos a idade compulsória dos ministros pode provocar a reação de ampliá-la para 80 anos.
Isso porque a redução da idade permitiria ao presidente Bolsonaro nomear quatro ministros imediatamente. Como está, ele escolherá no final do próximo ano substitutos para os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello. Ao contrário, a ampliação da idade para 80 anos impediria que nomeasse ministros durante sua gestão.
A continuar esse ambiente de confrontação, é provável que as sabatinas dos futuros ministros no Senado sejam mais rigorosas do que o costume, e aumenta a chance de um indicado pelo Palácio do Planalto ser rejeitado. Tudo para evitar que o plenário do Supremo seja formado majoritariamente por ministros que criminalizem a política, como veem a ação do presidente Bolsonaro.
O caso acontecido na semana passada na Sala São Paulo, durante um concerto da Orquestra Sinfônica do Estado (Osesp), é exemplar dessa radicalização. Um homem parou a música aos gritos, criticando o Supremo, nomeadamente os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Os relatos são de que o presidente do Supremo está abalado com os ataques.
Seria por isso que ele tende a adiar o julgamento do mérito da legalidade da prisão em segunda instância, marcado para o dia 10. O pedido foi feito pelo novo presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, que admitiu ontem que não há clima para julgar processo tão delicado, que provoca ações de milícias digitais de ambos os lados, pois atinge não só um número ainda não calculado de presos, que seriam soltos, mas, especialmente, Lula. E fragiliza a Operação Lava-Jato.
O estranho é que o adiamento prejudica Lula, e o presidente da OAB sempre foi um crítico da Operação Lava-Jato e defensor da liberdade do ex-presidente. À primeira vista, houve a interpretação de que o grupo favorável ao ex-presidente estaria temendo perder a votação, que da última vez registrou o placar de 6 a 5 pela prisão em segunda instância.
Não era o que estava previsto, pois o ministro Gilmar Mendes mudou de posição publicamente, reduzindo a 5 os votos favoráveis à legalidade da medida, dando, portanto, maioria ao lado contrário.
Há, no entanto, dúvidas sobre a posição dos ministros Alexandre de Moraes e Rosa Weber. Moraes vota no lugar do falecido ministro Teori Zavascki, que era a favor da medida, e já se pronunciou, inclusive em um voto na sua Turma, também favorável. Mas estaria em dúvida. A situação mais delicada é a da ministra Rosa Weber.
Tendo votado contra a prisão em segunda instância, a ministra tem tido uma atuação impecável. Mesmo contrariando seu pensamento, ela vem votando de acordo com a posição da maioria. Considerou no ano passado que não havia razão para voltar ao assunto tão cedo, mas neste momento ninguém sabe como agirá.
Se votar a favor, o resultado continuaria sendo 6 a 5 pela prisão em segunda instância, mantendo a divisão do plenário, que reflete a do país. O resultado, porém, pode ser de 7 a 4 se tanto Rosa Weber quanto Moraes votarem contra prisão em segunda instância. A tendência, apesar das dúvidas, é que o plenário do STF mude a jurisprudência, favorecendo quem já está preso e impedindo que outros vão para a cadeia.
Tudo indica que o pedido de adiamento foi feito porque o STF está com receio de que ganhe a posição contrária à prisão em segunda instância, o que levaria Lula a ser solto. Os ministros que defendem essa posição estariam temerosos de provocar manifestações políticas contra o Supremo, agravando ainda mais a situação.
Quer dizer, o receio existe, de ganhar ou de perder. O que é ruim para a independência do Supremo e para a democracia.
Gazeta do Povo - PR - 04/04
Até que ponto não estamos impondo uma agenda de executivo para nossos filhos e, com isso, queimando etapas do seu desenvolvimento e comprometendo o seu equilíbrio emocional?
"Muitos momentos felizes e saudáveis da infância podem e devem ser de interação com amiguinhos ou familiares ao ar livre. Essa convivência propicia segurança afetiva, bem-estar psíquico, maior rendimento escolar e desenvolvimento de habilidades motoras. Os benfazejos raios solares metabolizam a vitamina D, (promove a absorção do cálcio, nutriente necessário para o crescimento dos ossos) e são terapêuticos contra a tristeza e depressão.
Custa pouco, quase nada, levar os pimpolhos aos parques da cidade ou chácaras para jogar bola, andar de bike ou a cavalo, churrasquear, empinar pipa, levar o bichinho de estimação para passear, interagir com os patos e peixes ou mesmo ler e contar histórias sob árvores frondosas junto ao aprazível verde da natureza. Considere um triunfo seu filho chegando em casa cansado, suado e com um pouco de vitamina S (S de sujeira), pois robustece o sistema imunológico.
A vida adulta é permeada de frustrações e adversidades, para as quais autoconfiança e autonomia são necessárias
Esses momentos também fazem parte da tarefa de educar os filhos – a mais nobre, porém a mais difícil das missões –, e aos poucos os pais devem se tornar dispensáveis à exceção dos vínculos afetivos. A vida adulta é permeada de frustrações e adversidades, para as quais autoconfiança e autonomia são necessárias. Para o desenvolvimento da autonomia, desde pequeno delegue tudo o que a criança tenha capacidade intelectual e física de fazer, incorporando em seu cotidiano tarefas domésticas consentâneas com a idade e estimulando a ser autossuficiente em relação aos seus hábitos de higiene.
