FOLHA DE SP - 02/10
Como prometido, vamos esboçar uma tipologia científica da direita hoje. O tema é mais complexo do que uma tipologia da esquerda contemporânea porque "ser de direita" tornou-se quase um palavrão. Nesse sentido, há um indício evidente de vitória cultural da esquerda nas últimas décadas.
Comecemos por esse tipo de direita (um tipo meio patológico), ou a "direita que não sai do armário". Aquele tipo de cara de direita que os outros dizem "você é de direita" e ele fica com medo. "Ser de direita", aqui, significa "não ter direito de contra-argumentar" e não ser convidado para jantares inteligentes.
A própria palavra "direita" dá medo de ser dita. Algumas pessoas tentam dizer a si mesmas "sou de direita" na frente do espelho e engasgam ou vomitam sobre a própria imagem.
Nesse tipo, a "pessoa de direita" se vê presa do olhar do outro (bem chique esse diagnóstico!), e esse olhar diz o seguinte: você gosta de torturadores, é anti-humanista, burro, racista, homofóbico, machista e trabalhou para a ditadura no Brasil (mesmo que você tenha hoje 20 anos de idade). Esse tipo, quando sai do armário, grita: "Sou liberal, e não de direita!"
O que atormenta este tipo de "direita que não sai do armário" é a possibilidade de que se descubra gostando de torturadores, sendo racista, homofóbico e coisas assim. Reconhecer-se como "direita fascista" e pró-Trump é reconhecer-se como um membro daqueles que queimam o filme da direita. Mas vale dizer que todo o trabalho da direita mais recente no Brasil é escapar dessa narrativa (outro diagnóstico chique!).
O oposto a esse tipo "patológico" é a "direita transante" (o termo não é meu). Essa direita tende a ser mais jovem, mais descolada, derrubou a Dilma, é a favor do mercado, do Estado mínimo e fala a língua da moçada "nas redes". Essa direita ameaça o monopólio do mercado dos movimentos estudantis, que sempre pertenceu a esquerda.
Essa direita é mais festiva e está, aos poucos, aprendendo a falar de cinema, literatura, e coisas que ajudam a pegar mulher. Um critério para essa direita é se pega ou não gostosas.
Ligada a ela, nasce a "direita gay", transante também, descolada e assumida. Como a anterior, é a favor do mercado e foge do estereótipo da "direita fascista".
Também ligada a ela, temos a "direita gostosa": mulheres jovens, normalmente empresárias, advogadas, na maioria dos casos, gaúchas ou paranaenses. Aquele tipo de mulher que assusta cara que ganha menos do que ela e que teme ficar sozinha no final, justamente por ser sexy demais e ter seu próprio Mastercard Black. Sem elas, nada acontecerá no século 21.
No lado oposto, está a "direita dos esquisitos". Aquele tipo de cara que, ou só fala de economia, ou de são Tomás de Aquino e frequenta eventos que "são de direita".
Esse tipo gosta de bater boca, odiar gente de esquerda e se veste muito mal. Não come ninguém, o que dá a ele um perfil de ressentimento muito fácil de ser identificado.
Variante desse tipo de "direita dos esquisitos" é a direita desses caras, simplesmente, mais velhos.
Diferentemente da dos mais jovens, viveu muitos anos "no armário", o que produz um certo odor de naftalina ao redor, daí seu nome cientifico de "direita naftalina".
Há também a "direita moderna": liberal em economia, secular, defensora do Estado mínimo e que engatinha no Brasil, no sentido de constituir uma rede político-partidária pra "chamar de sua" e que escape da maldição da herança autoritária e corrupta na política.
Uma direita bem chatinha é a "direita da inovação". Gente que fala no mundo corporativo e goza quando diz a expressão apocalíptica "impressora 3D".
Por último, a "direita religiosa", que se divide em duas. A "direita católica", normalmente gente muito estudiosa, conservadora, tímida e que anda na sombra em lugares públicos. Quando ouve o nome "teologia da libertação", mal consegue conter seus ímpetos inquisitoriais. A "direita evangélica" é muito mais dinâmica, faz "política real", abre igrejas por franchising e está a ponto de criar um verdadeiro liberalismo popular no país. Aleluia, irmãos!
Valor Econômico - 02/10/2017
Nos últimos meses temos assistido ao descolamento entre as trajetórias da política e da economia poucas vezes antes visto no Brasil. Assim é que, apesar da gravidade das denúncias contra o presidente da República e as consequências políticas delas decorrentes, tanto as expectativas dos agentes quanto o desempenho da economia têm melhorado de maneira consistente. Mas não cabe ilusão. Com frequência, esse tipo de descolamento não perdura por muito tempo.
O bom momento atual da economia brasileira é resultado da convergência de diversos fatores, externos e internos. Alguns deles são de natureza transitória, outros têm características mais perenes.
No quadro internacional, as condições financeiras revelam-se favoráveis aos países emergentes, graças principalmente à melhora das perspectivas de crescimento global e à cautela dos bancos centrais das economias desenvolvidas na normalização da política monetária, tendo em conta o ambiente inflacionário benigno. Com isso, o apetite de risco dos investidores aumentou, favorecendo os ativos das economias emergentes, incluindo o Brasil.
Tal quadro, embora favorável, é suscetível de reversão a qualquer momento. A experiência recente mostra qual facilmente os investidores migram de um cenário de "risk on" para um de "risk off" e vice-versa. Por isso, o que importa mesmo são as condições domésticas idiossincráticas a cada economia emergente, pois são elas que ditam seu grau de resiliência a eventos exógenos, fora do controle das autoridades locais.
