quinta-feira, novembro 29, 2012

Sai o Mensalão. Entra o Rosegate - RICARDO NOBLAT


BLOG DO NOBLAT


Curioso. Líderes do PT dizem não ser "adequado" ligar Lula a Rosemary Nóvoa de Noronha, indiciada na semana passada pela Polícia Federal por crime de corrupção ativa, e ameaçada de ser presa a qualquer momento.

Ora, pois. Por que não seria adequado?

Foi Lula que escolheu a moça para ser sua secretária depois de ela ter secretariado durante 12 anos o ex-ministro José Dirceu. Rosemary era reconhecidamente uma moça prendada.

Foi Lula que mais tarde nomeou a moça para a chefia do gabinete da presidência da República, em São Paulo. Ali quem desejava vê-lo tinha de passar antes pelo crivo de Rosemary, a dona da maçaneta da porta presidencial.

Foi Lula, apesar de dispor de gente habilitada para isso em Brasília, quem incumbiu Rosemary de acompanhá-lo em viagens a 24 países entre 2008 e 2009 - em média uma por mês.

Foi Lula que forçou o Senado a desrespeitar o seu próprio regimento interno para que Paulo Vieira, indicado por Rosemary, ganhasse uma das diretorias da Agência Nacional de Águas (ANA).

Foi Lula, mais uma vez acionado por Rosemary, que também empregou Rubens, irmão de Paulo, como diretor da Agência Nacional de Avião Civil.

Paulo está preso desde a semana passada, apontado pela Polícia Federal como chefe de uma quadrilha que fraudava pareceres técnicos de agências reguladoras e de órgãos federais.

Rubens também está preso por fazer parte da quadrilha, assim como outro irmão dele, o empresário Marcelo Rodrigues.

Foi Lula que interferiu junto a Dilma para que Rosemary permanecesse como chefe do gabinete da presidência, em São Paulo.

A Polícia Federal gravou 122 telefonemas trocados entre Lula e Rosemary de março do ano passado a outubro deste ano. Uma média de cinco ligações por dia. Fora e-mails passados por Rosemary com referências a Lula.

Sabe como Rosemary chamava Lula? De presidente? Não. José Dirceu chamava Lula de presidente. Antonio Palocci chamava Lula de presidente. Gilberto Carvalho, idem. Rosemary chamava Lula de "Luiz Inácio". E ainda chama.

Quem reclamava da sua falta de cerimônia no tratamento conferido ao presidente da República, ouvia dela muitas vezes: "Tenho intimidade com ele. Trato como quero. E daí?".

Não exagerava. Com frequência, sempre que viajava ao exterior acompanhando Lula, Rosemary se hospedava em apartamento próximo ao dele. Assim poderia atendê-lo com a presteza necessária.

Como, portanto, não seria adequado ligar Lula a Rosemary?

Não separe o que o destino uniu!

Lula deu uma de fraco, de cínico e de dissimulado ao comentar a propósito da enrascada em que Rosemary se meteu: "Eu me sinto apunhalado pelas costas".

Que falta de originalidade!

Quando estourou o escândalo do mensalão e Lula falou em cadeia nacional de rádio e de televisão para pedir desculpas aos brasileiros, ele disse que fora traído. E acrescentou:

- Fui apunhalado pelas costas.

Sob a ótica religiosa, Lula é o São Sebastião da política nacional, flechado por todos os lados. Sob a ótica pagã, é o Tufão, personagem da novela "Avenida Brasil", enganado pelas mulheres.

Rosemary leva vida modesta. Empregou o marido e uma filha no governo, mas não tem dinheiro para fazer face a uma eventual emergência médica, por exemplo.

Na condição de interlocutora privilegiada de Lula, recebia mimos aqui e acolá. Eram retribuições de favores que ela fazia. Nada de grande valor. E, no entanto, em pedindo tudo lhe seria dado. Quem duvida?

Ela pediu para Paulo Vieira o emprego na ANA. Mas quem pediu a Rosemary para que pedisse a Lula o emprego almejado por Paulo?

Carlos Minc, na época ministro do Meio Ambiente, sugerira a Lula o nome de uma técnica para a vaga que acabaria ocupada por Paulo. Lula desprezou a sugestão de Minc. Que no último fim de semana fez uma espantosa confissão:

- Naquela época, o nome desse cara (Paulo Vieira) já não cheirava bem.

Por que Minc não procurou Lula naquela época para adverti-lo de que o nome de Paulo cheirava mal? Por que Minc não conta agora o que sabia a respeito dele?

Por que Lula não explica seu esforço para emplacar Paulo na ANA?

Ao chegar no Senado o nome de Paulo, líderes do PMDB procuraram líderes do DEM e do PSDB e propuseram:

- Vamos derrubar a indicação?

"Eu topei porque meu negócio como líder do DEM era derrotar o governo sempre que pudesse", relembra José Agripino Maia (RN), hoje presidente do partido. Pelo mesmo motivo, topou o líder do PSDB, Arthur Virgílio.

Na votação em plenário deu empate. No mesmo dia, ao se repetir a votação, a indicação foi derrotada pela diferença de um voto. Não poderia haver uma terceira votação, segundo a Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Dali a quatro meses houve, sim, por insistência de Lula. O DEM e o PSDB foram pegos de surpresa. O PMDB havia sido apaziguado por ação direta dos senadores José Sarney (AP) e Renan Calheiros (AL).

A sombra de José Dirceu pesa sobre a história investigada pela Polícia Federal desde o ano passado, revela a procuradora federal Suzana Fairbanks.

Em 2003, primeiro ano do primeiro governo Lula, Paulo Vieira filiou-se ao PT. No ano seguinte, teve 55 votos e não se elegeu vereador em Gavião Peixoto, cidade de menos de cinco mil habitantes a 310 quilômetros da capital paulista.

Paulo tirou a sorte grande em 2005: foi nomeado pelo então ministro chefe da Casa Civil José Dirceu para o cargo de assessor especial de controle interno do Ministério da Educação.

Rosemary sempre recorria a Dirceu para atender interesses da quadrilha comandada por Paulo, assegura a procuradora Fairbanks. Costumava citá-lo como "JD".

Paulo usou o nome de Dirceu para tentar obter a ajuda de Cyonil da Cunha Borges, auditor do Tribunal da Contas da União e, ao fim e ao cabo, delator do esquema desmontado pela Polícia Federal.

Cyonil chegou a receber R$ 100 mil dos R$ 300 mil que Paulo lhe prometera em troca de um parecer favorável à Tecondi, empresa que opera no Porto de Santos. Dirceu prestava consultoria à empresa, de acordo com Paulo.

Como os R$ 200 mil restantes não lhe foram pagos, Cyonil bateu às portas da Polícia Federal, devolveu os R$ 100 que embolsara e entregou todo mundo.

Dirceu nega tudo.

Lula nada diz.

Rosemary jura inocência e ameaça falar caso seja presa.

Sai de cena o Escândalo do Mensalão.

Entra o Rosegate. Alguma sugestão melhor de nome?

Jogos tucanos - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 29/11


Ressurge o movimento para fazer de Aécio Neves presidente do PSDB, posto mais forte do que a tribuna do Senado de maioria governista, para fazer o contraponto à presidente Dilma Rousseff

Voltou a surgir com força dentro do PSDB um processo de conversas no sentido de fazer do senador Aécio Neves (PSDB-MG) presidente do partido. A ideia parte da constatação de setores da bancada de que o mandato de senador não é suficiente para projetar um pré-candidato a presidente da República. O comando partidário daria um novo patamar ao pré-candidato.

A avaliação de setores do PSDB de Minas Gerais é a de que a projeção no Senado é menor do que a esperada. Até porque, a maioria governista na Casa acaba prevalecendo. A oposição termina na maioria das votações e debates a reboque da vontade do governo Dilma Rousseff.

Além do mais, quando o assunto é tribuna, são poucos os senadores que conseguem destaque. O mais citado nesse quesito é Pedro Simon (PMDB-RS), que ficou conhecido por derrubar ministros com discursos inflamados. Quem acompanhava a política nos tempos do governo Fernando Henrique Cardoso deve se lembrar de Simon deixando o então ministro de Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, para lá de constrangido em novembro de 1998 — tempo em que a grande crise era a privatização das telecomunicações e as suspeitas de favorecimento a determinados grupos em detrimento de outros.

Hoje, 18 anos depois da queda de Mendonça de Barros, são raros os discursos que conseguem impacto. Mas as presidências de partido têm lá seu charme. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, por exemplo, projeta sua carreira política no cenário nacional por causa do posto partidário. Na sexta-feira, por exemplo, abrirá o seminário dos prefeitos eleitos com um discurso sobre o federalismo e a necessidade de revisão dos impostos, leia-se descentralização dos recursos e novo pacto federativo. Como presidente, será a voz dos socialistas em defesa dessa proposta.

A diferença entre PSB e PSDB é que, entre os socialistas, Eduardo Campos reina e os cearenses Cid Gomes e Ciro Gomes não têm um protagonismo partidário forte, capaz de fazer sombra internamente aos projetos do pernambucano. No ninho tucano, a história é outra. Aécio tem aliados que defendem sua presença no comando do partido. Por exemplo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas não há um consenso capaz de fazer dele presidente da legenda num piscar de olhos, porque o grupo de José Serra e do próprio Geraldo Alckmin não abrem mão de ter controle sobre o partido. Dentro desse contexto, para não deixar a turma de Minas com a faca e o queijo na mão, optou-se por Teotônio Vilela Filho, cordato e com trânsito por todos os grupos do PSDB.

Acontece que, dentro do PSDB de Minas Gerais, nem todos estão convencidos de que essa seja a melhor solução. Por isso, nos últimos dias, alguns integrantes da bancada voltaram esta semana a mencionar a necessidade de fazer de Aécio o presidente do partido no ano que vem. Dentro da oposição, há certeza de que a única forma de o partido ter alguma chance de sucesso em 2014 é acabando com essa guerrilha de bastidores e criando uma corrente forte em prol da pré-candidatura de Aécio Neves. E, diante do resistente “teflon” de Dilma Rousseff, em quem nenhum escândalo gruda ou deixa nódoas, há na oposição quem avalie que, se divididos, os tucanos não chegarão a lugar algum.

