quarta-feira, maio 18, 2016

Urgência e simbolismo - ROSÂNGELA BITTAR

VALOR ECONÔMICO - 18/05

O Ministério da Cultura era o maior aparelho do governo

Desde logo é bom sublinhar a incompreensão dos que, munidos de um receituário de governos formalmente constituídos, com seus prazos normais de montagem, exigem, do governo Michel Temer, acerto nas escolhas e resultados imediatos. Este é um governo de emergência, de salvação nacional, de soluções urgentes, destinado a fazer o gigante Brasil respirar mesmo que com a ajuda de aparelhos. Construção essa que já fez bonito, mas muito mesmo, ao formular um critério útil e objetivo para a composição do Ministério: a de fazer uma montagem necessária a ter o Congresso como aliado e aprovar instrumentos e remédios adequados. Portanto, o governo teria que ser, e foi, composto pelos partidos, com o compromisso das cúpulas e bancadas nesse Tour de Force da responsabilidade para levantar do chão.

Não é, ao contrário do que diz a propaganda negativa, "mais do mesmo". Não houve esse "mesmo". O governo Dilma Rousseff não governou porque não aprovou seu projeto em um Congresso de quadro partidário múltiplo e disforme na composição de sua base. Não fez um governo com os partidos, embora tivessem partido deles alguns ministros, mas houve sempre a aposta na divisão partidária, na representação fragmentada. Vai-se tentar, agora, fazer funcionar a coalizão.

Foi a formulação que se conseguiu fazer, na emergência, e era adequada aos fins. Não havia chance para elucubrações, respeito a simbolismos como as tão faladas questões de gênero, como é mais prudente definir. Um Ministério sem mulheres, negros, índios e outras minorias não foi sequer pensado. Se algum partido tivesse indicado uma mulher seria um lembrete da existência desse problema, mas ninguém indicou. Até que mulheres havia, por acaso, mas não foram mencionadas nem nas justificativas. A secretária Executiva doMEC, Maria Helena Guimarães, que deve ser mais ministra que o ministro, já estava empossada, bem como outras, mas ninguém se lembrou, evidenciando-se a ausência de ministras, pródigas no governo Dilma.

O governo deu as mais esfarrapadas desculpas, mas foi distração mesmo, isso não era uma preocupação. Teve a coragem de fazer a autocrítica (como havia feito com outras distorções aprovadas no afogadilho) e quando resolveu corrigir, a posteriori, atendendo aos reclamos, veio logo com Maria Silvia Bastos Marques para o BNDES, espécie de divindade na gestão pública, saudada com pompa em todos os quadrantes.

A extinção do Ministério da Cultura, porém, feriu um simbolismo duramente conquistado. Mas pelo menos não foi por acaso, por desconhecimento, foi um ato consciente. Seguirá em processo de transformação em uma Secretaria de Cultura dentro do MEC, com direção politicamente forte. Como o ministério da Educação tem um orçamento significativo, é até possivel que projetos culturais contem com mais apoio. Mas não é disso que se trata. O desfazimento da estrutura é uma iniciativa tão drástica que só poderia ter uma razão prudente. E tem.

O Ministério da Cultura foi reduzido de caso pensado. Deram razão às autoridades que diagnosticaram o problema e sugeriram a transformação aqueles funcionários que, aos gritos de "ministro golpista", receberam o novo ministro da Educação e Cultura, que lá foi se apresentar acreditando que o fazia aos servidores públicos.

O governo já havia descoberto ali um bunker de resistência, uma central de alimentação das redes sociais que atuam em propaganda e campanha eleitoral, um arsenal de instrumentos de mobilização de agentes culturais e outros com objetivos partidários. Com Marta Suplicy o aparelho ficou contido; com Ana de Holanda foi um massacre sobre ela e o grupo que a derrubou não sossegou enquanto não promoveu a reocupação do espaço pelos petistas de rede e burocratas da cultura. Sob o amplo guarda-chuva de Juca Ferreira.

