O ESTADÃO - 14/05
A escalação da equipe de Michel Temer obedeceu claramente ao critério da arte do possível diante da emergência. Daí a opção por montar um Ministério pragmático em face da necessidade de assegurar comprometimento do Congresso com as medidas a serem apresentadas a partir da semana que vem pelo governo. A dita equipe de notáveis poderia render uma boa propaganda, mas não corresponder em eficácia.
O desempenho do governo de transição, no entanto, deverá responder ao desafio de fazer o quase impossível: reconstruir em dois anos e meio uma obra que o PT levou quase 14 anos para destruir – a credibilidade do Brasil na economia, na diplomacia, na política, na capacidade de aperfeiçoar instrumentos de controle de condutas na gestão da máquina pública.
Embora seja missão inexequível em sua totalidade dado o curto prazo e o tamanho do buraco, é isso que a sociedade espera a fim de que em breve não chegue à conclusão de que o afastamento de Dilma Rousseff não valeu a pena. A boa notícia é que o grupo encarregado de fazer essa transição para a “normalidade” tem plena consciência disso. É dono de aguçado senso de realidade. A ótima notícia é que o destino dos que assumem o poder depende da obtenção de êxito.
Se para o País será excelente se conseguirem, para suas excelências será, política e eleitoralmente falando, melhor ainda. O oposto vale em toada de vice-versa: se der errado estaremos encrencados, mas eles estarão acabados.
Êxito ou fracasso dependerão de como esse pessoal vai lidar com as velhas práticas do chamado presidencialismo de coalizão (há duas formas de fazer, decente ou indecente), da manutenção do compromisso de não tentar desqualificar a Operação Lava Jato nem proteger esse ou aquele envolvido e do cumprimento estrito do roteiro apresentado no primeiro discurso de Michel Temer e um pouco mais detalhado ontem por Henrique Meirelles, Eliseu Padilha, Romero Jucá e Ricardo Barros.
Tanto o presidente em exercício quanto os ministros da Fazenda, da Casa Civil, do Planejamento e da Saúde (falando ainda na condição de relator do Orçamento no Congresso) mostraram sintonia com as expectativas gerais. A começar por Meirelles, que foi direto ao ponto principal ao estabelecer um compromisso com a verdade. Um governo dizer a verdade parece óbvio, mas na atual conjuntura é ganho significativo.
Ao que disseram, sai do cenário o ilusionismo de palanque para entrar o diálogo e a negociação com base em dados realistas sobre a situação das contas e as necessidades das reformas. Esse primeiro momento, aliás, marcou outra diferença: a discurseira dá lugar à prestação de esclarecimentos por intermédio de entrevistas para as quais os ministros parece que terão autonomia sobre as respectivas pastas. Comunicação esta que é o único modo de tratar a população como adulta e proprietária de discernimento.
E o fisiologismo velho de guerra que por tantos anos foi adotado como modus operandi – com entusiasmo, por parte do PMDB –, como fica? Padilha, da Casa Civil, encarregou-se de explicitar o tirocínio peemedebista na identificação do rumo dos ventos: “A sociedade repudia a corrupção e exige eficiência. Disse isto nas manifestações de rua. Portanto, precisamos todos entender que é hora de mudar”.
Faltou acrescentar: “Ou seremos mudados”.
sábado, maio 14, 2016
Sexta-feira, 13 - IGOR GIELOW
Folha de São Paulo - 14/05
Coube a Henrique Meirelles, czar da área econômica do governo de Michel Temer, dar o tom em sua entrevista de reestreia no poder: para dar certo, a nova administração só deve anunciar o que for exequível, ou seja, o que deve ser aprovado pelo Congresso.
Se a sobriedade soa bem, será curioso ver como ela pode ser incutida numa equipe recheada de parlamentares de segunda, que não se seguram na frente de um microfone.
Mas a ideia explica o arcabouço armado por Temer, visando azeitar a dinâmica Planalto-Parlamento. Moderninhos fazem mimimis ululantes pela carranca de Esplanada apresentada. Sem discordar da evidente falta de diversidade desejável, é de se perguntar em que planeta eles moravam para ver nos 13 anos passados só um oásis de reformas e progressismo. O ímpeto de reescrita da história é irrefreável nesse pessoal.
Acolhendo o que é óbvio em termos de avanços na era PT, não custa lembrar que o partido deixou uma terra arrasada na economia, na ética e na política. Aos velhos e aos velhacos, sobraram as batatas.
Os petistas em retirada agora se comportam como os templários expelidos da França numa outra sexta 13, em outubro de 1307 —uma das origens da lenda do mau agouro da data. Procuram refúgio, como a bela Tomar na qual os cavaleiros em fuga foram assentados, talvez na forma de uma "frente de esquerda".
(Para ficar em dias fatídicos, um parêntese cabalista: foi numa sexta 13 que há 12 anos explodiu o caso Waldomiro Diniz, primeira grande fissura no casco ético do PT, caminho sem volta que chegou ao fim agora).
A sexta ainda registrou, no campo de Temer, a promessa de manutenção da chefia da PF que tocou a Lava Jato. Não é pouco, se for para valer e após um ministro da Justiça que prometia enquadramentos.
O realismo marca o início da gestão Temer, faltando saber se não descambará para mera prática pedestre.
Coube a Henrique Meirelles, czar da área econômica do governo de Michel Temer, dar o tom em sua entrevista de reestreia no poder: para dar certo, a nova administração só deve anunciar o que for exequível, ou seja, o que deve ser aprovado pelo Congresso.
Se a sobriedade soa bem, será curioso ver como ela pode ser incutida numa equipe recheada de parlamentares de segunda, que não se seguram na frente de um microfone.
Mas a ideia explica o arcabouço armado por Temer, visando azeitar a dinâmica Planalto-Parlamento. Moderninhos fazem mimimis ululantes pela carranca de Esplanada apresentada. Sem discordar da evidente falta de diversidade desejável, é de se perguntar em que planeta eles moravam para ver nos 13 anos passados só um oásis de reformas e progressismo. O ímpeto de reescrita da história é irrefreável nesse pessoal.
Acolhendo o que é óbvio em termos de avanços na era PT, não custa lembrar que o partido deixou uma terra arrasada na economia, na ética e na política. Aos velhos e aos velhacos, sobraram as batatas.
Os petistas em retirada agora se comportam como os templários expelidos da França numa outra sexta 13, em outubro de 1307 —uma das origens da lenda do mau agouro da data. Procuram refúgio, como a bela Tomar na qual os cavaleiros em fuga foram assentados, talvez na forma de uma "frente de esquerda".
(Para ficar em dias fatídicos, um parêntese cabalista: foi numa sexta 13 que há 12 anos explodiu o caso Waldomiro Diniz, primeira grande fissura no casco ético do PT, caminho sem volta que chegou ao fim agora).
A sexta ainda registrou, no campo de Temer, a promessa de manutenção da chefia da PF que tocou a Lava Jato. Não é pouco, se for para valer e após um ministro da Justiça que prometia enquadramentos.
O realismo marca o início da gestão Temer, faltando saber se não descambará para mera prática pedestre.
Método de Meirelles - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 14/05
O novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tem a preocupação de evitar as idas e vindas nas decisões. “Isso a gente sabe no que dá”. No governo da presidente Dilma Rousseff, houve muita mudança de decisão anunciada, e isso derrubou a confiança. Ele diz que seu método de trabalho será o de pensar primeiro, depois decidir, e só então anunciar.
Nas primeiras entrevistas concedidas ontem, os ministros da área econômica Henrique Meirelles e Romero Jucá falaram da dificuldade de se saber o tamanho exato do descontrole das contas públicas. O ministro Ricardo Barros, da Saúde, que era relator do Orçamento no Congresso, deu os números mais contundentes. Segundo ele, as receitas estão superestimadas em R$ 100 bilhões, os restos a pagar são R$ 230 bilhões, e a meta fiscal é um déficit primário de R$ 96 bilhões. É um abismo fiscal.
Meirelles quer estabelecer tetos para despesas obrigatórias e não obrigatórias. O que ele pensa é limitar gastos e fazer reformas para indicar que, em algum momento no futuro, a dívida ficará estabilizada. No governo Dilma, a dívida deu um salto. Como o país está com déficit primário, a tendência é continuar subindo. Para estabilizar, será necessário reduzir fortemente o nível de despesas, e depois mantê-las estáveis sem aumento real.
Mas como? Essa é a pergunta que será repetida à exaustão a Meirelles, mas ele ainda não tem resposta. Ele tem a seu lado o experiente Tarcísio Godoy, que foi secretário do Tesouro e já esteve na secretaria executiva do Ministério da Fazenda, no período Joaquim Levy. Na segunda-feira, anuncia o resto da equipe. Enfrentará aumentos de despesas já contratados, como o reajuste do funcionalismo e a renegociação com os estados. E pior: uma queda forte da arrecadação. Ontem mesmo o Banco Central anunciou um encolhimento de 1,44% do PIB no primeiro trimestre. Meirelles não descartou, na entrevista do Bom Dia Brasil, a CPMF. Admite que provisoriamente poderia ser pensado, já que a urgência agora é o equilíbrio das contas.