E nós, pais e mães, estamos diante de conflitos, conscientes ou não, em relação aos nossos educandos: com muita dedicação ao trabalho para prover a família, comumente a ausência é “compensada” com bens materiais e conforto. Mas será que assim agindo não estamos criando filhos hedonistas e alheios aos problemas sociais? Além disso, o quanto se deve privá-los de pequenas frustrações e de ouvir alguns “nãos”, em vista das adversidades e negativas que fatalmente encontrarão na vida adulta?
A resposta é genérica – sem deixar de ser eficaz –, mas o que deve prevalecer é a medida equilibrada entre o afeto e os limites, dando a segurança do amor, porém mantendo o controle como duas paralelas que se alargam ou se estreitam para evitar que seu rebento cometa erros irreversíveis. Simultaneamente, é importante que seja propiciada uma boa escala de valores, construída pelas palavras e pelos exemplos. Ademais, bom senso caso a caso, pois os pais que têm dois filhos ou mais aceitam – digo isso em tom de blague – que antes de eles nascerem já combinaram de um ser diferente (ou oposto) do outro, portanto não há padrões universais para bem educar.
Esportes, idiomas, atividades extraclasse são recomendados, mas até que ponto não estamos impondo uma agenda de executivo (talvez para, novamente, compensar nossa ausência) e, com isso, queimam-se etapas do seu desenvolvimento e compromete-se o seu equilíbrio emocional? E como lidar com o excesso de dispositivos eletrônicos que comprometem o sono, estudos, leituras e até mesmo a compleição física? Uma boa medida provém da Academia Americana de Pediatria, que recomenda limites para a exposição diária a todo tipo de mídia: no máximo 1 hora dos 2 aos 5 anos; 2 horas entre 6 a 12 anos; e 3 horas a partir dos 13 anos.
Com ponderação e bom senso, educar é conviver com erros e acertos – e nos inspiremos ou nos confortemos com as palavras de Sigmund Freud: “educar é uma daquelas atividades que errar é inevitável”. Não nos martirizemos querendo ser perfeccionistas, mas busquemos sempre o melhor possível. Até porque uma família perfeita não faria bem aos filhos, pois deixaria de prepará-los para um mundo inevitavelmente imperfeito.
Jacir J. Venturi, coordenador na Universidade Positivo e membro do Conselho Estadual de Educação, é pai de três filhos e avô de três netos."
GAZETA DO POVO - PR - 04/04
"Ernesto Araújo disse mais uma vez que o nazismo é de esquerda. Jair Bolsonaro, homem de cultura política sem igual, subscreve a tese. Não sei bem por que, mas algo nessa prosa me traz à memória o desenho animado Pinky & Cérebro. Divago.
A bibliografia especializada situa o nazismo como movimento de extrema-direita, em alguns aspectos semelhante à esquerda, porém distinto noutros pontos bastante essenciais. Passo ao largo desse ocioso debate, até porque ninguém quer ser convencido da posição contrária. Mais do que discutir o conteúdo do que disseram Araújo e Bolsonaro, interessa notar a forma; mais do que o texto, o subtexto. E, enfim, o pretexto.
Antes, um preâmbulo.
Os termos direita e esquerda, que hoje servem para definir o cardápio do almoço de tanta gente, não são conceitos científicos em sentido estrito. São arranjos provisórios, fugidios, instáveis e referenciais; valem mais ou menos, explicam mais ou menos, em virtude de como, onde e quando são lidos, e a depender do centro de gravidade do poder em questão.
Surgiram nos calorosos debates na Assembleia Nacional francesa, em torno da Revolução que se avizinhava, pelos motivos mais prosaicos: os que sentavam à direita do rei queriam a permanência do regime; os que sentavam à esquerda queriam a revolução.
O que se segue é história, mas a história andou se repetindo como farsa por aí. É preciso reforçar: nossos termos tão queridos não são elaborações intelectivas, não são fórmulas químicas ou matemáticas, mas associações casuais, parentesco de circunstância.
Hoje tida como líquida e certa, a consonância entre liberalismo e conservadorismo é menos óbvia do que soa à primeira vista. Não por acaso, a Igreja Católica rejeita a cosmovisão liberal (basta ler os documentos, a doutrina e os apologistas). René Guénon, referência do chanceler, por outros motivos rejeita com ainda mais paixão.
Em suas raízes, o liberalismo é um conjunto de princípios “de esquerda”, aspas propositais para destacar semelhanças e diferenças ante o esquerdismo tout court: existe no liberalismo um elã de mudança, de instrumentalização do mundo, de instabilidade social e de afronta à aristocracia que sempre desagradou tradicionalistas, clérigos e demais críticos da modernidade.
Liberais gostam de mobilidade social, desprezam hierarquias rígidas, louvam o empreendimento, criticam os privilégios, promovem o lucro, cultivam o mérito do egoísmo, defendem liberdades políticas e sociais. Tudo o que monarquias históricas não aceitavam muito bem. A Igreja, por sua vez, aceita porções de liberalismo: comércio, empreendedorismo, propriedade privada; mas afasta outros princípios: a busca incessante do lucro, o desapreço à tradição, a tendência ao relativismo epistemológico e ético.
Dessa crítica feroz ao conservadorismo e às monarquias absolutistas, nascida na Revolução Francesa, os vários flancos do movimento liberal se estilhaçam e sofrem metamorfoses, ganham contornos específicos, assumem formas distintas, adotam táticas e estratégias diversas, absorvem princípios filosóficos particulares: em linhas gerais, o liberalismo reformador é aquele que hoje chamamos de liberalismo puro e simples, de inspiração anglo-saxã, herdeiro da Revolução Branca; já a matiz revolucionária do liberalismo, esta sim anarquista, socialista romântica ou marxista, desembocou no terror, na rejeição ao mercado, na utopia gnóstica de um Estado sem classes e na ditadura bolchevique.
