FOLHA DE SP - 25/10
Juízes avaliam não aplicar reforma trabalhista
Decidi que irei subir a Haddock Lobo na contramão. As disposições da CET não devem ser consideradas, pois contrariam a Constituição Federal, artigo 5º, inciso XV, que estabelece a liberdade de locomoção. Aliás, a Declaração Universal de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, deixa claro que toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção, o que reforça a minha interpretação da CF e me libera automaticamente de todas as multas que possam ser aplicadas.
Concordam? Desconfio que não.
Não bastasse o absurdo generalizado do primeiro parágrafo, a verdade é que, muito embora eu possa interpretar a CF da maneira que quiser, a única instituição capaz de fazer valer sua própria interpretação do texto constitucional é o Supremo Tribunal Federal. Podemos gostar (ou não) da hermenêutica do STF, mas a palavra final, conforme estabelecido pelo regramento básico do país, é dele, não minha, nem de qualquer outra pessoa, ou instituição.
Isto é óbvio, claro. No entanto, recentemente a Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) orientou seus filiados a não obedecer às mudanças estabelecidas pela reforma trabalhista (lei 13.467/2017) aprovada este ano pelo Congresso Nacional, e que deverá entrar em vigor no dia 11 de novembro. Segundo alguns juízes, preceitos da lei contrariariam a Constituição, bem como acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Isso dito, trata-se apenas de opinião de juízes (e, em alguns casos, procuradores) da Justiça do Trabalho. Posso estar perdendo algo, mas, até onde sei, nenhum deles faz parte do STF, e, mesmo se fizessem, não houve nenhuma manifestação do Supremo quanto à constitucionalidade da lei. Sua opinião a respeito vale, do ponto de vista jurídico, tanto quanto a minha acerca de conduzir meu carro sem consideração pelas regras de trânsito, ou seja, nada.
Fosse este um caso único, o dano ainda poderia ser limitado, ainda que a incerteza apenas em torno do mercado de trabalho ainda possa fazer um estrago considerável. O problema, porém, não se resume a um exemplo solitário. A incerteza jurídica, ou melhor, institucional, é pervasiva no país, abrangendo do mercado de trabalho à questão ambiental, passando por quebras de contratos em setores privatizados, ou concedidos à iniciativa privada, entre outros.
Não se trata simplesmente de termos regras ruins; em tal caso o investidor incorpora a regra ao seu planejamento e preços refletem sua qualidade. Em muitos casos, porém, não há como saber ao certo se as regras acertadas entre as partes (boas ou ruins) serão devidamente aplicadas. Neste contexto não há como investidores –e notem que aqui pouco me preocupa se falamos de nacionais ou estrangeiros– determinarem taxas esperadas de retorno, porque estas dependem do conjunto de normas efetivamente vigente, desconhecido no caso.
O resultado é pouco investimento e baixo crescimento, em linha com a teoria econômica, que aponta para a qualidade das instituições como o fator determinante da prosperidade, proposição corroborada pela evidência empírica disponível.
À luz do desempenho nacional dos últimos 40 anos (crescimento de 1% ao ano da renda per capita), o que parece uma teoria abstrata se torna subitamente uma realidade para lá de dolorosa.
FOLHA DE SP - 25/10
A conta de luz vai subir mais em novembro, como previsto. Se não vier chuva e caso haja bom senso na administração da economia e da eletricidade, essa conta deveria ficar ainda mais cara. Pega mal dizer tal coisa, mas é a solução mais prudente.
Embora seja mero chute falar de racionamento antes de fevereiro, por aí, a situação dos lagos das hidrelétricas é crítica. É preciso poupar energia (e, pois, a água desses reservatórios). Para tanto, temos de usar mais da energia muito mais cara das termelétricas (que são uns geradores monstruosos movidos a óleo, biocombustível, gás ou carvão). Assim, o custo de produzir eletricidade não vai, não deve nem pode cair tão cedo.
Na verdade, a energia já está mais cara, no atacado. O problema é saber quem paga a conta final.
Há uma conversa maluca no governo de dar uma "ajuda" às distribuidoras (as empresas que nos vendem a energia), que dizem estar com as contas cada vez mais no vermelho, pois vendem energia a preço inferior ao que pagam. Se é o caso, como parece ser, passar essa conta para o governo é uma gambiarra velha, ineficiente e injusta.