Meirelles disse que o Banco Central manterá o status de ministério, até ser aprovada uma emenda a ser enviada ao Congresso dando prerrogativa de foro ao presidente e diretores do órgão. Ele me disse que o governo tem um projeto que prevê a autonomia da instituição, mas que não estabelece mandato. Quanto aos bancos públicos que são diretamente ligados ao Ministério da Fazenda, o ministro deixou claro que faz questão de escolhas técnicas e que passarão pelo “crivo pessoal” dele:
— Isso não é instrumento de política, é instrumento de crédito, de poupança. Os bancos públicos têm que ser administrados como entidades financeiras públicas. É uma área em que trabalhei muitos anos, conheço bem.
O ministro disse que perseguirá o princípio do “nominalismo”. Com isso, ele quer resgatar uma ideia defendida em 2005, e que foi bombardeada por Dilma, de buscar o déficit nominal zero. O que era possível naquele ano em que foi proposto por Antonio Palocci, e derrubado pela então ministra da Casa Civil, hoje seria inviável porque o país está com 10% de déficit nominal.
Meirelles me explicou que não será transferido o Ministério da Previdência inteiro para a Fazenda e sim alguns órgãos e atribuições. A Secretaria de Previdência e a Previc irão, mas não o INSS com seus 43 mil funcionários. Na verdade, é mais para dar ao ministro a coordenação da proposta de reforma tributária. Na entrevista, ele estabeleceu algumas linhas: — Idade mínima, regra de transição e que seja eficaz. Ele disse que há muitos profissionais estudando isso dentro do Ipea, por exemplo, e que pretende ouvi-los. De qualquer maneira, Meirelles demonstra que não dará ouvidos aos que sustentam que a reforma não é necessária. E foi exatamente por ouvir este grupo que o governo Dilma não fez a reforma e o déficit cresceu de forma exponencial.
Meirelles assumiu o maior desafio da sua carreira. O conjunto de problemas na Fazenda é gigantesco. Ele disse que irá devagar, porque tem pressa. Um lema que usou na época em que estava no Banco Central e que deu certo.
O novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tem a preocupação de evitar as idas e vindas nas decisões. “Isso a gente sabe no que dá”. No governo da presidente Dilma Rousseff, houve muita mudança de decisão anunciada, e isso derrubou a confiança. Ele diz que seu método de trabalho será o de pensar primeiro, depois decidir, e só então anunciar.
Nas primeiras entrevistas concedidas ontem, os ministros da área econômica Henrique Meirelles e Romero Jucá falaram da dificuldade de se saber o tamanho exato do descontrole das contas públicas. O ministro Ricardo Barros, da Saúde, que era relator do Orçamento no Congresso, deu os números mais contundentes. Segundo ele, as receitas estão superestimadas em R$ 100 bilhões, os restos a pagar são R$ 230 bilhões, e a meta fiscal é um déficit primário de R$ 96 bilhões. É um abismo fiscal.
Meirelles quer estabelecer tetos para despesas obrigatórias e não obrigatórias. O que ele pensa é limitar gastos e fazer reformas para indicar que, em algum momento no futuro, a dívida ficará estabilizada. No governo Dilma, a dívida deu um salto. Como o país está com déficit primário, a tendência é continuar subindo. Para estabilizar, será necessário reduzir fortemente o nível de despesas, e depois mantê-las estáveis sem aumento real.
Mas como? Essa é a pergunta que será repetida à exaustão a Meirelles, mas ele ainda não tem resposta. Ele tem a seu lado o experiente Tarcísio Godoy, que foi secretário do Tesouro e já esteve na secretaria executiva do Ministério da Fazenda, no período Joaquim Levy. Na segunda-feira, anuncia o resto da equipe. Enfrentará aumentos de despesas já contratados, como o reajuste do funcionalismo e a renegociação com os estados. E pior: uma queda forte da arrecadação. Ontem mesmo o Banco Central anunciou um encolhimento de 1,44% do PIB no primeiro trimestre. Meirelles não descartou, na entrevista do Bom Dia Brasil, a CPMF. Admite que provisoriamente poderia ser pensado, já que a urgência agora é o equilíbrio das contas.
Meirelles disse que o Banco Central manterá o status de ministério, até ser aprovada uma emenda a ser enviada ao Congresso dando prerrogativa de foro ao presidente e diretores do órgão. Ele me disse que o governo tem um projeto que prevê a autonomia da instituição, mas que não estabelece mandato. Quanto aos bancos públicos que são diretamente ligados ao Ministério da Fazenda, o ministro deixou claro que faz questão de escolhas técnicas e que passarão pelo “crivo pessoal” dele:
— Isso não é instrumento de política, é instrumento de crédito, de poupança. Os bancos públicos têm que ser administrados como entidades financeiras públicas. É uma área em que trabalhei muitos anos, conheço bem.
O ministro disse que perseguirá o princípio do “nominalismo”. Com isso, ele quer resgatar uma ideia defendida em 2005, e que foi bombardeada por Dilma, de buscar o déficit nominal zero. O que era possível naquele ano em que foi proposto por Antonio Palocci, e derrubado pela então ministra da Casa Civil, hoje seria inviável porque o país está com 10% de déficit nominal.
Meirelles me explicou que não será transferido o Ministério da Previdência inteiro para a Fazenda e sim alguns órgãos e atribuições. A Secretaria de Previdência e a Previc irão, mas não o INSS com seus 43 mil funcionários. Na verdade, é mais para dar ao ministro a coordenação da proposta de reforma tributária. Na entrevista, ele estabeleceu algumas linhas: — Idade mínima, regra de transição e que seja eficaz. Ele disse que há muitos profissionais estudando isso dentro do Ipea, por exemplo, e que pretende ouvi-los. De qualquer maneira, Meirelles demonstra que não dará ouvidos aos que sustentam que a reforma não é necessária. E foi exatamente por ouvir este grupo que o governo Dilma não fez a reforma e o déficit cresceu de forma exponencial.
Meirelles assumiu o maior desafio da sua carreira. O conjunto de problemas na Fazenda é gigantesco. Ele disse que irá devagar, porque tem pressa. Um lema que usou na época em que estava no Banco Central e que deu certo.
A busca da eficiência - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 14/05
Se vai acontecer, não sabemos. Mas a referência do presidente Michel Temer à “democracia da eficiência”, no seu primeiro pronunciamento ao assumir interinamente o cargo, é uma perfeita definição do que a sociedade busca, resumo do que motivou, a partir de 2013, os movimentos populares nas ruas do país.
Eficiência dos serviços públicos — o começo de tudo foi um protesto contra o aumento do preço das passagens — e ética na política e nos investimentos privados, justamente o contrário do que gerou escândalos como o mensalão e o petrolão.
O movimento contra o aumento das passagens não se resumia aos 20 centavos, mas à eficiência dos serviços, à sensação de que se paga muito imposto para uma resposta inadequada dos serviços públicos.
Naquela ocasião, os que lideraram os protestos não tinham o objetivo de transformá-los em movimento contra o governo, pois o Movimento pelo Passe Livre era ligado a diversas organizações sociais que apoiavam o PT.
Tanto que quando perderam o controle das manifestações, que se transformaram em protesto contra a corrupção, contra a ineficiência dos serviços públicos muito além dos ônibus, contra a violência policial, e sobretudo contra o governo petista, seus líderes anunciaram que se retiravam das manifestações.
Na verdade, o Movimento Passe Livre visava uma oposição ao governo tucano em São Paulo, mas tocou num nervo exposto da sociedade, de fato exausta com o custo de governos ineficientes em todos os níveis, não apenas no estadual.
E explodiram pelo Brasil movimentos contra governos estaduais de diversos partidos — sobretudo contra o governo do PT em nível nacional — que, embora não tenham tido força para impedir a reeleição de Dilma em 2014, acabaram desaguando no impeachment, anos mais tarde.
O presidente Michel Temer tem uma leitura correta do que será seu governo, que não permitirá milagres, mas exigirá mudança de hábitos, sem o que a sociedade não lhe dará, o crédito de que necessita.
A primeira fala presidencial teve praticamente tudo o que se esperava: a reafirmação dos programas sociais, referidos nominalmente para que não restassem dúvidas; a garantia de que o combate à corrupção é prioridade, e a Operação Lava-Jato, um símbolo intocável — ontem mesmo o chefe da Polícia Federal foi mantido, o que era imprescindível —, a referência à eficiência administrativa, que trará como consequência um enxugamento da máquina pública, com o desaparelhamento estatal.
O movimento de funcionários do antigo Ministério da Cultura, protestando diante do novo ministro Mendonça Filho, não apenas pelo fim dele mas contra o suposto golpe, é exemplar de como a estrutura ministerial está inchada e politizada.
Mas houve falhas na organização do governo, algumas que ainda podem ser sanadas, como a falta de nomeação de uma mulher, e outras que parecem definitivas, como a nomeação de ministros investigados na Operação Lava-Jato.
Claro que a máquina oposicionista já começa a ressaltar que o ministério Temer tem nove ministros investigados ou citados nas investigações, mas fingem esquecer que todos eles já fizeram parte de diversos ministérios de Lula e Dilma, ou foram líderes no Congresso.
