FOLHA DE SP - 28/03
Suspeitos de sempre já começam a se movimentar para barrar redução de tarifas de importação
Por qualquer métrica que se escolha o Brasil permanece como uma das economias mais fechadas do mundo no que se refere ao comércio global.
Em que pesem características como a dimensão continental do país e custos de transporte, resta pouca dúvida de que a baixa integração comercial com o resto do mundo decorre de uma posição protecionista há muito enraizada.
É verdade que as tarifas médias de importação caíram bastante entre 1990 e 1995 (de 40% para 15% no que se refere a manufaturas) e um pouco mais até 2003 (para os atuais 10%, ante cerca de 3% na média global), mas depois disso não demos nenhum passo adicional no sentido de liberalizar o comércio exterior. Pelo contrário, foram tomadas medidas de proteção, como exigências de conteúdo nacionalpara equipamentos destinados à exploração de petróleo, para citar apenas o caso mais gritante.
Existem evidências de que a redução da proteção nos anos 1990 resultou em crescimento expressivo da produtividade no país, como registrado por Marcos Lisboa, Naércio Menezes Filho e Adriana Schor. Por outro lado, a produtividade estagnou no período mais recente, fenômeno que, se não pode ser integralmente atribuído ao fechamento da economia, deve ter nele ao menos parcela relevante da responsabilidade.
Há, contudo, iniciativas para começar a reverter essse quadro desolador, em particular a proposta de redução das tarifas de importação de bens de capital, informática e telecomunicações de 14% para 4% em média.
Tal medida, se levada a termo, deveria reduzir o custo do investimento, não apenas colaborando para a retomada da economia mas também para aumento da produtividade de trabalho e, provavelmente, ainda para a produtividade geral, pela incorporação de tecnologia mais avançada a custos mais baixos.
Como seria de esperar, contudo, os suspeitos de sempre já começaram a se movimentar para barrar a ideia, apresentando dois argumentos.
Um deles é de política comercial: a redução unilateral de tarifas nos deixaria com menos “fichas” para trocar no caso de uma negociação com a União Europeia. Melhor seria, segue a toada, guardá-la para a negociação mais à frente.
Além de velho, trata-se de um falso argumento. A começar porque quem o formula jamais apoiou a negociação com a UE; trata-se apenas de chicana, para usar um termo em voga. Mais importante, porém, é que o beneficiário principal da redução de tarifas não será o exportador europeu, mas o importador brasileiro, assim como o perdedor no caso de a UE não reduzir as tarifas para o produto brasileiro será o consumidor europeu.
O outro argumento, quase tão antigo quanto o primeiro, é o “custo Brasil”, ou seja, o encarecimento do produto nacional por problemas que se originam desde a logística até a tributação. Ora, é precisamente esse o motivo pelo qual se defende a liberalização comercial: dar ao usuário nacional a opção de produtos mais baratos.
Se o problema da falta de competitividade do produto doméstico resulta da tributação (parcial, mas não inteiramente verdade), a solução virá da reforma tributária, não da restrição às importações.
À luz da nossa própria experiência, deveria ficar claro que o protecionismo é um extraordinário fiasco: ajuda o protegido, mas a um custo enorme para o país.
Alexandre Schwartsman - Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia.
quarta-feira, março 28, 2018
Abrir é preciso - MONICA DE BOLLE
ESTADÃO - 28/03
Quanto mais se investe, mais se aumenta a capacidade produtiva e, portanto, mais é possível crescer
A imprensa brasileira noticiou, mas a repercussão também foi grande entre os jornais internacionais de grande circulação. O New York Times e o Wall Street Journal, entre outros, fizeram excelentes matérias sobre o igualmente excelente estudo produzido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) intitulado “Abertura Comercial para o Desenvolvimento Econômico”. Trata-se de relatório com evidências conclusivas sobre os benefícios que a maior abertura do comércio trariam ao País.
É certo que, de um lado, discutir abertura comercial em momento de rompantes protecionistas mundo afora, sobretudo na maior economia do planeta, os EUA, não é fácil. Por outro lado, como mostraram os países integrantes do repaginado Acordo Transpacífico (TPP), agora conhecido por sua nova sigla, CPTPP, é possível avançar na integração do comércio e do investimento sem a liderança dos Estados Unidos.
Mais do que isso, neste momento em que o governo Trump prepara medidas duras contra a China, e a China finca posição, é importante que países se protejam dos projéteis não fugindo do comércio, mas aderindo a ele. Afinal, a verdade é que ainda que ocorra algo da guerra comercial que todos hoje temem, o mundo e a indústria já não funcionam mais com peças isoladas. Ao contrário, a simbiose é completa. Não à toa, multinacionais americanas que dependem do comércio com empresas chinesas fabricantes de partes, componentes, e tecnologia, tão assustadas estão com a perspectiva de que a quixotesca guerra de Trump acabe tendo inúmeras consequências indesejáveis para os empregos, para o investimento, para o crescimento dos EUA.
Voltando ao Brasil, o relatório da SAE traz dados e números reveladores da extensão do isolamento brasileiro. Traz, também, análise lúcida sobre os efeitos que teria uma redução horizontal de nossas barreiras comerciais sobre a economia brasileira. Pode-se discutir uma ou outra hipótese, mas os resultados falam por si: tirar o Brasil do autoisolamento criaria empregos, traria investimentos, melhoraria as perspectivas de crescimento e desenvolvimento do País.
Basta olhar para todos os países asiáticos que souberam usar a abertura comercial a seu favor – o Japão nos anos 50, a Coreia e Taiwan nos anos 60 e 70, a China nos anos 90 e 2000. Durante as diferentes fases em que essas economias se abriram, o crescimento veio de forma rápida, forte, e sustentável. Na contramão, o Brasil e outros países latino-americanos, amarrados ao velho modelo de substituição de importações e de reserva de mercado, jamais obtiveram sucesso que chegasse aos pés do que se viu do outro lado do mundo.