Enquanto isso, no Planalto…
A avaliação geral é a de que o penteado e a maquiagem da presidente Dilma Rousseff não sofreram abalos diante da sucessão de notícias sobre a ex-chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo Rosemary Noronha. Mais uma vez, a direção dos ventos sopra as labaredas desse incêndio na direção de Lula, o primeiro chefe de Rose naquele posto. É a ele que o PT se esforça para proteger neste momento. Isso dá à oposição a certeza de que Dilma é cada vez mais candidata à reeleição.

E no PMDB…
O partido do vice-presidente da República, Michel Temer, perde uma vaga para o PCdoB. O superintendente de Abastecimento da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Dirceu Amorelli, está de saída e, para o postp, deve ser nomeado o superintendente adjunto de Fiscalização, Aurélio Amaral. Amorelli é técnico, ligado ao ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Amaral é ligado ao PCdoB. Dada a disputa entre PMDB e PCdoB no Maranhão, vem curto-circuito por aí. Aos poucos, o PMDB é afastado de vários postos no governo. Diante disso, há quem duvide que venha logo ali mais algum ministério importante para o partido. Se continuar assim, será um terreno fértil para Aécio Neves pescar aliados rumo ao futuro. Mas essa é outra história.

Estado laico e liberdade religiosa - FLÁVIA PIOVESAN

O GLOBO - 29/11

Os grupos religiosos têm o direito de constituir suas identidades em torno de seus princípios e valores, mas não o de pretender serem hegemônicos



Em 12 de novembro último, o Ministério Público Federal ajuizou ação objetivando à retirada da expressão religiosa “Deus seja louvado” das cédulas do real. O argumento é a ofensa ao princípio do Estado laico, além da exclusão de minorias, ao promover uma religião em detrimento de outras. Outros instigantes debates a respeito do alcance da laicidade estatal e da liberdade religiosa têm chegado à Justiça, como o questionamento acerca do uso de símbolos religiosos (como crucifixos) em espaços públicos; de leis que autorizam excepcionalmente o sacrifício de animais em religiões de matriz africana; da realização de exames (como o Enem) em datas alternativas ao Shabat (dia sagrado para o judaísmo); da natureza do ensino religioso em escolas da rede pública, entre outros.

Ainda que a Constituição, em seu preâmbulo, faça expressa alusão a Deus (a Carta é promulgada “sob a proteção de Deus”), o mesmo texto constitucional veda à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança (...)” (artigo 19, I da Constituição). É daí que se extrai o princípio do Estado laico: a necessária e desejável separação entre Estado e religião no marco do estado democrático de direito.

De um lado, o princípio do Estado laico proíbe a fusão entre Estado e religião (como ocorrem nas teocracias), de modo a proteger a liberdade religiosa. Por outro, requer a atuação positiva do Estado no sentido de assegurar uma arena livre, pluralista e democrática em que toda e qualquer religião mereça igual consideração e respeito. A laicidade estatal demanda tanto a liberdade religiosa, como a igualdade no tratamento conferido pelo Estado às mais diversas religiões.

Isto porque confundir Estado com religião implica a adoção oficial de dogmas incontestáveis, que, ao impor uma moral única, inviabiliza qualquer projeto de sociedade aberta, pluralista e democrática. A ordem jurídica em um estado democrático de direito não pode se converter na voz exclusiva da moral de qualquer religião. Os grupos religiosos têm o direito de constituir suas identidades em torno de seus princípios e valores, pois são parte de uma sociedade democrática. Mas não têm o direito a pretender hegemonizar a cultura de um Estado constitucionalmente laico.

Na história constitucional brasileira, a primeira Constituição, de 1824, consagrava a religião católica apostólica romana como a religião oficial do Império. Às demais religiões apenas era permitido o culto doméstico, ou particular, em casa, sem forma alguma exterior de templo. Foi com a Constituição Republicana de 1891 que se avançou com a adoção do princípio do Estado laico.

Na atualidade, o direito à liberdade religiosa compreende três dimensões: 1) o direito de ter uma religião ou crença de sua escolha (sendo proibida qualquer medida coercitiva que possa restringir tal liberdade); 2) o direito de mudar de religião; e 3) o direito de não ter qualquer religião. A liberdade religiosa ainda abrange o direito de manifestar a religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela celebração de ritos, individual ou coletivamente, em público ou em particular (a chamada “liberdade de culto”). Também é vedado utilizar a religião como fator de discriminação, como enuncia a Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Religiosa, a combater o perverso uso da religião para violar e negar direitos.

O Brasil é considerado o maior país católico do mundo em números absolutos. Em 2000, os católicos representavam 74% da população (IBGE, Censo 2000). Em 2009, o universo de católicos correspondia a 68,5% da população brasileira (FGV, Novo Mapa das Religiões, 2011).

Neste contexto, iniciativas como a do Ministério Público Federal constituem uma importante estratégia para consolidar o princípio do Estado laico, endossando o dever do Estado de garantir condições de igual liberdade religiosa. Inspirado pela razão pública e secular, o estado democrático de direito não pode ser refém de dogmas religiosos do sagrado, mas deve garantir a diversidade de doutrinas religiosas, filosóficas e morais como condição da própria cultura pública democrática.

Decisões morais - CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP - 29/11


Você está na posição ideal para pisar fundo e atropelar os dois assaltantes; você vai acelerar?


É uma da tarde, e você dirige uma caminhonete pelas ruas de São Paulo. De repente, você esbarra num carro parado; ao lado dele, dois motoqueiros; um dos dois enfia seu braço armado pelo vidro do motorista do carro; o assaltante ameaça e grita, ele pode atirar a qualquer momento, quer seja porque não estão lhe entregando o que ele pediu, quer seja porque não gostou do que lhe foi entregue, quer seja porque, simplesmente, ele está nervoso e a fim de matar.

Atrás de você e da cena do assalto, só buzinam os mais afastados, que não enxergam o que está acontecendo. Os mais próximos ficam paralisados, divididos entre o medo e a vergonha por não reagirem e por serem cidadãos de um lugar onde isso é possível e corriqueiro.

Você está na posição ideal para pisar fundo e atropelar os dois meliantes, antes que atirem ou que fujam, ganhando, mais uma vez, dos assaltados e de todos nós.

Você não vai acelerar. É por medo de que o assaltante evite seu carro e acerte você com um tiro? É por preguiça de se envolver com polícia e investigação? Ou receia que cúmplices e familiares dos criminosos se vinguem?

Tudo bem, imaginemos que seja noite funda: não há ninguém, só os assaltantes, os assaltados e você. Ninguém verá nada. Ainda assim, você não vai acelerar?

Talvez prevaleça em você a inibição que paralisa a muitos na hora de machucar um semelhante, mesmo odioso. Ou talvez você queira agir "segundo a lei". Mas você sabe que a lei contempla e admite a "legítima defesa de terceiro"? Tudo bem, sua única obrigação jurídica é acionar a autoridade competente: fique no seu carro e ligue para a PM, uma viatura chegará a tempo para interromper o assalto e proteger os assaltados -não é verdade?

Ok, você hesitou demais, um dos assaltados acaba de ser baleado. Juridicamente, você não tem responsabilidade por não ter agido. A lei não exige de ninguém que seja herói. Mas será que isso é verdade também da moral? Você vai dormir tranquilo?

Outro dilema. Agora, imagine que, exatamente na mesma cena, você seja o assaltado. A caminhonete do dilema anterior apareceu, atropelou os assaltantes e sumiu. O bandido para quem você entregou sua bolsa está no asfalto, numa poça de sangue. Você faz o quê? Chama uma ambulância e espera para dar depoimento? Ou recupera o que lhe foi roubado e vai embora?

Já escrevi aqui mais de uma vez: admiro a teoria dos estágios do pensamento moral, de Lawrence Kohlberg. Resumindo, com nosso exemplo: é inútil querer decidir se é mais moral jogar a caminhonete para cima dos ladrões ou se esconder atrás do volante.

O que importa é a razão de nossa escolha. Se decidirmos por medo da punição, por conformidade ou mesmo por respeito à lei, nossa conduta será moralmente medíocre. Se decidirmos segundo o que nos parece certo, em nosso foro íntimo, nossa conduta -seja ela qual for- será de uma qualidade moral superior.

Mais uma coisa: Kohlberg também mostrou que a gente não melhora moralmente à força de memorizar valores ou exemplos a seguir, mas destrinchando dilemas e ponderando como e por que agiríamos de uma maneira ou de outra.

Os dois dilemas que acabo de expor são extraídos de um filme excelente, que não me sai da cabeça, "Disparos", de Juliana Reis, em cartaz desde sexta passada.

"Disparos" acontece no Rio, embora seu roteiro seja, hoje, mais paulistano do que carioca. De qualquer forma, não perca o filme e não fuja do debate íntimo sobre o que você faria numa situação parecida (até porque as chances de viver uma situação parecida aumentam a cada dia).

O Senado acaba de incluir disciplinas de ética no currículo do ensino fundamental e médio. Espero que se evite a monumental estupidez de ensinar ética normativa, ou seja, de querer enfiar valores em nossas crianças -goela abaixo, como se fossem partículas consagradas.

Para crianças como para adultos, "aprender" ética significa aprimorar a disposição a pensar moralmente, ou seja, a capacidade de debater, em nosso foro íntimo, os enigmas complexos (e, muitas vezes, insolúveis) que a realidade nos apresenta. Como disse, essa disposição só melhora à força de encarar dilemas.

