terça-feira, setembro 15, 2015

República Federativa do Brasil - JOÃO SAYAD

VALOR ECONÔMICO - 15/09

É o nome oficial do Brasil. Não é muito "federativo". Talvez não deva ser. É pouco republicano. Dom Pedro II, educado por José Bonifácio, foi o grande republicano brasileiro. Foi derrubado para a instalação de uma república dominada por uma oligarquia de fazendeiros e depois sucessivos tipos de oligarquia que tratam o país como se fosse sua propriedade.

O país sonha ser uma república democrática. Mas este nome perdeu o significado depois que países comunistas nada democráticos o adotaram.

República quer dizer que não existem pessoas especiais por causa do nascimento, que o interesse público é o guia dos governantes. O governo é exercido por filósofos-príncipes, no tempo de Platão, ou por presidentes cercados de especialistas e tecnocratas e não por duques e barões nem por representantes de interesses especiais. Democracia é outra coisa: que o poder emana do povo; liberdade total de expressão; rodízio no poder, tolerância.

Números da Lava-Jato indicam que o setor público já gasta bilhões com o financiamento de campanha via corrupção

A democracia ameaça a república se for dominada pela demagogia, por eleitores mal informados. Não há república sem homens virtuosos: honestos defensores do interesse público e corajosos. A república pode se tornar tirania. República e democracia procuram um equilíbrio delicado.

A democracia foi sendo aperfeiçoada - voto secreto, votos das mulheres, dos analfabetos, de menores de 18 anos. Depois, eleições frequentes para todos os postos executivos bem administradas pelo Tribunal Superior Eleitoral.

A República vai mal. Falta virtude. Como tornar os homens públicos virtuosos? Deveriam ler os clássicos - Cícero, Catão, Platão, Aristóteles - como os Founding Fathers americanos?

O ambiente em que os políticos vivem, discutem e trabalham é contaminado pela questão eleitoral. Como dizia o governador Montoro, assim que um político senta na cadeira para a qual foi eleito, começa a pensar na próxima eleição. E a eleição numa democracia de massas como a brasileira depende de recursos milionários para financiar viagens de jatinho, programas de televisão, a parte mais cara, e a "compra" de correligionários e recursos para apoiar coligações.

Assim, passados os dois primeiros anos, os mandatários dos cargos executivos começam a se dedicar ao financiamento das próximas eleições. Têm poder de decisão sobre bilhões de reais. Decisões sobre onde gastar e qual empresa contratar dependem de dois fatores - a visibilidade da obra e a contribuição para a próxima eleição.

Do jeito que a legislação eleitoral está, o financiamento da campanha eleitoral não é corrupção do ponto de vista legal para que possa ser levada aos tribunais.

Mas não há dúvida que as empreiteiras encarregadas das maiores obras serão sensíveis ao apelo por apoio financeiro ao candidato que ocupa o cargo executivo. O apelo, se o tesoureiro da campanha for elegante, não precisa ser acompanhado de chantagem ("o contrato vai ser suspenso ou o aditivo não aprovado"). É óbvio para a empreiteira que, se ajudar na campanha, será mais bem tratada e a obra terá continuidade.

Está montado o ambiente moral do governo. Nos dois últimos anos do mandato, o discurso dentro do governo se modifica e o núcleo palaciano de todos os palácios passa a emitir ordens e decisões que os secretários ou ministros mais distantes não entendem ou discordam. Não há por que se envergonhar ou temer por um arranhão na própria honra - o ambiente impõe este comportamento a todos os participantes.

Há várias formas de corrigir estes vícios sem que os nossos governantes tenham que ler os clássicos ou sem que precisemos aprovar uma emenda constitucional.

Primeiro, poderíamos restringir o financiamento eleitoral apenas a pessoas físicas que declarassem a doação. O "New York Times" já publicou a lista dos doadores de cada candidato às primárias dos dois partidos americanos, com foto do doador e valor da doação. Nas primárias, isto é, na escolha interna do candidato pelo partido, o valor total das doações é um critério relevante para o partido. Doadores não tem nada a temer - nas democracias o partido vencedor não pretende exterminar o derrotado e sabe que haverá rodízio no poder.

O Senado brasileiro aprovou que as doações de campanha só podem ser feitas por pessoas físicas. Mas na Câmara não passou. Qual discurso justifica este voto depois das evidências da Lava-Jato? Qual é a justificativa?