Ainda cambaleante após a recessão de 2015-2016 e sem grandes perspectivas pela frente, o momento é particularmente oportuno para discutir a abertura brasileira. Há poucas semanas, a Camex reduziu temporariamente para zero as alíquotas sobre mais de 780 produtos que não têm equivalente nacional. A medida é bem-vinda, mas há que se fazer mais. O governo cogita a adoção de uma ampla redução de tarifas de importação de bens de capital mais abrangente e de caráter permanente, afetando não apenas produtos que não possuem equivalente nacional, mas também aqueles que o Brasil hoje produz. Evidentemente, há quem não tenha gostado da ideia, chamando-a de polêmica.
Mas para além dos interesses desses grupos, para os quais as tarifas reduzidas levariam ao enfrentamento de problemas de falta de competitividade, estão os interesses do País. É bem conhecida a relação entre importações de bens de capital e investimento: quanto maior a capacidade de importar esses produtos, mais se investe. E quanto mais se investe, mais se aumenta a capacidade produtiva e, portanto, mais é possível crescer.
A taxa de investimento do Brasil, hoje, é de míseros 15,6% – muitos pontos porcentuais aquém dos almejados 20% a 25% compatíveis com altas do PIB de 4% a 5%. A ambiciosa redução de tarifas proposta pelo governo tornaria mais barato importar máquinas e equipamentos, incentivando o investimento, além de ajudar a promover transferências de tecnologia de que tanto necessitamos para aumentar a produtividade.
Abrir é preciso. Lutar contra o óbvio não é preciso.
* ECONOMISTA, PESQUISADORA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIONAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY
Quanto mais se investe, mais se aumenta a capacidade produtiva e, portanto, mais é possível crescer
A imprensa brasileira noticiou, mas a repercussão também foi grande entre os jornais internacionais de grande circulação. O New York Times e o Wall Street Journal, entre outros, fizeram excelentes matérias sobre o igualmente excelente estudo produzido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) intitulado “Abertura Comercial para o Desenvolvimento Econômico”. Trata-se de relatório com evidências conclusivas sobre os benefícios que a maior abertura do comércio trariam ao País.
É certo que, de um lado, discutir abertura comercial em momento de rompantes protecionistas mundo afora, sobretudo na maior economia do planeta, os EUA, não é fácil. Por outro lado, como mostraram os países integrantes do repaginado Acordo Transpacífico (TPP), agora conhecido por sua nova sigla, CPTPP, é possível avançar na integração do comércio e do investimento sem a liderança dos Estados Unidos.
Mais do que isso, neste momento em que o governo Trump prepara medidas duras contra a China, e a China finca posição, é importante que países se protejam dos projéteis não fugindo do comércio, mas aderindo a ele. Afinal, a verdade é que ainda que ocorra algo da guerra comercial que todos hoje temem, o mundo e a indústria já não funcionam mais com peças isoladas. Ao contrário, a simbiose é completa. Não à toa, multinacionais americanas que dependem do comércio com empresas chinesas fabricantes de partes, componentes, e tecnologia, tão assustadas estão com a perspectiva de que a quixotesca guerra de Trump acabe tendo inúmeras consequências indesejáveis para os empregos, para o investimento, para o crescimento dos EUA.
Voltando ao Brasil, o relatório da SAE traz dados e números reveladores da extensão do isolamento brasileiro. Traz, também, análise lúcida sobre os efeitos que teria uma redução horizontal de nossas barreiras comerciais sobre a economia brasileira. Pode-se discutir uma ou outra hipótese, mas os resultados falam por si: tirar o Brasil do autoisolamento criaria empregos, traria investimentos, melhoraria as perspectivas de crescimento e desenvolvimento do País.
Basta olhar para todos os países asiáticos que souberam usar a abertura comercial a seu favor – o Japão nos anos 50, a Coreia e Taiwan nos anos 60 e 70, a China nos anos 90 e 2000. Durante as diferentes fases em que essas economias se abriram, o crescimento veio de forma rápida, forte, e sustentável. Na contramão, o Brasil e outros países latino-americanos, amarrados ao velho modelo de substituição de importações e de reserva de mercado, jamais obtiveram sucesso que chegasse aos pés do que se viu do outro lado do mundo.
Ainda cambaleante após a recessão de 2015-2016 e sem grandes perspectivas pela frente, o momento é particularmente oportuno para discutir a abertura brasileira. Há poucas semanas, a Camex reduziu temporariamente para zero as alíquotas sobre mais de 780 produtos que não têm equivalente nacional. A medida é bem-vinda, mas há que se fazer mais. O governo cogita a adoção de uma ampla redução de tarifas de importação de bens de capital mais abrangente e de caráter permanente, afetando não apenas produtos que não possuem equivalente nacional, mas também aqueles que o Brasil hoje produz. Evidentemente, há quem não tenha gostado da ideia, chamando-a de polêmica.
Mas para além dos interesses desses grupos, para os quais as tarifas reduzidas levariam ao enfrentamento de problemas de falta de competitividade, estão os interesses do País. É bem conhecida a relação entre importações de bens de capital e investimento: quanto maior a capacidade de importar esses produtos, mais se investe. E quanto mais se investe, mais se aumenta a capacidade produtiva e, portanto, mais é possível crescer.
A taxa de investimento do Brasil, hoje, é de míseros 15,6% – muitos pontos porcentuais aquém dos almejados 20% a 25% compatíveis com altas do PIB de 4% a 5%. A ambiciosa redução de tarifas proposta pelo governo tornaria mais barato importar máquinas e equipamentos, incentivando o investimento, além de ajudar a promover transferências de tecnologia de que tanto necessitamos para aumentar a produtividade.
Abrir é preciso. Lutar contra o óbvio não é preciso.