Nesse quesito, a situação brasileira de hoje pode ser caracterizada como uma de "copo meio cheio" ou uma de "copo meio vazio", dependendo do horizonte do observador. Do lado positivo, é inegável que o governo Temer já coleciona uma série impressionante de vitórias tanto no que tange à gestão macroeconômica quanto no avanço de reformas estruturais. A reforma da legislação trabalhista e a criação do teto para o crescimento dos gastos públicos são exemplos de medidas de grande relevância a médio e longo prazos para o crescimento econômico. Outra medida a ser destacada é a criação da Taxa de Longo Prazo (TLP) que deve ter impactos positivos sobre a intermediação financeira nos próximos anos, sem contar seus benéficos efeitos fiscais.
Além disso, a qualidade da gestão macroeconômica passou da água para o vinho. O Brasil hoje tem uma política macroeconômica responsável e uma agenda de reformas com viés pró-crescimento que não se via desde o governo FHC. O Banco Central recuperou sua credibilidade, o que está sendo fundamental para a ancoragem das expectativas inflacionárias para os próximos anos. Na política fiscal, houve o restabelecimento da transparência e o fim da contabilidade criativa, muito embora perdurem dificuldades para a redução do déficit primário, haja vista a queda cíclica da arrecadação, o nível de gastos herdado das ações irresponsáveis do governo anterior e a tendência estrutural de elevação das despesas previdenciárias.
Além da correta gestão macroeconômica, o governo Temer iniciou um ambicioso programa de concessões e de privatizações, incluindo a venda da Eletrobras que, se levado adiante, mais do que trazer receitas extraordinárias para o Erário, terá repercussões expressivas para a expansão do potencial de crescimento econômico.
Com tudo isso, a economia iniciou o processo de recuperação cíclica, ajudado pela derrubada dos juros pelo Banco Central que deve levar a taxa Selic a um patamar em torno dos 7% ao ano, a ser mantido pelo menos até o final de 2018, sem maiores repercussões sobre a inflação. A saída da pior recessão das últimas décadas já é um fato e se espera um crescimento do PIB um pouco abaixo dos 3% no próximo ano.
Porém, o "copo meio vazio" é uma realidade, em que pese as boas notícias no front macroeconômico. O atraso na aprovação da reforma da Previdência pode complicar bastante o atingimento das metas fiscais nos próximos anos e até mesmo ameaçar o cumprimento do teto para o crescimento das despesas estabelecido em recente emenda constitucional. A janela para a aprovação desta reforma no governo Temer parece ter se fechado e, com isso, a última esperança é que o governo a ser eleito nas eleições de 2018 tenha o tema como prioridade e faça aprovar as reformas em 2019. Caso contrário, os riscos fiscais crescerão exponencialmente e o ciclo de crescimento atual será mais um caso de "voo de galinha".
Desse modo, a atenção se volta para as eleições de 2018. O quadro eleitoral no momento é confuso, sendo desanimador ver nas pesquisas a liderança ser compartilhada entre um político populista enrolado na Lava-Jato e uma figura de extrema direita com um programa político assustador. Apesar disso, a expectativa dominante entre os agentes econômicos continua sendo a de que nos próximos meses será viabilizada a candidatura de um político comprometido com uma gestão econômica responsável e capaz de liderar as reformas indispensáveis durante seu governo. Caso isso não ocorra, muito provavelmente os mercados entrarão numa fase de sérias turbulências, acabando com a ilusão temporária do descolamento entre a política e a economia.
Valor Econômico - 02/10/2017
Em todas as economias emergentes, os benefícios de um "dividendo demográfico" tornaram-se um refrão familiar. Políticos e líderes empresariais, seja na Índia, Nigéria, Paquistão ou Tanzânia - falam entusiasticamente sobre como uma população em rápido crescimento e jovem criará grandes oportunidades de investimento e estimulará o rápido crescimento econômico. Mas a realidade é que em muitas economias emergentes o rápido crescimento populacional constitui uma grande ameaça ao desenvolvimento econômico e o progresso tecnológico tornará essa ameaça ainda mais severa.
Para início de conversa, o termo "dividendo demográfico" está sendo usado indevidamente. O termo foi usado originalmente para descrever uma transição em que países tiveram tanto um aumento não recorrente na população em idade de trabalhar quanto de uma queda significativa na fertilidade. Essa combinação produz uma alta proporção de trabalhadores/dependentes - tanto aposentados como crianças -, tornando mais fácil que uma poupança elevada banque investimentos suficientes para fomentar um crescimento rápido do estoque de capital.
Por outro lado, uma fertilidade em rápida queda assegura que a geração seguinte herde um grande estoque de capital per capita - e a existência de famílias com poucos membros facilita bancar o custo de gastos elevados com educação pública ou privada por criança, produzindo rápidas melhorias na capacitação da força de trabalho. Coreia do Sul, China e alguns outros países na Ásia Oriental beneficiaram-se enormemente de um dividendo demográfico nos últimos 40 anos.
Mas sem uma queda rápida nas taxas de fertilidade, não há dividendos. Se a fertilidade continua alta, uma baixa proporção de aposentados sobre trabalhadores é compensada por um elevado percentual de dependência infantil, dificultando o financiamento de despesas elevadas com a educação por criança. E se cada nova geração de trabalhadores for muito maior que a anterior, o crescimento do capital social per capita - seja em infraestrutura ou em instalações e equipamentos - é freado. Populações em idade economicamente ativa em rápido crescimento tornam impossível criar empregos com rapidez suficiente para evitar subemprego generalizado.
É nessa situação que grande parte da África Subsaariana ainda está presa. Com taxas moderadas de crescimento do PIB (em média, 4,6% na última década) compensadas por um crescimento anual de 2,7% da população, a renda per capita vem crescendo a menos de 2% ao ano, contra a taxa de 7% alcançada pela China. A esse ritmo, a África não atingirá o padrão de vida das atuais economias avançadas antes de meados dos anos 2100.