Sem esperar o mais que provável desastre do novo curso, podemos ir (e levar nossos adolescentes) ao cinema. "Disparos" é um filme perfeito para pesar a complexidade da vida urbana no Brasil, ou seja, para pensar o que significa sermos morais hoje, aqui, no lugar em que estamos vivendo.

Traição à vista? - ILIMAR FRANCO


O GLOBO - 29/11

O líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), foi um dos oradores na festa de aniversário do deputado Júlio Delgado (PSB-MG), anteontem à noite, que serviu para o lançamento de sua candidatura à presidência da Câmara. A despeito do acordo PT-PMDB para eleger o líder do PMDB, Henrique Alves (RN), muitos foram os petistas que fizeram questão de participar.

O governo Dilma não tem oposição
O PSDB abdicou de fazer oposição ao governo Dilma. Os tucanos direcionam seus ataques ao ex-presidente Lula ou ao ex-ministro José Dirceu. O senador Aécio Neves (PSDB-MG) declarou ontem: "Se há uma herança maldita, certamente é do governo anterior. Infelizmente, a presidente Dilma aceitou, sem muitos critérios, indicações ou nomeações feitas pelo governo anterior, e apenas age no momento em que a denúncia ocorre". E o presidente do partido, Sérgio Guerra, cobrou: "É necessário que o ex-ministro José Dirceu exponha ao país a relação de empresas às quais vem prestando consultoria desde que deixou a Casa Civil e foi cassado pela Câmara".

"Existindo uma bancada da Delta na CPI do Cachoeira, ela será agora identificada na votação do relatório final do deputado Odair Cunha
Miro Teixeira Deputado federal (PDT-RJ)

Jogo de cena
O PSB reúne amanhã mais de 400 prefeitos eleitos com o governador Eduardo Campos. Ele será pressionado a assumir a candidatura ao Planalto, mas dirá que o PSB integra o governo Dilma e que é cedo para tratar das eleições de 2014.

Céu de brigadeiro
O líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), relator da MP do Setor Elétrico, garantiu ao Planalto sua aprovação. Seus dois argumentos: ninguém vota contra uma MP que reduz o preço da luz para o consumidor; e a direção da Cemig vai ter que explicar aos acionistas que abriu mão de três usinas que dão lucro anual de R$ 1,5 bilhão.

A disputa na bancada do PT
O deputado André Vargas (PT-PR) coletou 43 assinaturas da bancada petista a favor de sua candidatura à vice-presidência da Câmara. Os eleitores são 85 deputados, e seu adversário é o deputado Paulo Teixeira (PT-SP).

Tensão e troca de informações
O clima é tenso e de reuniões no Planalto, por conta da Operação Porto Seguro. A presidente Dilma embarcou ontem de manhã para a Argentina, mas passou a viagem ao telefone com a ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil). A ministra, o chefe de gabinete Giles Azevedo, e a assessora do Gabinete de Informações, Sandra Brandão, passaram parte do dia reunidos.

Seguindo o dinheiro
O Ministério Público e a Polícia Federal vão ter muito trabalho pela frente. Os programas dos computadores da CPI do Cachoeira rastrearam e cruzaram 84 bilhões de movimentações financeiras feitas pelos envolvidos no esquema.

Na guerra dos royalties
Os coordenadores das bancadas de 24 estados já começaram a coletar assinaturas para pedir que um veto da presidente Dilma na lei dos royalties do petróleo seja votado em regime de urgência. A expectativa é que haverá um veto parcial.

O MINISTRO MENDES RIBEIRO (Agricultura) comemora: o Brasil marcha para nova safra recorde. A previsão é de 181,5 milhões de toneladas de grãos.

Timing policial - VERA MAGALHÃES - PAINEL


FOLHA DE SP - 29/11

A Operação Porto Seguro deveria ter sido deflagrada entre o primeiro e o segundo turnos das eleições municipais, mas foi atrasada por recuo da Polícia Federal. Após acertar com a Justiça Federal e o Ministério Público Federal as primeiras prisões e apreensões de documentos da investigação sobre tráfico de influência em ministérios e agências federais, a PF alegou "falta de contingente policial" para postergar as medidas para depois do pleito, frustrando as demais instituições.

Caneta Diante de menções a seu nome na Operação Porto Seguro, o deputado Sandro Mabel (GO) diz que apenas assinou, quando era do PR, a indicação de Paulo Vieira para a ANA, a pedido de Valdemar Costa Neto.

Cortesia Rosemary Noronha visitou Lula no Sírio Libanês na última vez que o ex-presidente esteve internado no hospital para exames.

Tudo novo Alberto Toron vai pedir novo julgamento de João Paulo Cunha (PT-SP) por lavagem de dinheiro no mensalão, alegando que ele foi condenado por apenas seis votos e teve a pena fixada por cinco ministros, quando o quórum mínimo em questão penal é de seis votos.

Saideira Sempre elogiado pelos ministros, o ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto foi criticado nos bastidores por não ter deixado consignadas as penas para os últimos réus, como que disse diversas vezes que faria.

Herói Apostando que é possível absolver Roberto Jefferson nos embargos, o advogado Luiz Barbosa foi irônico: "Cabe recurso até à Liga da Justiça. Hoje, quem está na presidência é o Batman".

Prestígio Azarão na corrida pela presidência da Câmara, Júlio Delgado (PSB) reuniu 150 parlamentares em jantar de aniversário, anteontem. Surpreendeu o alto quórum de petistas, signatários de acordo para a eleição de Henrique Alves (PMDB-RN).

Deixa comigo Indicado para a Secretaria do Verde de Fernando Haddad, o líder de Gilberto Kassab na Câmara paulistana, Roberto Trípoli (PV), venceu a primeira batalha com petistas refratários ao seu nome: manterá na sua pasta as licenças ambientais.

Repescagem Trípoli, cujo partido integrou a coligação de José Serra, cobrou do tucano compromisso para assumir a pasta, caso eleito. Não foi atendido e abandonou a campanha majoritária.

Casa caiu A reação à ida do PP para a Secretaria de Habitação levou um grupo de urbanistas ligados ao PT a mandar carta aberta a Haddad. Pressionado, o petista pode dar a pasta de Obras ao partido de Paulo Maluf. "Não se faz reforma urbana com o PP", diz Raquel Rolnik, uma das signatárias do manifesto.

Embaixadoras 1 Pelo modelo idealizado por Haddad, a vice-prefeita Nádia Campeão e a primeira-dama Ana Estela Haddad terão a função de monitorar projetos específicos, sem cargo remunerado na prefeitura e em conjunto com os secretários.

Embaixadoras 2 Nádia pilotará a renovação do contrato da Fórmula 1, a Expo 2020 e a Copa 2014. Ana atuará em projetos na área social.

Questão... Resolução do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, do governo federal, recomenda que Estados troquem os termos "resistência seguida de morte" e "auto de resistência" por "morte decorrente de intervenção policial".

...de semântica O órgão alega que é preciso dar transparência à investigação de atos da polícia. A Anistia Internacional acusa o governo paulista de usar os termos para omitir execuções da PM.

com FÁBIO ZAMBELI e BRENO COSTA

tiroteio

A operação-abafa de Cardozo retrata o pânico do PT com as revelações derivadas intimidade de Rosemary com Lula e Dirceu.

DO LÍDER DA MINORIA NA CÂMARA, MENDES THAME (PSDB-SP), sobre a ação do ministro para evitar convocações de envolvidos na Operação Porto Seguro.

contraponto

À francesa

Durante a sessão de ontem da CPI do Cachoeira, entrou discretamente pelo fundo da sala o deputado Sandes Júnior (PP-GO), suspeito de envolvimento com o empresário. No relatório final, o petista Odair Cunha pede que as informações levantadas sobre o colega sejam remetidas ao STF. Ao vê-lo, Silvio Costa (PTB-PE) o aconselhou, às gargalhadas:

-Você ficou louco? Veio fazer lobby? Vai embora logo, rapaz!- gritou o deputado petebista, dando um tapa no ombro do colega.

Sem titubear, Sandes Júnior deu meia volta e saiu.

Quatro rodas - SONIA RACY


O ESTADÃO - 29/11

A ida do ex-Ford e ex-Suzano Antonio Maciel (ainda não confirmada) para o Grupo Caoa teria motivo ambicioso: criar uma montadora brasileira. O assunto corre solto pelo meio automobilístico e, segundo fonte graduada do setor, envolveria o BNDES e a fábrica da Caoa em Goiás – de cuja linha de montagem saem, hoje, carros da Hyundai.
O protótipo viria da China e seria adaptado às necessidades e regras locais.

Quatro rodas 2
Mas, e a Hyundai? Ficaria sem fábrica no País? Não exatamente. A montadora coreana inaugurou planta própria em Piracicaba, este mês, sem participação acionária da Caoa.

A ideia básica do projeto seria copiar o que fizeram os governos chinês e coreano – que apoiaram fortemente suas indústrias automobilísticas.

Quatro rodas 3
Procurados durante dois dias, tanto Antonio Maciel como Carlos Alberto de Oliveira, da Caoa, não retornaram as ligações. O BNDES, por sua vez, diz que “este assunto não está sendo discutido no banco”.
Vem aí uma JBS sobre rodas?

É coisa nossa
Embora Vicente Cândido, deputado petista, já tenha recusado a nova secretaria que unirá Esporte e assuntos da Copa, o PT reivindica o posto.

Certo mesmo é que Nádia Campeão coordenará as ações da pasta para o Mundial.

Engasgou
A Secretaria da Fazenda bateu a marca de mil postos cassados, desde 2005, por venda de combustíveis adulterados em todo o Estado.

É a operação De Olho na Bomba, que, só esta semana, lacrou 22 estabelecimentos.

Just in case
Os candidatos à presidência da OAB de São Paulo avisam: vão montar QGs para fazer apuração paralela da eleição – - que acontece hoje.

Motivo? Querem saber o resultado rapidamente, já que serão usadas cédulas de papel.