Por aí se vê o quão problemático é dizer que isto é direita, e é bom; aquilo é esquerda, e é ruim. O que importa é perceber que o que hoje nos parece ter nascido prontinho, com olhinhos azuis, no primeiro dia da Criação do mundo, não é muito mais do que acidente histórico, posicionado no tempo, referente a um evento político específico. Esse caráter improvisado do nascimento dos termos direita e esquerda foi sendo aos poucos tido como fixo, imutável, indiscutível.
Então voltamos à heterodoxa afirmação de que o nazismo é movimento de esquerda. Suspeito que, mais do que estudos aprofundados e eruditos revisionismos, o que importa mesmo para o ministro é dividir com precisão os times para conseguir odiar melhor o time adversário. Ernesto Araújo e Jair Bolsonaro não parecem dispostos a governar um país, mas sim propensos a jogar com rivalidades.
Quando assumimos um lado, e acreditamos na realidade quase ontológica desse lado, podemos ignorar as dificuldades tremendas de lidar com os problemas da ciência política que escapem do emaranhado retórico.
Ao dizer que a direita é isso e a esquerda é aquilo, assim, preto-no-branco, desistimos de usar conceitos muito mais claros e férteis na discussão política, como poder, Estado, mercado, coerção, legitimidade, representatividade, autoritarismo, revolução, guerra justa, hierarquia, regicídio, impostos, regimes, sistemas, igualdade, liberdade. Enfim, tudo o que a filosofia e a ciência política discutiam antes de que tudo se resumisse em direita e esquerda, Palmeiras e Corinthians, Bolsonaro e Lula.
Determinados personagens desse governo, opostos simétricos aos personagens dos governos petistas, querem fomentar e gerenciar conflitos para se oferecer como advogados, acusadores e juízes, a um só tempo. Usar e abusar dos agrupamentos ideológicos, dos instintos quase tribais de quem se diz de direita ou esquerda, é truque velho de manipuladores. Lula sempre usou muito bem isso. Bolsonaro, bom aprendiz, também usa."
O Estado de S.Paulo - 04/04
Não seria exagero afirmar que, com a crise prolongada, temos uma geração perdida
O presidente Bolsonaro perde o foco com facilidade. Em vez de discutir políticas públicas para promover o crescimento e atacar o desemprego elevado, ele voltou a criticar o IBGE pela metodologia de apuração da taxa de desemprego. Ele afirma que seria feita para “enganar a população”, sugerindo que o quadro é melhor do que o indicado.
Qualquer que seja o patamar “verdadeiro” do desemprego, o fato é que a sociedade sente na pele as dores de uma economia que pouco cresce. O medo do desemprego é elevado e os consumidores se mantêm pessimistas neste início de ano.
A taxa de desemprego é apenas uma métrica, e que atende às recomendações e aos padrões internacionais. Não se trata de ser verdadeira ou falsa. Como qualquer métrica, tem suas limitações. De fato, ela não permite uma visão completa do que ocorre no mercado de trabalho. Por isso especialistas analisam o desemprego sob vários ângulos. O time econômico certamente o faz. E o retrato não é nada bom.
A taxa de desemprego é a razão entre pessoas sem trabalho e procurando emprego em relação à força de trabalho. Se a pessoa não está trabalhando, mas também não está procurando trabalho, ela não entra na estatística.
Em períodos de mercado de trabalho ruim, com pouca oferta de vagas, observa-se que parcela dos trabalhadores deixa de procurar emprego, pois acredita que a probabilidade de encontrar algo é muito baixa. Não valeria a pena o esforço.
Conforme o mercado de trabalho começa a melhorar, esta probabilidade aumenta e o grupo de desalentados retorna ao mercado procurando emprego e pressionando a taxa de desemprego. Ou seja, mesmo com o aumento da oferta de vagas, o desemprego recua lentamente, pois há mais pessoas procurando trabalho. A chamada taxa de participação (parcela da população em idade ativa que está no mercado de trabalho, tanto ocupada, como desocupada) aumenta.
A taxa de participação está apenas ligeiramente acima da média histórica. Aliás, ela caiu desde o pico recente em outubro. Fazendo um cálculo alternativo da taxa de desemprego, assumindo a estabilidade da taxa de participação, observa-se números próximos ao da estatística oficial e até uma piora do indicador recentemente, segundo cálculos da AC Pastore & Associados. A bronca do presidente não se justifica.
Os resultados dos últimos meses indicam deterioração adicional do mercado de trabalho. A crença de muitos de que o fim da eleição iria contribuir para dar um “empurrão” na economia não se concretizou. O número de desalentados é significativo. São 4,9 milhões de pessoas ou 2,8% da população em idade ativa. Valor recorde na série iniciada em 2012.
Ainda, a Organização Internacional do Trabalho recomenda ampliar o grupo daqueles que deveriam ser considerados desempregados, considerando também os subocupados por insuficiência de horas trabalhadas. Neste caso, a taxa de desemprego estaria acima de 18,5%, e não na casa atual dos 12%.
Os jovens são bastante prejudicados. A taxa de desemprego dos indivíduos entre 18 e 24 anos está acima de 26%. A falta de perspectivas é veneno para esta faixa etária. Não seria exagero afirmar que, com a crise prolongada, temos uma geração perdida.