O governo Temer identificou o ministério como um aparelho, com incentivo dirigido e propagação da campanha do golpe. Dali partia um bombardeio contra a nascente gestão. Se a vocação do governo Temer era unificar o Brasil, o objetivo não seria atingido com uma tropa do contra radicada em área tão vital.

A vocação de hegemonia e totalitarismo, a serviço da apropriação do Estado, estava impregnada no Ministério da Cultura, concluíram os analistas do governo. Haverá enxugamento de cargos, revisão de contratos e até de empenhos. Quem sabe consiga o governo Temer criar as condições para retomar logo o simbolismo do Ministério da Cultura do ponto de onde foi interrompido.

Henrique Meirelles aprecia o elemento surpresa, acha que o sigilo nas ações transmite, entre outras impressões, a de segurança. Não queria que fosse vazado o nome do presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, escolhido mas não convidado em definitivo até o último fim de semana. Também resistia um pouco a fazer a opção, queria esperar para pensar mais e ver se era possível alternativa a essa unanimidade. Mas Ilan já estava escolhido pelo presidente Michel Temer e tinha total simpatia dos jaburus, o grupo de ministros próximos que com ele se reuniam no Palácio residencial para formar o governo.

Meirelles talvez preferisse outro, embora nada tivesse contra Ilan, também seu amigo. O presidente foi se fixando em Ilan que passou de cotado a escolhido, até que, certo dia, o Valor publicou que era Ilan o homem do BC.

Em defesa do elemento surpresa, e para deixar a porta aberta a alternativas, como agiu com a equipe do Ministério da Fazenda, Meirelles reclamou do vazamento com os políticos a quem atribuía a divulgação da preferência. À pergunta sobre o que fazer para resgatar a indicação como uma novidade, foi aconselhado a tomar um de dois caminhos: se não fosse o Ilan, deveria fazer um desmentido categórico; se fosse, deveria relacionar vários outros nomes possíveis junto com o dele, retomando as dúvidas. Foi o que Meirelles fez até ontem, quando anunciou Ilan. Para surpresa geral.

Incoerência fundamental - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 18/05

O Partido dos Trabalhadores, mais conhecido como PT, vive uma situação paradoxal. Ao mesmo tempo em que tem noção de que sua imagem pública está em franca decomposição, a ponto de imaginar uma frente ampla de esquerda escondendo a sigla para abrigar uma eventual candidatura de Lula em 2018, prepara um documento no seu Diretório Nacional, à guisa de autocrítica, que só não é risível por ser patético.

Oconhecimento de que sua imagem diante dos próprios eleitores está “abaixo do volume morto” já era admitido por Lula há muito tempo, mas agora uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, e publicada pelo “Estado de S. Paulo”, trouxe dados irrefutáveis, a tal ponto ruins que a pesquisa foi vedada até mesmo a certos integrantes da Executiva Nacional do partido.

O documento oficial aproveita alguns pontos críticos que surgem na pesquisa para tentar uma saída menos traumática. As causas da crise petista são atribuídas na pesquisa pelos eleitores à corrupção, que teria feito com que o PT aceitasse alianças que contrariariam seus princípios de origem, e entregar-se à ganância, colocando interesses pessoais acima dos interesses do povo. E como o PT trata essa percepção de que seus dirigentes acabaram enriquecendo ilicitamente em detrimento dos ideais de origem?

Diz no documento que “(...) fomos contaminados pelo financiamento empresarial de campanhas, estrutura celular de como as classes dominantes se articulam com o Estado, formando suas próprias bancadas corporativas e controlando governos. (...) Terminamos envolvidos em práticas dos partidos tradicionais”.

O PT tenta fazer uma autocrítica, mas, como sempre, põe a culpa nos outros. No documento, diz que acabou refém “de acordos táticos, imperiosos para o manejo do Estado, mas que resultaram num baixo e pouco enraizamento das forças progressistas, ao mesmo tempo em que ampliaram, no arco das alianças, o poder de fogo de setores mais à direita”.