Essas são incongruências de um governo que saiu da costela do que foi afastado, numa parceria que durou a maior parte dos 13 anos de reinado petista, com menor ou maior influência ou destaque. Não fosse o PMDB aquele partido que nunca disputou a eleição presidencial com chances reais, mas esteve sempre próximo ao poder ou, como no governo Dilma, como parceiro prioritário na teoria, mas sempre rejeitado na prática.
Ver hoje petistas de diversas correntes criticar Temer, e o PMDB é risível, diante da parceria formal dos últimos anos. Mas se o governo Temer repetir os erros de governos montados na base do é dando que se recebe e, sobretudo, não revelar os segredos que as caixas-pretas das diversas áreas guardam sobre os desmandos dos petistas, acabará sendo o culpado pela herança maldita que recebeu ao assumir o governo.
Se vai acontecer, não sabemos. Mas a referência do presidente Michel Temer à “democracia da eficiência”, no seu primeiro pronunciamento ao assumir interinamente o cargo, é uma perfeita definição do que a sociedade busca, resumo do que motivou, a partir de 2013, os movimentos populares nas ruas do país.
Eficiência dos serviços públicos — o começo de tudo foi um protesto contra o aumento do preço das passagens — e ética na política e nos investimentos privados, justamente o contrário do que gerou escândalos como o mensalão e o petrolão.
O movimento contra o aumento das passagens não se resumia aos 20 centavos, mas à eficiência dos serviços, à sensação de que se paga muito imposto para uma resposta inadequada dos serviços públicos.
Naquela ocasião, os que lideraram os protestos não tinham o objetivo de transformá-los em movimento contra o governo, pois o Movimento pelo Passe Livre era ligado a diversas organizações sociais que apoiavam o PT.
Tanto que quando perderam o controle das manifestações, que se transformaram em protesto contra a corrupção, contra a ineficiência dos serviços públicos muito além dos ônibus, contra a violência policial, e sobretudo contra o governo petista, seus líderes anunciaram que se retiravam das manifestações.
Na verdade, o Movimento Passe Livre visava uma oposição ao governo tucano em São Paulo, mas tocou num nervo exposto da sociedade, de fato exausta com o custo de governos ineficientes em todos os níveis, não apenas no estadual.
E explodiram pelo Brasil movimentos contra governos estaduais de diversos partidos — sobretudo contra o governo do PT em nível nacional — que, embora não tenham tido força para impedir a reeleição de Dilma em 2014, acabaram desaguando no impeachment, anos mais tarde.
O presidente Michel Temer tem uma leitura correta do que será seu governo, que não permitirá milagres, mas exigirá mudança de hábitos, sem o que a sociedade não lhe dará, o crédito de que necessita.
A primeira fala presidencial teve praticamente tudo o que se esperava: a reafirmação dos programas sociais, referidos nominalmente para que não restassem dúvidas; a garantia de que o combate à corrupção é prioridade, e a Operação Lava-Jato, um símbolo intocável — ontem mesmo o chefe da Polícia Federal foi mantido, o que era imprescindível —, a referência à eficiência administrativa, que trará como consequência um enxugamento da máquina pública, com o desaparelhamento estatal.
O movimento de funcionários do antigo Ministério da Cultura, protestando diante do novo ministro Mendonça Filho, não apenas pelo fim dele mas contra o suposto golpe, é exemplar de como a estrutura ministerial está inchada e politizada.
Mas houve falhas na organização do governo, algumas que ainda podem ser sanadas, como a falta de nomeação de uma mulher, e outras que parecem definitivas, como a nomeação de ministros investigados na Operação Lava-Jato.
Claro que a máquina oposicionista já começa a ressaltar que o ministério Temer tem nove ministros investigados ou citados nas investigações, mas fingem esquecer que todos eles já fizeram parte de diversos ministérios de Lula e Dilma, ou foram líderes no Congresso.
Essas são incongruências de um governo que saiu da costela do que foi afastado, numa parceria que durou a maior parte dos 13 anos de reinado petista, com menor ou maior influência ou destaque. Não fosse o PMDB aquele partido que nunca disputou a eleição presidencial com chances reais, mas esteve sempre próximo ao poder ou, como no governo Dilma, como parceiro prioritário na teoria, mas sempre rejeitado na prática.
Ver hoje petistas de diversas correntes criticar Temer, e o PMDB é risível, diante da parceria formal dos últimos anos. Mas se o governo Temer repetir os erros de governos montados na base do é dando que se recebe e, sobretudo, não revelar os segredos que as caixas-pretas das diversas áreas guardam sobre os desmandos dos petistas, acabará sendo o culpado pela herança maldita que recebeu ao assumir o governo.
Homenagens a Dilma - DEMÉTRIO MAGNOLI
Folha de São Paulo - 14/05
Dez mil é o número registrado no caderninho lulopetista. Automaticamente, por uma decisão de cima, qualquer manifestação pública relevante reunirá 10 mil militantes, entre portadores petistas de holerites, sindicalistas profissionais e ativistas de "movimentos sociais". Menos de um terço disso apareceu na melancólica despedida de Dilma Rousseff, provável indício de uma ordem de desmobilização emanada de Lula. As homenagens à presidente escorraçada ficaram a cargo do presidente interino. Michel Temer bateu continência duas vezes, comprovando o horror à ruptura tão entranhado em nossa elite política.
No primeiro gesto de continência, o substituto desvelou a marca publicitária de seu governo, que empresta da bandeira nacional a abóboda celeste circundada pelo lema "Ordem e Progresso". A lei proíbe o uso da administração para propaganda pessoal dos governantes. As marcas publicitárias são a forma encontrada pelos políticos de circundar o veto legal, identificando eficazmente os atos de governo à figura dos governantes. O PT conduziu a prática ilegal ao paroxismo, criando uma marca geral para seus governos ("Brasil, país de todos"), de modo a produzir a tripla identificação governo-partido-governante. Temer reitera a ilegalidade, mas do seu jeito.
Inaugurando seu segundo mandato, Dilma inovou com a "pátria educadora", uma tentativa de singularizar sua imagem, distinguindo-se do PT. O presidente interino prefere investir na ideia de "união nacional" –e, para tanto, cobre seu governo com o manto da própria nação. A operação de marketing tem um cerne autoritário, sintetizado na mensagem subterrânea de que a fidelidade à pátria solicita o apoio ao governo. "O povo precisa colaborar e aplaudir as mudanças que venhamos a tomar", declarou Temer logo após a posse, reivindicando abusadamente uma nota promissória em aberto.
No segundo gesto de continência, o substituto desvelou sua escultura ministerial, que é Dilma menos a ideologia. A alardeada redução de ministérios quase não passa de um truque de ilusionismo vulgar, realizado pela agregação de pastas sob rótulos abrangentes. O núcleo palaciano (Jucá, Padilha, Geddel, Moreira Franco) é uma camarilha peemedebista, no estilo do burô petista de Dilma (Wagner, Berzoini, Cardozo, Edinho). A equipe econômica (Meirelles e Goldfajn), que sinaliza a mudança de rota, foi conectada ao núcleo palaciano por uma dupla ponte política (Jucá e Moreira Franco). Num círculo externo, raros nomes notáveis (Serra, Jungmann, Mendonça Filho) destacam-se sobre o fundo cinzento da tradicional repartição partidária do butim.
Sumiram os ministérios consagrados à cooptação de "movimentos sociais". Ficou, um pouco atenuado, o "presidencialismo de coalizão", expressão inventada por cientistas políticos brasileiros profissionalmente interessados na "normalização" da corrupção institucional. O espectro de Dilma ronda a paisagem da Esplanada, imantado em personagens como o bispo Marcos Pereira, o herdeiro de Jader Barbalho, o ministro-de-qualquer-governo Kassab e os notórios Picciani e Henrique Alves. Na pasta da Justiça, sai o Ministro da Chicana e entra o Ministro da Ordem: o Brasil oficial não tem lugar para um jurista independente.
A dupla continência confirma a dificuldade de Temer de vislumbrar um país, para além dos limites da Praça dos Três Poderes. O presidente interino pretende mudar a economia com as ferramentas políticas enferrujadas que sempre manejou. "A partir de agora não podemos mais falar de crise", atreveu-se a dizer, imaginando que a legitimidade política deriva da tessitura de uma maioria parlamentar.
"A classe política unida ao povo." Temer pronunciou esse desejo –mas, rodeado por representantes de quase todos os 35 partidos legalizados, calou sobre a urgência de uma reforma política. Tempo de quimeras.
Dez mil é o número registrado no caderninho lulopetista. Automaticamente, por uma decisão de cima, qualquer manifestação pública relevante reunirá 10 mil militantes, entre portadores petistas de holerites, sindicalistas profissionais e ativistas de "movimentos sociais". Menos de um terço disso apareceu na melancólica despedida de Dilma Rousseff, provável indício de uma ordem de desmobilização emanada de Lula. As homenagens à presidente escorraçada ficaram a cargo do presidente interino. Michel Temer bateu continência duas vezes, comprovando o horror à ruptura tão entranhado em nossa elite política.