* ECONOMISTA, PESQUISADORA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIONAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY
Uma foto da ruína para o novo presidente - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 28/03
Discussão econômica quase sai da conversa pública, mas problema graves perduram
NO PAÍS que desceu ao fundo do maior buraco recessivo em mais de 30 anos e ainda se arrasta para sair das profundezas desse inferno, não houve revoltas de sentido socioeconômico. Depois da falação de reformas de 2016-17, a economia está quase ausente do debate público.
As manobras de sobrevivência da elite política, a multiplicação de candidaturas aventureiras, arremedos de acordão e mumunhas da casta burocrática em geral ocupam a conversa, além das batalhas culturais nas redes insociáveis.
Os números deste início de 2018, que confirmam a lerdeza da retomada, tampouco causam maiores protestos. Na verdade, não servem de mote nem para campanhas políticas ou ataques da oposição, na prática morta.
Um balanço rápido da economia no primeiro trimestre, no entanto, dá pano para a manga dos problemas que o próximo governo vai enfrentar daqui a nove meses ou menos, pois espera-se que os eleitos comecem a tomar conta da casa caída já em novembro.
Neste início do ano vê-se que o emprego formal reage em velocidade abaixo da crítica, mau sinal para o aumento da renda e para a arrecadação de impostos. O crédito bancário continua a encolher, como ocorre desde setembro de 2015 (em bases anuais).
A arrecadação do governo federal dá sinais de vida, embora um tanto inflada por receitas extraordinárias, depois de baixar desde novembro de 2014 (em bases anuais também). A despesa com investimento parece se estabilizar, mas caiu à metade do que era em 2014. O pessoal da Fazenda fez um esforço considerável de arrumar e explicitar as contas públicas arruinadas, mas o gasto com Previdência e pessoal ainda cresce a quase 6% ao ano acima da inflação, em termos reais, enquanto os demais gastos do governo encolhem 14%.
Trocando em miúdos. Em um ano, a despesa com Previdência e pessoal cresceu cerca de R$ 45 bilhões, o equivalente a tudo o que o governo despende, por ano, em obras e outros investimentos.
Desde o pico da crise, o país perdeu uns 2,8 milhões de empregos formais (para nem contar uns mais de 2 milhões que deixaram de ser criados). No ritmo em que por ora vamos neste 2018, vão-se recuperar uns 700 mil com carteira. Ainda teremos anos de precarização do trabalho.
Mesmo descontado o efeito do enxugamento dos bancos públicos, o crédito mal cresce. As taxas de juros, que desciam lentamente dos Himalaias, pararam de cair mais ou menos desde novembro do ano passado.
Além dos defeitos sistêmicos do crédito no Brasil (garantias, cadastros de crédito etc.), há algum problema grave nos bancos, assunto para outro dia, mas um rolo grande o bastante para figuras insuspeitas do mercado começarem a chiar em público sobre a concentração bancária, nome bonito para oligopólio daninho.
É um país em crise de emprego formal, precarização ainda crescente do trabalho, aumento real de salários que parece desacelerar, estoque de crédito em baixa de quase três anos e juros congelados nos picos altos. O Orçamento federal é progressivamente comido por gastos com Previdência e pessoal; ao final de 2019, por aí, mal haverá tostões para reparar a infraestrutura que, sempre escassa, agora vai sendo arruinada sem limite.
Onde estamos com a cabeça?
Discussão econômica quase sai da conversa pública, mas problema graves perduram
NO PAÍS que desceu ao fundo do maior buraco recessivo em mais de 30 anos e ainda se arrasta para sair das profundezas desse inferno, não houve revoltas de sentido socioeconômico. Depois da falação de reformas de 2016-17, a economia está quase ausente do debate público.
As manobras de sobrevivência da elite política, a multiplicação de candidaturas aventureiras, arremedos de acordão e mumunhas da casta burocrática em geral ocupam a conversa, além das batalhas culturais nas redes insociáveis.
Os números deste início de 2018, que confirmam a lerdeza da retomada, tampouco causam maiores protestos. Na verdade, não servem de mote nem para campanhas políticas ou ataques da oposição, na prática morta.
Um balanço rápido da economia no primeiro trimestre, no entanto, dá pano para a manga dos problemas que o próximo governo vai enfrentar daqui a nove meses ou menos, pois espera-se que os eleitos comecem a tomar conta da casa caída já em novembro.
Neste início do ano vê-se que o emprego formal reage em velocidade abaixo da crítica, mau sinal para o aumento da renda e para a arrecadação de impostos. O crédito bancário continua a encolher, como ocorre desde setembro de 2015 (em bases anuais).
A arrecadação do governo federal dá sinais de vida, embora um tanto inflada por receitas extraordinárias, depois de baixar desde novembro de 2014 (em bases anuais também). A despesa com investimento parece se estabilizar, mas caiu à metade do que era em 2014. O pessoal da Fazenda fez um esforço considerável de arrumar e explicitar as contas públicas arruinadas, mas o gasto com Previdência e pessoal ainda cresce a quase 6% ao ano acima da inflação, em termos reais, enquanto os demais gastos do governo encolhem 14%.
Trocando em miúdos. Em um ano, a despesa com Previdência e pessoal cresceu cerca de R$ 45 bilhões, o equivalente a tudo o que o governo despende, por ano, em obras e outros investimentos.
Desde o pico da crise, o país perdeu uns 2,8 milhões de empregos formais (para nem contar uns mais de 2 milhões que deixaram de ser criados). No ritmo em que por ora vamos neste 2018, vão-se recuperar uns 700 mil com carteira. Ainda teremos anos de precarização do trabalho.
Mesmo descontado o efeito do enxugamento dos bancos públicos, o crédito mal cresce. As taxas de juros, que desciam lentamente dos Himalaias, pararam de cair mais ou menos desde novembro do ano passado.
Além dos defeitos sistêmicos do crédito no Brasil (garantias, cadastros de crédito etc.), há algum problema grave nos bancos, assunto para outro dia, mas um rolo grande o bastante para figuras insuspeitas do mercado começarem a chiar em público sobre a concentração bancária, nome bonito para oligopólio daninho.