Há décadas é evidente que uma fertilidade elevada pode frear o crescimento per capita. E agora os custos da negação dessa possibilidade estão prestes a aumentar, especialmente para os países em desenvolvimento. Existem apenas alguns poucos exemplos históricos de avanço bem sucedido de uma condição de pobreza para outra, de produtividade e padrões de vida de economias avançadas, e em todos os casos - o Japão nas décadas de 1950 e 1980, a Coreia do Sul nos anos 1960 e 1990, e a China nas últimas quatro décadas - o crescimento rápido da indústria de transformação focada em exportações desempenhou um papel central. O progresso tecnológico agora ameaça essa rota para a prosperidade.
A tecnologia da informação acabará por viabilizar a automação da grande maioria dos empregos atuais. Apesar da grande incerteza sobre o tempo necessário para essa transição, estudos recentes deixam claro que os empregos que envolvem atividade física previsível são os mais vulneráveis no curto prazo. Processos de fabricação envolvendo o manuseio de materiais rígidos - como na produção de automóveis - já são extremamente automatizados, e se tornarão crescentemente automatizados. Mas depois que os inovadores conseguirem criar "sewbots" (robôs costureiros) eficazes, capazes de manipular materiais maleáveis, muitos empregos existentes em confecção e fabricação têxtil também serão ameaçados.
À medida que isso acontecer, a atividade fabril poderá retornar às economias avançadas, mas com poucos empregos. A "Speedfactory" da Adidas em Ansbach, na Alemanha, produzirá em breve 500 mil calçados por ano com apenas 160 trabalhadores. Um relatório recente da Organização Internacional do Trabalho estima que de 60% a 90% dos empregos de baixos salários existentes nos setores têxtil e de artigos de vestuário em vários países asiáticos poderão ser automatizados.
Os maiores desafios, porém, não ocorrerão no Sudeste Asiático, mas em regiões da Índia, Paquistão e, sobretudo, na África. A Índia deverá criar entre 10 milhões e 12 milhões de novos empregos por ano simplesmente para acompanhar a população em idade de trabalhar e muito mais para absorver o enorme número de trabalhadores já subempregados. Mas alguns dos planos não são realistas: um relatório recente contesta o discurso oficial segundo o qual dez milhões de novos empregos na fabricação de artigos de vestuário, sugerindo que três milhões são um cenário mais provável.
Quanto à África, o ponto médio da projeção da ONU coloca a população entre 20 e 65 anos em 1,3 bilhão em 2050 e 2,5 bilhões em 2100, contra 540 milhões hoje. Esses jovens habitarão um mundo onde apenas uma pequena fração encontrará trabalho na indústria de transformação orientada para exportações. Em contraste, a população chinesa entre 25 e 64 anos de idade defronta-se com uma possível queda de 930 milhões para 730 milhões de pessoas, o que elevará os salários reais e criará fortes incentivos para elevados investimentos em automação.
Em um mundo de possibilidades radicais de deslocamento do trabalho humano, a existência de um número excessivo de trabalhadores será um problema muito maior do que escassez.
Não há respostas fáceis para os problemas que muitas economias emergentes sofrem agora. A criação de empregos deveria ser maximizada em setores menos vulneráveis à automação no curto prazo: empregos em construção civil e turismo podem ser mais sustentáveis do que em fábricas. Políticas buscando viabilizar um declínio voluntário da fertilidade, mediante educação das mulheres e fácil acesso a contracepção, deveriam ser altas prioridades; o Irã, onde a taxa de fertilidade caiu de 6,5 na década de 1980 para abaixo de dois em 2005, mostra o que é possível, mesmo em sociedades supostamente tradicionais religiosas.
Mas o primeiro passo para solucionar qualquer problema é reconhecê-lo. A maior parte do recente discurso sobre dividendos demográficos é um exercício perigoso de negação da realidade. É hora de encarar os fatos.
Adair Turner é presidente do Institute for New Economic Thinking e antigo chairman da Autoridade de Serviços Financeiros do Reino Unido.
DIÁRIO DO PODER 02/10
PALOCCI VIROU A PÁ DE CAL NA CANDIDATURA DE LULA
A avaliação de dirigentes do PT, mantida em caráter reservado, é que a pá de cal na candidatura de Lula a presidente, em 2018, atende pelo nome de Antônio Palocci. Se apenas um depoimento como testemunha e uma carta de três páginas e meia feriram de morte as chances do ex-presidente, a delação premiada do ex-ministro, em curso, promete ser ainda mais devastadora. Detalha cada um dos crimes do lulismo.
DECISÃO TOMADA
Impressionam advogados que acompanham o caso a determinação e a segurança de Palocci, na decisão de fazer acordo de colaboração.
ELE ESTÁ FRITO
A direção do PT já não acredita que Lula escape de condenação em segunda instância, o que o tornaria inelegível ainda que não seja preso.
COMPROMETIMENTO
O ex-ministro Palocci se comprometeu junto à força-tarefa da Lava Jato relatar e confessar crimes nos quais foi testemunha e/ou cúmplice.
FALTA HERDEIRO
Dilma disse na Finlândia que Lula estará na campanha de 2018 “vivo ou morto”. Poderá estar vivo, mas tampouco tem um herdeiro político.
PSDB DISCUTE SAÍDA DE AÉCIO, POR BEM OU POR MAL
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) conversaram nos Estados Unidos sobre um tema que constrange a todos os tucanos: Aécio Neves. Da conversa escapou a certeza de que o senador mineiro está frito. É que não há como o candidato de 51 milhões de votos a presidente, em 2014, continuar filiado ao partido. Ou sai por bem ou será convidado a sair.
BLINDAGEM
FHC parece comovido com o drama de Aécio Neves, mas concorda que é necessário proteger o partido do “furacão” das denúncias.