Cena da cidade
Aconteceu ontem pela manhã. Depois de 50 minutos parado na Rua Voluntário s da Pátria, motorista de ônibus da linha 106 desistiu: anunciou aos passageiros que os deixaria na estação Tietê do metrô.
E voltou para o ponto inicial.

Ajuda extra
Ana Estela e José de Filippi Jr., secretário de Haddad, desembarcaram, anteontem, em Brasília. Foram discutir, com Alexandre Padilha, as primeiras parcerias na área de saúde.

Ajuda 2
Aliás, Ana Estela está cuidando da cerimônia de posse do marido. Já teve, inclusive, primeira reunião como cerimonial da Prefeitura sobre os detalhes do evento - – dos convites à decoração.

À vontade
Depois de garantir ser fã de Sophia Loren, madrinha de evento da Pirelli, anteontem, Lula recebeu, de seu assessor, lista com filmes da musa – para ajudá-lo a se lembrar de alguns títulos.

Enquanto a italiana agradecia os elogios, o ex-presidente deixou o protocolo: tascou-lhe dois beijos.

Santa Claus
E a família Obama come ça a festejar o Natal... na semana que vem.
Com tradicional festa na Casa Branca –- que dura dois dias.

"BRASILEIRO É PRECONCEITUOSO, O ESPELHO INCOMODA" - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 29/11


GLÓRIA PEREZ

"BRASILEIRO É PRECONCEITUOSO, O ESPELHO INCOMODA"
Para Gloria Perez, autora de "Salve Jorge", as críticas à novela revelam preconceito. Em entrevista à coluna, ela diz que não dá para comparar o Complexo do Alemão com o Divino, de "Avenida Brasil". A seguir os principais trechos da conversa.

Folha - O que você acha das comparação de "Salve Jorge" e "Avenida Brasil?
Gloria Perez - Uma bobagem. Comparar o Complexo do Alemão com o Divino é uma insanidade. Não se compara subúrbio com favela. Vida de subúrbio é cadeira na calçada, venda do vizinho. A carta chega à sua casa. Na favela, carteiro não sobe. É isso que retrato.

"Avenida Brasil" também retratou a classe C?
Lá era um subúrbio idealizado. É uma ficção. "Salve Jorge" é a favela real. Por isso, menos palatável. São enfoques e propostas completamente diferentes.

E as críticas à protagonista?
É preconceito con­tra as meninas dessa origem. Elas vivem isso no cotidiano. Não são periguetes. Na favela, essa maneira de vestir não está atrelada a um comportamento como no asfalto. Elas tiveram acesso ao mercado, ao crédito. Agora, estão podendo comprar e construir seu próprio estilo.

O que acha de Nanda Costa?
Nanda é uma atriz intensa, cheia de nuances. É a Morena que imaginei. A garota do subúrbio é palatável, está sempre nas novelas. A da favela, não. Morena é exata­mente uma menina do Alemão. Isso assusta. Quem representa esse estranhamento é dona Áurea [Suzana Faini], a mãe do Théo [Rodrigo Lombardi]. Brasileiro é pre­conceituoso. Dona Áurea expressa algo bem característico nosso: "Com meu filho, não". Compreendo as reações. O espelho in­comoda.

Ela estaria um tom acima?
Morena não tem que baixar o tom. Ela se criou no meio de tiro­teio. Na favela tudo é luta. Ela está sempre alerta para se defender. Quando sai de casa pode vir uma bala de cada lado, da polícia ou do traficante. Quando vai para o asfalto é sempre olhada com desconfiança, como se fizesse parte da bandidagem. Ela precisa ter marra para sobreviver.

O que mais Morena espelha?
Ela não abaixa a cabeça. O preconceito não a faz se sentir menor. Ela não tem culpa de ter crescido num espaço que o Estado não ocupou e deixou entregue ao comando do crime. Ela diz: "Não importa de onde a pessoa venha, importa aonde ela chega". Acho bonito esse orgulho de ser o que é.

Mostra também a vaidade?
No começo, eu li que a Morena estava arrumada demais para uma garota do morro. Mas lá é assim. Vi no Twitter de uma moradora da favela um comentário rebatendo as críticas: "A gente já não tem nada, querem também que não tenha unha nem cabelo?". São centenas de cabeleireiros no Alemão. A vaidade é uma forma de sair daquele mundo. A aparência é o passaporte para um emprego melhor, uma aceitação maior para além dos limites da favela. Então, Elas investem nisso.

Não é só sofrimento?
O cinema brasileiro sempre explorou o mundo da favela como algo triste. Só era ale­gre no Carnaval. Depois é "lata d'água na cabeça". Mas as mulheres da favela não são assim. Nem gostam de ser vistas assim.

SOB O VÉU
A estilista Lethicia Bronstein pôs seus vestidos de noiva em exposição, na galeria Canvas. O fotógrafo André Schiliró e a atriz Nathália Rodrigues foram a Pinheiros conferir.

EM BUSCA DO PARAÍSO
O ex-presidente Lula acha que "o Senado é melhor que o paraíso. Você nem precisa morrer pra ir pra lá". Fez a declaração anteontem ao conversar com o prefeito de Los Angeles, Antonio Villaraigosa (Partido Democrata). Estavam no jantar de gala do Calendário Pirelli, no Rio, em que Lula foi homenageado.

EM BUSCA DO PARAÍSO 2
A frase usada por Lula é atribuída ao antropólogo Darcy Ribeiro, que foi senador pelo Rio. O ex-presidente ainda comparou o trabalho de senador e governador. "Sempre pensei que eleger senador é melhor que eleger governador. Porque governador depende do governo federal. No Senado, você passa oito anos e vira Deus", disse.

ENSAIO
A hipótese de Lula ser candidato ao Senado por São Paulo, na eleição de 2014, circula no PT e no PSDB. Sem muita força, já que ele repete que não será mais candidato a nada.

LULA CULT
Lula aproveitou para cumprimentar Villaraigosa pela reeleição de Obama e revelou que adora um filme que se passa na cidade americana governada por ele: "Los Angeles Cidade Proibida".

MAMÃE É FÃ
E o ator americano Owen Wilson, que estava na festa, tirou foto de Lula com o celular. "Minha mãe gosta dele. Vou mandar pra ela e contar que estive com o presidente (sic) do Brasil", disse à Folha.

PRA GRINGO VER
A atriz americana Jane Fonda, que está no Brasil para lançar o livro "O Melhor Momento", pediu para conhecer uma favela no Rio.

CURTO-CIRCUITO

A Doc Galeria realiza bazar de fotografias até o dia 22 de dezembro.

Rafael Medina fala sobre joias na arte, às 18h, no Coleções Escritório de Arte.

João Pedrosa inaugura a instalação "Casaleria" na Berenice Arvani, às 19h.

O Na Mata Café comemora 12 anos com festa para convidados, às 20h30.

Evian & Badoit fazem lançamento no Unique.

Pés no chão, São Paulo - PAULA CESARINO COSTA

FOLHA DE SP - 29/11


RIO DE JANEIRO - Ninguém sabe exatamente quando e por que começou a rivalidade entre Rio e São Paulo. De ironias e provocações bem-humoradas a disputas e agressões, a relação entre paulistas e cariocas até tem sido mais tranquila.

Se São Paulo foi exemplo de eficiência, competência e seriedade para o Rio, é hora de os paulistanos descerem a serra em busca de inspiração.

Os cariocas podem ensinar a relação de amor -e de orgulho- pelo Rio, que os faz defendê-lo dos mais variados ataques. Um espírito de preservação do carioca e de sua cidade.

São Paulo esperou pela nova praça Roosevelt e recebeu um conjunto de baixa qualidade arquitetônica, urbanística e paisagística, que não atrai nem valoriza o entorno. Imensas lajes de cimento foram tomadas por skatistas, afastando quem anda a pé.

Não dá para comparar uma praça de 25 mil m², como a Roosevelt, com um parque de 103 mil m², como o de Madureira, na zona norte do Rio.

Nele a área radical dos skatistas está em harmonia com o conjunto. Mas a escala é detalhe. Há um conceito de área pública de qualidade, ajustada às diferentes demandas, restrições e potencialidades do lugar, que deveria ter sido aplicado na praça paulistana. Serve de exemplo para o Rio: como não deve ser um projeto urbano.

São Paulo vive caso de amor e ódio com os ciclistas. O projeto das ciclofaixas não tem volta. Em 2004, Marta Suplicy tentou, mas enfrentou pressões contra o fechamento da av. Paulista. O próximo prefeito deveria interditar, todo domingo, toda uma das vias da avenida para pedestres e ciclistas, como é na orla carioca.

Transformar uma metrópole que historicamente privilegiou o trabalho ao lazer e os carros aos pedestres exige pressão dos cidadãos e coragem política. Mesmo feia, São Paulo apaixona cada vez mais gente que vem de fora. Precisa ser devolvida a seus moradores e visitantes. Principalmente para quem anda com os pés no chão.

Formam-se tempestades no Mar da China - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 29/11


Pequim mostra poderio naval para enfatizar reivindicações territoriais e leva Japão a se aproximar de países vizinhos, mas única saída é a negociação



A China deu tratamento de herói ao engenheiro Luo Yang, que comandou a adaptação do caça-bombardeiro J-15 para aterrissar em porta-aviões. Luo morreu do coração ao presenciar o primeiro pouso de um J-15 no porta-aviões “Liaoning”. Este que seria o mais moderno porta-aviões soviético foi atropelado pelo fim da URSS e abandonado num porto da Ucrânia. Pequim o comprou, e o transformou no primeiro porta-aviões chinês, e que acaba de entrar em operação.