É um país em crise de emprego formal, precarização ainda crescente do trabalho, aumento real de salários que parece desacelerar, estoque de crédito em baixa de quase três anos e juros congelados nos picos altos. O Orçamento federal é progressivamente comido por gastos com Previdência e pessoal; ao final de 2019, por aí, mal haverá tostões para reparar a infraestrutura que, sempre escassa, agora vai sendo arruinada sem limite.
Onde estamos com a cabeça?
Democracia e controle do Judiciário - FERNÃO LARA MESQUITA
ESTADÃO - 28/03
No modelo de ‘eleições de retenção’, juiz só se mantém na função se o povo se disser satisfeito
Teve Atenas e teve Roma. Uma fracassou porque não chegou a inventar o recurso à representação, a outra porque inventou a democracia representativa, mas não a fórmula para submeter de fato o representante à vontade dos seus representados. É nesse mesmo “brejo” que nós chafurdamos com 1.500 anos de atraso. Brasília não enxerga os confins do “império”. Os confins do “império” não enxergam Brasília, que só age e legisla em causa própria. E assim os “bárbaros”, de caneta ou de fuzil na mão, nos vão mergulhando na barbárie.
A democracia.3.1 fechou o século 18 afirmando que quem devia mandar era o povo e nenhum poder e nenhum dinheiro poderiam, mais, ser outorgados por um homem a outro homem. Só o que fosse consequência do esforço individual e do merecimento seria aceito. Sendo assim, passaram a eleger diretamente a maioria dos funcionários antes nomeados por políticos de modo a torná-los mais suscetíveis aos destinatários finais dos seus serviços e sujeitos a cobranças e demissões ainda que blindados contra a politicagem.
Mas logo descobriram que quatro anos podiam ser muito, muito tempo. A democracia.3.2 abriu o século 20 estendendo os poderes do cidadão-eleitor para antes e para depois do momento das eleições de modo a dar ampla efetividade ao controle por ele exercido sobre os atos dos seus representantes e funcionários eleitos. Afirmou também, em paralelo, que a liberdade individual é exercida na nossa dimensão de produtores e consumidores e não pode ser garantida senão pela competição entre patrões e fornecedores pela nossa preferência e que, portanto, este devia ser o limite da recompensa econômica ao desempenho individual.
O controle do Judiciário foi sempre o passo mais difícil em cada etapa dessas reformas. Apesar de todas as razões que tornam desejável a independência desse Poder, durou pouco mais de 50 anos, nos Estados Unidos, o sistema de nomeação de juízes que copiava o sistema dos reis europeus (o nosso). Ainda que essa nomeação fosse para uma função vitalícia “enquanto (o agraciado) se comportasse bem”, faltava inventar uma maneira de dar consequência prática a essa ressalva retórica. Na falta dela, a corrupção pegou forte no Poder que podia decidir sobre a liberdade e os bens alheios.
Em 1832 o Estado do Mississippi passou a eleger diretamente os seus juízes. O argumento dos que são contra esse sistema é que obrigá-los a fazer campanha eleitoral deixa os juízes “sujeitos ao poder econômico”. O argumento dos a favor é que “sujeito ao poder econômico todo mundo está” e que, com todos os inconvenientes considerados, eles preferiam que os seus juízes sujeitos ao poder econômico pudessem ser “deseleitos” se dessem sinais dessa sujeição. Até 1861, quando começou a guerra civil, 24 dos 34 Estados da União da época já tinham aderido a esse sistema.
Houve um momento também em que eles consideraram seriamente sujeitar à cassação por referendo apenas as sentenças judiciais que revertessem reformas políticas. O país estava vivendo a sua mais profunda crise, em tudo semelhante à do Brasil de hoje. Tinha passado por um processo de urbanização violento, as cidades estavam à beira do caos, mergulhadas na miséria e no crime, a industrialização tinha dado um poder de corrupção gigantesco a empresários que, mancomunados com juízes e políticos que controlavam havia décadas as máquinas partidárias, impediam a renovação da política e revertiam toda reforma que se conseguia nos Estados e municípios. A campanha de Theodore Roosevelt por um terceiro mandato, em 1912, que abraçava essa bandeira, resumia o sentido da reforma que o ex-presidente empurrara durante dois mandatos anteriores e vinha conquistando o país, cidade por cidade, Estado por Estado, desde a virada do século 19 para o 20: voto distrital puro para amarrar cada representante aos seus representados, eleições primárias diretas para abrir a política à renovação, recall de políticos e funcionários a qualquer momento, referendo das leis dos Legislativos, abertura às leis de iniciativa popular. Começando por Los Angeles em 1903, as inovações vinham do Oeste, onde se estavam fixando os novos self-made men, para o Leste, onde os “interesses especiais” de velhas curriolas estavam enraizados havia mais tempo. A base dessa proposta era que o povo tem o direito de escolher o regime político sob o qual quer viver e, portanto, esse tipo de decisão não devia ser revogável por juízes sem mais apelação.
Eles só conseguiram uma solução intermediária satisfatória a partir de 1940, quando o Estado do Missouri instituiu as “eleições de retenção” de juízes (retention elections). Nesse modelo os juízes continuam a ser selecionados, seja por conselhos especialmente constituídos, seja pelos governadores com confirmação dos Legislativos. Mas só se mantêm na função enquanto o povo, destinatário da justiça que fornecem, se disser satisfeito com o que recebe. Hoje 20 Estados, a cada quatro anos, incluem nas cédulas das eleições majoritárias, ao lado de tudo mais em que se vota diretamente lá (leis de iniciava popular, referendos de leis dos Legislativos, mudanças em impostos, emissão de dívida pública, recall de funcionários, etc.), o nome de todos os juízes da jurisdição de cada eleitor (cíveis e criminais, de primeira instância ou das Supremas Cortes estaduais, equivalentes aos nossos STJs) a pergunta: “O juiz fulano de tal deve permanecer mais quatro anos no cargo”? “Sim” ou “não”. Se vencer o “não”, o juiz é destituído e o sistema põe outro no lugar. Um terço dos juízes americanos ainda são diretamente eleitos e muitos Estados combinam esse sistema ou o de nomeações com as retention elections. Mas juiz onipotente não existe mais em lugar nenhum.
