terça-feira, abril 05, 2016

Porta dos Fundos no fundo da fossa - KIM KATAGUIRI

Folha de SP - 05/04

O canal de humor "Porta dos Fundos" lançou, na última sexta-feira (2), um vídeo chamado "Delação". Ele gerou revolta no público do canal, que perdeu centenas de milhares de inscritos. Confesso que o achei muito divertido, provavelmente o mais engraçado que se fez por lá. A graça não estava nas "piadas", mas no fato de seus autores acreditarem ter feito humor quando, na realidade, praticaram panfletagem política de boteco.

Na esquete, um policial federal é interpretado por Gregório Duvivier, humorista especializado em fazer rir com suas posições políticas e seus textos "poéticos". O policial interroga um político, interpretado por Fábio Porchat, e o pressiona até obter uma citação caricata do nome de Lula. O espectador é levado a concluir que a investigação é tendenciosa e que não há fundamento para prender Lula.

É evidente que o vídeo trata da Operação Lava Jato. E é igualmente evidente que ele só não foi mais específico para que os autores tenham como defesa um discurso infantiloide do tipo: "Não tinha nada a ver com a Lava Jato, mas se a carapuça serviu..."

O vídeo demonstrou a profunda ignorância de Porchat, que escreveu o roteiro, sobre o esquema do petrolão e sobre o mecanismo da colaboração premiada. É fato que a maioria dos delatores mencionou principalmente políticos do PT e da base aliada, mas insinuar que isso é sinônimo de partidarismo dos investigadores ou do juiz Sergio Moro é uma canalhice tremenda.

A Operação Lava Jato investiga o esquema de corrupção na Petrobras. A essência do esquema é utilizar dinheiro público para manter base parlamentar. A quem interessa comprar deputados e senadores por intermédio de propina para governar? Obviamente, interessa a quem governa. A própria natureza do esquema torna obrigatório o protagonismo do Poder Executivo. E quem comandou este Poder durante os últimos anos foi o PT. A consequência lógica desses fatos é que as revelações das investigações necessariamente implicarão, em sua maioria, nomes do PT ou da base aliada.

Outro ponto absolutamente mentiroso do vídeo é o de que citações sem embasamento podem dar margem a mandados de prisão. O artigo 4º da lei 12.850/2013, que prevê a colaboração premiada, exige que a colaboração seja efetiva. O que significa que, para valer, deve resultar na identificação de cúmplices e dos crimes por eles praticados, na revelação da estrutura e funcionamento da organização criminosa, na prevenção de novos crimes, na recuperação dos lucros obtidos com a prática criminosa ou na localização de eventual vítima com sua integridade física assegurada. Ou seja, não basta citar o nome de qualquer um sem apresentar prova ou conexão com o esquema.

Na Roma antiga, era comum que profissionais do humor fizessem piada dos césares, muitas vezes até na presença dos mesmos. No Brasil contemporâneo, o humor mainstream é governista. Em vez de tirar sarro, puxa o saco. Já as instituições, a democracia, que deveriam ser defendidas daqueles que a querem usurpar por meio da propina, são desrespeitadas com tentativas de piada.

Fábio Porchat e todos os responsáveis pelo canal "Porta dos Fundos" devem um pedido de desculpas à Polícia Federal, à Justiça e a toda sociedade brasileira. Chamar de canalhas aqueles que trabalham numa operação que se tornou símbolo do funcionamento e da independência das instituições brasileiras é um tapa na cara da República.

As democracias garantem o direito de as pessoas serem idiotas. Mas um pedido de desculpas é a mínima demonstração de bom senso que tem de ser dada quando tamanha boçalidade é propagada por pessoas públicas.


Pelos cabelos - JOÃO PEREIRA COUTINHO

Folha de SP - 05/04

Polêmicas por causa do cabelo: o mundo caminha para o Apocalipse? Talvez. Mas antes que a festa acabe, conto rápido.

Um estudante branco da Universidade de São Francisco, ostentando as suas rastas, foi abordado por uma aluna negra. A donzela, indignada com o cabelo do rapaz, acusou: "É a minha cultura!" O rapaz tentou justificar-se perante a agressividade da donzela. As coisas não tomaram proporções violentas porque Corey Goldstein (eis o nome do estudante) fugiu a tempo.

Fugiu, mas não esqueceu: em vídeo posterior ao incidente, Goldstein justificou-se. Ninguém é dono de uma estética particular, disse ele. E, além disso, o cabelo com rastas existiu em múltiplas culturas –dos egípcios aos vikings, sem esquecer os vitorianos. Os negros, quando muito, apenas continuaram uma tradição.

Pior a emenda que o soneto: os Estados Unidos discutem se rastas em rapazes brancos são um roubo cultural imperdoável. E até a Europa participa do delírio: no "The Independent", a escritora Wedaeli Chibelushi acusa Goldstein de desrespeitar os negros e de usar o cabelo com a arrogância própria da "supremacia branca". Será que o rapaz não conhece o papel do cabelo na luta contra o racismo e a segregação racial?

É triste constatar o fato: ontem havia Martin Luther King; hoje há idiotas que discutem penteados.

Para eles, a minha única sugestão é assistirem ao notável e premiado documentário de Chris Rock intitulado "Good Hair". Informação: da última vez que confirmei, Chris Rock não era branco. E a pergunta que anima o seu filme é tentar compreender por que motivo a maioria dos negros nos Estados Unidos tem uma relação assaz problemática com o cabelo.