Por trás do drama de Luo Yang está a disposição chinesa de demonstrar poderio bélico e ampliar a presença no Mar do Sul da China e ao longo de sua costa leste, diante de contenciosos com outros países como Japão, Vietnã e Filipinas. A manifestação de força levou o ministro da Defesa, Liang Guanglie, a afirmar que o poderio militar chinês não representa ameaça ao mundo. Mas a afirmação é relativizada por fatos como o novo mapa que Pequim decidiu imprimir nos passaportes, mostrando como chinesas ilhas disputadas com Vietnã e Filipinas, o que provocou protestos desses países. Taiwan aparece na mesma condição, bem como terras disputadas com a Índia .

Um dos motivos de tensão entre as duas principais potências asiáticas é o pequeno arquipélago desabitado chamado de Senkaku pelos japoneses e de Diaoyu pelos chineses — pouco maior que as Cagarras, em frente à Ipanema. Ele foi incorporado ao Japão em 1895, pois seriam terra de ninguém. Em 1971, depois que pesquisas apontaram a possível existência de petróleo na região, tanto China como Taiwan declararam soberania sobre ela e, desde então, o caso virou um problema diplomático. Diante de recentes escaramuças sobre o arquipélago, a China incentivou uma série de protestos contra o Japão.

Uma das consequências foi levar Tóquio a mudar a postura defensiva, imposta pela Constituição de 1947, elaborada durante a ocupação americana. Pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os militares japoneses treinam tropas de outros países, equipam guardas costeiras da região e participam de exercícios navais com outras forças, como Austrália e Índia. Segundo o “New York Times”, a estratégia não é iniciar uma disputa por influência com a China, mas fortalecer as relações com outros países igualmente preocupados com a crescente assertividade chinesa. Essa preocupação tem se revelado mais forte que as desavenças históricas de algumas dessas nações com o Japão.

A China exibe seu porta-aviões, o Japão tem destróieres porta-helicópteros que podem ser adaptados para levar caças de decolagem vertical. Mas a diplomacia das canhoneiras não é o modo mais indicado para uma região tão sensível. O melhor é resolver as pendências entre ambos e com países vizinhos via negociação, de forma bilateral ou multilateral, em fóruns apropriados como Asean, Apec e ONU.

O poder de Rosemary - ROGÉRIO GENTILE

FOLHA DE SP - 29/11


SÃO PAULO - Não é da tradição do jornalismo brasileiro tratar da vida privada dos políticos. Diferentemente do que ocorre nos EUA e em outros países, opção sexual, amantes, bebedeiras e uso de drogas não são normalmente considerados como assuntos para reportagens.

O entendimento muda se o sujeito mistura sua vida particular com a profissional. Um prefeito, por exemplo, que nomeie a sobrinha para um cargo público pode acabar virando notícia. O mesmo ocorre com um secretário de Segurança que frequente a casa de um chefe de quadrilha.

Na sexta passada, a PF indiciou, por suspeita de corrupção e tráfico de influência, a assessora Rosemary Noronha. Ex-secretária do PT, foi nomeada no governo Lula para o cargo de chefe de gabinete do escritório da Presidência em SP e rodou o mundo a serviço do Planalto, viajando com o então presidente para 23 países.

Acumulou tanto poder que conseguiu, inclusive, emplacar diretores em agências reguladoras mesmo quando havia resistência no Congresso. Em situação incomum, o Senado aprovou um nome indicado por Rose que vetara quatro meses antes.

Há anos especula-se nos corredores do governo sobre a origem do seu poder, zum-zum-zum que cresceu agora com a ação da PF. Em editorial, o jornal "O Estado de S. Paulo" disse que sua influência "derivava diretamente de sua intimidade com Lula".

Diante da gravidade das acusações da PF, Lula deveria dar explicações sobre sua antiga assessora. Ela tem qualificações para o cargo que ocupava? Quais eram suas atribuições nas viagens e por que ganhou passaporte diplomático? E como conseguiu dobrar o Senado?

Dilma, que a deixou no cargo até sábado, também deveria prestar esclarecimentos. Se a função de Rose era tão importante, por qual razão a presidente simplesmente extinguiu o seu cargo após as revelações da PF?

Sem explicações convincentes, resta uma questão: Lula misturou sua vida privada com a pública?

O inferno astral da estrela branca - EUGÊNIO BUCCI


O ESTADÃO - 29/11


Uma estrela branca, de cinco pontas, sobre fundo vermelho. Vermelho bombeiro. Vermelho Coca-Cola. Vermelho do Boi Garantido. Vermelho bolchevique. Vermelho total. Uma estrela branca emoldurada de vermelho.

Convenhamos, não era um símbolo que primasse pela originalidade ou pela ousadia. Não era inusitado, não era inventivo, era apenas óbvio. Mesmo assim, foi ele que vingou. Na falta de um logotipo mais profissional, mais publicitário (a indústria do marketing só chegaria mais tarde àquelas plagas), foi esse o símbolo adotado pelo Partido dos Trabalhadores, o PT, bem no seu início, no começo dos anos 80: uma estrela branca, banal, sobre fundo vermelho.

Diz a lenda que quem costurou a primeira bandeira do partido foi dona Marisa Letícia, em pessoa, a mulher do líder metalúrgico de cognome Lula, astro maior do partido da estrela. Desde então, a marca do PT ficou inscrita no DNA da democracia que sobreveio à ditadura militar no Brasil. Não dá para entender o Brasil de hoje sem entender o PT e sua estrela. O PT é um dos construtores, se não o principal, do Estado de Direito em que hoje vivemos por aqui. A começar da derrubada da ditadura.

Foram as greves do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, lideradas por Lula, que puseram contra a parede o aparato repressivo do regime militar, forçando o recuo definitivo. Mais tarde, a campanha por eleições diretas, as Diretas-Já, que levou milhões de cidadãos às ruas em 1984, tinha José Dirceu na organização logística de todo o movimento - revelava-se ali o estrategista e empreendedor arguto, ambicioso e brilhante, o principal articulador da máquina partidária e do que ele gostava de chamar de "arco de alianças" que conduziria Lula à Presidência da República em 2002. Em 1988, a nova Constituição brasileira saiu do Congresso com a inconfundível impressão digital da estrela branca sobre fundo vermelho.

A história é conhecida. Está aí para ser vista e reconhecida. Gerações de excelentes quadros políticos se formaram na militância de esquerda e, cedo ou tarde, acabaram passando por organizações clandestinas e pelas instâncias do PT, onde aprenderam quase tudo o que sabem. São gestores públicos, intelectuais, parlamentares, até mesmo jornalistas, veja você, alguns já passados dos 80 anos, outros ainda na casa dos 30, que conheceram o Brasil e seus excluídos desfraldando a bandeira vermelha com a estrela branca. Aprenderam política no PT. Nos movimentos sociais, aprenderam a solidariedade, a justiça, a disciplina, a ousadia. Depois, no exercício de cargos públicos, aprenderam que a competência técnica não pode esperar, conheceram os estilos de governança e o imperativo da conciliação.

O PT alcançou o poder, abrandou o sectarismo e, mais maduro, ajudou então a moldar as próprias instituições da República, com acertos notórios. No Supremo Tribunal Federal (STF), hoje tão rigoroso e elogiado, a maioria dos atuais ministros foi indicada por governantes petistas. A Polícia Federal, hoje tão implacável e festejada, cresceu e se fortaleceu sob governos petistas. O Estado brasileiro está melhor, o que também é mérito da estrela branca sobre fundo vermelho.

A despeito de um muxoxo aqui, de um nariz torcido acolá, todo mundo sabe disso. Os agentes políticos, os de direita e os de esquerda, têm plena noção de que o protagonista maior da evolução democrática pós-ditadura atende pelo nome de Partido dos Trabalhadores. Só quem parece não estar à altura desse fato histórico é, ironicamente, o próprio PT. Com reações destemperadas, como que regurgitadas de uma adolescência que já passou, mostra que talvez não entenda bem o seu próprio papel e o seu próprio lugar.

A pior dessas reações foi a conclamação de uma onda de manifestações públicas em protesto contra decisões do Supremo Tribunal Federal no julgamento do mensalão. É compreensível que muitos petistas se sintam indignados ao ver uma figura pública do porte de José Genoino condenada pelo crime de corrupção, e isso com o voto do ministro Dias Toffoli, o mesmo que, até outro dia, trabalhava para o partido da estrela. É compreensível, mas a indignação não autoriza ninguém a fazer comício contra o Supremo. Há canais legais para pedidos de reconsideração judicial. Se, em lugar de discutir o processo e seus eventuais erros tópicos, o PT ergue palanques para contestar a legitimidade da própria Corte, como se ela não passasse de um instrumento de perseguição partidária, estamos diante da ameaça de ruptura institucional.

Nesse ponto, a postura da presidente Dilma Rousseff, de respeito declarado ao STF, contrasta com os arroubos irrefletidos - e serve para enquadrá-los. Dilma leva em conta que a mesma Corte que condenou uns absolveu outros, inclusive alguns militantes do PT. Logo, se devemos aceitar com um sorriso as absolvições, temos de acatar também as condenações e interpor os recursos que o direito processual admite. Fora disso, resta o tumulto.

O PT parece não saber como agir. Vive um refluxo amargo, um atordoamento, embora siga acumulando vitórias eleitorais. Esta semana ficou ainda mais tonto. Foi apanhado no contrapé por outro cruzado de esquerda, com novas denúncias de corrupção. Uma investigação da Polícia Federal revelou irregularidades escabrosas comprometendo servidores públicos de alta patente no governo federal. O que fará o PT em seu inferno astral? Atos públicos? Vai acusar os policiais de sanha persecutória? Ou vai exigir mais transparência? Ou vai punir, pelo seu próprio estatuto, os filiados envolvidos?

O PT precisa arcar com a responsabilidade de fortalecer a democracia que ajudou a conquistar. Eis o seu lugar e o seu papel. Se não enfrentar e sanar agora, já, os seus próprios desvios, o partido da estrela branca emoldurada de vermelho acabará por queimar sua reputação em praça pública. Será uma pena. A pior de todas as penas.

O fim do começo do fim - JANIO DE FREITAS

FOLHA DE SP - 29/11


A polêmica continua: para fixação da pena, vale a ocasião do acordo ou a da efetivação do combinado?