Mais poderia ser feito para corrigir o ambiente moral da vida pública. O montante a ser gasto nas eleições pode ser limitado. Mais ainda, a propaganda eleitoral na televisão pode ser regulada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Os candidatos falariam a partir de um cenário comum, sem filmes sobre casas próprias, retroescavadeiras, estradas, tubulações, pontes e pobres sorrindo ninguém sabe por que. Teriam que seguir um roteiro comum: apresentação do currículo, seus principais valores (casamento gay, aposentadoria precoce, Estado versus mercado). Depois, críticas aos adversários e assim por diante. Alguém poderia exigir que o candidato explicasse como o aerotrem resolve os problemas do país. Ou quem vai pagar a aposentadoria se as regras não forem modificadas. Seria um antídoto a demagogia.

Podemos ir além e passar para o financiamento público das campanhas. Muitos são contra, seria mais um encargo para o Estado. Mas os números da Lava-Jato indicam que o setor público já gasta bilhões com o financiamento de campanha através da corrupção. De fato "não há almoço grátis", mas o almoço pago "por fora" é mais caro.

São reformas que não exigem mudança constitucional. No ambiente moral prevalecente na vida pública, mudanças radicais das regras são impossíveis e vão contra os interesses dos mandatários de cargos eletivos eleitos através destes procedimentos.

Onde estão os legisladores republicanos que conseguiriam contornar as manobras da maioria nas casas legislativas?

Se as regras mudassem, homens virtuosos poderiam se candidatar sem ter que jantar escondido com financiadores de currículo duvidoso.


João Sayad é professor da Faculdade de Economia e Administração da USP

Entre a causa e seu efeito - ANTÔNIO DELFIM NETO

VALOR ECONÔMICO - 15/09

A presidente Dilma precisa deixar de dubiedade

Os economistas decidiram que o "contrato social" implícito na Constituição de 1988 é a "causa causans" dos nossos problemas. Há razões para relativizar tal proposição. É inegável que a Constituição contém exageros. São, principalmente, resultados do momento em que foi redigida: depois do maior estelionato eleitoral já promovido no universo (o Plano Cruzado) que deixa no chinelo o de Dilma 2!

Nada na Constituição é sagrado, além das cláusulas pétreas, sob o controle do Supremo Tribunal Federal. É preciso lembrar que ela só não é pior porque o festival de uma esquerda "infantilizada", que acreditava firmemente que a "vontade política" preteria a aritmética, acabou gerando, espontaneamente, a organização de um "centrão", que lhe devolveu algum realismo e racionalidade.

É preciso perguntar: por que a febre "vinculatória" - que reduz o poder do Legislativo e do Executivo - dominou o comportamento dos constituintes? Por que ela cresceu, quando ministros competentes, e politicamente fortes, "blindaram" seus ministérios, colocando-os acima das decisões orçamentárias? Hoje, elas já somam 92% da receita líquida corrente!

A resposta é a crença generalizada que qualquer Executivo e Legislativo eleitos não terão capacidade administrativa e sensibilidade política para dirigir os dispêndios às "verdadeiras" prioridades da nação. A minoria de bom senso sempre soube que elas mudam e que dependem das circunstâncias. Logo, "vinculações" engessam o futuro. São tolices muito caras! Não foi sem razão que, quando da sua promulgação, o dr. Ulysses gritou: "Esta é a Constituição da liberdade", o presidente Sarney murmurou baixinho: "E, também, a do Brasil inadministrável"...

A segunda razão para relativizar os inconvenientes da Constituição é que seu objetivo maior é a construção de uma sociedade "civilizada" definida como a que: 1) permita a plena liberdade de iniciativa dos seus membros e lhes garanta que poderão apropriar-se de seus benefícios obtidos por meios lícitos; 2) busque permanentemente uma crescente igualdade de oportunidades. A posição de cada cidadão deve depender, cada vez menos, do acidente do seu nascimento, o que implica: educação e saúde universais e pagas por todos (para a sociedade não há nada "grátis") e alguma mitigação da transferência intergeracional da riqueza acumulada; 3) estabeleça uma solidariedade social inclusiva, que ampare o menos favorecido e o estimule a conquistar, com seu próprio esforço, a plena cidadania; e 4) se organize economicamente de forma eficiente, mas compatível com a relativa liberdade e a relativa igualdade desejadas. Isso sugere uma organização através de mercados sujeitos a um Estado forte, limitado constitucionalmente, capaz de regular e controlar o seu poder econômico e político. Desregulados, eles oferecem riscos à qualidade dos resultados do "sufrágio universal", que é o garante da democracia e o mecanismo empoderador da cidadania. A organização pelos mercados é um instrumento, não um objetivo!