No primeiro gesto de continência, o substituto desvelou a marca publicitária de seu governo, que empresta da bandeira nacional a abóboda celeste circundada pelo lema "Ordem e Progresso". A lei proíbe o uso da administração para propaganda pessoal dos governantes. As marcas publicitárias são a forma encontrada pelos políticos de circundar o veto legal, identificando eficazmente os atos de governo à figura dos governantes. O PT conduziu a prática ilegal ao paroxismo, criando uma marca geral para seus governos ("Brasil, país de todos"), de modo a produzir a tripla identificação governo-partido-governante. Temer reitera a ilegalidade, mas do seu jeito.
Inaugurando seu segundo mandato, Dilma inovou com a "pátria educadora", uma tentativa de singularizar sua imagem, distinguindo-se do PT. O presidente interino prefere investir na ideia de "união nacional" –e, para tanto, cobre seu governo com o manto da própria nação. A operação de marketing tem um cerne autoritário, sintetizado na mensagem subterrânea de que a fidelidade à pátria solicita o apoio ao governo. "O povo precisa colaborar e aplaudir as mudanças que venhamos a tomar", declarou Temer logo após a posse, reivindicando abusadamente uma nota promissória em aberto.
No segundo gesto de continência, o substituto desvelou sua escultura ministerial, que é Dilma menos a ideologia. A alardeada redução de ministérios quase não passa de um truque de ilusionismo vulgar, realizado pela agregação de pastas sob rótulos abrangentes. O núcleo palaciano (Jucá, Padilha, Geddel, Moreira Franco) é uma camarilha peemedebista, no estilo do burô petista de Dilma (Wagner, Berzoini, Cardozo, Edinho). A equipe econômica (Meirelles e Goldfajn), que sinaliza a mudança de rota, foi conectada ao núcleo palaciano por uma dupla ponte política (Jucá e Moreira Franco). Num círculo externo, raros nomes notáveis (Serra, Jungmann, Mendonça Filho) destacam-se sobre o fundo cinzento da tradicional repartição partidária do butim.
Sumiram os ministérios consagrados à cooptação de "movimentos sociais". Ficou, um pouco atenuado, o "presidencialismo de coalizão", expressão inventada por cientistas políticos brasileiros profissionalmente interessados na "normalização" da corrupção institucional. O espectro de Dilma ronda a paisagem da Esplanada, imantado em personagens como o bispo Marcos Pereira, o herdeiro de Jader Barbalho, o ministro-de-qualquer-governo Kassab e os notórios Picciani e Henrique Alves. Na pasta da Justiça, sai o Ministro da Chicana e entra o Ministro da Ordem: o Brasil oficial não tem lugar para um jurista independente.
A dupla continência confirma a dificuldade de Temer de vislumbrar um país, para além dos limites da Praça dos Três Poderes. O presidente interino pretende mudar a economia com as ferramentas políticas enferrujadas que sempre manejou. "A partir de agora não podemos mais falar de crise", atreveu-se a dizer, imaginando que a legitimidade política deriva da tessitura de uma maioria parlamentar.
"A classe política unida ao povo." Temer pronunciou esse desejo –mas, rodeado por representantes de quase todos os 35 partidos legalizados, calou sobre a urgência de uma reforma política. Tempo de quimeras.
O legado do PT - PLÁCIDO FERNANDES VIEIRA
CORREIO BRAZILIENSE - 14/05
O governo que se inicia é, em sua maioria, parte do legado que o PT deixa ao país. Michel Temer, Henrique Meirelles, Romero Jucá, Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima, Henrique Eduardo Alves, Osmar Terra, Gilberto Occhi, Gilberto Kassab, Fernando Coelho Filho... Todos esses nomes que ora integram a gestão Temer integraram também o governo de Dilma Rousseff ou de Luiz Inácio Lula da Silva. Ou seja: antes de virarem "golpistas", todos eram cidadãos de bem acima de qualquer suspeita?
E foi assim, com todos eles rezando pela mesma cartilha, que o Brasil se transformou no paraíso na Terra, conforme insuspeitas peças de publicidade produzidas pelo marqueteiro João Santana. Nunca antes na história deste país - onde se plantando tudo dá, como escreveu, ao chegar ao Brasil, Pero Vaz de Caminha, em carta ao rei dom Manuel de Portugal -, fomos tão, tão, tão engabelados.
Se o mensalão já havia revelado que alguns sacerdotes não tinham resistido e provaram da maçã da corrupção, o petrolão, então, justificaria não apenas o impeachment, mas a sumária expulsão do Éden. O desbaratamento da quadrilha que desviou bilhões de dólares dos cofres da Petrobras fez jorrar tanta sujeira que até os deitados eternamente em berço esplêndido acabaram despertando para a realidade.
Estarrecidos, como nunca antes, milhões de brasileiros lotaram as ruas do país para exigir o impeachment e declarar apoio às investigações da Lava-Jato. Com maioria folgada no Congresso, Dilma desdenhou da força das ruas. Mas cometeu o desatino de se opor à eleição de Eduardo Cunha para o comando da Câmara dos Deputados. Bancou a eleição do petista Arlindo Chinaglia e perdeu feio. Resultado: o peemedebista, até então, um santo aliado, foi transformado em demônio do dia para a noite.
Começava aí o calvário que levou ao afastamento de Dilma. Cunha também se deu mal. Acabou suspenso do mandato e da Presidência da Câmara, por decisão unânime e inédita do Supremo. Ao PMDB que assume o governo resta o argumento de que apenas fazia parte da comissão de bordo na gestão da petista. Centralizadora, ela era piloto e copiloto do desastre econômico-financeiro em que enfiou o país, a mais grave recessão em 80 anos. Igualmente rejeitado pela maioria dos brasileiros, segundo pesquisas de opinião, Temer assume o comando de um avião desgovernado e sem combustível. Faz sentido que peça ajuda a todos para tentar evitar o pior. Caso não consiga, não devemos nos esquecer de que a culpa por esse monumental desastre é, principalmente, do PT.
O governo que se inicia é, em sua maioria, parte do legado que o PT deixa ao país. Michel Temer, Henrique Meirelles, Romero Jucá, Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima, Henrique Eduardo Alves, Osmar Terra, Gilberto Occhi, Gilberto Kassab, Fernando Coelho Filho... Todos esses nomes que ora integram a gestão Temer integraram também o governo de Dilma Rousseff ou de Luiz Inácio Lula da Silva. Ou seja: antes de virarem "golpistas", todos eram cidadãos de bem acima de qualquer suspeita?
E foi assim, com todos eles rezando pela mesma cartilha, que o Brasil se transformou no paraíso na Terra, conforme insuspeitas peças de publicidade produzidas pelo marqueteiro João Santana. Nunca antes na história deste país - onde se plantando tudo dá, como escreveu, ao chegar ao Brasil, Pero Vaz de Caminha, em carta ao rei dom Manuel de Portugal -, fomos tão, tão, tão engabelados.
Se o mensalão já havia revelado que alguns sacerdotes não tinham resistido e provaram da maçã da corrupção, o petrolão, então, justificaria não apenas o impeachment, mas a sumária expulsão do Éden. O desbaratamento da quadrilha que desviou bilhões de dólares dos cofres da Petrobras fez jorrar tanta sujeira que até os deitados eternamente em berço esplêndido acabaram despertando para a realidade.
Estarrecidos, como nunca antes, milhões de brasileiros lotaram as ruas do país para exigir o impeachment e declarar apoio às investigações da Lava-Jato. Com maioria folgada no Congresso, Dilma desdenhou da força das ruas. Mas cometeu o desatino de se opor à eleição de Eduardo Cunha para o comando da Câmara dos Deputados. Bancou a eleição do petista Arlindo Chinaglia e perdeu feio. Resultado: o peemedebista, até então, um santo aliado, foi transformado em demônio do dia para a noite.
Começava aí o calvário que levou ao afastamento de Dilma. Cunha também se deu mal. Acabou suspenso do mandato e da Presidência da Câmara, por decisão unânime e inédita do Supremo. Ao PMDB que assume o governo resta o argumento de que apenas fazia parte da comissão de bordo na gestão da petista. Centralizadora, ela era piloto e copiloto do desastre econômico-financeiro em que enfiou o país, a mais grave recessão em 80 anos. Igualmente rejeitado pela maioria dos brasileiros, segundo pesquisas de opinião, Temer assume o comando de um avião desgovernado e sem combustível. Faz sentido que peça ajuda a todos para tentar evitar o pior. Caso não consiga, não devemos nos esquecer de que a culpa por esse monumental desastre é, principalmente, do PT.
Teses e narrativas - CRISTOVAM BUARQUE
O GLOBO - 14/05
Raríssimos pobres terminam o ensino médio com qualidade
OPartido dos Trabalhadores adotou, durante anos, a prática democrática de debater teses apresentadas por seus grupos organizados, chamados de “tendências”. Ao chegar ao poder, esta prática foi reduzida pela centralização criada para fazer o governo funcionar. As “tendências” foram perdendo força e suas teses, aos poucos, abandonadas.
Nos últimos meses, o partido passou a adotar “narrativas”, criadas conforme a interpretação de alguns dirigentes ou seus marqueteiros, para serem transformadas em lendas acreditadas sem contestações, o contrário do debate de teses. À exceção de alguns poucos líderes, a exemplo de Tarso Genro, que se mantêm fiéis a teses.