Abreviando, detestam-no. E tentam desesperadamente alisar as cabeleiras com químicos e "extensões". Quando digo "desesperadamente", não exagero: Chris Rock visita uma das principais fábricas que fornece produtos químicos para o efeito. Fica na Carolina do Norte (ironicamente, um dos estados confederados que romperam com a União no século 19). Conclusão: muitos negros americanos usam hidróxido de sódio para terem belas cabeleiras lisas.

O hidróxido de sódio (ou, para os leigos, a soda cáustica) é um composto perigoso que pode causar lesões permanentes na pele. E quando um cientista, entrevistado por Chris Rock, pergunta o óbvio ("Mas por que motivo fazem isso?"), o ator responde também o óbvio ("Para parecerem brancos").

Mas não é preciso correr riscos para a saúde quando a ideia é imitar os brancos. Alguns, mais endinheirados, compram extensões e resolvem o assunto sem abrir buracos na cabeça. E de onde vêm essas extensões?

Chris Rock pega um avião e viaja para a Índia. Nos templos, é comum pagar promessas com cortes radicais. O cabelo é depois lavado, tratado e exportado para os Estados Unidos. Esses são, digamos, os fornecedores "normais".

Mas também existem máfias que atacam indianas adormecidas (ou desprevenidas) para roubarem cabelo. O destino do roubo, pago a peso de ouro, é o mesmo.

Não sei o que diriam os indignados como Wedaeli Chibelushi sobre essa realidade: a constante tentativa dos negros americanos em "apropriarem-se" dos penteados dos brancos.

Um esforço de apropriação que depende muitas vezes do risco pessoal ou da exploração dos mais miseráveis asiáticos.

Provavelmente, dirão que a culpa é novamente dos brancos e do "imperialismo" capilar que eles impõem na TV, no cinema ou na moda.

Aliás, se o "pensamento" de criaturas como Wedaeli Chibelushi fosse para levar a sério, as culturas humanas estariam condenadas a nunca se misturarem umas com as outras.

Um branco jamais poderia praticar capoeira. Um negro jamais poderia lutar kung fu. Curiosamente, seria uma nova segregação racial, promovida por aqueles que lutam contra a segregação racial. Perfeito.

Da minha parte, a única coisa que posso prometer é nunca acusar nenhum negro de "roubar a minha cultura" só porque ele usa cabelos lisos.

Infelizmente, o mesmo já não posso dizer das pobres indianas, que despertam todas as manhãs com menos peso na cabeça.

Herança dilapidada - HÉLIO SCHWARTSMAN

folha de SP - 05/04

Uma das leis de ferro da política é aquela que assevera que governos que não tenham sustentação acabam caindo. A queda pode materializar-se de diversos modos. Há desde os golpes de Estado clássicos, com tanques nas ruas e tudo, até insurreições populares, como vimos na Argentina em 2001, passando por acordões de elites, assassinatos políticos e mesmo soluções institucionais, como o impeachment ou a destituição judicial.

No limite, o governo pode até cair sem cair, que é o que ocorre quando uma administração já não tem condição nenhuma de gerir o país, mas a sociedade não encontra uma maneira de resolver o impasse, de modo que as forças da inércia prevalecem. É claro que um governo que não governa deixa de ser um governo.

O cardápio só traz pratos indigestos. A dupla renúncia (de Dilma e Temer), como quer a Folha, seria dos menos intragáveis, mas me parece uma possibilidade extremamente remota. Exigiria um nível de desprendimento que não vejo nos personagens envolvidos. Em seguida, numa escala que combina palatabilidade com probabilidade, vem o impeachment.

Ele tem a vantagem de ser uma saída prevista pela Constituição e muito mais civilizada que o assassinato, mas com a desvantagem de entregar o poder ao PMDB, um partido que está tão metido quanto o PT nos malfeitos que deflagraram a crise. O ponto é que, a essa altura, a situação econômica é tão ruim que mesmo uma mudança incerta parece preferível à certeza de manter o "statu quo".

Meio a contragosto –prefiro sempre ver mandatos chegarem à sua conclusão–, começo a achar que o impeachment é uma solução aceitável. Dilma teve a chance de fazer um bom governo –ela própria disse ter recebido uma herança bendita e teve apoio de todos os setores–, mas fracassou. Deve assumir seus erros. Seu direito de concluir o mandato não é maior que o direito de milhões de brasileiros a um governo funcional.

Pirro & Pirra - CELSO MING

ESTADÃO - 05/04

A destruição de capital político que a presidente Dilma vem colhendo para evitar o impeachment é a busca da vitória a qualquer custo; Se acontecer, deverá ter causado prejuízos irreparáveis para ela, para o PT e também para o Brasil


Pirro, o rei-general do Épiro (território hoje em boa parte ocupado pela Grécia e pela Albânia), venceu os romanos na batalha de Heracleia (280 a.C.) e de Ásculo (279 a.C). Mas seus exércitos saíram tão destroçados e o desastre foi tão completo que essa vitória ficou historicamente conhecida como derrota: é a vitória de Pirro.

A destruição de capital político que a presidente Dilma vem colhendo com sua obcecada empreitada de defender o direito de envergar a faixa presidencial é tão grande que é inevitável a comparação com a desastrada campanha de Pirro. É a busca da vitória a qualquer custo. Se acontecer, deverá ter causado prejuízos irreparáveis para ela própria, para o PT e, evidentemente, também para o Brasil.