Pois bem. Nada na Constituição impede a construção de tal sociedade. Se estamos (e estamos!) numa situação econômica desastrosa, e politicamente difícil, não é apenas por culpa da Constituição. Têm ônus, ainda maior, os poderes incumbentes eleitos desde 1990 pelo sufrágio universal (e já são cinco!), que nunca tentaram, com firmeza e convicção, corrigir os seus excessos. Nem FHC, depois do merecido prestígio que lhe deu o Plano Real; nem Lula, nos píncaros da glória em 2008/10, quando comemorou o "grau de investimento", e nem Dilma, com a sua esplêndida aprovação de 2011, ousaram gastar seu patrimônio político para enfrentá-los. Preferiram acomodar-se, mas agora ditam regras para a "salvação nacional"...

Nada na Constituição os impediu. Nada, nela, impede, aliás, uma administração que estimule a segurança jurídica, o investimento e a exportação, vetores que produzem o crescimento econômico que sustenta o desenvolvimento social. Os erros mais recentes de diagnóstico e a má escolha dos instrumentos de política econômica produzidos pelo voluntarismo do governo, reduziram o crescimento médio anual do PIB de 4% entre 2003-10 (ajudado pelo setor externo) para 2,1% em 2011-14. No fundo, bem no fundo, não foi o "contrato social" que reduziu o ritmo de crescimento. Foi a covardia política continuada, que parece tê-lo tornado inviável.

É preciso enfrentar os problemas da Constituição, porque como está, com um crescimento médio do PIB abaixo de 4%, ela é mesmo uma bomba fiscal. E vai explodir no colo deste governo, se ele persistir em namorar com o equivocado diagnóstico que "falta demanda". Falta mesmo, mas os erros do passado transformaram em trágica ilusão a possibilidade de resolver o problema pelo aumento da relação dívida bruta/PIB que já beira à insustentabilidade.

A decisão de ajustar o Orçamento (que até então era impossível!) só depois de ter perdido o grau de investimento reforçou a perigosa incapacidade do governo de comparar custos e benefícios. Dilma precisa deixar de dubiedade. A sua última entrevista ao Valor deveria ter sido feita em dezembro de 2014. Deve confirmar, urgente e honestamente, sem recuos, suas novas "preferências" e, com elas, tentar cooptar o Congresso para aprovar as mudanças necessárias.

Brincando com fogo - RODRIGO CONSTANTINO

O GLOBO - 15/09

Depois de destruir as finanças públicas e arruinar com o legado do Plano Real, os petistas desejam tirar ainda mais recursos da iniciativa privada?


O abuso de governantes que avançaram sobre o bolso dos cidadãos foi, historicamente, motivo das mais famosas revoluções. Roboão abriu uma cicatriz milenar no povo judeu ao ignorar o conselho dos anciões e partir para o aumento de impostos. A Revolução Americana ganhou corpo após a Coroa Inglesa tentar incrementar a taxação da colônia. Tiradentes e os inconfidentes mineiros se rebelaram contra o quinto, que confiscava 20% do ouro produzido em Minas Gerais.

Não pode haver taxação sem representação, como sabiam os colonos americanos inspirados pelo Iluminismo. Quem está disposto a defender que hoje, no Brasil, há um quadro de representatividade legítima no Congresso e no governo federal? Um sistema político que preserva no poder uma presidente com apenas 7% de aprovação não parece muito eficiente em atender às demandas populares. No entanto, esse governo quer mais impostos.

O país está em crise, nessa periclitante situação, por conta da incompetência, da roubalheira, da arrogância e dos equívocos ideológicos do PT. Depois de destruir as finanças públicas e arruinar com o legado do Plano Real, os petistas desejam tirar ainda mais recursos da iniciativa privada? E o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, um tecnocrata, ainda tem a ousadia de chamar isso de “investimento”, como se fosse desejável retirar ainda mais dinheiro do setor produtivo para bancar um governo perdulário?

Sim, as contas públicas precisam estar ajustadas, e as despesas não podem ser maiores do que as receitas. Mas só mesmo um “cabeça de planilha” pode achar que tanto faz chegar lá pelo aumento da arrecadação ou pelo corte de gastos. Num país cujo governo já arrecada quase 40% do PIB, e praticamente a fundo perdido, chega a ser imoral falar em aumento de impostos. É preciso ser muito bitolado para afirmar que pagamos poucos impostos no Brasil.