Se o custo subiu por motivos alheios à administração das distribuidoras de energia, deve aparecer na conta de quem consome eletricidade, não na conta de todo mundo, na conta do governo, de resto quebradaço. Além de justo, é eficiente: preço mais alto incentiva a moderação no consumo de um serviço mais escasso.
Nesta terça (24), a Aneel elevou o valor extra que se paga pela energia em tempos de escassez. Isto é, ficou mais cara a bandeira vermelha nível 2, que havíamos passado a pagar neste mês. Em vez de R$ 3,50, o preço extra por 100 kWh consumidos será de R$ 5 a partir de novembro.
Para resumir uma complicação insana, grosso modo essa cobrança de bandeira vermelha paga parte do custo extra de produzir energia por meio de termelétricas. É o preço de poupar água dos lagos das hidrelétricas. O nível médio dos reservatórios no país está abaixo de 19%. No outubro do apagão de 2001, estava em 23%.
Entendidos dizem que o reajuste da bandeira vermelha ainda não cobre esse custo extra. Mas o método de cobrança melhorou. A decisão de ligar as termelétricas depende de chuvas, do nível dos lagos das hidrelétricas e de consumo. Agora, levará menos em conta as chuvas, incertas e voláteis; terá mais peso o nível dos reservatórios, que não varia tanto assim de mês a outro e é fator mais importante na decisão de como administrar o sistema todo de modo prudente.
Vai demorar até os lagos voltarem a um nível mais seguro. Logo, as termelétricas ficarão ligadas por mais tempo. A encrenca é saber quanto mais se deve cobrar pela eletricidade, para o consumidor final.
O país está menos sujeito a racionamento porque pode produzir energia por outras fontes, térmicas e ventos, o que não era o caso em 2001. Ainda assim, chuva importa. Se não fosse a crise, a situação seria ainda mais crítica. Mesmo as projeções de aumento de consumo de eletricidade para este ano, 2%, vão ser frustradas (nos doze meses até agosto, o consumo nacional caiu, na verdade).
Caso a economia cresça, não chova e não se poupe a água dos reservatórios, vamos ter problema sério.
ESTADÃO - 25/10
Juiz e promotor à época da Operação Mãos Limpas, na Itália, lembraram que o combate à corrupção vai muito além da questão jurídica, envolvendo a cultura e a educação de um país
Ainda que haja muitas diferenças, tanto na legislação como na cultura de cada país, a trajetória da Mani Pulite (Mãos Limpas) – a famosa operação italiana anticorrupção que, de 1992 a 2005, investigou cerca de 4 mil pessoas, com mais de uma centena de parlamentares, ministros, juízes e altos executivos de empresas – tem muito a ensinar para o bom encaminhamento da Lava Jato no Brasil, reconheceram unanimemente os quatro palestrantes do Fórum Mãos Limpas & Lava Jato, promovido ontem pelo Estadoem parceria com o Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP).
Gherardo Colombo e Piercamillo Davigo, juiz e promotor à época da Operação Mãos Limpas, lembraram que o combate à corrupção vai muito além da questão jurídica, envolvendo a cultura e a educação de um país. Nesse sentido, os dois disseram que é preciso ter cuidado ao avaliar os resultados de uma operação que investiga casos de corrupção. Além de ser irreal a ideia de que a operação acabará com a corrupção, essa expectativa é contraproducente, pois pode levar à postergação de seu término, motivando exageros e causando um perigoso desgaste perante a opinião pública.
Piercamillo Davigo, que atualmente é juiz da Corte Suprema de Cassação, comentou a importância, no caso da Mãos Limpas, da colaboração de muitos investigados, o que proporcionou à Justiça informações muito úteis para a investigação de vários crimes. Ressaltou, no entanto, que algumas pessoas falaram apenas parte do que sabiam, como simples forma de se safarem, e depois tiveram “carreiras políticas espetaculares. Esse é um aviso que faço porque pode ocorrer aqui o mesmo fenômeno”, disse Davigo. Ou seja, não cabem ingenuidades a respeito das delações premiadas.
Também participaram do Fórum Mãos Limpas & Lava Jato o procurador Deltan Dallagnol, da força-tarefa da Lava Jato, e o juiz Sérgio Moro, da 13.ª Vara Federal de Curitiba. Suas intervenções explicitaram duas maneiras bem diferentes de enxergar a Lava Jato.