Foi propalada a lenda de que os programas de transferência de renda foram inventados e criados, em 2004, pelo governo Lula. A narrativa ignora o programa Bolsa Escola, criado pelo governo do PT no Distrito Federal, em 1995, espalhado para diversas cidades, inclusive São Paulo, no governo da Marta Suplicy, e depois adotado pelo governo Fernando Henrique, em 2001. O programa foi ampliado com o nome de Bolsa Família, mas, ao relegar o aspecto educacional, transformou-se em instrumento de assistência social.
Em 2009, foi criada a narrativa de que o pré-sal era um produto do governo Lula e que suas receitas salvariam o Brasil, especialmente educação e saúde. Anos depois, estes setores não viram os resultados prometidos, e a Petrobras luta para sobreviver após a rapinagem do petrolão.
Vendeu-se a narrativa de que o Brasil havia superado o quadro de pobreza e que 35 milhões ingressaram na classe média, como a família que recebesse em 2012 renda per capita mensal entre R$ 291 e R$ 1.091. Este baixo valor e a elevada e persistente inflação desmoralizaram a narrativa.
Apresentaram a lenda de que as generosas desonerações fiscais seriam capazes de transformar a crise mundial em uma marolinha brasileira. Graças às cotas, positivas, mas localizadas e restritas a raras pessoas, houve a narrativa de que os filhos de todos os pobres tinham vagas nas universidades, mesmo sem a melhoria da educação básica, porque raríssimos pobres terminam o ensino médio com qualidade.
Agora, passa-se a narrativa de que o impeachment é golpe, mesmo se for comprovado crime de responsabilidade previsto na Constituição. Individualmente, cada um pode ter razões para duvidar se as gravidades dos fatos apresentados na petição do impeachment justificam a destituição de uma presidente eleita por mais de 53 milhões de votos. Mas não há razão para acreditar na narrativa de golpe, se o procedimento estiver seguindo as normas, leis e ritos constitucionais, conforme seguiu no caso do ex-presidente Fernando Collor.
Esta narrativa é, porém, um direito do partido na estratégia eleitoral para 2018. É lamentável, porém, que o partido das “teses” tenha se transformado no partido das “narrativas”.
Raríssimos pobres terminam o ensino médio com qualidade
OPartido dos Trabalhadores adotou, durante anos, a prática democrática de debater teses apresentadas por seus grupos organizados, chamados de “tendências”. Ao chegar ao poder, esta prática foi reduzida pela centralização criada para fazer o governo funcionar. As “tendências” foram perdendo força e suas teses, aos poucos, abandonadas.
Nos últimos meses, o partido passou a adotar “narrativas”, criadas conforme a interpretação de alguns dirigentes ou seus marqueteiros, para serem transformadas em lendas acreditadas sem contestações, o contrário do debate de teses. À exceção de alguns poucos líderes, a exemplo de Tarso Genro, que se mantêm fiéis a teses.
Foi propalada a lenda de que os programas de transferência de renda foram inventados e criados, em 2004, pelo governo Lula. A narrativa ignora o programa Bolsa Escola, criado pelo governo do PT no Distrito Federal, em 1995, espalhado para diversas cidades, inclusive São Paulo, no governo da Marta Suplicy, e depois adotado pelo governo Fernando Henrique, em 2001. O programa foi ampliado com o nome de Bolsa Família, mas, ao relegar o aspecto educacional, transformou-se em instrumento de assistência social.
Em 2009, foi criada a narrativa de que o pré-sal era um produto do governo Lula e que suas receitas salvariam o Brasil, especialmente educação e saúde. Anos depois, estes setores não viram os resultados prometidos, e a Petrobras luta para sobreviver após a rapinagem do petrolão.
Vendeu-se a narrativa de que o Brasil havia superado o quadro de pobreza e que 35 milhões ingressaram na classe média, como a família que recebesse em 2012 renda per capita mensal entre R$ 291 e R$ 1.091. Este baixo valor e a elevada e persistente inflação desmoralizaram a narrativa.
Apresentaram a lenda de que as generosas desonerações fiscais seriam capazes de transformar a crise mundial em uma marolinha brasileira. Graças às cotas, positivas, mas localizadas e restritas a raras pessoas, houve a narrativa de que os filhos de todos os pobres tinham vagas nas universidades, mesmo sem a melhoria da educação básica, porque raríssimos pobres terminam o ensino médio com qualidade.
Agora, passa-se a narrativa de que o impeachment é golpe, mesmo se for comprovado crime de responsabilidade previsto na Constituição. Individualmente, cada um pode ter razões para duvidar se as gravidades dos fatos apresentados na petição do impeachment justificam a destituição de uma presidente eleita por mais de 53 milhões de votos. Mas não há razão para acreditar na narrativa de golpe, se o procedimento estiver seguindo as normas, leis e ritos constitucionais, conforme seguiu no caso do ex-presidente Fernando Collor.
Esta narrativa é, porém, um direito do partido na estratégia eleitoral para 2018. É lamentável, porém, que o partido das “teses” tenha se transformado no partido das “narrativas”.
A falácia da legitimidade - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADÃO - 14/05
O principal argumento de Dilma Rousseff e do PT para repudiar o “golpe” que afastou provisoriamente do cargo a chefe de governo mais impopular da história é a legitimidade de um mandato conquistado com o voto de 54 milhões de brasileiros. Legitimidade que, para os petistas, não se estende ao vice-presidente eleito na mesma chapa, com o mesmo número de votos. Legitimidade que os petistas negam ao Supremo Tribunal Federal para estabelecer o rito a ser seguido pelo processo de impeachment no Legislativo. Legitimidade que o PT nega igualmente ao Congresso Nacional para deliberar, por ampla maioria de votos, sobre a admissibilidade do processo de impeachment e, em consequência, transferir provisoriamente ao sucessor constitucional de Dilma o comando do governo.
Legítimo, no Brasil, só o PT. E isso explica o fato de os petistas terem anunciado que não reconhecerão a investidura de Michel Temer na Presidência interina, farão oposição radical a seu governo “ilegítimo” e recusar-se-ão até mesmo a examinar, no Congresso, toda e qualquer medida proposta pelo “usurpador”.
A disposição de radicalizar ao extremo a oposição ao governo cuja legitimidade não reconhecem foi anunciada por parlamentares petistas logo após a decisão do Senado de dar sequência ao processo de impeachment. Enquanto os senadores debatiam a questão, na madrugada de quinta-feira, deputados petistas e seus aliados do PC do B se reuniam na Câmara para discutir a melhor maneira de reagir à derrota considerada inevitável. O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) foi um dos primeiros a anunciar o lançamento do movimento intitulado “Temer jamais será presidente, será sempre golpista” ou, opcionalmente, apenas “Temer, o golpista”:
“Nenhum documento assinado por Michel Temer tem qualquer valor, são todos nulos”. E por isso, explicou, a bancada petista não levará em consideração nenhuma proposta enviada pelo novo governo.
A petista gaúcha Maria do Rosário negou legitimidade às decisões do Congresso sobre o impeachment: “Nem sempre a maioria tem razão. A maioria desse Parlamento é golpista”. Ou seja, quem legitima a atuação de senadores e deputados não é o voto popular: é o discernimento dos petistas. Linha auxiliar do lulopetismo, a deputada Luciana Santos (PC do B-PE) compartilha do peculiar entendimento do PT a respeito de quem tem ou não tem direito de falar em nome do povo: “Vamos ter dois presidentes, uma eleita com 54 milhões de votos e outro, ilegítimo, sem voto nenhum”. Raciocínio – ou absoluta falta dele – que escamoteia o fato de que, em eleição para chefe de Executivo, o voto é dado não apenas a quem encabeça a chapa, mas também a seu parceiro.
Essas manifestações de indisfarçável rancor de petistas e aliados diante da adversidade dão a exata medida da mentalidade autoritária, antidemocrática, do grupo político que se julga dono da verdade e durante mais de 13 anos manipulou a opinião pública, particularmente os segmentos menos informados da população. Apresentam-se como monopolistas da defesa do bem comum, protetores dos fracos e oprimidos contra a sanha segregadora das elites impiedosas. Derrotados, fazem-se de vítimas e não têm a dignidade de assumir erros, cuja responsabilidade transferem a inimigos – alguns imaginários –, como fez Dilma Rousseff em todas as oportunidades que teve desde o início da tramitação do processo do impeachment.
Diante disso, pode-se prever que o lulopetismo não terá o menor escrúpulo de sabotar o governo Temer em tudo que estiver a seu alcance, agora mais restrito. No Congresso, está praticamente isolado, sem votos suficientes para se opor à maioria parlamentar que está sendo construída em torno do novo governo. Nas ruas, certamente continuará contando com a militância das entidades e movimentos como CUT, UNE, MTST, que gravitam em seu entorno e dos cofres públicos que certamente lhes serão fechados. O que indica que o País provavelmente terá que se habituar às “manifestações legítimas” de grupelhos de vândalos que infernizarão a vida dos brasileiros nas ruas e estradas.