Os eleitores petistas trocaram expressões como “progressista, convincente, esperançoso, promissor, de futuro, realizador, forte, evolutivo, em ascensão, limpo, ótimo, sólido e do povo” por definições como “de direita, desacreditado, decepção, fracassado, sem expectativa, quebrado, deprimente, massacrado, desmoralizado, corrupção, ruim, dividido e traidor”.

Assim como a presidente afastada Dilma Rousseff custou a admitir seus erros na política econômica, mas mesmo assim o fez com comedimento, também o PT admite no documento “falhas propriamente políticas”, que não detalha, e a demora a perceber “o progressivo esgotamento da política econômica vigente entre 2003 e 2010, que havia levado a formidáveis conquistas sociais para o povo brasileiro”.

O PT diz que esse modelo “perdeu força com a crise internacional, a convivência com altas taxas de juros que sangravam o Tesouro e a excessiva valorização cambial”, jogando os problemas para problemas externos, sem reconhecer que o governo foi alertado frequentemente sobre os erros da “nova matriz econômica” lançada pelo governo Dilma na gestão do ministro da Fazenda Guido Mantega.

Mesmo diante de dados de pesquisas que mostram que o PT inspira desconfiança no quesito “corrupção” em mais de 70% dos entrevistados, e que apenas 14% hoje o indicam como o partido preferido, o PT não perde a pose e afirma no documento que houve um golpe contra Dilma Rousseff; e que a direita — posição em que boa parte dos entrevistados o coloca no espectro partidário hoje — tomou conta do controle do Congresso, fingindo esquecer que os partidos assim classificados faziam parte predominante de sua base durante os 13 anos de poder, às custas de propinas e acordos espúrios.

Por isso, a imensa maioria dos entrevistados vê uma incoerência básica entre o que o PT diz ser, ou parecia ser, e sua prática política. A nota que o partido discute não vai ajudar em nada a desfazer essa imagem. Ainda mais depois que o PT decidiu fazer alianças regionais com o PMDB, o partido da direita golpista que o tirou do poder.


O tamanho da encrenca - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Folha de São Paulo - 18/05

As contas públicas se encontram em estado grave, fruto de anos de descaso, e a solução para o problema envolve uma equação política complicada. Não está claro que o novo governo consiga resolvê-la, embora suas chances sejam bem melhores do que as da administração anterior.

Para dar uma ideia do tamanho da encrenca, no ano passado o governo federal gastou quase R$ 1,2 trilhão (é "trilhão" mesmo), quase um quinto de tudo o que foi produzido no país, o PIB, em 2015. O conjunto dos Estados gastou R$ 536 bilhões, quase um décimo do PIB.

Sem contar, portanto, os mais de 5.500 municípios, a despesa não financeira do setor público "comeu" pouco menos de 30% do PIB, montante que deve se manter aproximadamente constante em 2016. Muito gasto, mas pouco investimento, que, entre Estados e União, não passou de 2% do PIB, irrisório diante das necessidades do país.

Não é só o tamanho do gasto que preocupa; também seu ritmo de crescimento tem superado persistentemente o do produto. Entre 2012 e 2015, descontada a inflação, os gastos federais cresceram 5% ao ano, enquanto no caso dos Estados a expansão foi algo mais modesta, na casa de 2% ao ano. Já o PIB...

Essa dinâmica perversa se origina principalmente do dispêndio obrigatório do governo, que subiu 6% ao ano no caso do governo federal e 3% ao ano para o conjunto dos Estados. Os motivos são vários: regras de reajustes de Previdência e funcionalismo, ausência de idade mínima para aposentadoria, vinculações orçamentárias, limites mínimos para certas despesas, para mencionar apenas alguns.

Isto se traduz num Orçamento público no Brasil extraordinariamente amarrado. No caso federal, de cada R$ 100 de gasto, o governo pode dispor livremente de pouco menos de R$ 10; o resto é mandatório.