Como na vida real manda quem tem o poder de DEMITIR, nas democracias de verdade quem tem o poder de demitir todo e qualquer servidor público a qualquer momento é o povo. Sem esse direito elementar, todo o resto da conversarada sobre “democracia” é pura tapeação.
*JORNALISTA
No modelo de ‘eleições de retenção’, juiz só se mantém na função se o povo se disser satisfeito
Teve Atenas e teve Roma. Uma fracassou porque não chegou a inventar o recurso à representação, a outra porque inventou a democracia representativa, mas não a fórmula para submeter de fato o representante à vontade dos seus representados. É nesse mesmo “brejo” que nós chafurdamos com 1.500 anos de atraso. Brasília não enxerga os confins do “império”. Os confins do “império” não enxergam Brasília, que só age e legisla em causa própria. E assim os “bárbaros”, de caneta ou de fuzil na mão, nos vão mergulhando na barbárie.
A democracia.3.1 fechou o século 18 afirmando que quem devia mandar era o povo e nenhum poder e nenhum dinheiro poderiam, mais, ser outorgados por um homem a outro homem. Só o que fosse consequência do esforço individual e do merecimento seria aceito. Sendo assim, passaram a eleger diretamente a maioria dos funcionários antes nomeados por políticos de modo a torná-los mais suscetíveis aos destinatários finais dos seus serviços e sujeitos a cobranças e demissões ainda que blindados contra a politicagem.
Mas logo descobriram que quatro anos podiam ser muito, muito tempo. A democracia.3.2 abriu o século 20 estendendo os poderes do cidadão-eleitor para antes e para depois do momento das eleições de modo a dar ampla efetividade ao controle por ele exercido sobre os atos dos seus representantes e funcionários eleitos. Afirmou também, em paralelo, que a liberdade individual é exercida na nossa dimensão de produtores e consumidores e não pode ser garantida senão pela competição entre patrões e fornecedores pela nossa preferência e que, portanto, este devia ser o limite da recompensa econômica ao desempenho individual.
O controle do Judiciário foi sempre o passo mais difícil em cada etapa dessas reformas. Apesar de todas as razões que tornam desejável a independência desse Poder, durou pouco mais de 50 anos, nos Estados Unidos, o sistema de nomeação de juízes que copiava o sistema dos reis europeus (o nosso). Ainda que essa nomeação fosse para uma função vitalícia “enquanto (o agraciado) se comportasse bem”, faltava inventar uma maneira de dar consequência prática a essa ressalva retórica. Na falta dela, a corrupção pegou forte no Poder que podia decidir sobre a liberdade e os bens alheios.
Em 1832 o Estado do Mississippi passou a eleger diretamente os seus juízes. O argumento dos que são contra esse sistema é que obrigá-los a fazer campanha eleitoral deixa os juízes “sujeitos ao poder econômico”. O argumento dos a favor é que “sujeito ao poder econômico todo mundo está” e que, com todos os inconvenientes considerados, eles preferiam que os seus juízes sujeitos ao poder econômico pudessem ser “deseleitos” se dessem sinais dessa sujeição. Até 1861, quando começou a guerra civil, 24 dos 34 Estados da União da época já tinham aderido a esse sistema.
Houve um momento também em que eles consideraram seriamente sujeitar à cassação por referendo apenas as sentenças judiciais que revertessem reformas políticas. O país estava vivendo a sua mais profunda crise, em tudo semelhante à do Brasil de hoje. Tinha passado por um processo de urbanização violento, as cidades estavam à beira do caos, mergulhadas na miséria e no crime, a industrialização tinha dado um poder de corrupção gigantesco a empresários que, mancomunados com juízes e políticos que controlavam havia décadas as máquinas partidárias, impediam a renovação da política e revertiam toda reforma que se conseguia nos Estados e municípios. A campanha de Theodore Roosevelt por um terceiro mandato, em 1912, que abraçava essa bandeira, resumia o sentido da reforma que o ex-presidente empurrara durante dois mandatos anteriores e vinha conquistando o país, cidade por cidade, Estado por Estado, desde a virada do século 19 para o 20: voto distrital puro para amarrar cada representante aos seus representados, eleições primárias diretas para abrir a política à renovação, recall de políticos e funcionários a qualquer momento, referendo das leis dos Legislativos, abertura às leis de iniciativa popular. Começando por Los Angeles em 1903, as inovações vinham do Oeste, onde se estavam fixando os novos self-made men, para o Leste, onde os “interesses especiais” de velhas curriolas estavam enraizados havia mais tempo. A base dessa proposta era que o povo tem o direito de escolher o regime político sob o qual quer viver e, portanto, esse tipo de decisão não devia ser revogável por juízes sem mais apelação.
Eles só conseguiram uma solução intermediária satisfatória a partir de 1940, quando o Estado do Missouri instituiu as “eleições de retenção” de juízes (retention elections). Nesse modelo os juízes continuam a ser selecionados, seja por conselhos especialmente constituídos, seja pelos governadores com confirmação dos Legislativos. Mas só se mantêm na função enquanto o povo, destinatário da justiça que fornecem, se disser satisfeito com o que recebe. Hoje 20 Estados, a cada quatro anos, incluem nas cédulas das eleições majoritárias, ao lado de tudo mais em que se vota diretamente lá (leis de iniciava popular, referendos de leis dos Legislativos, mudanças em impostos, emissão de dívida pública, recall de funcionários, etc.), o nome de todos os juízes da jurisdição de cada eleitor (cíveis e criminais, de primeira instância ou das Supremas Cortes estaduais, equivalentes aos nossos STJs) a pergunta: “O juiz fulano de tal deve permanecer mais quatro anos no cargo”? “Sim” ou “não”. Se vencer o “não”, o juiz é destituído e o sistema põe outro no lugar. Um terço dos juízes americanos ainda são diretamente eleitos e muitos Estados combinam esse sistema ou o de nomeações com as retention elections. Mas juiz onipotente não existe mais em lugar nenhum.