Primeiras diretrizes - EDITORIAL FOLHA DE SP
Folha de SP - 14/05
As primeiras manifestações dos responsáveis pela economia no governo de Michel Temer (PMDB), embora genéricas, foram enfáticas. Sem rodeios, o novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles,afirmou que estão nos planos tanto uma reforma da Previdência como das leis do trabalho.
Não se trata mais de simples declaração de um político profissional, acostumado a selecionar palavras e a ignorar compromissos assumidos. Trata-se de carta de intenções assinada por quem parece gozar de ampla liberdade e total respaldo dentro da nova gestão.
Nesta sexta-feira (13), Meirelles de fato transmitiu a mensagem de que é principal autoridade da área econômica. Ressaltou que tem o poder de nomear os presidentes dos bancos públicos e, mais importante, anunciar o nome do presidente do Banco Central, em tese uma autoridade autônoma, por costume, desde a virada do século.
A divisão de tarefas da nova equipe parece bem ordenada. A Romero Jucá, no Planejamento, caberá cuidar de racionalizar a gestão, de desregulamentar a economia e do diálogo com o empresariado.
José Serra, nas Relações Exteriores, terá meios e o apoio de Temer para transformar a política comercial externa. Imagina-se que haverá não só mais abertura mas também uma reorientação geopolítica dos acordos: tratados bilaterais ou multilaterais, o que for de maior conveniência econômica, em vez de alinhamento ideológico.
Ainda não há, porém, iniciativas concretas. Meirelles sugere que anunciará novas metas de contenção de gastos somente quando houver avaliação realista das despesas e receitas —há desconfiança a respeito dos balanços deixados pela gestão Dilma Rousseff (PT).
Não ficou claro como funcionará o teto para gastos públicos; a princípio, supõe-se que não haverá crescimento real das despesas (nada além da inflação). Quanto a aumento de impostos, apesar da automática ojeriza que esse tipo de proposta suscita, uma tributação extra e provisória soa inevitável.
Haverá renegociação de dívidas com Estados: a União relaxará a cobrança de débitos em troca de contenção de despesas com servidores e, provavelmente, de um acordo de simplificação do ICMS.
Desonerações de impostos e subsídios para empresas serão revistos, embora o ministro tenha ressalvado que compromissos não serão rompidos: a revisão ocorreria no vencimento desses benefícios. A maior parte dos reajustes de servidores acordados será concedida, mas haverá reestudo dos salários da administração pública.
Em suma, um programa essencialmente correto em suas diretrizes. Resta conhecer o plano em si e saber se o novo governo, assumindo num contexto anormal, terá capacidade política de superar as inevitáveis resistências.
As primeiras manifestações dos responsáveis pela economia no governo de Michel Temer (PMDB), embora genéricas, foram enfáticas. Sem rodeios, o novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles,afirmou que estão nos planos tanto uma reforma da Previdência como das leis do trabalho.
Não se trata mais de simples declaração de um político profissional, acostumado a selecionar palavras e a ignorar compromissos assumidos. Trata-se de carta de intenções assinada por quem parece gozar de ampla liberdade e total respaldo dentro da nova gestão.
Nesta sexta-feira (13), Meirelles de fato transmitiu a mensagem de que é principal autoridade da área econômica. Ressaltou que tem o poder de nomear os presidentes dos bancos públicos e, mais importante, anunciar o nome do presidente do Banco Central, em tese uma autoridade autônoma, por costume, desde a virada do século.
A divisão de tarefas da nova equipe parece bem ordenada. A Romero Jucá, no Planejamento, caberá cuidar de racionalizar a gestão, de desregulamentar a economia e do diálogo com o empresariado.
José Serra, nas Relações Exteriores, terá meios e o apoio de Temer para transformar a política comercial externa. Imagina-se que haverá não só mais abertura mas também uma reorientação geopolítica dos acordos: tratados bilaterais ou multilaterais, o que for de maior conveniência econômica, em vez de alinhamento ideológico.
Ainda não há, porém, iniciativas concretas. Meirelles sugere que anunciará novas metas de contenção de gastos somente quando houver avaliação realista das despesas e receitas —há desconfiança a respeito dos balanços deixados pela gestão Dilma Rousseff (PT).
Não ficou claro como funcionará o teto para gastos públicos; a princípio, supõe-se que não haverá crescimento real das despesas (nada além da inflação). Quanto a aumento de impostos, apesar da automática ojeriza que esse tipo de proposta suscita, uma tributação extra e provisória soa inevitável.
Haverá renegociação de dívidas com Estados: a União relaxará a cobrança de débitos em troca de contenção de despesas com servidores e, provavelmente, de um acordo de simplificação do ICMS.
Desonerações de impostos e subsídios para empresas serão revistos, embora o ministro tenha ressalvado que compromissos não serão rompidos: a revisão ocorreria no vencimento desses benefícios. A maior parte dos reajustes de servidores acordados será concedida, mas haverá reestudo dos salários da administração pública.
Em suma, um programa essencialmente correto em suas diretrizes. Resta conhecer o plano em si e saber se o novo governo, assumindo num contexto anormal, terá capacidade política de superar as inevitáveis resistências.
Tempestade perfeita numa caixa- preta - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 14/05
HERANÇA MALDITA
O primeiro dia de expediente completo do governo do presidente interino Michel Temer foi assim como entrar em casa desconhecida sem luz — devagar e com cuidado. Não em definições de linha de trabalho, filosofia de administração, mas em anúncio de medidas concretas. Muito compreensível, porque não se pode exigir que o presidente e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, por exemplo, saibam ao certo em que estado se encontra a nação. Meirelles foi presidente do Banco Central na primeira gestão lulopetista. Porém faz muito tempo.
Mais do que isso, Temer e equipe recebem não um governo, mas uma caixa-preta, depois de cinco anos de um governo que se notabilizou, entre outras mazelas, por falsear a contabilidade pública, para esconder graves afrontas à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a regras orçamentárias. Por isso, a sua chefe, Dilma Rousseff, está afastada do Planalto, à espera, no Alvorada, da fase de julgamento do seu impeachment.
O dia de ontem foi de entrevistas de ministros, para explicar planos de trabalho. Quem atrai mais atenção e expectativa, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, começou cedo, no “Bom Dia Brasil”, da TV Globo, em que foi claro ao explicar que antes de medidas objetivas é preciso conhecer os números reais. Faz muito sentido, tratando-se de sucessores de um governo que usou à larga as técnicas de prestidigitação da “contabilidade criativa”, do secretário do Tesouro Arno Augustin, do ministro da Fazenda Guido Mantega, com o óbvio aval de Dilma, a efetiva responsável-mor pela política econômica.
Saber “a verdade” das contas públicas, disse Meirelles, é essencial para reequilibrá-las, o maior problema que tem o país. Logo, Temer. Nem mesmo a proposta de revisão da meta fiscal deste ano, enviada por Dilma ao Congresso, para converter um ilusório superávit num déficit gigantesco de R$ 96 bilhões é confiável. O ministro está preparado para o rombo, que precisa da aprovação do Congresso, ser ainda maior. E isso tem de ser resolvido logo, na semana que vem, para que alguns serviços públicos não venham a ser afetados por falta de verbas.
A acertada preocupação do governo — desdenhada por Dilma e “desenvolvimentistas” — é mudar a perspectiva de insolvência da União. O próprio Banco Central estima que a dívida pública bruta, em sua escalada para chegar a 100% do PIB em 2020, deverá atingir 71,5% este ano. Em 2014, era 52,1%. A velocidade da degradação fiscal, acelerada para Dilma conseguir se reeleger em 2014, impressiona. É o que mostram, acima, os gráficos da evolução da dívida e do aprofundamento do déficit público total, incluindo a conta dos juros da dívida, déficit próximo de assustadores 10% do PIB. Sem inverter esta tendência, não voltam o investimento, nem o consumo. E mantém-se o desemprego.
Meirelles não esconde que serão tomadas medidas duras. Afinal, o resultado do desarranjo fiscal tem sido a recessão, na faixa dos 8% em dois anos, algo histórico. Ela é tão profunda que tem conseguido conter a inflação. O que não merece comemorações.
O presidente Temer tem pressa. Não apenas porque conta com até seis meses para mostrar trabalho — tempo máximo que Dilma ficará afastada do Planalto, sem ser julgada —, como também a seriedade da crise exige rapidez em ações de choque, de mudanças estruturais.
Daí já se anunciar, enfim, a tardia reforma da Previdência, com o estabelecimento de idades mínimas para a aposentadoria e regras para garantir direitos; e também a desvinculação orçamentária e a desindexação de gastos. Tudo urgente, também para aproveitar a lua de mel do presidente com o Congresso, onde precisará de quórum qualificado para as necessárias alterações na Constituição. Poderia não ser assim, mas o populismo não deixou.
HERANÇA MALDITA
O primeiro dia de expediente completo do governo do presidente interino Michel Temer foi assim como entrar em casa desconhecida sem luz — devagar e com cuidado. Não em definições de linha de trabalho, filosofia de administração, mas em anúncio de medidas concretas. Muito compreensível, porque não se pode exigir que o presidente e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, por exemplo, saibam ao certo em que estado se encontra a nação. Meirelles foi presidente do Banco Central na primeira gestão lulopetista. Porém faz muito tempo.