Enroscou. O que era para terminar ontem, ontem recomeçou. Para passar por onde já passou. E na mesma direção.

O presidente-relator Joaquim Barbosa não conteve mais a sua insatisfação (depois de presidente, é só insatisfação o que antes era a indignação). Foi vencido, nas últimas sessões, quando definidas as penas de vários dos condenados por corrupção passiva, ou seja, os que receberam do combinado PT/Valério (Valdemar Costa Neto, Pedro Henry e outros). As penas foram fixadas com base em lei que veio a ser alterada, para agravar-se, depois de feitos os acordos entre os que pagariam e os que receberiam. Joaquim Barbosa votara com base na nova lei.

A polêmica vem desde o início do julgamento: para fixação da pena, vale a ocasião do acordo, e até mesmo apenas a da proposta, ou a da efetivação do combinado? Mais uma vez os ministros pareceram intimidados e entupidos diante da investida de Joaquim Barbosa, desejoso de que sejam refeitas as sentenças com base na lei que as agrava. Então, "na próxima semana...". Volta a discussão das datas e das penas.

Tudo bem, salvo para Valdemar, Henry e outros recebedores. Mas salvo também para o próprio Supremo Tribunal Federal.

Por mais de uma vez, nas redondezas do seu argumento, o presidente do Supremo qualificou o julgamento como "errado" e o tribunal em prática de "equívoco". Não precisaria fazê-lo para propor ou, de fato, para forçar a tese minuciosa e repetidamente sustentada pelo ministro Celso de Mello e por outros, pela adoção da lei anterior aos pagamentos.

O julgamento está fechando o seu quarto mês. A esta altura, as eminentes Vossas Excelências ainda dependem de entender-se sobre o sentido de uma lei, ou de várias, estando já sentenciadas várias pessoas à perda de liberdade com base nessa insegurança.

Não é caso único, à disposição dos recursos previstos pelas defesas. Mas, agora, com um amparo substantivo e adjetivo, proporcionado pelo próprio tribunal.

ASSOCIADOS

Recaem no governo, porque autor das nomeações, as críticas pelos casos de improbidade nas agências da Aviação Civil, dos Transportes Aquaviários, de Águas e várias das outras. Há, porém, uma responsabilidade que equivale, na prática, a uma permissão para a bandalheira constatada.

Durante cinco anos, os senadores mantiveram nas gavetas o projeto pelo qual as agências seriam submetidas a fiscalizações e auditorias periódicas pelo Tribunal de Contas da União. Candidatos a santos podem acreditar que o impedimento de fiscalizações é por alguém acreditá-las desnecessárias. Mas sempre que essas recusas ocorrem, por trás estão pessoas e interesses para lá de suspeitos.

O senador Randolfe Rodrigues, que agora providenciou a aprovação às pressas do projeto, na Comissão de Fiscalização e Controle, ainda não completou o serviço ao país. Só o fará se levantar, para conhecimento público, os fatos e responsáveis que enfurnaram as fiscalizações e deram cinco anos à imoralidade administrativa.

Petróleo: um erro estratégico - FÁBIO GIAMBIAGI


Valor Econômico - 29/11


Nesta semana, foi publicado um livro que ajudei a organizar, chamado "Petróleo - reforma e contrarreforma do setor petrolífero brasileiro" (Editora Campus). A organização foi conjunta com Luiz Paulo Vellozo Lucas e o livro, além dos organizadores, contou com artigos de 19 autores, entre eles alguns dos mais conceituados analistas do setor de energia.

Na sua apresentação, fazemos uma distinção entre erros simples e estratégicos. Uma pessoa pode ir a um restaurante e escolher mal o prato. É algo sem maiores consequências. Já casar com a pessoa errada pode ser fonte de dor de cabeça por muitos anos para ambas partes.

Analogamente, uma empresa pode planejar a produção de um mês julgando que a demanda vai ser X e a demanda ser 10% maior, perdendo a chance de aproveitar melhor o momento, mas podendo se recuperar no mês seguinte. Já o erro poderá ser fatal se ela escolher apostar tudo num produto que está sendo abandonado pelos consumidores.

A revisão do modelo regulatório deveria entrar na agenda, sob pena de se perder oportunidade histórica

Esse tipo de equívoco é o que se denomina de "erro estratégico". Trata-se de atos que moldam a ação de um agente durante anos e podem, no limite, levar à falência (quando se trata de uma empresa).

A comparação é válida para as economias. Um país pode reduzir juros quando deveria aumentá-los ou aumentá-los quando deveria reduzir, mas nada disso é muito grave, pois trata-se de uma decisão errada com efeitos limitados e que pode ser corrigida pouco tempo depois. Opções estratégicas, porém, têm efeitos duradouros.

Países fazem opções. O Chile fez a escolha certa quando montou uma estratégia voltada para o Pacífico, com ênfase na abertura comercial. Em contraste, o Brasil nos anos 80 fez uma escolha desastrosa quando adotou a Lei de Informática, que atrasou o desenvolvimento do país durante anos, impedindo acesso aos avanços tecnológicos justamente quando o "boom" de informática estava se iniciando. Foi uma opção pela autarquia que se revelou errada em termos históricos, míope em termos econômicos e calamitosa em termos práticos, com péssimas consequências para o país.

Os historiadores que analisarem no futuro a primeira década do atual século provavelmente qualificarão de forma parecida a mudança de regime feita pelo Brasil em 2010 no setor de petróleo, quando adotou a partilha e resolveu privilegiar a política de conteúdo local, jogando pela janela um modelo que tinha dado certo durante 13 anos, com resultados espetaculares. Enquanto o modelo de concessão vigorou sozinho, foram realizadas diversas rodadas de licitação, as reservas provadas do país dobraram, a produção elevou-se em 150 % e a arrecadação acumulada da soma da participação especial e dos royalties alcançou mais de R$ 160 bilhões. Tudo funcionava muito bem, até o setor ser atropelado pela agenda ideológica que orientou a mudança de regime.

Confirmando mais uma vez o sarcasmo de Delfim Netto, de que "quando o governo compra um circo, o anão começa a crescer", a intervenção oficial travou o setor. Embora o cidadão comum possa julgar que o setor de petróleo vai de vento em popa, os fatos demonstram o contrário: as metas de produção não têm sido alcançadas, o país - cada vez mais distante da autossuficiência - importa quantidades crescentes de derivados e as empresas - incluindo a Petrobras - penam por conta do radicalismo da política de conteúdo local. No longo prazo, nada poderia ser mais preocupante do que a redução da área exploratória, do pico de mais de 340 mil km2 em 2009, para apenas um terço disso atualmente, devido à falta de novos leilões nos últimos anos.

A presidente queixa-se da falta de investimentos no país e, nos meios oficiais, as reclamações são contra o ambiente internacional de crise. A questão, porém, é que apesar da crise, há países da América Latina que estão muito bem, com destaque para Chile, Peru e Colômbia. Este último, especificamente, tem uma empresa de petróleo (Ecopetrol) que tem dado um "show de bola" no mercado internacional, seguindo os passos da Petrobras de 1997/ 2009 e rivalizando com ela em valor de mercado, apesar de ter ativos que são uma fração modesta dos ativos da nossa estatal.

Como diz corretamente Wagner Freire, antigo quadro histórico da Petrobras e que ajudou a escrever a história de sucesso da empresa, em um dos capítulos do livro, "as diferenças [entre as empresas] são enormes, mas o que conta mesmo para o valor de mercado é o que o mercado pensa sobre a administração da companhia e o comando do controlador". Nesse sentido, a combinação de 1) incerteza regulatória; 2) guerra federativa; 3) ausência de leilões; 4) excessos da política de conteúdo local; e 5) controle de preços, está sendo uma "bola de ferro" que impede o retorno do ciclo virtuoso do setor, que poderia ter um papel fundamental para o crescimento do PIB. A revisão do modelo regulatório do setor deveria entrar na agenda, sob pena de perdermos uma oportunidade histórica de utilizar adequadamente a riqueza de nosso solo.

Remendos e puxadinhos - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 29/11


Alguns chamam de remendos, outros, de puxadinhos. As duas palavras servem para descrever as muitas improvisações da política econômica, usadas como disfarces de problemas sérios ou, em alguns casos, como soluções do tipo meia-sola. Já é rotineiro o recurso a truques velhos e bem conhecidos, como o controle dos preços de combustíveis para maquiar o índice de inflação ou o prolongamento de incentivos temporários para compensar a carência de uma estratégia efetiva de crescimento. De remendo em remendo, as autoridades vão disfarçando ou empurrando para a frente problemas sérios como a inflação longe da meta, custos industriais bem mais altos que os de outros países, contas públicas em deterioração e investimentos muito abaixo dos necessários. Doze expedientes desse tipo foram relacionados em reportagem no Estado de domingo. Alguns seriam justificáveis como ações de emergência. Mas nada pode justificar a transformação da emergência em pano de fundo permanente da gestão pública.

O remendo mais ostensivo talvez seja a contenção dos preços da gasolina e de outros derivados de petróleo por vários anos. Isso ajuda a frear a alta do índice de inflação, sem eliminar, no entanto, as pressões mais importantes, em geral associadas ao excesso de gasto público e à rápida expansão do crédito. A distorção já seria perigosa se essa política apenas mascarasse os números da inflação. Mas o truque produziu outras consequências: afetou a receita da Petrobrás, desajustou a relação entre os preços da gasolina e do etanol, desestimulou o investimento na produção de álcool e forçou o aumento da importação de combustíveis.

Menos visíveis para a maior parte das pessoas são os remendos ou puxadinhos destinados a ajeitar as contas públicas. Neste ano, o governo deve mais uma vez compensar a falha no cumprimento da meta fiscal com um expediente previsto em lei, mas nem por isso saudável: tentará cobrir a diferença entre o programado e o realizado com o valor investido no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Dificuldades de receita em períodos de crise são normais, mas igualmente normal deve ser o esforço do governo para ajustar seus gastos à escassez de recursos. Em países com melhor administração, o Tesouro realiza uma economia extra em tempos de bonança para gastar nas fases de dificuldades. O Brasil continua longe desse padrão, até porque o orçamento é cada vez mais rígido. Em vez de enfrentar o problema, o Executivo recorre ao desconto da meta fiscal e infla a receita com doses extras de dividendos de estatais.

Mas o governo, além de se conformar com finanças cada vez menos flexíveis, agrava o problema com a reedição de práticas reconhecidamente perigosas e banidas no fim dos anos 80. Em 2009, o Tesouro transferiu recursos ao BNDES para o Programa de Sustentação de Investimentos (PSI). O governo podia justificar a iniciativa como parte da política anticrise. Essa ajuda seria temporária, mas o prazo foi prorrogado várias vezes e o programa continua em vigor.

A transformação de ações provisórias e emergenciais em linhas de política econômica tem sido uma característica da gestão federal. Isso ocorreu por mais de um motivo no caso do desconto do IPI concedido a alguns setores da indústria. A renovação do incentivo foi abertamente justificada com duas considerações. Manter o imposto reduzido prolongaria o estímulo ao consumo e evitaria um reajuste de preços dos automóveis e de outros produtos. Este segundo objetivo nunca foi segredo.

Da mesma forma, o governo atribui claramente duas funções à pretendida redução das contas de eletricidade no próximo ano - reduzir os custos industriais e manter controlado o índice de inflação. Se o truque funcionar, o Banco Central poderá mais facilmente manter reduzida a taxa básica de juros, uma das fixações da presidente Dilma Rousseff. Com tudo isso, as possibilidades de crescimento econômico igual ou superior a 4% por vários anos, a partir de 2o13, permanecem escassas, assim como as perspectivas de um aumento substancial da taxa de investimento. A insistência na improvisação combina mal com os grandes itens da agenda econômica de 2013.

Aumenta e diminui - MARCELO COELHO

FOLHA DE SP - 29/11


Jefferson deveria ter a pena aumentada ou diminuída? As duas coisas, para Barbosa; nenhuma, para Lewandowski


Fixar as penas de Roberto Jefferson, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, exigiu muita matemática dos ministros do STF.

O ex-presidente do PTB, principal delator do mensalão, deveria ter sua pena aumentada ou diminuída? As duas coisas, disse o relator Joaquim Barbosa. Nenhuma das duas, considerou o revisor Ricardo Lewandowski.

Aumentada, segundo Barbosa, porque Jefferson levou outros réus a participarem do mesmo crime. Romeu Queiroz, deputado federal pelo PTB, e Emerson Palmieri, tesoureiro do partido, passaram a fazer parte do esquema por terem sido "instigados" por Roberto Jefferson.

Mas ele deveria ter sua pena diminuída também, uma vez que sem suas denúncias o país nunca teria tomado conhecimento do mensalão.

Os argumentos de Barbosa foram rebatidos por Ricardo Lewandowski. Em primeiro lugar, não faz sentido imaginar que um deputado federal, como Romeu Queiroz, tenha sido levado a cometer atos de corrupção apenas porque se sujeitava à autoridade de Roberto Jefferson. Queiroz e Palmieri tinham nível educacional suficiente para saber o que estavam fazendo.

Quanto ao prêmio por confissão, Lewandowski considerou que seria inaceitável no caso de Jefferson. Em juízo, o petebista negou ter cometido qualquer crime; tudo se resumia a um acordo político entre dois partidos.

Mais do que isso, diante do juiz federal, Jefferson silenciou sobre as acusações que tinha feito a respeito de outros participantes do esquema. Pior: perguntado sobre se queria invocar o recurso da delação premiada, Jefferson disse que não. Pior ainda: no seu próprio blog, o condenado escreveu frases em que se resignava à aplicação da lei.

Sim, sim, aguardava Barbosa, antes de desferir o argumento decisivo. Todo o raciocínio de Lewandowski, negando o benefício a Roberto Jefferson, baseava-se num dispositivo do Código Penal (artigo 65), que atenua as penas em caso de confissão.

Ocorre que existe outra lei, a da proteção às testemunhas (a lei 9807, artigo 13), prevendo a redução da pena se o réu "colaborar voluntariamente com a investigação policial". E não havia dúvida, para a maioria dos ministros, de que Jefferson ajudou.

No final, foram sete anos e 14 dias de prisão, o que livrou Jefferson do regime fechado.

Nas confusões do dia, talvez o prêmio caiba ao ministro Marco Aurélio. Calculou uma pena ainda menor para Jefferson, considerando que o crime de corrupção foi cometido sob vigência da lei antiga, anterior a novembro de 2003. Ali, a pena mínima era de um ano apenas, e não de dois, como se aplicou no caso.

Acontece que Jefferson só entrou em negociações com o PT a partir de dezembro, já sob a lei nova. Foi nessa época que ele se tornou presidente do PTB. Antes disso, o responsável pelo acordo era José Carlos Martinez, que morreu naquele ano.

Isso mesmo, raciocinou Marco Aurélio. Se o acordo foi durante a vigência da lei antiga, então Jefferson deve ser punido pela lei antiga.

Mas não é estranho ele ser punido pelos atos de José Carlos Martinez?

Para Marco Aurélio, estranho é o crime de quem corrompe ter acontecido numa data, e o mesmo crime, por parte de quem se corrompeu, ser identificado em data diferente.

A tese, bastante bizarra, não prosperou.

Manobra abortada - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 29/11


Atuando como relator e presidente do STF, o ministro Joaquim Barbosa teve que se desdobrar na última sessão do julgamento do mensalão para não deixar que todo o esforço despendido tivesse um anticlímax com a redução da pena do ex-presidente da Câmara, João Paulo Cunha, por uma manobra regimental comandada pelos ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello, que tentaram impedir que os cinco ministros que condenaram João Paulo Cunha pudessem fazer a dosimetria da sua pena com relação à lavagem de dinheiro, sob a alegação de que o número mínimo para deliberação é de seis ministros.

Aquestão de ordem, colocada inicialmente pelo advogado de Cunha, já havia sido rejeitada pelo plenário do STF no início do julgamento, e o presidente Joaquim Barbosa decidiu não aceitá-la monocraticamente, como lhe permite o regimento. Mas o revisor Lewandowski protestou, alegando que a tradição da Corte era deixar que o plenário decidisse.

Criado o impasse, Lewandowski e Marco Aurélio Mello assumiram a paternidade da questão de ordem, o que, pelo regimento, obriga o presidente a transferir ao plenário a decisão. A situação ficou mais delicada quando o ministro Marco Aurélio explicitou qual era seu entendimento da questão.

Ele simplesmente considerava que havia um empate na questão da lavagem do dinheiro, pois o sexto ministro que condenara João Paulo Cunha era o ex-presidente Ayres Britto, que não deixara registrada a sua dosimetria. No entender de Marco Aurélio, o voto de Ayres Britto era nulo, pois não fora completado, "uma condenação sem pena".

Com isso, ele considerava que apenas cinco ministros condenaram Cunha naquele quesito, enquanto outros cinco o absolveram. Com esse empate imaginado por ele, o réu seria beneficiado com a absolvição. Se vingasse esse malabarismo jurídico, João Paulo Cunha se livraria da cadeia, ficando condenado a regime semiaberto.

Mesmo os que insistiram para que o plenário fosse ouvido, como o ministro Celso de Mello, tinham um entendimento diverso, no sentido de que o juízo condenatório já fora proferido por seis ministros e, portanto, não havia prejuízo possível ao réu, pois o relator determinara pena de três anos.

O impasse imaginado por Marco Aurélio e Lewandowski não se concretizou, pois até ministros que haviam absolvido Cunha, como Rosa Weber e Dias Toffoli, votaram a favor de que os cinco que o condenaram tinham o direito de definir a dosimetria da pena para lavagem de dinheiro, pois o juízo de condenação já fora firmado com o sexto voto do ministro Ayres Britto.

Toffoli foi muito feliz ao lembrar que, se um ministro tivesse morrido depois de condenar um réu e antes de fixar a pena, seu voto não poderia ser anulado como se nunca houvesse sido proferido. Para surpresa geral, o ministro Marco Aurélio ficou sozinho em sua posição, pois até mesmo Lewandowski, o primeiro a defender que a questão de ordem fosse discutida no plenário, votou a favor da legitimidade da fixação da pena pelos ministros que haviam condenado Cunha, o que dá a entender que mais uma vez ele queria ganhar tempo, impedindo que o Supremo terminasse ontem a definição das penas de todos os réus.

Superadas as manobras protelatórias, o STF tem pendências delicadas para a próxima semana, talvez a última do julgamento. Joaquim Barbosa propôs a revisão da pena do deputado federal Valdemar da Costa Neto, que, beneficiado por um empate, escapou da prisão em regime fechado no mesmo dia em que aparecia envolvido em outro caso de corrupção.

Joaquim considera que houve erro na análise do caso de Costa Neto, que deveria ter sido condenado pela legislação mais pesada de corrupção passiva, pois seus atos foram consumados até depois da sua promulgação. Há tendência no STF de fazer essa revisão, para que Valdemar da Costa Neto tenha uma pena equivalente à liderança que teve no mensalão.

Outro caso delicado é o da perda de mandato dos deputados condenados. Para tanto, o Supremo deve cassar os direitos políticos dos deputados, o que levará à cassação automática, bastando apenas que a Mesa da Câmara comunique a decisão do Supremo.

Ministério de Ciência e Tecnologia aos trancos - ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE

FOLHA DE SP - 29/11


Um breve passeio pela história do MCT mostra que é melhor que ele seja dirigido por alguém da área, em vez de políticos gulosos com razões eleitoreiras


O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) foi criado no início da administração Sarney. Aparentemente, mais por uma conveniência política do que por convicção quanto ao amadurecimento da pesquisa nacional. O ministério não estava nos planos de Tancredo Neves. Mas havia mais candidatos a ministro que ministérios...

Penitencio-me hoje por ter criticado a decisão do presidente Sarney. Quem assumiu o MCT foi Renato Archer, político hábil que percebia a importância da ciência e da tecnologia para o desenvolvimento do país.

Em seguida, o MCT foi extinto por Collor de Melo. Foi criada uma secretaria. Diminui-se, assim, o "status" da ciência e da tecnologia para o país. Assumiu José Goldemberg, um profissional do ramo, com vasta experiência. "Meno male".

Após ser eleito, Fernando Henrique restabelece o MCT, mas o entrega inicialmente às mãos de uma sucessão de políticos. O MCT se torna moeda de troca, prêmio de compensação para politiqueiros ávidos de cargos e benesses.

Reeleito, FHC entrega o MCT ao seu amigo e cientista José Israel Vargas. Parecia que tudo ia bem. O percentual do PIB atribuído ao orçamento do MCT crescia espantosamente -até que se percebeu que não passava de maquiagem para conceder isenções fiscais às montadoras multinacionais do setor automobilístico. O bode expiatório foi o amigo Vargas.

Assume Bresser-Pereira, economista de reconhecida imaginação. Deixou um importante legado, tal seja o conceito e consequente legislação das organizações sociais. Infelizmente, não teve fôlego para resistir ao jogo político de Brasília. O grande legado de FHC para a ciência brasileira foi ter, em seu segundo mandato, escolhido acadêmicos para o MCT, embora não lhes desse grande suporte.

A administração Lula concede ao PSD, no tabuleiro da distribuição de ministérios, o MCT. O escolhido é um político profissional, Roberto Amaral, que, sofredor de incorrigível logorreia, choca-se com a comunidade acadêmica e é substituído por outro político, Eduardo Campos.

Esse, porém, hábil e diligente, serviu antes para abalar a tese de que políticos não são adequados para o cargo de ministro de Ciência e Tecnologia. Todavia, sua saída possibilitou a ascensão de um cientista capaz e politicamente sagaz que, por pouco, deixou de consolidar o preceito de que um ministério técnico como o MCT deveria ser dirigido por um profissional do ramo.

Escolhido no início da presente administração para o MCT, Aloizio Mercadante, um político tradicional, porém com alguma experiência acadêmica, teve um inesperado sucesso, devido, possivelmente, ao seu profissionalismo e à incontestável influência na administração da presidente Dilma Rousseff.

Ao ser "promovido" para o Ministério da Educação, Mercadante foi substituído, recentemente, por um competente administrador do setor de ciência e tecnologia, Marco Antonio Raupp.

Apesar da alternância entre períodos de progressão e de regressão, parece que cresce a convicção, em Brasília e no resto do país, de que ciência e tecnologia é melhor dirigida por profissionais do setor. O Brasil já merece um Ministério de Ciência e Tecnologia que não seja mera plataforma eleiçoeira em mãos de políticos gulosos.

Vendo o monte crescer - FERNANDO REINACH


O Estado de S.Paulo - 29/11


Um dia me disseram que a Cordilheira dos Andes se formou por causa de um choque entre duas placas tectônicas. Logo imaginei um índio sentado em algum lugar do Pantanal, observando o pôr do Sol. De repente, a terra tremeu e surgiu uma enorme cordilheira bem na sua frente.

A professora teve dificuldade em me convencer que a formação dos Andes havia sido um processo lento, que teria ocorrido ao longo de milhões de anos e não em um final de tarde. Além disso, argumentou ela, o levantamento dos Andes teria ocorrido muito antes do surgimento do homem na Terra. Com a imaginação subjugada, acabei me convencendo de que nunca veria uma montanha surgir. Imagine minha surpresa quando descobri que um grupo de cientistas acompanha, mês a mês, o crescimento de uma montanha no sul da Bolívia.

No meio dos Andes há um grande planalto. No sul desse planalto, próximo da tríplice fronteiras de Chile, Argentina e Bolívia, está o vulcão Uturuncu, inativo há 270 mil anos. A região desse vulcão está sobre uma espécie de mar de magma, o maior e o mais próximo da superfície desses mares de magma, encontrados sob muitas cordilheiras. Como todo esse magma está a uma profundidade de somente 18 quilômetros (lembre que um avião voa a 11 quilômetros do solo), essa região vem sendo monitorada por geólogos interessados em vulcões.

Nos últimos 19 anos, três satélites passam todos os meses sobre a região. Usando uma espécie de radar, os satélites medem a distância entre diferentes pontos do solo e seus sensores. Observou-se ao longo dos anos que essa distância vem diminuindo mês a mês, indicando que a montanha está crescendo. No ponto de maior velocidade de crescimento, a montanha sobe 10 milímetros por ano (1 metro por século).

Usando os dados desses satélites, pode-se sobrepor ao mapa da região o mapa de crescimento da montanha. A região que sobe é um círculo de 50 km de raio. Se você caminhar 25 km, do centro para a periferia deste circulo, você estará sobre uma área onde o solo ainda sobe a uma velocidade de 6 milímetros por ano.

O mais interessante é que em volta do pico que cresce os cientistas detectaram uma região, na forma de um anel que circunda o pico, que está afundando a uma velocidade de até 2 milímetros por ano. Ou seja, forma-se na região uma montanha que se parece com um chapéu mexicano (sombrero), onde o pico é cercado por um vale mais baixo que o planalto que circunda a região.

Bolha de magma. O que provocaria essa elevação abrupta? Cientistas creem que se formou uma espécie de bolha de magma de menor densidade, que lentamente se desloca para cima, empurrando a superfície da montanha. Essas bolhas se chamam diapir. Os cientistas acreditam que esse diapir teria o formato de um ovo de 13 km de altura e 10 km de diâmetro.

Ainda faltam 19km para essa bolha chegar à superfície. E é difícil saber se ela vai parar de se mover, esfriar e solidificar ou se transformar em um vulcão enorme. Mesmo que ela chegue à superfície, isso não vai ocorrer tão cedo - afinal, percorrer 19 quilômetros a 1 metro por século leva pelo menos 19 mil séculos ou 1,9 milhão de anos. Como o homem surgiu no planeta faz aproximadamente 1 milhão de anos e nos últimos 150 anos vem se dedicando a destruir o meio ambiente do qual depende, é pouco provável que nossa espécie ainda exista quando essa bolha de magma atingir a superfície.

Minha professora tinha razão: é impossível observarmos fenômenos tão lentos com nossos cinco sentidos durante nossa curta vida. Mas as tecnologias criadas por nosso cérebro tornaram possível medirmos esses fenômenos extremamente lentos.

O fato de atualmente aceitarmos que existem na natureza fenômenos muito lentos como o movimento dos continentes e a evolução dos seres vivos é uma das grandes contribuições da ciência para descobrirmos nosso lugar no universo. Talvez essa compreensão venha a tornar o Homo sapiens mais humilde, colaborando para nos convencer de que não somos o centro do universo, mas uma pequena anomalia transitória no grande e longo esquema da natureza.

Virada climática - JORGE SOTO


O GLOBO - 29/11

Mais uma Conferência das Partes (COP) da Convenção Internacional sobre mudanças climáticas se realiza. Esta é a 18ª desde a Rio-92. De lá para cá, contínuas evidências científicas já não deixam dúvida de que a temperatura global está aumentando e que as atividades humanas são a principal causa dessa tendência.

Nos os últimos 20 anos, várias iniciativas para um acordo global têm sido lançadas. Acompanhei as últimas três COPs. É um processo de negociação complexo, pois a maioria dos países vê as ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas como ameaças às suas economias. Isso porque as principais emissões decorrem da queima de combustíveis fósseis. Segundo o Painel Intergovernamental sobre mudanças climáticas, 56,6% das emissões globais eram consequência dessa queima em 2004. E, como mudar essa dinâmica não é simples, a maioria dos países prefere uma postura reativa.

O Brasil tem buscado assumir uma liderança proativa. Em 2009, em Copenhagen, o país ofereceu compromisso voluntário de reduzir mais de 36% das suas emissões projetadas para 2020, principalmente com a redução do desmatamento. Em 2012, em Durban, foi um dos países que buscaram um acordo para a redução mais ampla das emissões. A partir de 2020 os países emergentes se juntarão aos desenvolvidos no esforço da estabilização das emissões. Essa postura pode evoluir mais um passo. O Brasil tem características que lhe permitiriam buscar oportunidades. Temos uma matriz energética relativamente limpa (48% de fontes renováveis) e se estima que permanecerá assim pelo menos até 2019. O Brasil também tem a maior área arável do planeta, ampla insolação e disponibilidade de água. Somos o segundo maior produtor mundial de etanol e, recentemente, graças a investimentos no polietileno verde, nos tornamos o maior produtor de biopolímeros.

É possível sonhar mais alto. O país pode se tornar o maior fornecedor mundial de produtos químicos de origem renovável. Os benefícios dessa alternativa industrial são muitos. O econômico, com o aumento das exportações. O social decorreria da maior geração de empregos ao incentivar a cadeia industrial e a agrícola. Mas o grande diferencial vem do lado ambiental. O polietileno verde, em vez de emitir, captura gases de efeito estufa. A razão é simples: o carbono que acaba fazendo parte da composição da resina vem do etanol da cana de açúcar, cujo carbono vem da atmosfera.

Está em nossas mãos a possibilidade de transformar esse potencial em realidade. O lado empresarial já mostrou que é possível. Mas é necessário aumentar a escala. O governo pode fazer a diferença incentivando pesquisa e desenvolvimento dessas tecnologias e apoiando a desoneração dos investimentos verdes.

Dessa forma, o Brasil pode dar importante passo para se tornar uma potência mundial da economia verde e inclusiva e contribuir para uma "virada climática e competitiva".