A conta verdadeira precisa levar em conta, além da carga já elevada, o custo dobrado que a classe média tem para sobreviver. Afinal, quem está satisfeito com o SUS? Quem pode, tem plano de saúde privado, o que é custo extra. Quem, podendo fazer o contrário, coloca os filhos na escola pública, palco de doutrinação ideológica e greves constantes? Novamente, custo dobrado para ter educação razoável. Segurança? Condomínios fechados que encarecem a cota mensal dos moradores.

Em suma, pagamos muito imposto, trabalhamos até maio só para sustentar o governo, e fazemos isso sem contrapartida. Ainda somos chamados de “contribuintes”, eufemismo que é um desrespeito aos pagadores de impostos que, sob a mira da coerção estatal, são forçados a contribuir com essa roubalheira, incompetência e quantidade incrível de privilégios.

A crise atual tem sua origem justamente nas irresponsabilidades do governo populista do PT, que achou ser possível “pedalar” como se não houvesse amanhã, como se austeridade fiscal fosse um palavrão, uma invenção de “neoliberais”. Os alertas dos “Pessimildos” se mostraram acertados, e agora o governo precisa enfrentar a dura realidade. Mas quer fazer isso jogando o fardo para ombros alheios, para o trabalhador, para a classe média?

É um acinte! Enquanto sofremos com a alta inflação, com o risco crescente de desemprego, os políticos trocam de carros oficiais, aprovam aumentos de salários, continuam em suas bolhas, isolados dos efeitos nefastos de suas medidas. Confiam demais no mito do pacato cidadão brasileiro, que apanha o ano inteiro, mas deixa rolar pois tem o carnaval, o futebol e as novelas para afogar suas mágoas. Até o dia em que esse gigante adormecido realmente acordar: aí seus exploradores vão tremer.

Que fique claro uma coisa: não aplaudo revoluções, muito menos as sangrentas como a Francesa. Costumam trocar seis por meia dúzia, às vezes colocando no poder algo ainda pior. Acredito na via da democracia representativa, das reformas dentro do sistema. É justamente para evitar revoluções que a democracia existe, com sua alternância de poder e sua capacidade de se adaptar. E é por temer o risco de uma revolução sem controle que faço esse alerta.

Ainda dá tempo de evitar o pior, de usar essa crise para fortalecer nossas instituições republicanas, para aprender lições importantes contra o desenvolvimentismo inflacionista. Ainda é possível fazer do limão uma limonada. Mas se a reposta da classe política for, uma vez mais, fingir que vive na Suécia e demandar mais impostos ainda da população, aí creio que, cedo ou tarde, será inevitável o pior. A marcha da insensatez cobrará seu preço. Estão brincando com fogo, e vão se queimar.

Rodrigo Constantino é economista e presidente do Instituto Liberal

Não é só pelos vinte centésimos - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de São Paulo - 15/08

A CPMF paga mais de 48% da conta do pacote salva-vidas que o governo divulgou. Mas os vinte centésimos de porcentagem do imposto ressuscitado (0,20%) não devem ser a única pedra no caminho de salvação das aparências de equilíbrio nas contas do governo.

O plano parece resultado de uma tentativa desesperada de fazer o possível o quanto antes, pelo caminho da menor resistência política da sociedade e de Dilma Rousseff. Menor não quer dizer pequena.

Quanto mais ataque político ao pacote, maior o risco de que prossiga a degringolada financeira que vem desde o final de julho, quando o governo reduziu seus planos de poupança quase a zero. Foi então que começou a disparada mais recente de juros e dólar, que deram no famoso "rebaixamento da nota de crédito", a cereja do bolo podre. Foi então que se reabriu a temporada de caça ao mandato da presidente.

Os servidores federais ontem ainda estavam pasmos com o plano, mas ameaçam greve contra a redução do reajuste (adiamento, o que dá no mesmo). Embora o pacote não tenha avançado muito mais sobre "gastos sociais", na área política do governo temia-se ainda maior afastamento dos "movimentos sociais".

Os bancos deram apoio enfático ao pacote e à equipe econômica, como previsto, dadas as movimentações recentes de figuras importantes da banca.