Boa parte disso resulta de disposições constitucionais, algumas datando ainda de 1988, outras de períodos mais recentes. De uma forma ou outra, contudo, significam que, sem mudança de regras, as despesas seguirão crescendo em ritmo superior ao do PIB, impossibilitando na prática qualquer ajuste fiscal e, portanto, o controle do endividamento público.

A conclusão inescapável é que a principal tarefa da nova administração envolve convencer o Congresso a mudar a Constituição para adequar o ritmo de crescimento das despesas à expansão do PIB, escapando da armadilha em que fomos colocados pela política econômica anterior.

No entanto, o que parece óbvio para nós, tecnocratas, envolve custos significativos para qualquer político, que certamente terá imensas dificuldades para explicar a seu eleitor ter apoiado medidas que postergaram seu acesso à aposentadoria ou que reduziram o montante de recursos direcionado à saúde ou à educação.

Houve, é bom que se diga, momentos em que o país conseguiu se mobilizar para levar adiante reformas significativas, esforço que se estendeu por vários mandatos, de Collor a Lula, e que foi imprudentemente negligenciado nos últimos dez anos.

Não é claro, porém, que a atual configuração das forças políticas se alinhe no sentido de avançar sobre esses temas; pelo contrário, o Brasil permanece dividido, se não hostil, à mensagem reformista. Apesar de bons nomes na equipe econômica, simplesmente não consigo ficar otimista com o que nos espera.

Equipe de primeira - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 18/05

Da nova equipe econômica, que vai se formando com a confirmação de alguns nomes e a escolha de outros, já se pode dizer que tem excelência técnica e experiência diversificada. Todos os que foram anunciados ontem ou são integrantes do governo ou já fizeram parte dele. A tarefa que enfrentarão é enorme e não depende apenas de que eles tenham bom desempenho.

Oeconomista Ilan Goldfajn é considerado um dos melhores do país. Ele assumirá a presidência do Banco Central, onde já esteve como diretor, depois de ter passado pelo FMI. Trabalhou como consultor, antes de dirigir o Departamento Econômico do banco Itaú Unibanco.

Para o Ministério da Fazenda, o ministro Henrique Meirelles escolheu dois economistas que têm conhecimento profundo da crise fiscal brasileira. Marcelo Caetano, que será o secretário de Previdência, tem uma série de estudos sobre o tema como economista do Ipea, e Mansueto Almeida, ex-Ipea, que será o secretário de Acompanhamento Econômico, é grande especialista em finanças públicas. Carlos Hamilton, que será o secretário de política econômica do Ministério, já trabalhou com Henrique Meirelles no Banco Central. A equipe se reuniu neste fim de semana para avaliar a situação em que o país está e começar a pensar nas primeiras medidas. Meirelles decidiu manter dois secretários, o do Tesouro, Otávio Ladeira, e o da Receita, Jorge Rachid. Completa o time o secretárioexecutivo, Tarcísio Godoy, que já ocupou o mesmo cargo na época de Joaquim Levy.

O primeiro problema a resolver será o tamanho do déficit de 2016. E eles estão no seguinte dilema: se adotarem uma meta que não possam cumprir, pode haver o desgaste de ter que pedir nova alteração. Se elevarem muito a projeção do rombo, pode passar a ideia de que o governo se prepara para ampliar os gastos. E há diversos esqueletos aparecendo.

— Temos que colocar sol sobre esta herança recebida. Para entender e explicar as dificuldades que recebemos. E temos que passar a ideia de que daqui para a frente será diferente — disse um integrante da equipe.

Pela lei orçamentária, o governo tem que divulgar até o 20º dia útil do segundo mês de cada bimestre o relatório de receita e despesa. Como a meta ainda em vigor é a do Orçamento, que prevê superávit de R$ 24 bilhões, o governo teria que anunciar um contingenciamento para se adequar a esse objetivo. O problema é que a meta é irreal e não se sabe exatamente o tamanho do rombo para propor novo número. Como o governo Dilma previa déficit de R$ 96 bi, a nova equipe considera, diante de despesas já sabidas e não previstas, que se o déficit for de R$ 100 bilhões a meta será muito apertada, mas se for de R$ 150 bi pode parecer relaxada demais. O governo precisa definir a nova meta para que seja votada pelo Congresso até o fim do mês.