Como na vida real manda quem tem o poder de DEMITIR, nas democracias de verdade quem tem o poder de demitir todo e qualquer servidor público a qualquer momento é o povo. Sem esse direito elementar, todo o resto da conversarada sobre “democracia” é pura tapeação.
*JORNALISTA
Marcha da insensatez está em curso; polícia para quem precisa e ordem na corte! - REINALDO AZEVEDO
REDE TV/UOL - 28/03
Tiros atingem ônibus da caravana de Lula no PR; marcha da insensatez está em curso; polícia para quem precisa e ordem na corte!
A marcha da irresponsabilidade está em curso no país. Atinge o Poder Judiciário, que está na raiz de conflitos de rua, os políticos e setores da imprensa. O episódio mais grave se deu nesta terça feira. Tiros atingiram um dos ônibus da caravana de Lula no Sul do país. Aconteceu na estrada entre Quedas do Iguaçu e Laranjeiras do Sul, no interior do Paraná. O veículo conduzia blogueiros ligados ao PT e alguns repórteres estrangeiros. Um argentino e um alemão estavam no veículo.
Quem atirou? Será preciso apurar, claro!, mas todos sabem que dificilmente se chegará à autoria. Dia desses afirmei neste blog e também no programa “O É da Coisa”, na BandNews FM, que o capeta escuta as más orações, mesmo que dirigidas a Deus. É claro que se trata de linguagem figurada. O que quero dizer com isso? A retórica violenta, exacerbada, irresponsável mesmo, pode ter consequências.
Canalhas que hoje incentivam a violência com seu discurso asqueroso em blogs, sites, redes sociais e programas de rádio têm de se lembrar que existem malucos dispostos a levar as suas perorações às ultimas consequências. Sempre me opus aos métodos violentos adotados por movimentos como o MST e o MTST. Meu blog vai completar 12 anos no dia 24 de junho. Basta recorrer ao arquivo. E lembrei isso aqui ao censurar as manifestações violentas de adversários do PT contra a caravana liderada por Lula.
Há uma grande diferença entre organizar um grupo para vocalizar palavras de protesto contra o ex-presidente — e isso é parte do jogo democrático — e atacar os ônibus que conduzem petistas com paus, pedras e ovos, tentando impedir a passagem dos veículos. Isso é pra´tica fascistoide. Como sempre foi a dos movimentos citados, que serviam e servem de esbirros do petismo.
As teorias conspiratórias estão à solta, não é? Daqui a pouco recomeça o debate para saber se quem incendiou Roma foi Nero ou se foram os cristãos, para depois botar a culpa no imperador. Ou por outra: aqueles que estavam aplaudindo a violência contra a caravana agora levantam a hipótese — sempre no bueiro do capeta em que se transformaram as redes sociais — de que os próprios petistas atiraram nos veículos para jogar a culpa nos adversários.
Que se investigue. Parece-me que a hipótese não passa de mais um discurso aloprado no meio da insanidade que toma conta do debate público. Até porque os petistas estão, desta feita, verdadeiramente assustados, o que não quer dizer que não vão buscar obter dividendos políticos e até eleitorais com o episódio. Segundo um dirigente, pela primeira vez, a cúpula do partido considera que pode haver pessoas dispostas a matar Lula. E, dadas a forma das caravanas e a violência retórica que tomou conta do ambiente, não seria necessária uma conspiração para esse fim; bastaria o ato tresloucado de um extremista embalado pela onda de sectarismo.
Há tempos tenho chamado a atenção, voz quase solitária até na grande imprensa, para a estupidez em curso no Brasil, que consiste em fazer pouco caso do aparato legal e das regras do jogo. Na manhã desta terça, no dia do ataque a tiros contra o ônibus, escrevi um texto cujo título é este: “Cármen Lúcia, a Toda-Pura do Supremo, não se deu conta de que suas omissões podem ter versão em confrontos de rua. Voto já!”.
No segunda, havia escrito um outro. Título: “Populismo de ministros do STF que deixam pra lá Constituição e bom senso colabora para a intolerância de paus, pedras e ovos”.
Eu tenho, sim, um remédio para pôr ordem na casa. Polícia para quem precisa de polícia. E cumprimento estrito no que está na Constituição. É preciso conter a desordem nas ruas e nos tribunais.
Uma brecha a menos - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 28/03
Exigência de crivo do BC a diretores de bancos federais reduz risco de indicações políticas
O governo decidiu que indicações para cargos de direção em bancos federais passarão a ser submetidas ao crivo do Banco Central. Assim já determina a lei para as demais instituições financeiras, incluindo as privadas e as controladas por governos estaduais.
Fecha-se assim, ao que parece, uma brecha para a nomeação de políticos e seus apadrinhados em postos-chave da máquina estatal, que resulta em desvios e desperdício de recursos públicos.
A lei que criou o BC em 1964 estabelece que diretores de bancos devem ter conhecimento técnico e reputação ilibada —e que os indicados para a função precisam do aval da autoridade monetária antes de começar a trabalhar.
No caso das instituições controladas pelo Tesouro Nacional, porém, basta informar os nomes escolhidos. O Banco Central não tem nenhum poder de veto.
A decisão de mudar esse estado de coisas foi tomada pelo presidente Michel Temer (MDB), em conversa com seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Falta definir se ela será formalizada por decreto ou projeto de lei.
De certa forma, a alteração é uma decorrência natural da aprovação da Lei das Estatais, que foi sancionada pelo presidente há dois anos e impôs critérios mais rigorosos para as nomeações de dirigentes de empresas públicas.