Pelo menos parte da indústria vai fazer campanha feroz contra (Fiesp). A CNI preferiu não dizer nada além de que é "contra aumentos da carga tributária" e quer "reformas estruturais". A Firjan foi dura. As associações do comércio de São Paulo criticaram em tom de enorme desalento.

Eduardo Cunha (PMDB), presidente da Câmara, diz que a CPMF não deve passar, bidu. Renan Calheiros (PMDB), presidente do Senado, diz que a coisa pode sair "melhorada" do Congresso, mas não detonou o imposto tido até outro dia como inaceitável. Ontem, dava o maior apoio ao plano.

Pelo menos duas lideranças relevantes do Congresso diziam que o pessoal de lá ainda "não tinha se inteirado bem das medidas"; que, de resto, quem havia chegado a Brasília estava "agitado" com os rumores sobre o "cronograma" da votação dos pedidos de impeachment.

A carta de intenções de cortar gastos e aumentar impostos soma R$ 66,2 bilhões. Quase 80% desse dinheiro viria de:

1) CPMF, R$ 32 bilhões; 2) Salário de servidores federais, R$ 7 bilhões; 3) Apropriação de 30% das contribuições para o sistema "S" (Sesc, Sesi, Senai etc), R$ 6 bilhões, facada nos empresários; 4) Cancelamento de 80% do valor das emendas parlamentares, R$ 7,6 bilhões.

Não teve aumento do "imposto da gasolina" (Cide), talvez por medo de mais inflação e da reação do BC.

A CPMF nova, 0,20% de cada movimentação de dinheiro, representaria apenas dois milésimos do preço da entrada do cinema ou do sanduíche, ajuda para a fechar o buraco da Previdência, como dizia ontem Joaquim Levy.

Talvez não seja apenas pelos vinte centésimos da CPMF que o plano desande ("Não é só pelos vinte centavos" era um mote das manifestações de junho de 2013 em São Paulo contra o aumento da passagem de ônibus). Derrubar o plano é um modo de puxar o tapetinho sobre o qual ainda caminha Dilma Rousseff.

"Atirando nos aliados" - BERNARDO MELLO FRANCO

Folha de São Paulo - 15/09

Os novos cortes anunciados pelo governo vão atingir em cheio os aliados que poderiam defender Dilma Rousseff da ameaça de impeachment. A previsão é do senador petista Lindbergh Farias, que se irritou com o "pacote de maldades" divulgado nesta segunda-feira.

Um dos parlamentares mais próximos do ex-presidente Lula, o senador teme a reação do funcionalismo e dos movimentos sociais que ainda se mantêm próximos ao Planalto. Ele diz que o custo político das medidas de austeridade será mais alto do que a futura economia no Orçamento.

"O governo voltou a atirar contra a nossa base. A Dilma está atirando no pessoal que pode ir para a rua defender o mandato dela", protesta.

Para o petista, o adiamento do reajuste dos servidores vai gerar "uma grande confusão" com sindicatos que apoiaram a reeleição da presidente. Ele prevê mais greves nas universidades e em órgãos que já funcionam de forma precária, como o INSS.

O senador também reclama dos cortes em vitrines do governo, como PAC, Pronatec e Minha Casa Minha Vida. "O governo está insistindo numa fórmula que já fracassou. Esse ajuste agravou a recessão, aumentou o desemprego e não resolveu o problema fiscal", protesta.

Acuada pelo PMDB e pelo empresariado, a presidente agora terá que resistir ao "fogo amigo" por adotar o receituário que eles defendem.

As críticas de Lindbergh ecoam um discurso cada vez mais forte no PT. Na semana passada, Lula disse que o ajuste "leva ao empobrecimento e à perda de postos de trabalho". Nesta segunda, o presidente da sigla, Rui Falcão, cobrou "mais receitas e menos cortes". Juntos, os três parecem avisar que Dilma pode perder o apoio de seu próprio partido.
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O ministro Mangabeira Unger deu enfim uma contribuição o governo. Ao entregar o cargo, abriu caminho para a extinção da Secretaria de Assuntos Estratégicos, que já vai tarde.

Dilma na corda bamba - GIL CASTELLO BRANCO

O GLOBO - 15/09

Governo agiu como a cigarra na fábula de Esopo. Não se preocupou com as despesas na época das vacas gordas



No fim da década de 70, no auge da crise econômica nos Estados Unidos, o ex-presidente Ronald Reagan afirmou: “Recessão é quando o seu vizinho perde o emprego. Depressão é quando você perde o seu. E a recuperação econômica só virá quando Jimmy Carter perder o dele”. Neste momento, é possível associar a frase de Reagan à atual conjuntura política e econômica que o país atravessa.