JÁ ERA
Jereissati tem evitado declarações públicas sobre a crise, mas ele tem defendido o afastamento de Aécio da presidência e até do PSDB.
ARTICULAÇÃO
Aécio Neves vive ao telefone com dirigentes tucanos, todos os dias, tentando neutralizar qualquer movimento para sua desfiliação.
QUEM BATE O MARTELO
No Facebook, a juíza aposentada Denise Frossard lembra que a Justiça não faz “acordo” fora do que a lei permite, como imaginam alguns senadores. “O Judiciário bate o martelo e decide”, afirma.
INCOMPETÊNCIA
Em 2016, o Produto Interno Bruto (PIB) teve crescimento negativo de -5,4%. O Brasil encolheu. Em setembro de 2017, o crescimento positivo do PIB já batia os 0,3%. Mas o governo não consegue comunicar isso.
FLERTE TUCANO
Candidatíssimo a senador por qualquer dos quatro partidos que controla em Alagoas, o ministro Marx Beltrão (Turismo) explorou em suas redes sociais os elogios do prefeito de São Paulo, João Dória.
VEM AÍ O FUNDÃO
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, convocou sessão para a tarde desta segunda (2) para discutir o projeto que cria o fundão bilionário de financiamento de campanha. A votação será na terça.
SEM INTERFERÊNCIAS
O STF julga na quarta (4) ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo PP, PSC e SD, que trata do afastamento de parlamentares pelo Judiciário. Os partidos querem que mesmo as medidas cautelares, como o recolhimento noturno de Aécio, sejam julgadas pelo Congresso.
ÚLTIMA SEMANA
Qualquer alteração na lei eleitoral precisa ser aprovada até a próxima segunda-feira (7), um ano antes da disputa da eleição, para valer em 2018. Congresso e STF reservaram a semana para tratar do tema.
DEPOIMENTO
A CPI mista da JBS remarcou para esta terça-feira (3) os depoimentos do procurador que foi preso Angelo Goulart Vilela e do advogado da JBS Willer Tomaz, que também passou uma temporada detido.
JUROS FICAM
O Comitê de Política Monetária, o Copom, que determina a taxa básica de juros no Brasil, vai se reunir mais duas vezes este ano. Pode cortar mais os juros, mas a expectativa é que a taxa permaneça em 8,25%.
PERGUNTAR NÃO DÓI
A movimentação de R$248 bilhões entre J&F/JBS e políticos não chamou atenção de nenhum órgão de controle, nos governos do PT?
GAZETA DO POVO - 02/10
É a primeira vez que a cidadania brasileira tem a chance de resolver seus próprios problemas, achando ela mesma a saída dos redemoinhos em que se colocou
Um espectro ronda o Brasil. Sondagem divulgada pelo Instituto Paraná Pesquisas, na quarta-feira (28), revelou que 43% dos brasileiros são favoráveis a uma “intervenção militar” no país. O percentual é ainda maior entre jovens de 16 a 24 anos. Já uma pesquisa do Instituto Datafolha, divulgada em junho, mostrou que 40% dos brasileiros confiam muito nos militares e 43% confiam um pouco. O Congresso, por sua vez, não tem a confiança de 65% da população. São sinais consideráveis, não pela proposta de intervenção, estapafúrdia e ilegal que seria, mas pelo que revelam da situação do país e pelo convite a se revisitar o valor da democracia.
Desta vez, a panaceia da intervenção ressurgiu no debate público depois de o general Antonio Hamilton Mourão, em uma palestra realizada no último dia 15, em Brasília, dar seu diagnóstico para uma possível saída da atual crise política no Brasil. “Quando nós olhamos com temor e com tristeza os fatos que estão nos cercando, a gente diz: ‘Pô, por que não vamos derrubar esse troço todo?’ (…) Ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso”, afirmou.
Nenhum país democrático está livre de crises políticas e institucionais
Embora o Comando do Exército tenha colocado panos quentes sobre o assunto depois de as declarações terem levantado justificada reação por parte da sociedade civil, Mourão deveria ter sido punido, pois apologia de ruptura do regime constitucional é crime e – o que está além de qualquer dúvida – o artigo 142 da Constituição Federal, tão celebrado pelos criptogolpistas em seus eufemismos, só permite a intervenção das forças armadas com uma convocação por um dos legítimos poderes constitucionais, sob autoridade suprema do presidente da República, nas hipóteses previstas de defesa da pátria, garantia dos poderes constitucionais e da lei e da ordem. Em matéria tão grave, não há interpretação ampliativa da Constituição: romper a ordem constitucional abriria a caixa de Pandora do arbítrio e o caminho para toda sorte de aventureiros e carreiristas irresponsáveis.
Imprescindível repisar essas questões, mas a persistência do ideário golpista convida a uma reflexão mais detida. Há quatro fatores que se sobressaem na explicação do apelo dessa ideia. Um deles o Brasil compartilha com o mundo: o sentimento difuso de descontentamento com as elites tradicionais, a “crise de representatividade” que coloca desafios importantes, ainda sem resposta adequada, aos sistemas de governo ocidentais e a líderes políticos incapazes de inspirar e liderar as pessoas que pretendem governar.
No Brasil, a situação é agravada pelo atascadeiro em que nossos dirigentes se meteram, depois dos anos de descalabro petista; pela maior crise econômica de nossa história, que rouba do povo desde seus meios de subsistência até a confiança no futuro, fomentando o ressentimento social contra “tudo que está aí”; e pela falência do atual modelo de segurança pública, um dos maiores fracassos da redemocratização brasileira: desde 1988, a sensação de insegurança e a gravidade dos crimes no atacado só fez crescer – em 2015, foram 59 mil homicídios no país – embora, é bom frisar, o problema tenha começado antes, ainda no Regime Militar.