Mais do que isso, Temer e equipe recebem não um governo, mas uma caixa-preta, depois de cinco anos de um governo que se notabilizou, entre outras mazelas, por falsear a contabilidade pública, para esconder graves afrontas à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a regras orçamentárias. Por isso, a sua chefe, Dilma Rousseff, está afastada do Planalto, à espera, no Alvorada, da fase de julgamento do seu impeachment.
O dia de ontem foi de entrevistas de ministros, para explicar planos de trabalho. Quem atrai mais atenção e expectativa, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, começou cedo, no “Bom Dia Brasil”, da TV Globo, em que foi claro ao explicar que antes de medidas objetivas é preciso conhecer os números reais. Faz muito sentido, tratando-se de sucessores de um governo que usou à larga as técnicas de prestidigitação da “contabilidade criativa”, do secretário do Tesouro Arno Augustin, do ministro da Fazenda Guido Mantega, com o óbvio aval de Dilma, a efetiva responsável-mor pela política econômica.
Saber “a verdade” das contas públicas, disse Meirelles, é essencial para reequilibrá-las, o maior problema que tem o país. Logo, Temer. Nem mesmo a proposta de revisão da meta fiscal deste ano, enviada por Dilma ao Congresso, para converter um ilusório superávit num déficit gigantesco de R$ 96 bilhões é confiável. O ministro está preparado para o rombo, que precisa da aprovação do Congresso, ser ainda maior. E isso tem de ser resolvido logo, na semana que vem, para que alguns serviços públicos não venham a ser afetados por falta de verbas.
A acertada preocupação do governo — desdenhada por Dilma e “desenvolvimentistas” — é mudar a perspectiva de insolvência da União. O próprio Banco Central estima que a dívida pública bruta, em sua escalada para chegar a 100% do PIB em 2020, deverá atingir 71,5% este ano. Em 2014, era 52,1%. A velocidade da degradação fiscal, acelerada para Dilma conseguir se reeleger em 2014, impressiona. É o que mostram, acima, os gráficos da evolução da dívida e do aprofundamento do déficit público total, incluindo a conta dos juros da dívida, déficit próximo de assustadores 10% do PIB. Sem inverter esta tendência, não voltam o investimento, nem o consumo. E mantém-se o desemprego.
Meirelles não esconde que serão tomadas medidas duras. Afinal, o resultado do desarranjo fiscal tem sido a recessão, na faixa dos 8% em dois anos, algo histórico. Ela é tão profunda que tem conseguido conter a inflação. O que não merece comemorações.
O presidente Temer tem pressa. Não apenas porque conta com até seis meses para mostrar trabalho — tempo máximo que Dilma ficará afastada do Planalto, sem ser julgada —, como também a seriedade da crise exige rapidez em ações de choque, de mudanças estruturais.
Daí já se anunciar, enfim, a tardia reforma da Previdência, com o estabelecimento de idades mínimas para a aposentadoria e regras para garantir direitos; e também a desvinculação orçamentária e a desindexação de gastos. Tudo urgente, também para aproveitar a lua de mel do presidente com o Congresso, onde precisará de quórum qualificado para as necessárias alterações na Constituição. Poderia não ser assim, mas o populismo não deixou.
O novo governo começa a se definir - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADÃO - 14/05
No primeiro discurso que fez na condição de presidente da República em exercício, Michel Temer abriu espaço para a concórdia entre as várias forças políticas – inclusive da oposição –, exibiu o perfil negociador de seu governo e, sem apelar para fantasias, externou a determinação de rapidamente debelar a enorme crise legada pela presidente afastada Dilma Rousseff. Com isso, procurou marcar as diferenças entre seu método de governo – apresentando-se disposto ao diálogo, com afeição pela política e com foco nas reais prioridades nacionais – e o de sua antecessora – fechada em si mesma, hostil ao Congresso e dedicada em tempo integral a desnortear seus assessores com irrelevâncias administrativas e ideias estapafúrdias.
Algumas pessoas, porém, podem ter considerado preocupante a relativa ligeireza com que Temer e, depois, alguns de seus ministros abordaram o urgente tema das reformas que o novo governo pretende liderar nos próximos dois anos. Isso certamente se explica pelo exíguo tempo que o vice-presidente teve para selecionar a equipe que o acompanharia até o Palácio do Planalto e para elaborar um plano de trabalho mínimo e comum a vários partidos.
É de se notar que os discursos do presidente em exercício e os dos ministros são concatenados, como se já constituíssem uma equipe há tempos. Isso é um bom sinal.
Todos parecem convictos da necessidade de realizar profundas alterações, por exemplo, na Previdência, cujas regras anacrônicas comprometem de forma permanente as contas públicas. Também parece não haver dúvida de que é preciso encaminhar mudanças significativas nas leis trabalhistas, pois as que vigoram representam grande entrave para a geração de empregos. Esses temas cruciais foram mencionados por Temer, que deles tratou com o cuidado que merecem e as cautelas que o tempo exige.
Primeiro, Temer assegurou que as medidas a serem adotadas resultarão de amplos acordos, pois “ninguém, absolutamente ninguém, individualmente, tem as melhores receitas para as reformas que precisamos realizar”. Em seguida – decerto preocupado em acalmar os ânimos acirrados pela propaganda negativa do PT, que martela dia e noite que Temer pretende acabar com os direitos dos trabalhadores e com os programas sociais – ele declarou que “nenhuma dessas reformas alterará os direitos adquiridos pelos cidadãos brasileiros”. A garantia, lembrou Temer, está na Constituição Federal e ele respeitará o “livrinho”.
Temer qualificou as reformas trabalhista e previdenciária como “controvertidas”, o que de fato são, mas, a rigor, não precisava limitar-se a essa constatação. Mesmo levando-se em conta a excepcionalidade das circunstâncias em que assumiu a Presidência – Temer terminou de montar sua equipe quase ao mesmo tempo que fazia seu primeiro discurso –, o novo governo dispõe de alternativas que já estão à mão. Se quiser acelerar a reforma da Previdência, por exemplo, Temer pode ganhar tempo recorrendo aos estudos que o governo anterior já havia preparado – entre os quais a fixação de idade mínima para a aposentadoria –, mas deixou de propor ao Congresso porque Dilma não suportou as pressões de seu próprio partido.
Quanto à reforma trabalhista, Temer pode também se empenhar para a aprovação da terceirização da mão de obra, que está emperrada porque o PT e os sindicatos consideram que esse projeto “faz o Brasil retornar ao que era no começo do século passado”, no dizer do chefão petista Luiz Inácio Lula da Silva. Superar esse entrave retrógrado imposto por sindicalistas, muito mais preocupados com quem está empregado – e paga imposto sindical – do que com quem pena em busca de uma vaga, já traria grande estímulo ao mercado de trabalho.
Portanto, há maneiras de atender às urgências que a crise impõe. O mais importante é que o novo governo encaminhe essas espinhosas questões de maneira transparente e determinada, pois é no detalhamento dessas reformas e no vigor de sua defesa que será possível saber se Temer será capaz de superar a crise de maneira consistente, sem recorrer a truques ou à tapeação marqueteira, tão comuns na gestão anterior. Reformas hesitantes e superficiais, feitas para agradar a todos e não desagradar a ninguém, podem dar uma ilusão de progresso e tranquilidade. Mas não garantirão um futuro melhor para os brasileiros.
No primeiro discurso que fez na condição de presidente da República em exercício, Michel Temer abriu espaço para a concórdia entre as várias forças políticas – inclusive da oposição –, exibiu o perfil negociador de seu governo e, sem apelar para fantasias, externou a determinação de rapidamente debelar a enorme crise legada pela presidente afastada Dilma Rousseff. Com isso, procurou marcar as diferenças entre seu método de governo – apresentando-se disposto ao diálogo, com afeição pela política e com foco nas reais prioridades nacionais – e o de sua antecessora – fechada em si mesma, hostil ao Congresso e dedicada em tempo integral a desnortear seus assessores com irrelevâncias administrativas e ideias estapafúrdias.
Algumas pessoas, porém, podem ter considerado preocupante a relativa ligeireza com que Temer e, depois, alguns de seus ministros abordaram o urgente tema das reformas que o novo governo pretende liderar nos próximos dois anos. Isso certamente se explica pelo exíguo tempo que o vice-presidente teve para selecionar a equipe que o acompanharia até o Palácio do Planalto e para elaborar um plano de trabalho mínimo e comum a vários partidos.
É de se notar que os discursos do presidente em exercício e os dos ministros são concatenados, como se já constituíssem uma equipe há tempos. Isso é um bom sinal.
Todos parecem convictos da necessidade de realizar profundas alterações, por exemplo, na Previdência, cujas regras anacrônicas comprometem de forma permanente as contas públicas. Também parece não haver dúvida de que é preciso encaminhar mudanças significativas nas leis trabalhistas, pois as que vigoram representam grande entrave para a geração de empregos. Esses temas cruciais foram mencionados por Temer, que deles tratou com o cuidado que merecem e as cautelas que o tempo exige.
