É o nome oficial do Brasil. Não é muito "federativo". Talvez não deva ser. É pouco republicano. Dom Pedro II, educado por José Bonifácio, foi o grande republicano brasileiro. Foi derrubado para a instalação de uma república dominada por uma oligarquia de fazendeiros e depois sucessivos tipos de oligarquia que tratam o país como se fosse sua propriedade.
O país sonha ser uma república democrática. Mas este nome perdeu o significado depois que países comunistas nada democráticos o adotaram.
República quer dizer que não existem pessoas especiais por causa do nascimento, que o interesse público é o guia dos governantes. O governo é exercido por filósofos-príncipes, no tempo de Platão, ou por presidentes cercados de especialistas e tecnocratas e não por duques e barões nem por representantes de interesses especiais. Democracia é outra coisa: que o poder emana do povo; liberdade total de expressão; rodízio no poder, tolerância.
Números da Lava-Jato indicam que o setor público já gasta bilhões com o financiamento de campanha via corrupção
A democracia ameaça a república se for dominada pela demagogia, por eleitores mal informados. Não há república sem homens virtuosos: honestos defensores do interesse público e corajosos. A república pode se tornar tirania. República e democracia procuram um equilíbrio delicado.
A democracia foi sendo aperfeiçoada - voto secreto, votos das mulheres, dos analfabetos, de menores de 18 anos. Depois, eleições frequentes para todos os postos executivos bem administradas pelo Tribunal Superior Eleitoral.
A República vai mal. Falta virtude. Como tornar os homens públicos virtuosos? Deveriam ler os clássicos - Cícero, Catão, Platão, Aristóteles - como os Founding Fathers americanos?
O ambiente em que os políticos vivem, discutem e trabalham é contaminado pela questão eleitoral. Como dizia o governador Montoro, assim que um político senta na cadeira para a qual foi eleito, começa a pensar na próxima eleição. E a eleição numa democracia de massas como a brasileira depende de recursos milionários para financiar viagens de jatinho, programas de televisão, a parte mais cara, e a "compra" de correligionários e recursos para apoiar coligações.
Assim, passados os dois primeiros anos, os mandatários dos cargos executivos começam a se dedicar ao financiamento das próximas eleições. Têm poder de decisão sobre bilhões de reais. Decisões sobre onde gastar e qual empresa contratar dependem de dois fatores - a visibilidade da obra e a contribuição para a próxima eleição.
Do jeito que a legislação eleitoral está, o financiamento da campanha eleitoral não é corrupção do ponto de vista legal para que possa ser levada aos tribunais.
Mas não há dúvida que as empreiteiras encarregadas das maiores obras serão sensíveis ao apelo por apoio financeiro ao candidato que ocupa o cargo executivo. O apelo, se o tesoureiro da campanha for elegante, não precisa ser acompanhado de chantagem ("o contrato vai ser suspenso ou o aditivo não aprovado"). É óbvio para a empreiteira que, se ajudar na campanha, será mais bem tratada e a obra terá continuidade.
Está montado o ambiente moral do governo. Nos dois últimos anos do mandato, o discurso dentro do governo se modifica e o núcleo palaciano de todos os palácios passa a emitir ordens e decisões que os secretários ou ministros mais distantes não entendem ou discordam. Não há por que se envergonhar ou temer por um arranhão na própria honra - o ambiente impõe este comportamento a todos os participantes.
Há várias formas de corrigir estes vícios sem que os nossos governantes tenham que ler os clássicos ou sem que precisemos aprovar uma emenda constitucional.
Primeiro, poderíamos restringir o financiamento eleitoral apenas a pessoas físicas que declarassem a doação. O "New York Times" já publicou a lista dos doadores de cada candidato às primárias dos dois partidos americanos, com foto do doador e valor da doação. Nas primárias, isto é, na escolha interna do candidato pelo partido, o valor total das doações é um critério relevante para o partido. Doadores não tem nada a temer - nas democracias o partido vencedor não pretende exterminar o derrotado e sabe que haverá rodízio no poder.
O Senado brasileiro aprovou que as doações de campanha só podem ser feitas por pessoas físicas. Mas na Câmara não passou. Qual discurso justifica este voto depois das evidências da Lava-Jato? Qual é a justificativa?
Mais poderia ser feito para corrigir o ambiente moral da vida pública. O montante a ser gasto nas eleições pode ser limitado. Mais ainda, a propaganda eleitoral na televisão pode ser regulada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Os candidatos falariam a partir de um cenário comum, sem filmes sobre casas próprias, retroescavadeiras, estradas, tubulações, pontes e pobres sorrindo ninguém sabe por que. Teriam que seguir um roteiro comum: apresentação do currículo, seus principais valores (casamento gay, aposentadoria precoce, Estado versus mercado). Depois, críticas aos adversários e assim por diante. Alguém poderia exigir que o candidato explicasse como o aerotrem resolve os problemas do país. Ou quem vai pagar a aposentadoria se as regras não forem modificadas. Seria um antídoto a demagogia.
Podemos ir além e passar para o financiamento público das campanhas. Muitos são contra, seria mais um encargo para o Estado. Mas os números da Lava-Jato indicam que o setor público já gasta bilhões com o financiamento de campanha através da corrupção. De fato "não há almoço grátis", mas o almoço pago "por fora" é mais caro.
São reformas que não exigem mudança constitucional. No ambiente moral prevalecente na vida pública, mudanças radicais das regras são impossíveis e vão contra os interesses dos mandatários de cargos eletivos eleitos através destes procedimentos.
Onde estão os legisladores republicanos que conseguiriam contornar as manobras da maioria nas casas legislativas?
Se as regras mudassem, homens virtuosos poderiam se candidatar sem ter que jantar escondido com financiadores de currículo duvidoso.
João Sayad é professor da Faculdade de Economia e Administração da USP