— O problema é que os números são voláteis e a cada momento há um novo esqueleto — disse um membro da equipe.

Um desses esqueletos é o da Eletrobras, que está desequilibrada pelas decisões tomadas pelo governo durante a crise de energia e foi vítima dos desvios em contratos como tem revelado a Lava-Jato. Ela não tem conseguido dimensionar as perdas com corrupção e por isso avisou que não vai apresentar a tempo seu relatório financeiro ao órgão regulador americano. Será retirada de lista da Bolsa de Nova York, o que pode produzir impacto fiscal. Outro problema é a negociação com os estados, que também vai produzir perda de receita.

Quando Meirelles anunciou os integrantes da equipe econômica, não tinha ainda os nomes dos presidentes dos bancos públicos. Para o BNDES, que responde ao Planejamento, foi escolhida a economista Maria Silvia Bastos Marques, que tem um currículo de bom desempenho tanto no setor público quanto no privado. Ela terá um duro trabalho pela frente. O banco funcionou nos últimos anos na base de enormes cheques enviados pelo Tesouro. Mas essa fonte secou. Hoje, deve R$ 500 bilhões ao Tesouro. Maria Silvia terá que dar nova forma à atuação no banco de desenvolvimento.

A estratégia no governo é de anunciar medidas de curto prazo, depois preparar reformas que serão divulgadas num segundo momento e que terão mais impacto na confiança, como a reforma da previdência. O jogo será duro, mas o que se pode dizer é que o time está bem escalado.


Enfim, temos governo - JOSE NEUMANNE

O ESTADÃO - 18/05

Duas boas notícias de Temer: há governo e o presidente fala a nossa língua. Mas elas não bastam..



Alvíssaras, brasileiros! Temos governo. Fazia muito tempo que administração não havia mais, pois, instalada no posto mais alto da República, com legitimidade garantida pela maioria dos votos válidos na eleição presidencial, Dilma Rousseff abusou de sua autoridade tentando forçar a própria permanência. Por determinação de 367 (71%) dos 513 deputados federais e de 55 (68%) dos 81 senadores, o vice Michel Temer tomou posse interinamente na Presidência e escolheu ministros que já começaram a tomar providências efetivas, anunciando a evidência de que, no mínimo, há uma gestão em marcha.

Com alívio, a Nação ouviu um chefe de governo que fala a língua de todos nós, o português cuidado com engenho e arte por Camões, Eça, Pessoa, Castro Alves e Machado. Pois é: nossa língua materna, em que os gerúndios têm dê, ou seja, andando, e não andano; os pronomes pessoais, mesmo nas formas coloquiais, devem ser usados corretamente (pra eu fazer, em vez de pra mim fazer); e adjetivos têm gênero, com mulheres falando obrigada, não obrigado, reservado apenas para emprego masculino. Ao discursar apresentando-se à Nação, Temer tratou as instituições e quem as ocupa em nome da cidadania com o devido respeito. E deu ao distinto público – escorchado por uma carga tributária indecente e afligido por crise moral, econômica e política como “nunca houve antes na História deste País” – esperança de que os cidadãos sejam tratados com decência. Não tendo de arcar com o ônus da desmoralização desta República desgovernada à matroca.

Dois dos ministros que assumiram autorizam a esperança de que, pelo menos, algo será feito para resgatar a fé e o respeito que o Brasil merece. Tendo presidido uma grande instituição financeira internacional e nosso Banco Central, com gestões que o fizeram gozar de boa fama nos mercados financeiros interno e externo, Henrique Meirelles, ex-tucano e várias vezes sugerido a Dilma por Lula para ocupar o lugar que assumiu, é o que se chama no turfe de pule de dez.