É compreensível que o povo brasileiro esteja estafado: o Brasil aparece em último lugar no quesito “confiança do público nos políticos,” dentre 137 países, no último Índice de Competitividade Global, divulgado nesta semana. Mas é alvissareiro que uma louvável sugestão de resposta a esse cansaço tenha vindo de um militar de alta patente. Na terça-feira (26), em Porto Alegre, o general Edson Leal Pujol, comandante militar do Sul, reconhecendo a insatisfação que grassa, em resposta a uma pergunta sobre “quem nos mostrará o caminho”, afirmou que “se vocês estão insatisfeitos, vão para a rua se manifestar, mostrar, ordeiramente. Mas não é para incendiar o país, não é isso”. Felizmente, há militares – por certo, a maioria deles – que entendem os caminhos da lei e o valor da democracia e que reforçam, com palavras e atos, a saudável opção que as Forças Armadas fizeram por abandonar o ideal salvacionista que marcou sua história até 1988.
É verdade que a democracia já foi descrita como “a pior forma de governo, exceto por todas as outras”, mas é bem mais que isso. Ela é a única forma de governo já inventada pela humanidade que respeita plenamente a dignidade inegociável dos seres humanos, convidando-os a ser protagonistas de suas próprias histórias. Ao mesmo tempo, a democracia garante as condições desse protagonismo, quer respeitando os direitos dos indivíduos e lhes fornecendo regras claras e previsíveis – daí o valor do Estado de Direito –, quer os convidando a realizar-se plenamente no espaço público pela defesa de suas ideias e convicções, por meio do diálogo perene, em direção ao futuro comum que almejam.
Justamente porque a democracia deve ser o governo de todos nós, pactuado entre todos, a cada momento, por vezes em negociações desgastantes, ela nunca será perfeita. Nenhum país democrático está livre de crises políticas e institucionais que, periodicamente, convidam os cidadãos a exorcizarem seus fantasmas, tirarem seus esqueletos do armário e a repensarem, com respeito às regras estabelecidas, seu papel nessa verdadeira odisseia coletiva. É a primeira vez que a cidadania brasileira tem a chance de resolver seus próprios problemas, achando ela mesma a saída dos redemoinhos em que se colocou. Não há imaginar que qualquer intervenção messiânica virá pôr ordem na casa desde fora, pois não há quem esteja fora do barco. E se mar calmo nunca fez bom marinheiro, oxalá aprendamos a navegar com ainda mais maestria.
ESTADÃO - 02/10
Pesquisas de popularidade do presidente não encontram correspondência com realidade, sob nenhum aspecto, e só podem ser resultado da desinformação que campeia nestes tempos de fake news
Desde o início de seu governo, o presidente Michel Temer cercou-se de alguns assessores de duvidosa carreira no mundo político. Compreende-se que a formação de uma administração a toque de caixa, para garantir a governabilidade depois do impeachment de Dilma Rousseff, tenha obrigado Temer a recorrer a amigos e conhecidos, decerto confiante em sua capacidade de articulação para enfrentar aqueles difíceis momentos e recolocar o País no rumo da normalidade. Mas desde o início estava claro que os eventuais ganhos políticos obtidos com essas escolhas mal compensariam os esperados prejuízos para a imagem do governo e do presidente. As mais recentes pesquisas de opinião, contudo, mostram um fenômeno raríssimo em política: Temer, agora ele mesmo acusado de corrupção, é rejeitado pela quase totalidade dos eleitores.
Como toda a unanimidade, esta deve ser observada com cautela. Não se trata de questionar a metodologia das pesquisas, embora, de um modo geral, esses levantamentos misturem opinião sobre o desempenho dos políticos com intenção de voto, às vezes levando o entrevistado a responder como se estivesse avaliando um candidato. Trata-se de evitar a leitura simplista segundo a qual o Brasil inteiro é contra o presidente, o que obviamente é um despautério.
Em primeiro lugar, é preciso observar que Michel Temer, desde que assumiu o cargo, nunca foi exatamente popular. Em junho de 2016, logo depois de se tornar presidente interino, Temer contava com apoio de apenas 13% em pesquisa do Ibope, enquanto 39% dos entrevistados já o consideravam um presidente ruim. Portanto, de saída, Temer já não gozava da confiança dos consultados.
O que houve de lá para cá, contudo, foi uma deterioração de popularidade que não encontra paralelo na história do País. A avaliação negativa de Temer subiu de 39% para 77%, enquanto a positiva despencou de 13% para 3%. Considerando que a pesquisa tem margem de erro de dois pontos porcentuais, para mais ou para menos, é possível concluir que quase ninguém no Brasil avalia positivamente o presidente.
Essa degradação é ainda mais espantosa porque se deu num período em que finalmente o Brasil começou a dar sinais alentadores de recuperação econômica, depois da trágica administração de Dilma Rousseff. Em pouco mais de um ano sob o governo Temer, a taxa básica de juros recuou de 14,25% ao ano para 8,25%; a inflação, que era de 9,28% em abril de 2016, deve fechar 2017 em torno de 3%, recuperando parte do poder de compra perdido durante os irresponsáveis anos petistas; o desemprego começou a ceder; e a produção da indústria, que chegou a cair 11,4% em março de 2016, voltou a subir, assim como as vendas do varejo.
Tudo isso aconteceu porque o atual governo agiu de forma célere e responsável para debelar a crise legada por Dilma, adotando políticas de austeridade e fazendo aprovar reformas com vista ao equilíbrio das contas públicas.
Mesmo assim, o porcentual de entrevistados pelo Ibope que consideram o governo de Temer melhor que o de Dilma é de apenas 8%, ao passo que 59% consideram o desempenho do atual presidente pior do que o da petista. São números que não encontram correspondência com a realidade, sob nenhum aspecto, e só podem ser resultado da desinformação que campeia nestes tempos de fake news.