O desemprego da população adulta preocupa também, e muito. São arrimos de família. A perda de emprego do chefe de família afeta os demais membros. Os números são ruins. Ainda que a taxa de desemprego dos que têm entre 40 e 59 anos seja mais baixa, de 7,5%, o contingente é grande. Representa quase 23% dos desempregados.
O governo vai completar seus 100 dias. Não se identificam ações para suavizar o sofrimento dos desempregados no curto prazo ou agenda de longo prazo para geração de empregos. Será que teremos novidades adiante ou irá prevalecer o que hoje se vê no discurso oficial, que dá ênfase a temas irrelevantes ou secundários, sem a devida preocupação com o desemprego?
*Economista-chefe da XP Investimentos
FOLHA DE SP - 04/04
Sem recursos, sem PIB, sem coordenação política, governo ainda incentiva raiva
O sururu entre os deputados e Paulo Guedes não vai dar em nada: é sintoma, não motivo. A fibrilação dos preços no mercado, que o pessoal da finança atribuiu ao arranca-rabo na audiência do ministro, também foi nada.
O ministro da Economia foi nesta quarta-feira (3) à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara falar sobre Previdência, na CCJ em que a reforma vai começar a tramitar. Guedes e deputados bateram boca e daí para baixo.
Juros e dólar subiram, a Bolsa caiu, “business as usual”.
Teria sido um desastre se a turumbamba fosse imprevista, se não fosse apenas um sintoma óbvio.
O circo estava armado para Guedes apanhar pelo motivo sabido: desgoverno, um governo sem tropas no Congresso e ânimos nacionais acirrados.
De resto, o ministro não é um mestre na arte de fazer amigos e influenciar pessoas, por assim dizer. Enfim, é conversa mole dizer que a audiência “evidenciou” as dificuldades que o governo terá para aprovar a reforma.
Para quem tem um tico de discernimento, prever tais dificuldades era fácil desde antes da posse de Jair Bolsonaro, quando o presidente eleito disse que desdenharia o Congresso e nomeava uma equipe sem capacidade de coordenação de governo e de atuação parlamentar. Mas basta de obviedades maiores.
De modo desordenado e amador, pelo menos por estes dias o governo tenta salvar o que sobrou do incêndio. Já não seria fácil mesmo com uma súbita boa vontade pragmática e com profissionais em campo. Ficou mais difícil porque em um trimestre houve degradação do ambiente.
Primeiro, o governo tem ainda menos dinheiro para gastar do que previa. Não tem como levar deputado para ao menos inaugurar obra. Como se escrevia aqui na semana passada, o corte do investimento faria a construção civil estrilar. Pois bem, começou. A bancada do boi quer perdão de dívidas previdenciárias.
Outras querem manter subsídios. Etc. Mas não há dinheiro. Pelo menos até meados do ano, não vai melhorar.
Segundo, empresários começam a dar sinais de impaciência ou irritação. Mesmo quando associações empresariais soltam manifestosde apoio à reforma da Previdência, dão a entender que estão vendo o gato subir no telhado.
Gente de empresa vaza notas para os jornais, “externando preocupação”, alguns francamente revoltados com a baderna. Quando as coisas vão bem, essas pessoas ficam quietas.
Terceiro, ainda que o ano não esteja perdido para a economia, o primeiro trimestre foi ruim, talvez de crescimento zerado, e o segundo é uma incógnita que vai se equilibrar sobre esse quase nada.
A confiança econômica baixou. As pessoas estão cansadas de frustração, com medo de um terceiro ano de quase estagnação depois de promessas de crescimento que vêm desde o final de 2016.
Para piorar, em outros assuntos o governo incentiva ódios e divisões ainda maiores no país, em vez de tentar disseminar esperança e calma, enquanto (possivelmente) as coisas se ajeitam.
Besteira sentimental? Não, não é. Quem observa e analisa séries de pesquisas de opinião, de confiança e dados de atividade econômica nota que, por vezes, um líder político esperto consegue levar no gogó uma situação materialmente difícil.
Promessas não pagam dívidas e conversa não enche barriga, mas um diálogo politicamente inteligente pode sustentar uma travessia do deserto.
Aconteceu com Lula da Silva, aconteceu com FHC. Não foi assim com Dilma Rousseff nem com Fernando Collor.
Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA)
Gazeta do Povo - PR - 04/04
"É comum que progressistas justifiquem sua posição ideológica com base na empatia com os mais desafortunados e defesa da igualdade. O apreço pela proteção dos mais pobres e a preocupação com a opressão sofrida por minorias são, de forma ordinária, os fundamentos para que sejam favoráveis ao chamado Estado de bem-estar social.
A ideia do Estado-assistencial trata-se justamente de ajudar os mais pobres. Com recursos obtidos por meio de impostos, o poder público deve sustentar uma rede de escolas, hospitais, moradia e previdência, entre outros serviços que podem variar de um país para outro. Nesse sentido, ao dispor sobre como será organizado o orçamento nas finanças do Estado brasileiro, a Constituição de 1988 estabelece que uma de suas funções é a redução das desigualdades sociais.
Atualmente 54,8 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza segundo o IBGE. Significa dizer que um a cada quatro habitantes não tem renda suficiente para atender suas necessidades básicas, como alimentação, habitação, transporte e vestuário. O percentual aumentou após a maior recessão da história brasileira, mas é bom lembrar que a proporção de brasileiros em situação de vulnerabilidade social no início do século era o dobro da atual.