No Itamaraty, o senador José Serra (PSDB-SP) começou com o pé direito. Em plena turbulência causada pelo inconformismo dos derrotados no processo legal do impeachment, ele teve a serenidade e a ousadia de não deixar sem resposta a impertinente tentativa de intromissão em nossos assuntos internos feita por aliados bolivarianos no autoritarismo e no malogro econômico. Com sua tirania de 57 anos, que aprisiona adversários políticos e homossexuais, Cuba não tem autoridade para denunciar o tal “golpe jurídico-parlamentar”. Desde o golpe comunista do clã Castro, a ilha, sustentada antes pelo extinto império soviético e depois pela Venezuela, que não ampara mais ninguém, devia calar-se.

A dura nota do Itamaraty, repetindo o tom utilizado pelo ex-rei de Espanha Juan Carlos quando refutou a molecagem malcriada de Hugo Chávez – “por qué no te callas?” –, pôs em seu devido lugar o sucessor deste, Nicolás Maduro, e os aliados sul-americanos do Partido dos Trabalhadores (PT). Falta a Maduro um espelho no Palácio de Miraflores para ver a falência de sua gestão. E perceber que, tendo a Justiça a seus pés, não tem como criticar decisões do Supremo Tribunal Federal brasileiro. Pois este convalidou, com amplas maiorias e até unanimidade, o afastamento de sua comadre repetidas vezes, tornando lana caprina o uso de chicanas em sua defesa. Isso vale ainda para o boliviano Evo Morales, o equatoriano Rafael Correa e o uruguaio José Mujica – que já não é presidente nem, ao que se saiba, fala por Tabaré Vázquez.

Atitude corajosa, similar à de Serra, foi tomada pelo ministro da Educação e Cultura, deputado Mendonça Filho (DEM-PE). Ele enfrentou e calou baderneiros que foram desmoralizá-lo e saíram do confronto derrotados por sua argumentação lógica, lúcida, respeitosa à democracia e que deveria ser imitada em enfrentamentos públicos do tipo.

Recriar o Ministério da Cultura (MinC) ou subordinar a secretaria à Presidência seria recuo que dificultaria ao governo adotar as providências necessárias para desmontar o deletério legado da desastrada gestão petista nesses 13 anos e quatro meses e meio. O MinC foi uma má iniciativa de José Sarney para pôr ao menos um amigo no Ministério, então só composto por indicações do titular morto, Tancredo Neves. Um de seus ministros foi o economista Celso Furtado. Mas a biografia impoluta do grande mestre foi maculada por seu injustificável apoio à censura ao filme Je vous Salue, Marie (Ave, Maria[), de Jean-Luc Godard, imposta ao então presidente pela devota mãe, dona Kiola.

À exceção de Ipojuca Pontes, que ousou extinguir a Embrafilme e por isso é hostilizado, Antonio Houaiss e Francisco Weffort, a pasta foi sempre usada para uma ação entre amigos, à nossa custa. Lula e Dilma a aparelharam para servir ao PT e à indústria fonográfica. E a usaram para tungar direitos de nossos autores e aumentar os lucros das multinacionais da cultura e de artistas nativos que se beneficiam da “bolsa show”, sob as bênçãos de Xangô e do Senhor do Bonfim. Enquanto as traças devoram a Biblioteca Nacional e os museus sob sua égide se tornam inaptos para visitas públicas.

A Cultura é um detalhe simbólico, mas também relevante, tendo em vista as dificuldades com imagem do presidente em exercício. Urge ao governo-tampão evitar que Dilma e seus asseclas completem o desmanche do País, sob os aplausos dos decadentes aliados subcontinentais. Para tanto basta que os senadores contra seu afastamento cheguem a 25 (um terço de 81), três a mais do que os obtidos na votação da abertura do processo.