Pirro e Dilma. Que vitória?

O objetivo da hora da presidente Dilma é arrancar o voto de 171 entre 513 deputados. Para uma Câmara dos Deputados que conta com pelo menos 300 picaretas, conforme conhecida avaliação do ex-presidente Lula, este não parece objetivo tão difícil de atingir.

Para isso estão sendo feitas todas as concessões, enterradas as medidas impopulares que tinham por objetivo resgatar a economia e sacrificados quaisquer princípios que ainda estiverem em pé. O Palácio do Planalto foi transformado em palanque e balcão, não para defesa dos interesses do Estado, mas para leilão de benesses políticas destinadas à defesa do próprio governo Dilma.

É a venda da alma ao diabo. Como resultado provável: adeus resgate das contas públicas. A dívida, a recessão e o desemprego irão para onde tiverem de ir. E as tais políticas sociais ficarão em grande parte nas mãos de oportunistas do baixo clero e, como de hábito, acordos políticos deixam de ser cumpridos. O que seriam, enfim, os dois anos e meio de mandato da presidente Dilma que teriam de ser cumpridos caso o governo consiga comprar o voto salvador dos tais 171 representantes do povo?

Há quem argumente que, afinal, o atual programa econômico da presidente Dilma, de cuja implantação se encarregaram os ministros Joaquim Levy e Nelson Barbosa, não é lá muito diferente do que já foi apresentado pelo vice-presidente Michel Temer no documento "Uma ponte para o futuro". Nessas condições, não haveria muito por que temer pela legitimidade da presidente Dilma, se ela conseguisse se livrar do impeachment.

No entanto, a Pirra do Palácio do Planalto, que hoje conta com 10% de aprovação popular, sairia dessa parada tão destroçada, que muito dificilmente seria capaz de reconquistar um mínimo de apoio nacional para recompor as condições de governar.

O outro lado argumenta que o vice-presidente Michel Temer, que não consegue unir em torno de si nem o enorme saco de gatos chamado PMDB, também teria dificuldades para unir o País, caso tivesse de assumir o comando. E há ainda o jacá de onde a Operação Lava Jato pode sacar incerta quantidade de cobras e lagartos.

O que conta é se o governo que sair da atual esparrela conseguirá o mínimo de confiança para remodelar a economia. Sempre haverá mortos e feridos a contabilizar, desde que a vitória não seja transformada em derrota.

CONFIRA:


Cotação do dólar


Gasolina

Sabe-se lá até que ponto as pressões para redução dos preços dos combustíveis(gasolina e diesel) têm por objetivo desmontar a antipatia do consumidor pela causa da presidente Dilma.

Populismo cambial

Outra ponta da economia que poderia aliviar as agruras do consumidor é a tendência à baixa do dólar no câmbio interno, que baratearia tanto os produtos importados como as viagens ao exterior. Mas essa baixa foi denunciada, no passado, como populismo cambial, fator que contribui para o enfraquecimento da indústria.

A defesa de Dilma - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 05/04

Ministro falhou no tema principal, que era justificar as pedaladas de Dilma. O ministro José Eduardo Cardozo começou com muita ênfase nas preliminares, foi convincente nas críticas que fez ao presidente Eduardo Cunha, mas ficou mais fraco exatamente na hora de falar das pedaladas. Ele negou que o governo Dilma tenha feito operações de crédito com os bancos públicos e repetiu que foram atrasos. Não existe atraso de R$ 72 bilhões. A quantidade, no caso, altera a qualidade da operação.

Ao defender a presidente no comitê do impeachment, Cardozo argumentou que "todos fizeram". Isso é lamentável para um jurista. E nem é verdade. A Lei de Responsabilidade Fiscal, que proibiu operações de crédito com bancos públicos, foi proposta pelo governo Fernando Henrique. Ele não propôs a lei para descumpri-la e sim para estabelecer uma nova ordem na relação entre o controlador e o banco controlado. Teve que lutar pela aprovação da lei à qual o PT se opôs e contra a qual foi ao Supremo. Apesar desta oposição à lei, o TCU não tem registro de que Lula tenha feito essas operações que a sua sucessora fez. E é impossível que os governadores tenham efetuado esta específica operação porque bancos estaduais foram federalizados e privatizados.

Cardozo falou apenas do Plano Safra do Banco do Brasil, mas quando ao fim de 2015 o governo zerou tudo o que tinha ficado pendente de 2014 e 2015 o Tesouro pagou ao Banco do Brasil, Caixa Econômica, BNDES e FGTS. Foram os R$ 72 bilhões pagos no último dia útil de 2015.

O raciocínio do advogado-geral da União é o seguinte: não foram operações de crédito, foram apenas atrasos, não é crime porque todos os outros governantes fizeram, não teve dolo porque não houve má-fé, não foi praticado por ela diretamente, mas pelos seus subordinados. Além de cada parte do raciocínio negar a parte anterior, tem o fato de que ele quer que acreditemos que o ministro da Fazenda e o secretário do Tesouro agiram à revelia da presidente. E que apesar das inúmeras matérias, colunas, artigos alertarem para a violência fiscal que estava sendo cometida, ela permaneceu ignorando os fatos.

Na parte econômica, Cardozo dedicou mais tempo à questão dos decretos de abertura de crédito suplementar, argumentando que todos o fizeram antes, e fazem hoje em outras instâncias administrativas. Citou inclusive o governador tucano Geraldo Alckmin. Pode ser que tenha razão e que, apesar de proibido, tenha virado prática sistemática.