Os defensores de um Estado de bem-estar social o justificam argumentando que a neutralidade estatal em face dos negócios privados agravou as diferenças econômicas a partir das revoluções do século XVIII. Assim, o Estado passou a agir como mediador das diferenças econômicas, suprindo necessidades a partir de programas governamentais e benefícios sociais.
No entanto, como o que importa não são as intenções das ações, mas sim suas consequências, defender a existência de um Estado provedor para amparar os mais pobres não significa que isso vai beneficiá-los. Mesmo que você considere que a abstenção do Estado apregoada pelos liberais do século XIX não seja o melhor caminho a ser seguido, é preciso reconhecer que nada garante que todas as medidas inseridas no aparato que compõe o Estado de bem-estar social priorizarão a ponta mais economicamente vulnerável da população, reduzindo, de fato, a desigualdade.
O que dizem os dados: Estado de bem-estar social para a classe média
Quando o Estado de bem-estar social começou a surgir na década de 1950, havia vozes críticas a ele. Uma delas, do jurista e economista francês Bertrand de Jouvenel, argumentava que, se algum grupo social eventualmente se beneficiasse com o inchaço do Estado, provavelmente seria a classe média, a despeito das políticas públicas serem vendidas como redistribuição de renda aos mais pobres.
É o que ocorre no caso brasileiro: em vez de ajudar verdadeiramente os mais pobres, nosso Estado contribui diretamente para uma grande fração da desigualdade — e quem reconhece isso é o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, uma fundação do próprio Governo Federal.
Isso ocorre porque toda essa estrutura precisa ser custeada, e, analisando os dados, verifica-se que no complexo sistema tributário nacional os 10% mais pobres pagam proporcionalmente 44,5% mais impostos do que os 10% de maior renda.
Ainda assim, grande parte das políticas sociais financiadas com esse dinheiro não beneficiam os brasileiros com menor renda: levantamento do Banco Mundial estimou que o Brasil gasta apenas 12,1% do PIB com os 40% mais pobres, havendo um benefício desproporcional aos mais ricos.
Dessa forma, há diversas ações patrocinadas pelo Estado brasileiro que, embora vendidas por burocratas como tendo finalidade “social”, dificilmente têm outro resultado que não o aumento da concentração de renda.
Abaixo selecionamos os principais exemplos de privilégios que beneficiam a parcela de maior renda dos brasileiros, mesmo sendo arcados principalmente pelos mais pobres.
Funcionalismo público
Cerca de metade da população brasileira vive sem acesso a coleta de esgoto. Estima-se que o custo para a universalização do saneamento básico no país é da ordem de R$ 440 bilhões. A média de investimento entre 2014 e 2016 ficou em R$ 13 bilhões, abaixo da meta do Plano Nacional de Saneamento Básico, que é de 20 bilhões até 2033. E, enquanto pessoas morrem por falta de tratamento adequado, a União despendeu, no ano de 2017, R$ 725 bilhões apenas com o pagamento de seus servidores ativos — cerca de 10% do PIB. Por que tamanho gasto?
Recente estudo de Naercio Menezes Filho e Gabriel Nemer Tenoury demonstrou que, entre 1995 e 2015, a diferença entre o salário por hora médio recebido pelos servidores federais e pelos trabalhadores do setor privado aumentou de 50% para 93%. Em toda a Administração Pública nacional, os servidores públicos respondem por pouco mais de 10% da força de trabalho, mas possuem 19% da renda total. Essa diferença é maior no Brasil que o verificado em outros países da OCDE.
O estudo concluiu ainda que a política salarial do funcionalismo apresentou na última década uma constante elevação dos salários públicos, independentemente se o momento era de bonança econômica ou recessão. Há, portanto, uma sobreremuneração da maior parte dos servidores públicos, o que contribui para 24% da desigualdade de renda nacional.
Uma explicação para isso, segundo o economista Marcos Lisboa, é o direito de greve do servidor público. Ele permite que funcionários públicos tenham um poder de barganha desproporcional ao dos demais setores, obtendo assim condições de trabalho e remunerações muito superiores às de ocupações equivalentes no setor privado. Boa parte dos servidores públicos federais possuem remuneração próxima aos 1% mais ricos do país.
Vale ressaltar que servidores públicos contam com um benefício ausente na iniciativa privada: a estabilidade. Assim, faria sentido eles até serem sub-remunerados em relação à iniciativa privada, mas essa lógica não vigora no Brasil.
Previdência Social: nem previdência, nem social
Mais da metade do orçamento da União é destinado à Previdência Social, mas a diferença entre as contribuições previdenciárias dos servidores ativos e a despesa com 980 mil aposentados e pensionistas da União somou quase 93 bilhões de reais. A despesa da União com a aposentadoria de menos de um milhão de servidores supera o valor de todos os benefícios pagos pelo INSS a quase 33 milhões de indivíduos.
Cada servidor público que se aposenta custa o triplo de um brasileiro que fez carreira na iniciativa privada.
A PEC da reforma da previdência que tramita no Congresso tem servido para realizar um debate importante: regras de aposentadoria por tempo de contribuição beneficiam trabalhadores com maior salário e carteira assinada, em detrimento dos mais pobres que se aposentam por idade.
De acordo com o Nobel de economia Milton Friedman, a previdência social é um rótulo enganoso: "não é social e nem é previdência, é apenas um programa ruim que usa impostos para prover benefícios injustos.”