Deltan Dallagnol vê na Lava Jato muito mais do que uma simples operação investigativa e judicial. Para ele, a Lava Jato deve ser instrumento de transformação do sistema político. Considera, por exemplo, que diante de corrupção tão generalizada, o Ministério Público estaria autorizado a atuar no debate político. Ao comentar a experiência com o projeto das Dez Medidas Anticorrupção, Dallagnol disse que “a estratégia agora não é mais coletar assinaturas, mas escolher senadores e deputados que tenham passado limpo, espírito democrático, e apoiem o combate à corrupção”. Insatisfeito com as limitações institucionais do cargo que ocupa, o procurador almeja a eficácia política. Parece não se dar conta de que, atuando assim, reproduz os erros, e não os acertos da Mãos Limpas, com sua pretensão messiânica de redimir a política.
Já a fala do juiz Sérgio Moro teve um tom completamente diferente. Sem se negar a ver as limitações do trabalho da Justiça – “toda justiça humana é imperfeita”, reconheceu –, Moro reafirmou que a eficácia da função judicial está justamente em respeitar os limites da lei. Defendeu, por exemplo, o uso em alguns casos da prisão preventiva, mas admitiu que se trata de um tema polêmico. “Sei que existem críticas, e nós temos que ouvir essas críticas”, disse Moro. Ao lembrar que não é o dono da verdade, falou da necessidade de o juiz proferir decisões fundamentadas. Muitas vezes, são possíveis várias interpretações da mesma lei, mas nem por isso a lei deve deixar de ser o critério. O respeito à lei é a garantia de que o combate à corrupção não é arbítrio, mas manifestação do Estado Democrático de Direito.
Sobre a Mãos Limpas, “acho que é uma história de sucesso”, disse Moro. “Mas talvez se tenha esperado mais de uma operação judicial do que ela pode fazer.” Com esse reconhecimento da natureza e dos limites da esfera judicial, Sérgio Moro reiterou, uma vez mais, não ter vocação messiânica. É um juiz, e a redenção da política está fora da sua competência. “O que me cabe”, disse, “é julgar os casos concretos, a partir das provas produzidas nos autos.” Essa profunda consciência de sua tarefa, respeitando os limites do cargo, foi o que permitiu à Lava Jato produzir bons frutos. Afinal, à Justiça não cabe guiar, e menos ainda substituir, a população na esfera política.
FOLHA DE SP - 25/10
A tese pueril segundo a qual inexiste deficit na Previdência Social brasileira assume agora ares de investigação parlamentar. Uma CPI sobre o assunto, instalada pelo Senado há seis meses, chegou a tal conclusão —que, não resta dúvida, buscava desde o início.
Recém-concluído, um caudaloso relatório de 252 páginas recicla argumentos esgrimidos ao longo de mais de duas décadas por entidades sindicais e acadêmicos militantes, não por acaso as fontes em que se baseou o "inquérito".
Dadas as alegações frágeis e surradas, tende-se a incluir a iniciativa nos anais do folclore legislativo nacional. Entretanto é inegável que a insistência e a estridência dos adversários da reforma previdenciária têm mostrado eficácia.
Seja pelo declínio do governo Michel Temer (PMDB), seja por alienação e covardia geral das forças políticas, as propostas destinadas a ajustar os regimes de aposentadoria do país ainda enfrentam uma babel de desinformação.
A controvérsia em torno do deficit do sistema, em particular, consome enormes tempo e energia —e deixa de lado o essencial.
Os que postulam a inexistência do rombo propõem tão somente que outras receitas, além da contribuição previdenciária, sejam consideradas no cálculo. Apontam-se, ademais, sonegação, benefícios fiscais e dívidas pendentes.
Ora, é apenas óbvio que, se reservarmos parcela suficiente da arrecadação para despesas com aposentadorias e pensões, o saldo estará matematicamente equilibrado.
Elucubrações contábeis do gênero, porém, não fazem brotar dinheiro —e o fato é que hoje o setor público toma emprestado até para tarefas cotidianas e obras. Quando não consegue, caso do Rio, paralisam-se serviços básicos.
Ao fim e ao cabo, a ladainha dos pretensos investigadores do deficit implica direcionar cada vez mais verba a uma finalidade que já recebe excessivos 13% do PIB. A CPI poderia esclarecer se isso será viabilizado com alta da carga tributária, com endividamento ou com cortes na educação e na saúde.
No entanto o relatório prefere propor um reajuste de nada menos que 69% no teto dos benefícios do INSS. Senadores da República se permitindo tamanho arroubo de demagogia, em plena ruína orçamentária, ilustram a indigência do debate político nacional.