Não faz sentido o argumento de que a meta fiscal nada tem a ver com o orçamento. Não se atinge a meta fiscal se não for através do controle de gastos. Na execução orçamentária há a obrigação de que de dois em dois meses seja feita uma reavaliação de receitas e despesas. O governo Dilma gastou e depois conseguiu no Congresso formas de aceitar o descumprimento da lei. Em 2014, o governo chegou ao ponto de pedir uma licença para nem ter meta fiscal. Ao fim daquele ano, o desequilíbrio era tal que o governo pediu não uma nova meta, mas uma licença para fazer o desconto do tamanho que quisesse na meta. Em 2015, ele aprovou uma meta sob medida para caber todo o rombo que havia produzido.

Se o governo quiser acabar com a Lei de Responsabilidade Fiscal proponha sua extinção e assim terá realizado o projeto que tinha ao entrar na Justiça contra a LRF em 2000. Mas o governo Dilma a desrespeitou e agora diz que não foi nada, foi sem dolo, nem viu, e nem é tão grave assim.

O advogado-geral da União acusou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de ter agido por vingança e usou a imprensa para sustentar seus argumentos. Os jornais de fato registraram os eventos desta forma: ao não ter o apoio da bancada do PT no Conselho de Ética ele anunciou a aceitação do pedido de impeachment. Ele acusou Cunha de "abuso de poder".

Outra tese que o governo sustenta - e neste ponto Cardozo se apoiou na decisão de Cunha, porque favorece o governo - é que só podem ser considerados atos de 2015. Os juristas que o digam, mas no caso da economia há uma continuidade de eventos. A desordem que ela fez nas contas públicas no fim do primeiro mandato, com o objetivo de ser reeleita, pesa até hoje sobre os ombros do país em forma de inflação, recessão, desemprego e dívida pública crescente.


Perdas e danos - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 05/04

Negócios obscuros ampliaram perdas no FGTS para trabalhadores. Nas estatais e seus fundos de pensão a situação ficou crítica — os Correios só garantem salários até setembro



O dinheiro é fácil e barato para empresários com amigos no centro do poder. O lucro é certo para empresas privadas privilegiadas.

É jogo de um único perdedor, a quem nem é preciso dar satisfações: trinta milhões de pessoas, submetidas à poupança compulsória no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, donas de um patrimônio bilionário (mais de R$ 207 bilhões, em janeiro).

Sobram perdas para os trabalhadores, a começar pela corrosão monetária (TR+ 3% ao ano) imposta ao fundo.

Há muito mais. Neste mês reluz o reconhecimento do prejuízo de R$ 1 bilhão investidos na Sete Brasil — figurante em dois de cada três inquéritos criminais no Supremo e na Justiça Federal sobre a megalomania, má gerência e corrupção que devastaram a Petrobras nos governos Lula e Dilma.

Sete Brasil é apenas um dos negócios ruins na carteira FI-FGTS. Trata-se de um braço do Fundo de Garantia, criado em 2007, para ampliar a transferência de dinheiro barato dos cofres públicos para os de grupos privados já beneficiados por um banco estatal, o BNDES, com empréstimos a custos abaixo do mercado. Detalhe relevante é que o FI-FGTS também financia o BNDES, onde aplica 19% do patrimônio.

Recursos da poupança compulsória dos trabalhadores, já dilapidada pelos padrões de baixo rendimento e indigente governança, passaram a ser partilhados entre empresas de imóveis, saneamento, petróleo, aeroportos, estaleiros, papel e celulose. Houve significativa concentração em poucas empresas privadas, a maioria de capital fechado.

Resultado: mais de um terço dos recursos de trabalhadores aplicados via FI-FGTS nos últimos oito anos foi direcionado a uma dezena de empresas, hoje processadas por crimes de cartel, corrupção, lavagem de dinheiro em negócios com a Petrobras e outras estatais. Todas estão à beira do precipício, e com o dinheiro de trinta milhões de pessoas.

Metade dos recursos usados para compra de participações acionárias foi dirigida ao grupo Odebrecht. Uma das beneficiárias foi a Odebrecht Ambiental, de saneamento. Em 2013, o FI-FGTS pagou R$ 315 milhões para aumentar em 5% sua posição no controle (30% do capital).

Esse investimento equivalia a uma avaliação da empresa em R$ 6,3 bilhões, ou seja, 22 vezes seu lucro operacional registrado em 2012 (R$ 273 milhões). A exorbitância foi percebida porque valorizava a empresa numa escala seis vezes acima da maior do setor, a Sabesp.

Mensagens eletrônicas que levaram à prisão de Marcelo Odebrecht, um dos acionistas, lançaram luz sobre suas relações com o representante da Central Única dos Trabalhadores no Comitê de Investimentos do fundo FI-FGTS, André Luiz de Souza.

O jogo de interesses obscuros se repete na década, sempre com placar final certo — prejuízo para os donos do patrimônio do Fundo de Garantia. Quando se amplia o horizonte, percebe-se que as perdas provocadas pelas estranhas transações já superam R$ 100 bilhões. É a dimensão do rombo somado em 2015 pela Petrobras, Eletrobras, Correios e fundos de pensão estatais (Previ, Petros, Funcef e Postalis). Nos Correios a situação ficou tão crítica que a estatal só garante o pagamento de salários até setembro.