A reforma original proposta pelo governo Bolsonaro busca tornar mais equânime essa despesa, mas tem enfrentado forte resistência pelos grupos privilegiados.
Universidade pública é coisa de rico
As coisas não melhoram muito na educação. O Estado brasileiro escolheu por priorizar a educação superior, preterindo o ensino básico. Para se ter ideia, para cada estudante em uma universidade pública, em média, seria possível manter quatro estudantes de ensino médio ou fundamental na escola.
Essa priorização beneficia os mais ricos, pois quase metade das vagas das universidades públicas são ocupadas pela classe alta, o dobro de sua representação na sociedade. Apenas 8,4% das vagas são ocupadas pela classe baixa, dois terços subestimada nas universidades. Tudo isso com as cotas já em vigor.
Subsidiar a educação superior dos mais ricos enquanto os mais pobres sequer terminam o ensino médio resulta em transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos. É uma despesa socialmente regressiva.
Essa priorização do gasto público em educação no ensino superior contraria o trabalho de James Heckman, laureado prêmio Nobel em 2000. Ele demonstrou o benefício social do investimento em cada estágio da educação: para haver maior retorno social, deve-se investir em educação de base. Exatamente o oposto do que tem sido feito no Brasil.
Uma proposição para reverter esse quadro seria instituir mensalidades nas universidades públicas federais para aqueles que podem pagar, com bolsas condicionais à renda familiar per capita do estudante ingressante. Afinal, custear a educação de quem pode arcar com ela é uma política pública tola e injusta.
Outro exemplo dentro da esfera educacional de despesa socialmente regressiva foi o Ciências Sem Fronteiras, que custeava o intercâmbio de estudantes da graduação para universidades do exterior. A despesa para os cofres públicos com cada um dos 35 mil beneficiários em 2015 foi de R$ 105.714,29. Enquanto isso, o valor destinado com a alimentação de quase 40 milhões de alunos custou, individualmente, R$ 94,62. O impacto orçamentário de ambas as políticas públicas foi, naquele ano, de R$ 3,7 bilhões, mas enquanto o primeiro beneficiou os de maior renda, o segundo era destinado aos mais brasileiros pobres.
O Estado de bem-estar social não é falho apenas no Brasil
Essa discrepância entre o discurso prometido pelos defensores do Estado de Bem-Estar e os resultados práticos não é exclusividade do Brasil.
O economista Dennis Mueller analisou as nações da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o resultado foi surpreendente: mesmo se tratando do grupo de países com as melhores instituições econômicas, foi constatado que as transferências fiscais destinadas ao quintil de maior renda são maiores do que as que chegam aos 20% mais pobres em países como França, Itália, Luxemburgo e Suécia. Ademais, na grande maioria dos países estudados, mais da metade da transferência fiscal vai para a classe média.
Essas evidências acabaram sedimentando a chamada “Lei de Director”, segundo a qual “os gastos públicos são feitos para beneficiar a classe média e são financiados com impostos bancados em grande parte pelos pobres e pelos ricos”.
A regra, portanto, é a de que serviços públicos, gratuitos e universais frequentemente priorizam a classe média, e não os mais pobres. Trata-se do mito do “Governo Robin Hood“, aquela ideia de que o governo toma dinheiro dos mais ricos para beneficiar os pobres.
A explicação é a de que a classe média é a que possui maior poder de influência política entre todos os grupos de renda, não a camada mais pobre. Já que ela possui maior poder político, consegue formatar políticas públicas que beneficiem seu grupo.
90% dos brasileiros acredita estar na metade mais pobre da população, segundo o Datafolha. Isso torna particularmente mais difícil fazer reformas em políticas públicas, pois a percepção é a de que “os ricos são os outros, já que sou mais pobre, devo ser beneficiado pelo governo”. O economista francês Frédéric Bastiat dizia que “o Estado é a grande ficção por meio da qual todos tentam viver às custas de todos”. Em um mundo de recursos escassos, governar é fazer escolhas, e, ao possibilitar a instituição de alguns privilégios, abre-se a porta para demandar-se outros.
É bom salientar que há exemplos de boas políticas públicas focalizadas nessa camada mais pobre, como o Bolsa Família e o Prouni, mas ainda são exceções dentro de nosso orçamento. Decisões mais recentes, como o fim do Ciência Sem Fronteiras, as mudanças de regras no Fies e o fim da TJLP do BNDES são exemplos de avanços, no sentido de que eram políticas públicas que não beneficiavam os mais pobres.
Vale salientar que antes da ascensão do Estado de bem-estar não significa que as pessoas mais vulneráveis eram completamente desprovidas de cuidados. Ademais, países que possuem menores impostos possuem caridade maior, conforme se correlaciona no World Giving Index, elaborado pela Charities Aid Foundation. Quando há um aparato prestacional, há uma espécie de terceirização dos indivíduos para com o Estado na ajuda que se dá a quem precisa. É uma espécie de efeito crowding out, isto é, quando o aumento da participação do Estado em uma área afeta significativamente a demanda ou a oferta privada naquele mercado.
Todavia, criticar o modelo de Bem-Estar Social tradicional não precisa significar ser contra qualquer política redistributiva ou serviço gratuito, mas reconhecer que o atual modelo falha em atingir seus objetivos declarados. Esse é o primeiro passo para que reformas institucionais socialmente mais justas possam ser feitas. Mesmo que afetem determinados grupos de interesse, a sociedade como um todo será beneficiada ao final desse processo."
