A estratégia do governo de transformar Michel Temer de vitrine em vidraça para evitar o impeachment está ficando no meio do caminho: o suficiente para aumentar as resistências a uma transição com Temer e o PMDB, mas não o bastante para que o País e seus atores políticos resignem-se em simplesmente manter Dilma Rousseff, o PT e a crise que carregam. A estratégia pode desembocar numa terceira opção: a antecipação das eleições.
Essa é a bandeira que a Rede Sustentabilidade lança hoje em torno de Marina Silva, ela mesma um “tertius” entre o “Fora Dilma” e o “Fica Dilma” e também entre PT e PSDB. O partido e sua líder não estão falando sozinhos. Têm apoio de setores do Congresso, da mídia e da sociedade. O próprio senador Valdir Raupp, do PMDB, defendeu a mesma coisa.
Sinal de que as forças políticas ainda não conseguiram construir saídas para a profunda e já longa crise do Brasil, com milhões de empregos – logo, de famílias – afundando. Aliás, sem que a CUT, uma das principais centrais trabalhistas, peça satisfação a Dilma nos palanques diários do Planalto ou vá às ruas gritar por emprego e renda. Muito menos se ouve de artistas, juristas, estudantes e líderes do campo que dizem amém ao PT uma única palavra em defesa do trabalhador. Nem da Justiça, da Lava Jato, do juiz Sérgio Moro, símbolos de tudo o que o PT pregava e jogou pelas janelas dos palácios, estatais, fundos de pensão, navios-sonda...
Sem a costura de consenso pelas forças políticas de centro, de esquerda, de direita, o impeachment não ata nem desata, a sociedade não vê luz no fim do túnel e as ideias e alternativas amontoam-se sem consequência. A mais nova é justamente a de novas eleições, que teria, inclusive, simpatia de ministros e palacianos. Mas é preciso acertar antes com os adversários. Ou melhor, com a adversária. Se Dilma jura que não vai renunciar, porque admitiria reduzir o mandato? Renunciar e encurtar o mandato dão no mesmo.
O governo, portanto, continua lutando, esperneando. Ontem, o ex-ministro anti-Lula e atual advogado-geral pró-Dilma foi à Comissão do Impeachment com uma peça de 200 páginas e um bom desempenho oral. Enquanto Miguel Reale Jr. e Janaina Paschoal falaram na semana passada como juristas e professores que são, José Eduardo Cardozo portou-se como político que é. E o plenário ali é político, como o telespectador em casa é suscetível ao gestual e a uma profusão de adjetivos. Foi a eles que Cardozo se dirigiu.
Ele falou em “absoluta invalidade do procedimento”, “estabilidade indispensável, insubstituível”, “excepcionalidade extrema” e disse que, sem crime de responsabilidade que seja “um atentado, uma violência, um ato extremo, uma ruptura”, Dilma não pode ser afastada. “Impeachment não é um mero processo político. Isso é um erro primário, grosseiro”, acrescentou, bradando o grito de guerra do PT: “Sem os pressupostos, é golpe de Estado, sim!”.
A tática de confrontar Eduardo Cunha, um alvo fácil, e de polemizar com o vice Michel Temer, alternativa a Dilma, também nortearam a fala de Cardozo. Ele acusou Cunha de “desvio de poder” por aceitar o pedido de impeachment e reforçou as dúvidas que pairam sobre uma transição com Temer: “Uma ruptura tensionadora, conflituosa, faria nascer um governo sem legitimidade. Dificilmente um governo nascido assim terá êxito”.
Quem ouviu Cardozo sobre impeachment, crime de responsabilidade e riscos de uma transição com Itamar, ops!, Temer, só pôde chegar a uma triste conclusão: Fernando Collor é tudo o que o País inteiro sabe e a PF e o MP ainda hoje confirmam, mas não poderia ter sido deposto um quarto de século atrás. Se o impeachment político de Dilma seria um “erro histórico”, o de Collor também foi. Por uma Fiat Elba?!
Nenhum comentário:
Postar um comentário