Pode-se argumentar que Temer enfrenta essa inaudita impopularidade em razão do noticiário que o envolve em escândalos de corrupção, aspecto destacado na pesquisa. No entanto, é preciso um grande esforço retórico para considerar os atuais casos de corrupção mais graves do que os que marcaram os governos petistas, a ponto de conferir a Temer um índice de desaprovação sem paralelo.
Tudo considerado, essa quase unanimidade em relação a Temer indica que talvez falte ao presidente a disposição de engambelar os incautos demonstrada pelo ex-presidente Lula da Silva, que consegue manter apoio de 30% do eleitorado mesmo diante da montanha de evidências do grande mal que ele causou ao País.
DCI - 02/10
Tem que ter cautela, até porque o desastre foi muito grande. As consequências estão todas por aí e o País vai demorar para ter uma recuperação plena. A baixa inflação é o sinalizador positivo do ambiente atual e o emprego formal melhora pontualmente. A redução das taxas de juros e o aumento da oferta de crédito são quase imperceptíveis para os consumidores e as homeopáticas correções salariais vão determinar pequena variação real da massa salarial.
Mas alguns sinais vitais começam a mostrar perspectivas mais animadoras à frente, puxadas pela tendência de recuperação da confiança do consumidor e de setores empresariais, além do aumento do Investimento Direto Externo (IDE), sinalizando uma visão mais positiva também de fora do país. Em especial, pelo sentimento coletivo - ou quase coletivo -, de que parou de piorar e, em algumas áreas, já se nota movimento de retomada com melhorias de desempenho de diversos setores do varejo, do mercado imobiliário e de serviços.
Diferente do que foi planejado pelas autoridades, o consumo está puxando a retomada, favorecido também pelas ações envolvendo FGTS e, agora, PIS-PASEP, e não pelo investimento, como foi previsto.
Há um clima mais favorável no setor empresarial com a evolução positiva da aprovação da Modernização Trabalhista, menos do que uma reforma, mas na direção correta e com avanços importantes. Mas é uma pálida, ainda que fundamental movimentação no caminho certo.
Não se pode transigir com a necessária reforma previdenciária, especialmente no setor público. O básico desse tema seria a equiparação plena entre a previdência dos setores privado e público que, por si só, resolveria em grande parte o problema existente.
É preciso conquistar a confiança e ela só virá com resultados tangíveis e com uma visão planejada de futuro. Nossa maior carência, neste momento. Uma visão clara, inspiradora e factível de futuro que possa alinhar as expectativas de toda a sociedade.
Pois, se tem algo para o qual a recente e dramática crise serviu, foi para mostrar que as questões do País não podem e não devem ser delegadas apenas ao governo, por mais que ele possa representar a realidade e a sociedade com todas as suas particularidades.
No processo de curto prazo para viabilizar essa retomada não podemos perder de vista que não se pode delegar o indelegável e que cabe ao setor empresarial estruturar-se e manter-se atento às questões que dizem respeito ao País em sua componente mais estratégica.
De volta para o futuro significa retomar projetos, sonhos, visões e oportunidades sem se deixar envolver pelos messianismos de soluções mágicas ao sabor do acaso no curto prazo. Quem tem um mínimo de bom senso e responsabilidade com a visão mais ampla de cenários deve refletir e agir para que esse recomeço aconteça num outro contexto e realidade.
Há muito mais a fazer do que se colocar na corrente dos inebriados pelos primeiros sinais positivos. E que merecem ser aplaudidos. Mais importante agora é ir fundo para discutir, buscar caminhos e, principalmente, agir para estruturar um projeto de futuro. Pois, se no campo político, oprimido pela transitoriedade institucional, pouco ou nada é possível pensar em termos de longo prazo, no setor privado é obrigação debruçar-se sobre um projeto estratégico e de futuro para o país. Ou começaremos a lamentar a próxima crise que virá.
O GLOBO - 02/10
Fizeram da Constituição uma superstição jurídica. Inaptos para a moralidade coletiva se autorizaram receber acima do que manda a lei. Está profunda a cisão da consciência
O Brasil quer se salvar sem raciocinar, como um aglomerado de náufragos. Uma sequência interminável de festas deu errado e fez regredir nossa moralidade. A honra do líder se concentrou na luxúria certo de que causa justa limpa dinheiro sujo. A polêmica não se dissipa porque ainda é observada do lugar de onde vem a ilusão.
O povo sucumbiu à irrealidade, fustigado por líderes determinados a varrer do chão a racionalidade das realizações e a liberdade de escolha. Outros poderes embarcaram na onda dos arranjos e a insolência de mando se espalhou. Explorar o sentimento popular, através da serpente sagrada da política, tornou-se insuficiente. Era preciso ir além, prender o cidadão no contorno moral do período. Introduzir uma guerra civil no coração das pessoas. Insinuar que idolatria é bom. E liberar cada um para fazer o que bem entender.
O motor de tudo é o falso êxito do passado próximo. E o desejo de ser gado. Percebido o desatino, houve uma fuga em direção a dogmas, fé cega em tudo o que é falado, lido, escutado. O mundo medieval da escritura, superstição, domina. Espíritos insalubres vagueiam pelo ar como amuletos, cão sem cabeça, perigos invisíveis. Por conta de litígios viraram autoridades sem mérito. Fizeram da Constituição uma superstição jurídica. Inaptos para a moralidade coletiva se autorizaram receber acima do que manda a lei. Está profunda a cisão da consciência.
Fora de moda vamos cuspindo na credencial civilizatória. Renda, indenização, dinheiro não são os principais sinais do êxito humano. A autoridade que ordena bondade, tempero pessoal imposto ao paladar do negligenciado, vê o Estado como sua cozinha e a sociedade depósito de restos.