Ato " incomum e isolado" - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 05/04

Decisão sobre nomeação de Lula influenciará voto de Teori sobre obstrução da Justiça. A permissão para que Lula assuma a Casa Civil da Presidência pode até sair, mas dificilmente nesta semana, como Lula anunciou em um palanque no Ceará. O relator no Supremo Tribunal Federal ( STF) dos mandados de segurança que impedem o ex- presidente de assumir o cargo, ministro Gilmar Mendes, aguarda parecer da Procuradoria-Geral da República sobre o tema, e ainda ouvirá a defesa de Lula.

O mais provável é que na próxima semana o assunto entre na pauta, às vésperas do início da votação do impeachment na Câmara, que pelo calendário oficial começará na sexta- feira dia 15.

Lula anunciou que assumiria o ministério nesta quinta-feira porque eventual vitória no Supremo dará a ele uma força institucional que ele hoje não tem, pois foi contestada sua nomeação como se fosse um homem comum. E certamente sua afirmativa no palanque não deve ter agradado ao STF, que mais uma vez se vê emparedado por ações políticas.

Quando, para salvar a pele, aceitou ser nomeado ministro de Dilma, Lula mostrou-se vulnerável, e seu cacife político reduziu-se. Ao ser impedido de assumir, perdeu ainda mais substância, e hoje ele não passa de um vendedor de ilusões, cujas promessas podem ser colocadas em dúvida por qualquer membro do baixo clero que ele tente atrair.

Somente vencendo o Supremo, que ele chamou de "acovardado" numa das conversas gravadas, Lula terá de volta a aura de invencível que faz dele uma arma potente na tentativa de resgatar Dilma. O jurista Joaquim Falcão, diretor da Faculdade de Direito da FGV, lembra Shakespeare para dizer que, se a diferença entre o homem comum e o rei é a coroa, para Lula a diferença hoje é o ministério.

Ontem, Teori Zavascki, relator da Lava- Jato no STF, ao negar duas ações contra a posse de Lula no ministério por considerar que estavam inadequadas formalmente, faz pequenos comentários que remetem à questão criminal que também está sendo analisada no Supremo.

Para retirar o caráter de urgência da questão, pois já há mandado de segurança em vigor contra a posse, ele considera a nomeação de Lula "um incomum e inédito ato isolado da Presidência, pelo qual se designou Lula para ocupar cargo de ministro. Não se tem notícia de outro caso análogo, nem da probabilidade, a não ser teórica, de sua reiteração".

Além disso, ele acentua que "eventual embaraço ao exercício da jurisdição penal, com a alteração da competência para os atos de investigação e da ação penal, poderia ser suscitado nos próprios procedimentos criminais alçados ao Supremo, forma pela qual controvérsias semelhantes vêm sendo historicamente decididas pelo Tribunal".

O resultado do exame dos mandados de segurança pelo STF terá também, portanto, influência numa futura decisão de Zavascki sobre existência ou não de obstrução da Justiça na decisão de nomear Lula.

O procurador-geral Rodrigo Janot já afirmou em parecer enviado ao STF que a nomeação de Lula para a Casa Civil teve o objetivo de influenciar as investigações sobre o ex-presidente na primeira instância da Justiça Federal, mais especificamente na 13 ª Vara Federal em Curitiba, onde o juiz Sérgio Moro conduz os processos da Operação Lava- Jato.

Janot classificou de "inegavelmente inusual" e "circunstância anormal" a decisão de Dilma de apressar a posse de Lula. Ele atribui ao ato um "desvio de finalidade". Mesmo que o Supremo venha a anular a prova do áudio com a conversa da presidente Dilma com Lula sobre o ato de posse, outras medidas tomadas, como a publicação antecipada no Diário Oficial e diálogos sobre a necessidade de nomear o ex- presidente, mostram essa situação inusual que tanto Janot quanto Zavascki identificam nessa nomeação.


'Erro histórico'?! - ELIANE CANTANHÊDE

O Estado de S. Paulo - 05/04

A estratégia do governo de transformar Michel Temer de vitrine em vidraça para evitar o impeachment está ficando no meio do caminho: o suficiente para aumentar as resistências a uma transição com Temer e o PMDB, mas não o bastante para que o País e seus atores políticos resignem-se em simplesmente manter Dilma Rousseff, o PT e a crise que carregam. A estratégia pode desembocar numa terceira opção: a antecipação das eleições.

Essa é a bandeira que a Rede Sustentabilidade lança hoje em torno de Marina Silva, ela mesma um “tertius” entre o “Fora Dilma” e o “Fica Dilma” e também entre PT e PSDB. O partido e sua líder não estão falando sozinhos. Têm apoio de setores do Congresso, da mídia e da sociedade. O próprio senador Valdir Raupp, do PMDB, defendeu a mesma coisa.

Sinal de que as forças políticas ainda não conseguiram construir saídas para a profunda e já longa crise do Brasil, com milhões de empregos – logo, de famílias – afundando. Aliás, sem que a CUT, uma das principais centrais trabalhistas, peça satisfação a Dilma nos palanques diários do Planalto ou vá às ruas gritar por emprego e renda. Muito menos se ouve de artistas, juristas, estudantes e líderes do campo que dizem amém ao PT uma única palavra em defesa do trabalhador. Nem da Justiça, da Lava Jato, do juiz Sérgio Moro, símbolos de tudo o que o PT pregava e jogou pelas janelas dos palácios, estatais, fundos de pensão, navios-sonda...