O encaminhamento ao Congresso Nacional de Orçamento com déficit primário (excluídas receitas e despesas financeiras) de R$ 30,5 bilhões foi a confissão da incapacidade do governo de manter um superávit primário capaz de evitar a explosão da dívida pública. A consequência do “rombo sincero” foi o rebaixamento do Brasil pela Standard & Poor’s. Assim, o jeito foi mudar o discurso e prometer transformar o déficit em superávit. Afinal, coerência não é mesmo uma marca do atual governo.

No fim do mês passado, por exemplo, a presidente da República afirmou que as dificuldades econômicas em 2014 só ficaram evidentes entre novembro e dezembro, ou seja, após as eleições. A mesma ladainha faz parte da defesa do governo no caso das pedaladas, ao considerar que naquela época o comportamento da economia era “imprevisível”. Balela!

Se assim fosse, todos os analistas não governistas seriam videntes, pois desde 2013 a crise já era amplamente comentada, bem como as mágicas para maquiar os resultados fiscais. A ponto de a candidata ter anunciado em setembro, antes mesmo do primeiro turno, que Mantega não seria ministro em eventual segundo mandato. A esse respeito, se os ministros do Tribunal de Contas da União tiverem — como devem ter — vergonha na cara, irão reprovar tecnicamente as contas de 2014 da presidente. Posteriormente, caberá ao Congresso julgar se o parecer do TCU será ou não a fagulha do impeachment.

Na verdade, o governo agiu como a cigarra na fábula de Esopo. Não se preocupou com as despesas na época das vacas gordas e só o fez este ano, quando a receita definhou, e o país perdeu o selo de bom pagador. Após a presidente dizer na semana passada que não havia mais o que cortar, reuniu-se no último fim de semana com as suas dezenas de ministros para definir os cortes adicionais anunciados ontem. Para entregar o superávit de 0,7% do PIB em 2016, o governo achou aproximadamente R$ 65 bilhões, reduzindo despesas em R$ 26 bilhões e criando/ajustando/aumentando impostos em cerca de R$ 40 bilhões. A maior parcela será obtida com a volta da malfadada CPMF, com alíquota de 0,2%, para gerar arrecadação de R$ 32 bilhões. Vale lembrar que este é o “imposto” de que a presidente dizia não gostar.

De fato, as despesas discricionárias (não impostas por lei ou pela Constituição) o governo já vem cortando. Nos oito primeiros meses deste ano, o montante pago equivale ao do mesmo período em 2013, em valores nominais, sem correção pela inflação. A tesoura atinge, infelizmente, os investimentos (obras e aquisição de equipamentos) e os gastos sociais. Nos investimentos, por exemplo, os dispêndios de janeiro a agosto de 2015 foram, em valores reais, 45% inferiores aos de 2014. Os subsídios para reduzir as prestações do Minha Casa Minha Vida já são quase R$ 4 bilhões menores do que os de 2014 nos mesmos oito meses. Enquanto isso, o Legislativo aprovou aumentos salariais generosos e ampliou gastos previdenciários. Na ótica dos deputados e senadores, quem pariu o déficit que o embale.

O governo, enfraquecido, age como uma biruta de aeroporto no meio do vendaval político. Ainda não informou detalhes sobre a redução dos 39 ministérios e sobre o possível corte de milhares dos mais de cem mil cargos, funções de confiança e gratificações, especialmente os de Direção e Assessoramento Superior (DAS), que aumentaram em mais de quatro mil de 2002 para cá. Na verdade, grande parte das medidas ontem anunciadas depende do Congresso Nacional. Assim sendo, senti falta de propostas ao Legislativo para estabelecer, por exemplo, a idade mínima de 65 anos para a aposentadoria das futuras gerações, bem como para desvincular o piso da Previdência do salário-mínimo.

Enfim, a presidente Dilma está jogando as suas últimas cartas. A dificuldade será aprovar no Congresso o que propõe e convencer a sociedade a dividir com o governo o custo do desequilíbrio das contas públicas gerado pela irresponsabilidade fiscal ocorrida nos últimos anos e pela corrupção.

Tal como nos EUA, na década de 70, com a recessão econômica, muitos brasileiros estão perdendo os seus empregos. Cuide do seu, presidente!

Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas