O ESTADÃO - 29/11
A concessão do maior financiamento da história do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para o Consórcio Norte Energia - responsável pela construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu -, embora prevista contratualmente, confirma a interpretação de que o leilão dessa usina, anunciado como a forma ideal para atrair capitais privados e baratear custos de construção e de geração de energia elétrica, não passou de um embuste político.
Já por ocasião do leilão, em abril de 2010, era evidente para as empresas privadas experientes que as condições exigidas dos interessados - preço máximo da energia, custo das obras, prazos, além de eventuais restrições ambientais - não recomendavam sua participação na disputa. Mesmo assim, o governo Lula, por razões políticas - era um ano eleitoral -, manteve o leilão. Para realizá-lo com a participação de empresas privadas, anunciou empréstimos generosos do BNDES, que agora se concretizam, e deduções do Imposto de Renda. Mesmo assim, teve de forçar empresas estatais a liderar a constituição de dois consórcios, para dar a impressão de disputa.
Em ambos, era notória a presença estatal. Num deles, o Belo Monte Energia, duas estatais da área energética (Furnas e Eletrosul) respondiam por 49% da composição; em outro, o Norte Energia, a Chesf detinha exatamente 49,98% do capital, o que teoricamente não lhe assegurava o controle. Venceu o liderado pela Chesf, que em sua composição tinha também sete empresas privadas, quase todas da área de construção. As vendas de participações ocorridas desde então ampliaram ainda mais a porcentagem de recursos públicos na Norte Energia.
As construtoras privadas saíram do consórcio. Empresas privadas ou não estatais brasileiras como Neoenergia, Vale e a siderúrgica Sinobrás participam dele. Mas a entrada da Eletronorte, responsável pelos estudos de viabilidade da Usina de Belo Monte, da Eletrobrás (controladora da Eletronorte e da Chesf) e de fundos de pensão de estatais, como o Funcef (dos funcionários da Caixa Econômica Federal) - que há dois meses ampliou para 10% sua participação no consórcio, com a compra da participação de uma construtora privada - e o Petros (dos funcionários da Petrobrás), o tornam um empreendimento nitidamente estatal.
O empréstimo recorde do BNDES, no valor de R$ 22,5 bilhões, representa 78% do atual custo previsto da obra, de R$ 28,9 bilhões (recorde-se que, inicialmente, o custo total era estimado em R$ 19,6 bilhões, considerado irreal por empresas especializadas em construção de usinas hidrelétricas). O valor corresponde a mais do dobro dos empréstimos concedidos às duas hidrelétricas em construção no Rio Madeira (Santo Antônio e Jirau), que, juntas, obtiveram financiamento de R$ 15,6 bilhões.
Canalizado para um empreendimento estatal, o empréstimo à Norte Energia - embora esteja dentro das limitações legais de operação do banco, como a de a operação não ultrapassar o equivalente a 25% do patrimônio de referência, isto é, R$ 23,06 bilhões - reduz substancialmente a disponibilidade de recursos que a instituição pode oferecer para empresas privadas que necessitam modernizar suas instalações ou ampliar seu parque produtivo, para aumentar sua competitividade.
O financiamento gigantesco concedido pelo BNDES é mais um item polêmico que se soma aos muitos envolvendo Belo Monte. Até a realização do leilão, o projeto era questionado na Justiça sob o argumento de que comunidades indígenas não tinham sido consultadas.
Igualmente o modelo de geração adotado em Belo Monte - de fio d"água, que não exige grandes reservatórios - tem sido criticado, pois assegurará a geração média equivalente a 40% de sua capacidade total, inferior à média de 55% de outras usinas hidrelétricas construídas de acordo com o modelo tradicional.
Há pouco, reações violentas dos trabalhadores envolvidos em sua construção forçaram a paralisação das obras. Mesmo assim, o consórcio garante que a primeira unidade geradora entrará em operação em fevereiro de 2015.
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