Nesse sentido, a opção do governo deve ser celebrada como um importante reforço nos mecanismos de controle aos quais os bancos federais devem se submeter.
Mas a medida é também uma resposta a problemas mais imediatos que o presidente enfrenta na Caixa Econômica Federal, que podem levar em breve a várias mudanças na cúpula da instituição.
Em janeiro, sob pressão do BC e do Ministério Público, Temer concordou com o afastamento de 4 dos 12 vice-presidentes. Eles são investigados por suspeita de corrupção, e suas funções passaram a ser exercidas por interinos.
Agora, o mandatário cogita substituir o próprio presidente da Caixa, Gilberto Occhi. Funcionário de carreira, deve a indicação ao PP e é cotado para assumir o Ministério da Saúde com a saída de Ricardo Barros, que se demitiu para disputar um mandato de deputado.
Temer e Meirelles deixaram claro nos últimos dias que também têm pretensões eleitorais, e as negociações em andamento com o PP são essenciais para o projeto do presidente de manter a seu lado os partidos da coalizão governista.
Serão necessárias máxima presteza e transparência, portanto, para que o ambiente eleitoral não contamine a discussão essencial sobre as novas normas a serem adotadas nos bancos públicos.
Exigência de crivo do BC a diretores de bancos federais reduz risco de indicações políticas
O governo decidiu que indicações para cargos de direção em bancos federais passarão a ser submetidas ao crivo do Banco Central. Assim já determina a lei para as demais instituições financeiras, incluindo as privadas e as controladas por governos estaduais.
Fecha-se assim, ao que parece, uma brecha para a nomeação de políticos e seus apadrinhados em postos-chave da máquina estatal, que resulta em desvios e desperdício de recursos públicos.
A lei que criou o BC em 1964 estabelece que diretores de bancos devem ter conhecimento técnico e reputação ilibada —e que os indicados para a função precisam do aval da autoridade monetária antes de começar a trabalhar.
No caso das instituições controladas pelo Tesouro Nacional, porém, basta informar os nomes escolhidos. O Banco Central não tem nenhum poder de veto.
A decisão de mudar esse estado de coisas foi tomada pelo presidente Michel Temer (MDB), em conversa com seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Falta definir se ela será formalizada por decreto ou projeto de lei.
De certa forma, a alteração é uma decorrência natural da aprovação da Lei das Estatais, que foi sancionada pelo presidente há dois anos e impôs critérios mais rigorosos para as nomeações de dirigentes de empresas públicas.
Nesse sentido, a opção do governo deve ser celebrada como um importante reforço nos mecanismos de controle aos quais os bancos federais devem se submeter.
Mas a medida é também uma resposta a problemas mais imediatos que o presidente enfrenta na Caixa Econômica Federal, que podem levar em breve a várias mudanças na cúpula da instituição.
Em janeiro, sob pressão do BC e do Ministério Público, Temer concordou com o afastamento de 4 dos 12 vice-presidentes. Eles são investigados por suspeita de corrupção, e suas funções passaram a ser exercidas por interinos.
Agora, o mandatário cogita substituir o próprio presidente da Caixa, Gilberto Occhi. Funcionário de carreira, deve a indicação ao PP e é cotado para assumir o Ministério da Saúde com a saída de Ricardo Barros, que se demitiu para disputar um mandato de deputado.
Temer e Meirelles deixaram claro nos últimos dias que também têm pretensões eleitorais, e as negociações em andamento com o PP são essenciais para o projeto do presidente de manter a seu lado os partidos da coalizão governista.
Serão necessárias máxima presteza e transparência, portanto, para que o ambiente eleitoral não contamine a discussão essencial sobre as novas normas a serem adotadas nos bancos públicos.
Lula, o 'ficha-suja' - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 28/03
Se a Lei da Ficha Limpa vale o papel em que está escrita, o ex-presidente Lula da Silva tornou-se na segunda-feira passada, oficialmente, um “ficha-suja” – isto é, não pode ter sua candidatura a qualquer cargo eletivo aceita pela Justiça Eleitoral, em razão de condenação judicial em duas instâncias.
A ressalva sobre a validade da lei é necessária porque, diante do atual comportamento errático do Judiciário, muitas vezes contrário à própria Constituição, pode ser que a Lei da Ficha Limpa acabe sendo ignorada nos tribunais superiores em favor do poderoso demiurgo de Garanhuns.
Em situação normal, a decisão da 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) de negar o derradeiro recurso da defesa de Lula contra a condenação a 12 anos e 1 mês de prisão, por corrupção e lavagem de dinheiro, enquadra o ex-presidente na Lei da Ficha Limpa, sem qualquer sombra de dúvida. Conforme o texto da lei, são considerados “ficha suja”, ou seja, inelegíveis, os que, como Lula, forem condenados por corrupção e lavagem de dinheiro “em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado”. O órgão judicial colegiado, neste caso, é a 8.ª Turma do TRF-4, composta por três desembargadores, que impuseram a Lula uma nova derrota por 3 a 0.
Mas o País não vive uma situação normal. Nada garante que criativos luminares da hermenêutica jurídica nos tribunais superiores permitam que prevaleça uma interpretação marota da Lei da Ficha Limpa, sob medida para Lula, tornando-a letra morta. Não é difícil imaginar tal desfecho. Basta lembrar que o ex-presidente já poderia estar preso, mas continua livre e verboso graças a uma heterodoxa decisão do Supremo Tribunal Federal, que lhe concedeu generoso salvo-conduto, válido pelo menos até o julgamento de seu pedido de habeas corpus, marcado para o próximo dia 4 – isso se nenhum ministro pedir vista, postergando a conclusão do processo para as calendas.