Primeiro, Temer assegurou que as medidas a serem adotadas resultarão de amplos acordos, pois “ninguém, absolutamente ninguém, individualmente, tem as melhores receitas para as reformas que precisamos realizar”. Em seguida – decerto preocupado em acalmar os ânimos acirrados pela propaganda negativa do PT, que martela dia e noite que Temer pretende acabar com os direitos dos trabalhadores e com os programas sociais – ele declarou que “nenhuma dessas reformas alterará os direitos adquiridos pelos cidadãos brasileiros”. A garantia, lembrou Temer, está na Constituição Federal e ele respeitará o “livrinho”.
Temer qualificou as reformas trabalhista e previdenciária como “controvertidas”, o que de fato são, mas, a rigor, não precisava limitar-se a essa constatação. Mesmo levando-se em conta a excepcionalidade das circunstâncias em que assumiu a Presidência – Temer terminou de montar sua equipe quase ao mesmo tempo que fazia seu primeiro discurso –, o novo governo dispõe de alternativas que já estão à mão. Se quiser acelerar a reforma da Previdência, por exemplo, Temer pode ganhar tempo recorrendo aos estudos que o governo anterior já havia preparado – entre os quais a fixação de idade mínima para a aposentadoria –, mas deixou de propor ao Congresso porque Dilma não suportou as pressões de seu próprio partido.
Quanto à reforma trabalhista, Temer pode também se empenhar para a aprovação da terceirização da mão de obra, que está emperrada porque o PT e os sindicatos consideram que esse projeto “faz o Brasil retornar ao que era no começo do século passado”, no dizer do chefão petista Luiz Inácio Lula da Silva. Superar esse entrave retrógrado imposto por sindicalistas, muito mais preocupados com quem está empregado – e paga imposto sindical – do que com quem pena em busca de uma vaga, já traria grande estímulo ao mercado de trabalho.
Portanto, há maneiras de atender às urgências que a crise impõe. O mais importante é que o novo governo encaminhe essas espinhosas questões de maneira transparente e determinada, pois é no detalhamento dessas reformas e no vigor de sua defesa que será possível saber se Temer será capaz de superar a crise de maneira consistente, sem recorrer a truques ou à tapeação marqueteira, tão comuns na gestão anterior. Reformas hesitantes e superficiais, feitas para agradar a todos e não desagradar a ninguém, podem dar uma ilusão de progresso e tranquilidade. Mas não garantirão um futuro melhor para os brasileiros.
O ajuste necessário - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
Gazeta do Povo - 14/05
Talvez nestes primeiros meses o maior desafio do novo ministro será o de conseguir a aprovação da reforma previdenciária
Na primeira entrevista que concedeu no cargo de ministro da Fazenda, Henrique Meirelles apresentou de forma realista e pragmática o caminho que pretende trilhar para fazer novamente o país crescer. Meirelles declarou que a prioridade neste momento é equilibrar as contas do governo e evitar o crescimento da dívida pública. Enfatizou também o compromisso em atingir a meta de inflação, deixando claro que a função primordial da pasta será a de garantir estabilidade do cenário econômico.
O ministro terá de agir rápido. Na próxima semana o Congresso Nacional deve votar a revisão da meta fiscal. Com a arrecadação em queda, a meta de superávit primário de R$ 25 bilhões, fixada na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2016, virou ficção e a proposta feita ainda no governo Dilma é de que fosse alterada para registrar déficit de até R$ 96,7 bilhões. Conseguir do Congresso a aprovação da nova meta é crucial para evitar a paralisia da máquina pública, caso haja novas necessidades de contingenciamento orçamentário neste ano. Isso significa que Meirelles precisará apresentar já na próxima semana um número realista sobre o verdadeiro estado das contas públicas.
Durante a entrevista, o ministro centrou seu discurso em questões fiscais e monetárias, não mencionando a criação de programas de estímulos de crescimento ou geração de empregos. A ausência do tema não evidencia que medidas desta natureza estão, ao menos no âmbito da pasta, fora de cogitação. Mas que não constituem prioridade. Pelo contrário, o ministro pretende rever a qualidade do gasto público, mantendo programas sociais e de estímulo econômico que estejam funcionando e, ao mesmo tempo, removendo benefícios que não fazem mais sentido, o que requererá uma análise criteriosa.
Ainda em relação ao desafio de consertar as contas públicas, Meirelles acerta ao dizer que pretende criar um teto de gastos para o governo. Isso permitirá que o gasto público não suba à medida que cresce o PIB – uma proposta necessária e que conta com o consenso no mercado.
Talvez nestes primeiros meses o maior desafio do novo ministro será o de conseguir a aprovação da reforma previdenciária. O momento é crítico e não existe ajuste de longo prazo se não forem mexidas as regras da previdência. Sem rodeios, Meirelles se posiciona de forma realista ao falar que terá de encaminhar um projeto que altere a idade mínima para a aposentadoria e estabeleça regras de transição – algo que deve gerar insatisfação especialmente junto às centrais sindicais. Essa pode ser a negociação mais difícil que levará a cabo neste momento.
Para ter sucesso, a condução do processo terá de ser muito diferente da que foi feito no governo Dilma. O ex-ministro Nelson Barbosa demorou tempo demais para construir a proposta em consenso com as centrais sindicais e empresários e, depois, o projeto foi desfigurado no Congresso Nacional com a ajuda do próprio PT. O resultado, a aprovação de uma lei que no longo prazo traria mais problemas às contas públicas. Com razão, Dilma vetou a proposta, mas garantiu que iria enviar outra parecida neste ano.
O estilo de Meirelles pode facilitar a negociação da reforma da previdência junto ao Congresso. Com perfil mais político que o de Joaquim Levi, Meirelles reúne condições de sair vitorioso onde o antigo ministro de Dilma falhou. As circunstâncias também o favorecem – os parlamentares sabem da necessidade do ajuste. Sem elas, o país não sairá da crise.
Talvez nestes primeiros meses o maior desafio do novo ministro será o de conseguir a aprovação da reforma previdenciária
Na primeira entrevista que concedeu no cargo de ministro da Fazenda, Henrique Meirelles apresentou de forma realista e pragmática o caminho que pretende trilhar para fazer novamente o país crescer. Meirelles declarou que a prioridade neste momento é equilibrar as contas do governo e evitar o crescimento da dívida pública. Enfatizou também o compromisso em atingir a meta de inflação, deixando claro que a função primordial da pasta será a de garantir estabilidade do cenário econômico.
O ministro terá de agir rápido. Na próxima semana o Congresso Nacional deve votar a revisão da meta fiscal. Com a arrecadação em queda, a meta de superávit primário de R$ 25 bilhões, fixada na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2016, virou ficção e a proposta feita ainda no governo Dilma é de que fosse alterada para registrar déficit de até R$ 96,7 bilhões. Conseguir do Congresso a aprovação da nova meta é crucial para evitar a paralisia da máquina pública, caso haja novas necessidades de contingenciamento orçamentário neste ano. Isso significa que Meirelles precisará apresentar já na próxima semana um número realista sobre o verdadeiro estado das contas públicas.
Durante a entrevista, o ministro centrou seu discurso em questões fiscais e monetárias, não mencionando a criação de programas de estímulos de crescimento ou geração de empregos. A ausência do tema não evidencia que medidas desta natureza estão, ao menos no âmbito da pasta, fora de cogitação. Mas que não constituem prioridade. Pelo contrário, o ministro pretende rever a qualidade do gasto público, mantendo programas sociais e de estímulo econômico que estejam funcionando e, ao mesmo tempo, removendo benefícios que não fazem mais sentido, o que requererá uma análise criteriosa.
Ainda em relação ao desafio de consertar as contas públicas, Meirelles acerta ao dizer que pretende criar um teto de gastos para o governo. Isso permitirá que o gasto público não suba à medida que cresce o PIB – uma proposta necessária e que conta com o consenso no mercado.
Talvez nestes primeiros meses o maior desafio do novo ministro será o de conseguir a aprovação da reforma previdenciária. O momento é crítico e não existe ajuste de longo prazo se não forem mexidas as regras da previdência. Sem rodeios, Meirelles se posiciona de forma realista ao falar que terá de encaminhar um projeto que altere a idade mínima para a aposentadoria e estabeleça regras de transição – algo que deve gerar insatisfação especialmente junto às centrais sindicais. Essa pode ser a negociação mais difícil que levará a cabo neste momento.
Para ter sucesso, a condução do processo terá de ser muito diferente da que foi feito no governo Dilma. O ex-ministro Nelson Barbosa demorou tempo demais para construir a proposta em consenso com as centrais sindicais e empresários e, depois, o projeto foi desfigurado no Congresso Nacional com a ajuda do próprio PT. O resultado, a aprovação de uma lei que no longo prazo traria mais problemas às contas públicas. Com razão, Dilma vetou a proposta, mas garantiu que iria enviar outra parecida neste ano.
O estilo de Meirelles pode facilitar a negociação da reforma da previdência junto ao Congresso. Com perfil mais político que o de Joaquim Levi, Meirelles reúne condições de sair vitorioso onde o antigo ministro de Dilma falhou. As circunstâncias também o favorecem – os parlamentares sabem da necessidade do ajuste. Sem elas, o país não sairá da crise.
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