Isolada na mente de dois autoritários, a dinastia popular — um rei, uma regicida — improvisou a honra e impôs uma visão de justiça. A farsa fingiu amparar o pobre sem soerguer a economia. Ficaram visíveis demais nos que nomearam, entupiram o país dos que falam pelo cotovelo. O Ministério Público inventa crime, como o gato toma leite. Faça crime, contrate procurador!, deu no que deu.
O Supremo, agravado pelo problema relacional entre seus membros, reduziu a lei a uma série de astúcias. Confunde o justo com o legal, inadequados moralistas cavam a alma da nação. A inocência que é seguir a lei segue ultrajada pela consciência de se achar melhor do que ela. Tudo está prefixado: pontificar, ou saldar dívida, predispõe um juiz a falsidade.
Qual o significado de vivermos um tempo tão fechado à razão, de tanta inconsciência? Se o Brasil quiser interromper essa viagem segura que faz em direção ao caos, precisa mirar o abismo e decidir não pular.
Olho no mentiroso que encarna a contradição e se irrita com aliado que aponta seu erro. Atenção aos “cheios do gesto, no fundo só fazem é servir a si próprio”. Corra da identidade fraturada do furioso e seus indícios. Não há emissário de anjo: o boato quer circular, não precisa “credibilidade” de pesquisa.
Perca tempo com os capazes de reflexão, alguma modéstia, ceticismo metódico e cujo corpo não esteja inteiramente dedicado a ser fotografado. Da dúvida surgirá a decisão. O verdadeiro êxito ainda não tem rosto.
Paulo Delgado é sociólogo
O GLOBO - 02/10
O partido não é o lugar de pensamento e crítica, mas de servidão aos seus dirigentes e ao seu líder maior, Lula
A carta de Antonio Palocci ao PT, apresentando a sua desfiliação, e a reação dos líderes partidários, acusando-o de “mentiroso” e “traidor”, expõem um certo modo de fazer política que se aparenta ao crime, subvertendo completamente o significado mesmo da moralidade. O avesso da tão anunciada política petista de renovação nacional nada mais foi do que uma demonstração de uma política criminosa. As palavras vieram a perder o seu significado.
Quem é o traidor? Aquele que fala a verdade e confessa os seus crimes? Aquele que rompe com a lei do silêncio, não mais seguindo o valor mafioso da omertá? Mais vale a coerência com os princípios partidários ou o seu total abandono? É a traição dos princípios?
Um dos maiores ganhos apresentados pelo PT ao país foi o de ter sido criado como um partido munido de um corpo doutrinário, que obedecia a alguns princípios básicos como a luta pela igualdade, a redistribuição de renda e a ética na política. Mostrava também uma feição bolchevique em sua organização partidária que fazia par com os ares mais abertos subsequentes à queda do Muro de Berlim. Tal aspecto foi, porém, relegado pela opinião pública, ávida por mudança. O espírito leninista foi mitigado pela recuperação, embora tímida, de traços social-democratas.
Ocorre que o partido terminou por adotar uma outra via, que não era a propriamente revolucionária nem a social-democrata, com aspectos de ambas, porém, estando presentes, como a relativização do direito de propriedade via invasões dos ditos movimentos sociais e políticas distributivistas, que ampliaram as feitas no governo social-democrata anterior. O caminho finalmente adotado foi o de uma cooptação do Estado à maneira de uma organização criminosa, voltada tanto para o enriquecimento pessoal quanto para o fortalecimento das finanças partidárias. Os princípios foram efetivamente traídos!
Como podem, portanto, os líderes petistas acusarem Antonio Palocci de traição? Qual é a perspectiva? Por ter desnudado uma outra traição, a da máquina partidária em relação aos seus próprios princípios? Ele está sendo acusado de não ser fiel ao partido! Mas o partido foi fiel a si mesmo?
A moralidade, outrora princípio partidário, tornou-se um mero instrumento de manipulação, perdendo totalmente a sua universalidade. Foi utilizada, retoricamente, para o uso dos incautos. Um ex-presidente, já réu e denunciado em vários processos, com provas abundantes contra ele, utiliza o artifício demagógico de se apresentar como o homem mais honesto do país. O que fazem os seus companheiros, na verdade seus cúmplices? Não coram e o apoiam! Um caro valor partidário foi completamente abandonado em nome da preservação da organização partidária, que surge enquanto valor maior.
O PT revela, neste episódio, toda uma estrutura partidária de cunho leninista, para não dizer stalinista. O coletivo afirma-se acima de todos os seus membros, cabendo a esses a mera obediência. Não importa o corpo doutrinário, os princípios e os valores, mas o ato de curvar-se às diretrizes partidárias. Se o partido praticou crimes, a ordem é: esqueçam e o defendam acima de tudo. Se o partido desviou-se de seus princípios: esqueçam e lhe obedeçam. O partido não é o lugar de pensamento e crítica, mas de servidão aos seus dirigentes e ao seu líder maior, Lula.
Note-se que foi aberto um procedimento de natureza “ética” em relação ao ex-ministro. Em vez de a ética significar coerência em relação a valores de natureza universal, em vez de significar a retidão no comportamento pessoal, ela ganha uma toda outra conotação, a da submissão a um comitê partidário, cuja função seria apenas a de determinar a sua punição por não ter seguido a lei do silêncio. A pena seria provavelmente a expulsão. No tempo de Stálin, com o partido gozando de poder absoluto, ela seria a tortura, a humilhação e a morte, como foi o caso, entre outros, dos célebres Processos de Moscou, que eliminaram a velha guarda bolchevique.