Sem a costura de consenso pelas forças políticas de centro, de esquerda, de direita, o impeachment não ata nem desata, a sociedade não vê luz no fim do túnel e as ideias e alternativas amontoam-se sem consequência. A mais nova é justamente a de novas eleições, que teria, inclusive, simpatia de ministros e palacianos. Mas é preciso acertar antes com os adversários. Ou melhor, com a adversária. Se Dilma jura que não vai renunciar, porque admitiria reduzir o mandato? Renunciar e encurtar o mandato dão no mesmo.

O governo, portanto, continua lutando, esperneando. Ontem, o ex-ministro anti-Lula e atual advogado-geral pró-Dilma foi à Comissão do Impeachment com uma peça de 200 páginas e um bom desempenho oral. Enquanto Miguel Reale Jr. e Janaina Paschoal falaram na semana passada como juristas e professores que são, José Eduardo Cardozo portou-se como político que é. E o plenário ali é político, como o telespectador em casa é suscetível ao gestual e a uma profusão de adjetivos. Foi a eles que Cardozo se dirigiu.

Ele falou em “absoluta invalidade do procedimento”, “estabilidade indispensável, insubstituível”, “excepcionalidade extrema” e disse que, sem crime de responsabilidade que seja “um atentado, uma violência, um ato extremo, uma ruptura”, Dilma não pode ser afastada. “Impeachment não é um mero processo político. Isso é um erro primário, grosseiro”, acrescentou, bradando o grito de guerra do PT: “Sem os pressupostos, é golpe de Estado, sim!”.

A tática de confrontar Eduardo Cunha, um alvo fácil, e de polemizar com o vice Michel Temer, alternativa a Dilma, também nortearam a fala de Cardozo. Ele acusou Cunha de “desvio de poder” por aceitar o pedido de impeachment e reforçou as dúvidas que pairam sobre uma transição com Temer: “Uma ruptura tensionadora, conflituosa, faria nascer um governo sem legitimidade. Dificilmente um governo nascido assim terá êxito”.

Quem ouviu Cardozo sobre impeachment, crime de responsabilidade e riscos de uma transição com Itamar, ops!, Temer, só pôde chegar a uma triste conclusão: Fernando Collor é tudo o que o País inteiro sabe e a PF e o MP ainda hoje confirmam, mas não poderia ter sido deposto um quarto de século atrás. Se o impeachment político de Dilma seria um “erro histórico”, o de Collor também foi. Por uma Fiat Elba?!


O Brasil dá adeus a Lula - MARCO ANTONIO VILLA

O GLOBO - 05/04

Ele sabe que, desta vez, como se diz popularmente, a crise não vai acabar em pizza. Vai terminar em sushi



Assistimos aos últimos dias do projeto criminoso no poder. O país padeceu durante treze anos de uma forma de ação política que associou o velho coronelismo tupiniquim ao leninismo — e com toques de um stalinismo tropical, mais suave, porém mais eficaz. Ainda não sabemos — dada a proximidade histórica — quais os efeitos duradouros deste tipo de domínio que levou à tomada do aparelho de Estado e de seus braços por milhares de funcionários-militantes, que transformaram a ação estatal em correia de transmissão do projeto petista, criminoso em sua ação e devastador na destruição do patrimônio nacional.

É nesta conjuntura — a mais grave da história do Brasil republicano — que as nossas instituições vão ser efetivamente testadas. Até o momento, uma delas, o Supremo Tribunal Federal, ainda não passou no exame. Muito pelo contrário. Inventou um rito de impeachment que viola a Constituição. Sim, viola a Constituição. Deu ao Senado o “direito” de votar se aceita a abertura de processo aprovada pela Câmara, o que afronta os artigos 51 e 52 da Constituição. E interferiu até na composição da comissão processante da Câmara. Pior deverá ser a concessão de foro privilegiado e, mais ainda, do cargo de ministro Chefe da Casa Civil a Luís Inácio Lula da Silva. Caso isso ocorra — e saberemos nesta semana — o STF deixará de ser um poder independente e passará a ser um mero puxadinho do Palácio do Planalto, uma Suprema Corte ao estilo da antiga URSS.

Ainda na esfera do STF, causa preocupação o seu protagonismo em um processo estritamente político como é o impeachment. Não cabe à Suprema Corte decidir o andamento interno e o debate congressual do impeachment. O STF não pode, em nenhuma hipótese, se transformar no Poder Moderador — de triste memória, basta recordar os artigos 98-101 da Constituição de 1824. E nem desempenhar o papel que o Exército teve nas crises políticas desde a proclamação da República até a promulgação da Constituição de 1988. Em outras palavras, o STF não pode ser a carta na mão de golpistas, que a colocam na mesa quando estão correndo risco de derrota. Judicializar o impeachment é agravar ainda mais a crise e jogar o país no caos social e político.

A solução do impasse político é no Parlamento — e com a participação das ruas. A manifestação de 13 de março — a maior da história do Brasil — impediu uma saída negociada do projeto criminoso do poder. O sinal das ruas foi claro: fora Dilma e Lula na cadeia. A estas duas palavras de ordem, as ruas reforçaram ainda mais a necessidade imperiosa de continuidade da Lava-Jato até o final. O impulso popular levou o PMDB a mudar radicalmente de posição, basta recordar a dúbia decisão tomada a 12 de março — de independência — e a meteórica reunião de 29 de março, quando rompeu com o governo.

A participação das ruas na política brasileira inaugurou um novo momento na nossa história. É incrível o desinteresse da universidade em estudar o fenômeno representado, entre outros, pelos movimentos Vem pra Rua e Brasil Livre. Ao invés de enfrentar este desafio interpretativo, os docentes das instituições públicas organizam atos e manifestos em defesa de um governo corrupto, antibrasileiro e criminoso. É a apologia ao crime — e paga com dinheiro público.

A resposta do projeto criminoso de poder foi pífia. Tentou de todas as formas organizar manifestações para demonstrar que ainda domina as ruas e tem apoio popular. Fracassou. Mesmo utilizando-se de fartos recursos públicos, de partidos políticos, centrais sindicais pelegas e contando com setores da imprensa para inflar o número de participantes. Pior foram os comícios realizados no Palácio do Planalto. Nunca a sede do Executivo Federal assistiu aos tristes espetáculos de incitação à violência, de ameaça à propriedade privada e ao rompimento da ordem legal. E contando com a conivência de Dilma. Lula, o presidente de fato, optou por permanecer em uma suíte de hotel, em Brasília, de onde governa o Brasil, como se a ficção dos clássicos da literatura latinoamericana — “A hora do bode”, de Mário Vargas Llosa, entre outros — fosse transformada em realidade.

Neste momento decisivo da vida nacional é necessário evitar cair nas armadilhas produzidas à exaustão pelo projeto criminoso de poder. Num dia insinuam que adotarão o Estado de Defesa (artigo 136 da Constituição), noutro que vão antecipar a eleição presidencial, depois que contam com um número confortável de deputados para impedir a abertura do processo de impeachment, ou que o Senado vai rejeitar a decisão da Câmara. E mais: que a saída de Dilma vai produzir uma grave crise social. Falácias. É o desespero, pois se avizinha — ainda neste mês — a derrota acachapante do petismo.

A hora do acerto de contas político está chegando. Manter o respeito à lei, à ordem e à Constituição é essencial. Lula — que é quem, de fato, vai ser “impechado” — agirá para desestabilizar o processo democrático, como se fosse um general abandonando território conquistado. Destruirá o que for possível destruir. Não deixará pedra sobre pedra — daí a necessidade da sua prisão, pois solto coloca em risco a ordem pública, desrespeita as instituições e ameaça o país com uma guerra civil. Quer transformar a sua derrota em um cataclismo nacional. Não vai conseguir. A desmoralização da política não pode chegar ao ponto de dar a ele o direito de decidir que vai incendiar o país. Ele sabe que, desta vez, como se diz popularmente, a crise não vai acabar em pizza — ou na rota do frango com polenta, em São Bernardo do Campo. Vai terminar em sushi.

Marco Antonio Villa é historiador

Sem rumo na economia - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 05/04

O governo está sem rumo, aturdido pela crise política, e o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, é pouco mais que uma peça decorativa. Para manter o apoio de seu partido e recompor a base parlamentar, a presidente Dilma Rousseff e sua equipe têm anunciado bondades tão caras quanto ineficientes. Medidas para conter e racionalizar a despesa ficam para depois – ninguém sabe para quando. Dá muito menos trabalho propor o aumento da carga tributária, mesmo contra a opinião de boa parte dos congressistas. Ao mesmo tempo, abre-se caminho para mais um ano, pelo menos, de enorme buraco nas contas primárias e novo aumento da dívida pública. Não há como desprezar, neste momento, o risco de um déficit próximo de R$ 100 bilhões neste ano, sem contar o peso dos juros. Se perder o posto, a presidente deixará uma bomba econômica e financeira para seu sucessor. Se sobreviver a tantas e tão sérias acusações, poderá arrepender-se de ter continuado como inquilina do Palácio da Alvorada.

Incapaz de iniciar desde já um programa de arrumação das finanças federais, o ministro da Fazenda continua defendendo, como quebra-galho, o retorno da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), mesmo com a perspectiva, na hipótese mais otimista, de só receber uns R$ 10 bilhões em 2016. Além disso, já se estuda no Ministério da Fazenda um aumento do Imposto de Renda pago pelos contribuintes das faixas mais altas. Não se divulgaram informações sobre essas faixas, mas a inovação será defendida, já se sabe, com argumentos políticos. Um dos objetivos, segundo o governo, será redistribuir o peso da tributação, onerando os mais capazes de suportar o encargo.

Não se diz uma palavra, no entanto, sobre redução dos impostos indiretos, em geral regressivos, nem se abandona a ideia de recriar o tributo campeão da regressividade, a CPMF. Os defensores mais sinceros dessa aberração falam sobre a facilidade de cobrança, sem levar em conta a injustiça e os danos e males econômicos causados. Os mais desonestos, coadjuvados pelos menos informados e menos capazes de perceber os fatos, defendem essa contribuição como socialmente justa. É um engano trágico. Esse tributo incide sobre o mero ato de pagar, nada importando a natureza da transação. Além disso, incide de forma repetitiva, onerando a produção e a circulação, encarecendo os bens e serviços – com maior prejuízo para os mais pobres – e atrapalhando a criação de empregos.

A CPMF é um tributo economicamente disfuncional e socialmente injusto. Não se pode invocar um único argumento econômico para justificar sua recriação. A ideia de ressuscitá-la é mais uma demonstração da incapacidade do governo de enfrentar as dificuldades fiscais e de arrumar suas contas pelos processos normalmente seguidos na maior parte do mundo civilizado.

Enquanto o governo se mostra desarmado diante dos problemas da gestão pública e da economia, a recessão se prolonga e mantém-se a expectativa de muita dificuldade nos negócios neste ano e no próximo. Em quatro semanas, a estimativa de contração do Produto Interno Bruto (PIB) em 2016 passou de 3,50% para 3,73%, de acordo com a pesquisa Focus do Banco Central. A produção industrial, segundo a pesquisa, deve ser 5,80% menor que a de 2015. Uma leve recuperação é prevista para o próximo ano, mas também esses números têm diminuído. Em quatro semanas o crescimento esperado para o PIB em 2017 passou de 0,50% para 0,30% – uma reação insignificante, depois de mais de dois anos de recessão. Para a indústria, projeta-se recuperação de 0,69%.

Em um mês a inflação projetada para o ano recuou de 7,59% para 7,28%. Continua muito alta e a ligeira melhora da expectativa só se explica pela certeza de uma recessão prolongada. No próximo ano, a alta de preços ainda será de 6%, de acordo com os cálculos coletados, e continuará, portanto, muito acima da meta de 4,5%. Mas até esses números podem ser otimistas, diante das condições das contas públicas.

O golpe sem o impeachment - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 05/04

É inevitável a sombria perspectiva de um governo ainda pior que o desgoverno de hoje, na hipótese de que o impeachment de Dilma seja barrado na Câmara dos Deputados, que se tornou necessário considerar porque o Planalto está assumindo “compromissos com o rebotalho do Congresso, abrindo-lhe espaços nobres no Ministério e aviltando de forma inédita o exercício da Presidência”, conforme destacado em editorial publicado no domingo neste espaço. E, pelas notícias que vêm do submundo brasiliense, não são cargos apenas que são mercadejados. Também o dinheiro vivo compra ausências (por R$ 400 mil) ou votos (por R$ 1 milhão) que favoreçam Dilma. São importâncias calculadas, bem a propósito, para caber em cuecas ou peças semelhantes, como disso bem sabem notórios próceres do governo petista. Menos insultaria o político corrupto; mais tornaria o negócio arriscado.

A agravar essa perspectiva negativa, em especial no que diz respeito ao aviltamento do exercício da Presidência da República, está o fato de que uma reviravolta que garanta o mandato de Dilma implicará inevitavelmente o fortalecimento político de Luiz Inácio Lula da Silva e a provável confirmação de sua nomeação para o Ministério, que ele próprio acredita que acontecerá em breve.

Diante dessa possibilidade, a questão que se coloca é a seguinte: quem será efetivamente o chefe do governo? Dilma ou Lula? Não que faça muita diferença para o País, porque, do ponto de vista econômico, a ingovernabilidade tem raízes profundas no voluntarismo estatista do PT e isso não mudará. E, do ponto de vista político, este governo impopular continuará refém do fisiologismo escancarado no qual o baixo clero parlamentar foi acostumado a se esbaldar pela falta de escrúpulos do lulopetismo. Uma coisa é obter 172 votos e/ou ausências suficientes para barrar o impeachment. Outra coisa é garantir maioria de votos, mesmo que simples, para aprovar as iniciativas do Executivo. Trocando em miúdos, com o PT no poder, a economia não será saneada e a política continuará a esbórnia que tem sido. Ou seja, a moralidade não se restaurará.

Lula é visto pelo PT como a salvação da lavoura. E, se o impeachment não for aprovado, a influência do chefão no aliciamento de votos terá sido decisiva. Com esse crédito, ele será uma espécie de primeiro-ministro, detentor efetivo do poder, até porque é mais fácil acreditar em Papai Noel do que na hipótese de que Dilma, apesar de toda sua soberba e arrogância, tente com sucesso subordinar Lula a seu comando. E o próprio ex-presidente não faz segredo disso. Na visita que fez a Fortaleza no fim de semana, cansou-se de proclamar que vai virar ministro para “tomar as rédeas” do governo. É exatamente isso o que desejam, e não disfarçam, o PT e todas as entidades sindicais e sociais que são extensões do lulopetismo.

A se confirmar esse drible em Dilma – honi soit qui mal y pense – estará consumado o golpe que há meses ela teme e denuncia pois, em última análise, estará sendo deposta de facto, por meio, digamos, de um “arranjo doméstico”. E ninguém no PT e arredores moverá uma palha para protestar contra o golpe da usurpação do poder de quem foi consagrada nas urnas com mais de 54 milhões de votos populares. Lula e o PT, triunfantes mercadores de ilusões, estarão dando uma debochada banana para os dois terços de brasileiros que querem ver pelas costas Dilma Rousseff e tudo o que ela significa.

Com Lula no comando do governo e Dilma se dividindo entre o saudável pedalar matinal nas cercanias do Palácio da Alvorada e uma intensa agenda de inaugurações festivamente desimportantes Brasil afora, o País estará condenado a piorar – mas acreditando que melhora.

Populista irredimível, Lula acredita ter salvado com as próprias mãos o Brasil da crise mundial de 2008, sem se dar conta de que a “nova matriz econômica” em que embarcou crente de que estava abrindo as portas do Paraíso era a súmula do desastre. Anos de voluntarismo intervencionista paralisaram o País e surrupiaram a confiança dos brasileiros, interrompendo a produção de riquezas, única base sustentável para o verdadeiro desenvolvimento econômico e social. A Nação não aguenta mais do mesmo.