O Globo - 04/04
Paulo Guedes enfrentou dois problemas: o temperamento e a fraqueza da base. A oposição repetiu as demagogias de sempre
Eram cinco da tarde quando o ministro Paulo Guedes recebeu perguntas de deputados do PSL. Até então ele havia enfrentado apenas os 50 tons —e decibéis —de crítica ao projeto da Previdência. Isso é apenas uma amostra da falta de organização da base. O centrão, que já defendeu outros governos, e outras reformas, não jogou a favor. Guedes cometeu erros ao falar ontem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O principal foi cair em tantas provocações, o que acabou levando ao encerramento antecipado da sessão após bate-boca com um deputado. Mas Guedes está absolutamente certo no seu diagnóstico: o sistema de repartição está falido, a Previdência precisa mudar por ser deficitária e criadora de desigualdades.
A oposição não tem uma ideia nova, uma proposta. Não consegue explicar as próprias contradições. O PT fez também uma reforma da Previdência e se o fez é porque havia déficit. Agora nega o rombo, apesar de tê-lo aprofundado com suas desonerações. Mas é um equívoco o ministro achar que se um deputado grita ele deve gritar de volta. Esse estilo faz parte do show deles, mas nunca de um ministro da economia. Quem garante a palavra ao convidado é o presidente da Comissão e não a sua repetição de “eu tenho o direito de falar, pessoal?” A sorte de Paulo Guedes é Jair Bolsonaro não ser mais deputado. Ele era bem mais histriônico e agressivo do que os deputados que enfrentou ontem.
Um erro estratégico do ministro Guedes foi falar tanto em capitalização. Ele está convencido de que esta é a melhor proposta para o futuro. O problema é que a reforma da Previdência muda os parâmetros do atual sistema. O projeto de capitalização ficou para ser detalhado depois. O próprio Paulo Guedes afirmou que, dependendo “da potência fiscal” do que for aprovado, a capitalização nem será proposta.
Então esta é a hora de lutar pelo atual projeto e nele o ministro deveria ter se concentrado. Cairia em menos armadilhas. O ministro teve explosões bem típicas de seu temperamento, mas nada convenientes para o seu objetivo. Às oito da noite houve desentendimento em torno de ele ter dito que era preciso internar quem nega a necessidade da reforma. Ele costuma dizer que não é do meio político. Mas é fácil saber algumas regras. Ao responder, não dizia o nome do parlamentar, e sim “o primeiro a falar”, “o segundo”. O deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE) avisou que ali eram todos iguais. “De primeiro escalão para primeiro escalão”. Ele então acatou a sugestão de anotar o nome.
Apesar de a CCJ não ser uma comissão de discussão de mérito, e sim de verificação da constitucionalidade, os deputados não respeitaram isso. E esse foi outro erro de estratégia. Paulo Guedes poderia ter levado sim uma apresentação mais estruturada com algumas ideias básicas e números. Isso evitaria a crítica de que ele fora genérico e não havia explicado a própria proposta. Aqueles minutos iniciais, com a imprensa transmitindo, seria uma boa oportunidade para explicar aos deputados e a quem acompanhasse os pontos centrais da reforma. Números importantes foram falados de forma vaga e sem informação visual.
As críticas que Paulo Guedes ouviu são conhecidas. Os que não querem fazer a reforma sempre explicarão a sua posição alegando que o projeto afeta os mais pobres. A realidade é que os mais pobres se aposentam mais tarde e recebendo menos. São 71% dos beneficiados. No caso da mulher, a média das que se aposentam hoje por idade já é 61,5 anos. Quem se aposenta com 54 anos está nos 29% do sistema do tempo de contribuição.
O governo deu um presente a quem quer argumentos demagógicos para se opor à reforma, quando propôs mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC). É fácil para um político dizer que está ali defendendo os mais pobres. Difícil é assumir que defende as aposentadorias dos que ganham mais no sistema. Qualquer consulta aos dados mostra que os servidores públicos, dos três poderes, se aposentam mais cedo e ganhando muito mais, têm inúmeras vantagens que são negadas ao resto da população.
A reforma dos militares ter ido junto com uma alta nos soldos torna mais difícil a vida do governo. Mas, como disse Paulo Guedes, “você são os senhores desse destino”. O Congresso, com os erros do governo e a demagogia da oposição, tem o poder de enterrar mais uma reforma. Se o fizer, tornará o colapso mais iminente.
ESTADÃO - 04/04
O pacote de simplificação prometido pelo governo tem aspectos positivos, mas é limitado e nem de longe caracteriza um plano de desenvolvimento
Fazer negócios no Brasil poderá ficar mais fácil e mais barato com o pacote de simplificação prometido pelo governo, mas serão necessárias medidas de outro tipo para desemperrar a economia no curto prazo e criar empregos. Para evitar enganos, decepções e perda de tempo, é bom distinguir os problemas e separá-los em pelo menos dois grupos. O mais urgente é movimentar a economia e tentar fazê-la crescer pelo menos na faixa de 2% a 2,5% neste ano. Isso poderá ocorrer mesmo sem grandes mudanças de caráter institucional. O outro grupo inclui os vários entraves associados à organização dos mercados, à operação do governo e à estrutura legal. Burocracia demais, impostos complicados e insegurança jurídica são exemplos desses entraves. Prejudicam a economia em qualquer fase, com crescimento de 5% ou 1,1% ao ano, taxa verificada em 2017 e 2018. Remover esse entulho tornará a atividade empresarial mais ágil e mais competitiva no médio e no longo prazos, mas o desafio imediato é de outra ordem.