Lula foi elevado pelo partido às alturas do Púlpito, exigindo de todos a crença absoluta nas suas palavras, como se nelas estivesse presente a fala de um líder religioso. Diz qualquer mentira e recebe em troca não a dúvida e a crítica, mas a devoção. Os militantes tornaram-se devotos de um líder partidário, que se apresenta como figura imaculada. Já antes, no exercício do poder, excedia-se em suas bravatas, que eram, porém, cordialmente aceitas como coisa de um retirante bem-sucedido.
Acontece que o sucesso transformou aquela simpática figura do líder sindical em um governante que considerou o poder enquanto coisa sua, a ser usada a seu bel-prazer, como se limites não existissem. A corrupção tornou-se meio de governo, inclusive sob a forma do enriquecimento pessoal e de seus familiares e amigos. Os históricos líderes comunistas, nesta esfera da corrupção, não ousaram tanto.
Agora, o véu desta forma esquerdista de fazer política foi levantado. O que aparece é a corrupção enquanto forma de governo, o desmonte do Estado, a desestruturação da economia e o fortalecimento da desigualdade social. A retórica, contudo, foi a do engano e da mentira, como se o país estivesse se transformando em um país de Primeiro Mundo, socialmente justo. Um líder carismático, como Lula, conseguiu transmitir a sua mensagem, ao arrepio de qualquer relação com a verdade. A prática era a política criminal, o seu véu a política distributivista, a que lhe permitiu a reeleição e a indicação de sua sucessora, que consumou o desastre da experiência petista.
A questão que se coloca aos petistas e aos seus simpatizantes é a da opção entre a crítica, com a sua subsequente renovação, e a crença na conduta religiosa de seu líder máximo. Devem escolher entre seguir uma seita e orientar-se segundo valores e princípios livremente discutidos e aplicados. Desta opção, depende a consideração de quem é ou não traidor.
Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
ESTADÃO - 02/10
País não pode desperdiçar esse momento de recuperação da economia mundial para se reerguer
É melhor consertar o telhado e reformar a casa quando o tempo é bom. O mesmo princípio vale quando são necessários grandes consertos na economia, mas nesse caso, e especialmente em Brasília, o bom senso nem sempre funciona. Sem citar nomes ou distribuir censuras, o presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, acaba de repetir a advertência: é preciso aproveitar as boas condições internacionais para avançar no ajuste das contas públicas. Sobram razões para apressar o trabalho. O quadro externo, ainda com juros baixos e capital disponível, é uma das mais importantes. A arrumação das finanças do governo inclui, naturalmente, a reforma da Previdência. O risco, lembrou Goldfajn, “é mudar o cenário internacional sem termos feito o dever de casa”. A declaração foi feita numa entrevista à rádio.
Boas condições externas têm facilitado a execução, desde outubro do ano passado, de uma política de crédito mais favorável ao crescimento da economia brasileira. Nesse período, a taxa básica de juros, a Selic, diminuiu de 14,25% ao ano para 8,25%. Novos cortes poderão ocorrer e o Brasil poderá chegar ao fim do ano com uma taxa de 7%, segundo projetam economistas do setor financeiro e de consultorias.
O presidente do BC nem confirma nem rejeita essa expectativa, mas novas medidas de afrouxamento já foram admitidas, em princípio, pelo Comitê de Política Monetária (Copom), formado por diretores da instituição e responsável pelas principais decisões estratégicas. Ao anunciar e explicar suas medidas, o Copom tem sempre mencionado as condições do mercado internacional, ainda propícias ao afrouxamento da política de crédito no Brasil.
É fácil entender a importância das condições externas. Juros são um dos fatores levados em conta, em todo o mundo, quando se tomam decisões sobre concessão de crédito ou sobre investimentos. Se os juros subirem mais rapidamente nos Estados Unidos ou na Europa, os fluxos de capitais serão dirigidos preferencialmente para esses mercados, já atraentes pela segurança normalmente associada a seus títulos públicos. Haverá, portanto, menor espaço – talvez nenhum – para uma política de juros mais baixos em países emergentes, incluído o Brasil.
Por enquanto, as perspectivas são de aumento gradual e muito cauteloso dos juros nos Estados Unidos. Novos ajustes para cima poderão ocorrer nos próximos meses, mas em ritmo ainda moderado, têm indicado os dirigentes do Federal Reserve (Fed), o banco central americano. Essa orientação foi confirmada nesta semana em pronunciamento da presidente da instituição, Janet Yellen.
Por muitos anos o Fed manteve os juros básicos na faixa de zero a 0,25% e emitiu muito dinheiro, numa política voltada para a superação da crise econômica iniciada em 2008. Mas o quadro melhorou, a orientação foi alterada, os juros começaram a subir e novas altas devem ocorrer – lentamente, segundo se espera.
Se isso se confirmar, a nova política do Fed em nada atrapalhará, por enquanto, a orientação do Copom, disse Goldfajn. Mas ninguém pode dizer com segurança se os juros americanos continuarão subindo moderadamente ou por quanto tempo a atual política será mantida. Há o risco, portanto, de uma alta mais acentuada surpreender o Brasil, advertiu o presidente do BC, antes da reforma da Previdência ou, de modo mais amplo, antes de um avanço significativo na execução do dever de casa.
Ele poderia ter mencionado também o quadro de recuperação da economia mundial. Há um movimento sincronizado de crescimento, com participação tanto dos países avançados quanto dos emergentes. Isso favorece a expansão do comércio e amplia as oportunidades de ganho para o Brasil.
Mais que errado, será desastroso desperdiçar o momento proporcionado pelo cenário internacional. A equipe econômica sabe disso e o presidente Michel Temer tem muitos motivos para se empenhar no ajuste. Mas muitas decisões, como a reforma da Previdência, dependem do Congresso. Este é mais um momento crucial para os parlamentares abrirem janelas e olharem para fora.