Essa tarefa não é impossível, mas fácil também não é. Dois passos são exigidos: demitir não 4 mil, mas todos os comissionados que for possível, para que não sabotem a gestão; e fazer de tudo para pôr de novo as contas públicas nos eixos. Esta luta terá de ser travada com lisura e na guerra pela paz.

Diplomacia e modernização - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 18/05

O governo brasileiro mostra disposição de mudar a diplomacia comercial, depois de 13 anos de terceiro-mundismo requentado. Mas terá sentido pensar nisso neste momento, quando o discurso antiglobalização ganha importância na campanha eleitoral nos Estados Unidos? A resposta é positiva. A posição do novo governo americano em relação ao comércio internacional só será definida, de fato, depois da eleição. De toda forma, é difícil imaginar um recuo no caso da parceria transpacífico ou mesmo nas negociações de um ambicioso acordo com a União Europeia. Enfim, há argumentos mais que suficientes para defender um novo esquema de integração do Brasil no mercado global, mesmo sem levar em conta oscilações da política da maior economia do mundo.

O terceiro-mundismo petista, fortemente vinculado à estratégia kirchnerista, foi testado longamente e o resultado foi o previsível. Como poderia esperar qualquer pessoa sensata e razoavelmente informada, o Brasil ficou fora de uma porção de acordos bilaterais e inter-regionais, isolou-se enquanto outras economias buscavam multiplicar seus laços de comércio e ficou limitado a uns poucos pactos com mercados pouco importantes.

Brasil e Argentina perderam o passo na globalização e ficaram para trás, mantendo amarrados o Uruguai e o Paraguai, os outros dois sócios originais do Mercosul. A indústria perdeu peso nas vendas externas brasileiras. A participação dos manufaturados no total das vendas externas passou de mais de 50% para menos de 40% em poucos anos. O setor automobilístico, favorecido internamente por benefícios fiscais e pouco empenhado na competição internacional, acomodou-se no acordo automotivo Brasil-Argentina, um pacto de mediocridade.

A política industrial prometida pelo governo jamais foi além da distribuição de favores tributários e financeiros – principalmente para setores e grupos favoritos – e de medidas protecionistas. A política do componente nacional, anacrônica e indefensável por qualquer critério razoável, foi um custoso fiasco.

O último capítulo conhecido desse fracasso foi o pedido de recuperação judicial da Sete Brasil. Essa empresa, criada como parte daquela política, resultou em prejuízos de bilhões para seus acionistas, incluídos fundos de pensão de estatais, e em problemas graves para seus credores. Parte importante das provisões para devedores contabilizadas por grandes bancos, a começar pela Caixa, é explicável por esse fracasso e pela devastação econômica e financeira da Petrobrás.

O Mercosul acaba de retomar as negociações com a União Europeia, depois de muitos anos de impasse. O entendimento parece hoje mais difícil do que há alguns anos, mas isso se deve principalmente a atrasos causados pela resistência do Mercosul, principalmente do governo argentino, mas também do brasileiro. É necessário, de toda forma, continuar tentando.

A nova diplomacia deve incluir entre suas prioridades a busca de um Mercosul mais dinâmico, menos protecionista e mais voltado para a integração global. Se as dificuldades forem muito sérias, será conveniente abandonar a união aduaneira e retornar ao status mais modesto de área de livre-comércio, com cada país livre para negociar com parceiros de fora do bloco.

Ampliar e aprofundar o acordo com o México é uma prioridade óbvia, um objetivo para ser perseguido isoladamente ou com o Mercosul. É preciso aumentar os vínculos com os países da Aliança do Pacífico – Chile, Colômbia, Peru e México – e inscrever no topo da agenda uma integração maior com os Estados Unidos, ainda o principal e mais confiável mercado para a indústria manufatureira do Brasil.

Não há como pensar a política de desenvolvimento e a diplomacia comercial como assuntos separados. Abertura e integração com outros mercados devem ser componentes essenciais da modernização produtiva do Brasil e da busca de eficiência. O resto é anacronismo e retrocesso.