Mesmo com todos aqueles problemas institucionais, a economia brasileira já foi muito mais dinâmica, avançou mais velozmente e foi mais ágil na criação de empregos. Consumidores e empresários tinham alguma segurança para suas decisões e a produção respondia à demanda – interna e externa. A ação do governo contribuía para a elevação da capacidade produtiva e ajudava a movimentar os negócios com os investimentos públicos. A má administração, a irresponsabilidade fiscal e a corrupção forçaram a interrupção desse papel e o início de uma fase de ajuste complexo, penoso e ainda incompleto.
Pelo menos dois fatores poderão contribuir para o retorno ao dinamismo. Recriar confiança deve ser a primeira providência. Um governo mais empenhado na reforma da Previdência, menos perdido em confusões internas e mais claro em seus propósitos dará aos empresários e consumidores maior segurança para suas decisões. Com um pouco mais de segurança, as empresas começarão pelo menos a engordar seus estoques, de insumos ou de produtos finais, e isso já será um ganho para os negócios.
Uma segunda providência será avançar mais velozmente no programa de concessões, mobilizando capitais privados para obras de infraestrutura, com efeitos a curto prazo pela geração de empregos e pela demanda de equipamentos e materiais. Efeitos de médio e de longo prazos aparecerão no ganho geral de eficiência.
O pacote em preparação no Ministério da Economia deverá, segundo reportagem do Estado, incluir quatro planos: Simplifica, Emprega Mais, Pró-mercados e Brasil 4.0. No caso do Simplifica, o primeiro na lista de lançamentos, o secretário de Produtividade, Emprego e Competitividade, Carlos da Costa, destaca a reformulação do eSocial, um sistema complexo de informação sobre relações trabalhistas. O Emprega Mais deverá implantar uma nova estratégia de qualificação profissional baseada no critério de empregabilidade, sustentada em parte com recursos do governo e em parte com dinheiro do Sistema S. Haverá licitação de empresas qualificadoras. O terceiro plano será destinado a aliviar a regulação e facilitar o funcionamento do mercado em vários setores. O quarto deverá proporcionar apoio à digitalização dos processos empresariais.
A curto prazo, o efeito dessas medidas na atividade e na geração de empregos deverá ser nulo ou muito pequeno. Benefícios deverão surgir a médio prazo, mas isso dependerá de alguns cuidados. Em alguns Estados o Sistema S tem sido eficiente na formação de mão de obra qualificada com base nos mais atualizados padrões tecnológicos. O governo estará preparado para mexer nesse esquema de qualificação? Pelos padrões atuais da política educacional, a resposta é indiscutivelmente negativa.
Ganhos de eficiência dependerão também de outros fatores. Muito importante será uma reforma tributária mais técnica e menos ideológica do que as mudanças indicadas pelo governo. Enfim, o pacote agora prometido tem aspectos positivos, mas é limitado e nem de longe caracteriza um plano de desenvolvimento.
FOLHA DE SP - 04/04
Sinais de desgaste episódico de Bolsonaro estimulam a concorrência política
A espécie de corredor polonês em que se meteu, por seus próprios atos, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) nas últimas semanas redespertou um truísmo da sabedoria política: não existe vácuo no poder.
Quem não o exerce com a mínima eficácia logo atrai outros atores sequiosos por praticá-lo em seu lugar. Nesse sentido, a percepção de enfraquecimento episódico do presidente ensejou demonstrações de força do Congresso.
Elas ocorreram seja na votação surpreendente da proposta que engessa mais o Orçamento, seja em conversas menos explícitas sobre manejo autônomo da pauta de votações pelos parlamentares ou sobre reformas profundas para subtrair prerrogativas do Executivo.
O líder que vacila também estimula a concorrência direta. Figuras que cogitam disputar a Presidência da República em 2022 buscam contrastar-se com o incumbente.
Partidos de esquerda esboçam uma união, embora nada tenham dito de novo ou alvissareiro em suas manifestações. Quem esteve mais próximo da corrente que atropelou lideranças tradicionais em 2018 também percebe a oportunidade de dar seus vagidos emancipatórios em relação a Bolsonaro.
Este parece ser o caso do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que correu a declarar apoio entusiasmado ao postulante do PSL tão logo se definiu o segundo turno presidencial. Agora, em entrevista à Folha, dá a impressão de que começa a tomar certa distância do bolsonarismo governista.
Doria criticou a decisão de determinar a comemoração do golpe de 1964, bem como as tentativas de reescrever a história baseadas no infantilismo ideológico de um núcleo que influencia o Planalto. Também mitigou mensagens belicosas sobre emprego da força policial que difundiu na campanha.
Afirmou que nunca esteve colado a Bolsonaro e que, portanto, não estaria agora se descolando dele. A frase é boa, embora inexata.
Já na montagem de seu secretariado, com quadros de boa qualidade técnica e experiência na gestão pública, João Doria se diferenciava do método heterogêneo utilizado pelo presidente da República para definir os seus ministros.
O afastamento, entretanto, se mostra apenas relativo porque o governador paulista mantém-se alinhado à administração federal em temas centrais, como a reforma da Previdência e a agenda de liberalização econômica.
Afigura-se firme sua conexão com o ministro da Justiça, Sergio Moro, evidenciada na transferência de chefes de facções criminosas para presídios federais.
No conteúdo, Doria ensaia uma correção de rota para melhor. Fica a dúvida —que sempre vai acompanhá-lo após o abandono precoce da prefeitura paulistana— sobre se o faz por mero oportunismo.