Nos últimos meses temos assistido ao descolamento entre as trajetórias da política e da economia poucas vezes antes visto no Brasil. Assim é que, apesar da gravidade das denúncias contra o presidente da República e as consequências políticas delas decorrentes, tanto as expectativas dos agentes quanto o desempenho da economia têm melhorado de maneira consistente. Mas não cabe ilusão. Com frequência, esse tipo de descolamento não perdura por muito tempo.
O bom momento atual da economia brasileira é resultado da convergência de diversos fatores, externos e internos. Alguns deles são de natureza transitória, outros têm características mais perenes.
No quadro internacional, as condições financeiras revelam-se favoráveis aos países emergentes, graças principalmente à melhora das perspectivas de crescimento global e à cautela dos bancos centrais das economias desenvolvidas na normalização da política monetária, tendo em conta o ambiente inflacionário benigno. Com isso, o apetite de risco dos investidores aumentou, favorecendo os ativos das economias emergentes, incluindo o Brasil.
Tal quadro, embora favorável, é suscetível de reversão a qualquer momento. A experiência recente mostra qual facilmente os investidores migram de um cenário de "risk on" para um de "risk off" e vice-versa. Por isso, o que importa mesmo são as condições domésticas idiossincráticas a cada economia emergente, pois são elas que ditam seu grau de resiliência a eventos exógenos, fora do controle das autoridades locais.
Nesse quesito, a situação brasileira de hoje pode ser caracterizada como uma de "copo meio cheio" ou uma de "copo meio vazio", dependendo do horizonte do observador. Do lado positivo, é inegável que o governo Temer já coleciona uma série impressionante de vitórias tanto no que tange à gestão macroeconômica quanto no avanço de reformas estruturais. A reforma da legislação trabalhista e a criação do teto para o crescimento dos gastos públicos são exemplos de medidas de grande relevância a médio e longo prazos para o crescimento econômico. Outra medida a ser destacada é a criação da Taxa de Longo Prazo (TLP) que deve ter impactos positivos sobre a intermediação financeira nos próximos anos, sem contar seus benéficos efeitos fiscais.
Além disso, a qualidade da gestão macroeconômica passou da água para o vinho. O Brasil hoje tem uma política macroeconômica responsável e uma agenda de reformas com viés pró-crescimento que não se via desde o governo FHC. O Banco Central recuperou sua credibilidade, o que está sendo fundamental para a ancoragem das expectativas inflacionárias para os próximos anos. Na política fiscal, houve o restabelecimento da transparência e o fim da contabilidade criativa, muito embora perdurem dificuldades para a redução do déficit primário, haja vista a queda cíclica da arrecadação, o nível de gastos herdado das ações irresponsáveis do governo anterior e a tendência estrutural de elevação das despesas previdenciárias.
Além da correta gestão macroeconômica, o governo Temer iniciou um ambicioso programa de concessões e de privatizações, incluindo a venda da Eletrobras que, se levado adiante, mais do que trazer receitas extraordinárias para o Erário, terá repercussões expressivas para a expansão do potencial de crescimento econômico.
Com tudo isso, a economia iniciou o processo de recuperação cíclica, ajudado pela derrubada dos juros pelo Banco Central que deve levar a taxa Selic a um patamar em torno dos 7% ao ano, a ser mantido pelo menos até o final de 2018, sem maiores repercussões sobre a inflação. A saída da pior recessão das últimas décadas já é um fato e se espera um crescimento do PIB um pouco abaixo dos 3% no próximo ano.
Porém, o "copo meio vazio" é uma realidade, em que pese as boas notícias no front macroeconômico. O atraso na aprovação da reforma da Previdência pode complicar bastante o atingimento das metas fiscais nos próximos anos e até mesmo ameaçar o cumprimento do teto para o crescimento das despesas estabelecido em recente emenda constitucional. A janela para a aprovação desta reforma no governo Temer parece ter se fechado e, com isso, a última esperança é que o governo a ser eleito nas eleições de 2018 tenha o tema como prioridade e faça aprovar as reformas em 2019. Caso contrário, os riscos fiscais crescerão exponencialmente e o ciclo de crescimento atual será mais um caso de "voo de galinha".
Desse modo, a atenção se volta para as eleições de 2018. O quadro eleitoral no momento é confuso, sendo desanimador ver nas pesquisas a liderança ser compartilhada entre um político populista enrolado na Lava-Jato e uma figura de extrema direita com um programa político assustador. Apesar disso, a expectativa dominante entre os agentes econômicos continua sendo a de que nos próximos meses será viabilizada a candidatura de um político comprometido com uma gestão econômica responsável e capaz de liderar as reformas indispensáveis durante seu governo. Caso isso não ocorra, muito provavelmente os mercados entrarão numa fase de sérias turbulências, acabando com a ilusão temporária do descolamento entre a política e a economia.
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