É claro que os rábulas petistas apostam que os tribunais superiores vão acabar se dobrando às suas chicanas, não apenas para manter Lula fora da cadeia, mas também para viabilizar sua candidatura. A estratégia, explícita, é embaralhar a interpretação da legislação de tal modo que o debate jurídico se arraste até depois das eleições, quando então, imaginam os petistas, haverá o fato consumado da vitória de Lula. “Tecnicamente, ele (Lula) não está inelegível”, disse ao Valor o deputado e advogado petista Wadih Damous (RJ), um dos protagonistas da defesa da presidente cassada Dilma Rousseff no processo de impeachment. “Quem decreta (a inelegibilidade) é o Tribunal Superior Eleitoral. Será uma situação muito interessante, com Lula vencedor no primeiro turno, com milhões de votos, e o Poder Judiciário tendo de decidir se impede a vontade popular.”
Mais uma vez, como já se tornou comum em sua história, o PT lança um repto às instituições, em particular ao Judiciário. E essa provocação é ainda mais escandalosa porque se dá no mesmo momento em que Lula da Silva desfila pelo País a desafiar os juízes e promotores que ousam condená-lo – um deles já foi qualificado de “moleque” pelo ex-presidente, que se considera, nada mais, nada menos, que um “perseguido político”.
Como tudo o que tem envolvido essa epopeia burlesca de Lula da Silva para se safar da Justiça, a tal “caravana” do ex-presidente – oficialmente destinada a “perscrutar a realidade brasileira”, a celebrar “as grandes transformações pelas quais o País passou nos governos petistas” e a denunciar “o deliberado desmonte dos programas e políticas públicas de desenvolvimento e inclusão social, que vem sendo operado pelo governo golpista desde 2016” – não passa de uma farsa destinada a manter o condenado Lula em evidência.
Como demonstração de força, contudo, a “caravana” tem sido até aqui um completo fiasco, ganhando o noticiário apenas em razão dos episódios de violência protagonizados tanto por petistas quanto por seus antípodas. Assim, sem o povo ao seu lado, Lula joga todas as suas fichas na fragilidade das instituições. Para o bem do País, ele não pode ganhar.
Se a Lei da Ficha Limpa vale o papel em que está escrita, o ex-presidente Lula da Silva tornou-se na segunda-feira passada, oficialmente, um “ficha-suja” – isto é, não pode ter sua candidatura a qualquer cargo eletivo aceita pela Justiça Eleitoral, em razão de condenação judicial em duas instâncias.
A ressalva sobre a validade da lei é necessária porque, diante do atual comportamento errático do Judiciário, muitas vezes contrário à própria Constituição, pode ser que a Lei da Ficha Limpa acabe sendo ignorada nos tribunais superiores em favor do poderoso demiurgo de Garanhuns.
Em situação normal, a decisão da 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) de negar o derradeiro recurso da defesa de Lula contra a condenação a 12 anos e 1 mês de prisão, por corrupção e lavagem de dinheiro, enquadra o ex-presidente na Lei da Ficha Limpa, sem qualquer sombra de dúvida. Conforme o texto da lei, são considerados “ficha suja”, ou seja, inelegíveis, os que, como Lula, forem condenados por corrupção e lavagem de dinheiro “em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado”. O órgão judicial colegiado, neste caso, é a 8.ª Turma do TRF-4, composta por três desembargadores, que impuseram a Lula uma nova derrota por 3 a 0.
Mas o País não vive uma situação normal. Nada garante que criativos luminares da hermenêutica jurídica nos tribunais superiores permitam que prevaleça uma interpretação marota da Lei da Ficha Limpa, sob medida para Lula, tornando-a letra morta. Não é difícil imaginar tal desfecho. Basta lembrar que o ex-presidente já poderia estar preso, mas continua livre e verboso graças a uma heterodoxa decisão do Supremo Tribunal Federal, que lhe concedeu generoso salvo-conduto, válido pelo menos até o julgamento de seu pedido de habeas corpus, marcado para o próximo dia 4 – isso se nenhum ministro pedir vista, postergando a conclusão do processo para as calendas.
É claro que os rábulas petistas apostam que os tribunais superiores vão acabar se dobrando às suas chicanas, não apenas para manter Lula fora da cadeia, mas também para viabilizar sua candidatura. A estratégia, explícita, é embaralhar a interpretação da legislação de tal modo que o debate jurídico se arraste até depois das eleições, quando então, imaginam os petistas, haverá o fato consumado da vitória de Lula. “Tecnicamente, ele (Lula) não está inelegível”, disse ao Valor o deputado e advogado petista Wadih Damous (RJ), um dos protagonistas da defesa da presidente cassada Dilma Rousseff no processo de impeachment. “Quem decreta (a inelegibilidade) é o Tribunal Superior Eleitoral. Será uma situação muito interessante, com Lula vencedor no primeiro turno, com milhões de votos, e o Poder Judiciário tendo de decidir se impede a vontade popular.”
Mais uma vez, como já se tornou comum em sua história, o PT lança um repto às instituições, em particular ao Judiciário. E essa provocação é ainda mais escandalosa porque se dá no mesmo momento em que Lula da Silva desfila pelo País a desafiar os juízes e promotores que ousam condená-lo – um deles já foi qualificado de “moleque” pelo ex-presidente, que se considera, nada mais, nada menos, que um “perseguido político”.
Como tudo o que tem envolvido essa epopeia burlesca de Lula da Silva para se safar da Justiça, a tal “caravana” do ex-presidente – oficialmente destinada a “perscrutar a realidade brasileira”, a celebrar “as grandes transformações pelas quais o País passou nos governos petistas” e a denunciar “o deliberado desmonte dos programas e políticas públicas de desenvolvimento e inclusão social, que vem sendo operado pelo governo golpista desde 2016” – não passa de uma farsa destinada a manter o condenado Lula em evidência.
Como demonstração de força, contudo, a “caravana” tem sido até aqui um completo fiasco, ganhando o noticiário apenas em razão dos episódios de violência protagonizados tanto por petistas quanto por seus antípodas. Assim, sem o povo ao seu lado, Lula joga todas as suas fichas na fragilidade das instituições. Para o bem do País, ele não pode ganhar.
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