O Estado de S.Paulo - 09/02
Em um regime democrático, todo poder emana do povo, prevalecendo a vontade da maioria sobre a vontade de indivíduos ou de grupos. Desse modo, o bom governante é aquele que compreende as demandas da população e se empenha em atendê-las. No entanto, numa democracia saudável, é também responsabilidade dos dirigentes tomar medidas que podem eventualmente desagradar a uma parte dos eleitores - mesmo que seja a maior parte -, pois eles devem administrar pensando no conjunto da sociedade que governam, e não na estridência de interesses insatisfeitos ou contrariados. Essa lição básica foi ignorada pelos governantes de importantes capitais brasileiras que cederam à tentação populista, diante de manifestações nas ruas no ano passado, e não elevaram as tarifas de ônibus quando deveriam.
Como resultado, tem-se agora que os vândalos, vitoriosos graças à tibieza dos políticos, se sentem à vontade para ameaçar transformar a vida das cidades num inferno toda vez que se fala em reajustar o valor das passagens - e a população inteira seguirá pagando o preço dessa irresponsabilidade, quer na forma de robustos subsídios para manter a tarifa congelada, como insiste em fazer a Prefeitura de São Paulo, quer por meio de bloqueios de ruas e de violência generalizada, como está acontecendo no Rio de Janeiro.
A rigor, esse estado de coisas não foi criado pelas famosas "jornadas de junho". Tudo começou no início de 2013, quando a presidente Dilma Rousseff, para conter a crescente inflação por meio de truques e artimanhas, rogou a prefeitos e governadores que adiassem o reajuste das tarifas do transporte para junho daquele ano.
Mesmo quando chegou o momento de fazer o reajuste, a nova tarifa não refletiu a inflação do período. No caso de São Paulo, a passagem saltou de R$ 3,00 para R$ 3,20, o que significaria um aumento de apenas 6,7%, contra uma inflação de 14,4% no setor dos ônibus desde o último aumento. Essa diferença implicava um subsídio de R$ 1,25 bilhão aos serviços de ônibus, o dobro do previsto no orçamento e muito acima dos R$ 960 milhões pagos em 2012.
Para viabilizar essa "bondade" do prefeito Fernando Haddad, feita a pedido de Dilma, o governo federal suspendeu a cobrança de PIS e Cofins sobre a tarifa de ônibus, metrô, trens e barcos. Tal medida não se restringiu às empresas de transporte de São Paulo, porque esses impostos têm caráter nacional; logo, a renúncia fiscal de que Dilma lançou mão para promover a imagem do prefeito petista de São Paulo foi muito mais abrangente.
Nada disso impediu que um grupo insignificante que reivindicava transporte gratuito para toda a população - uma impossibilidade evidente - deflagrasse protestos que, graças a um misto de vandalismo dos manifestantes, oportunismo político, truculência policial e hesitação do poder público, incendiaram o País.
O aumento em São Paulo e em outras capitais foi então cancelado, premiando a "voz das ruas" em detrimento da necessidade de majorar o preço das passagens. No caso paulistano, abrir mão dos R$ 0,20 elevou para R$ 1,425 bilhão os subsídios - preço exorbitante que todos os cidadãos vão pagar, inclusive aqueles que usam os ônibus. Além disso, a Prefeitura terá de abrir mão de recursos destinados a outras áreas da administração para financiar esse surto populista.
Com a popularidade em baixa, e novamente atendendo a interesses eleitoreiros de seu partido, Haddad decidiu manter a tarifa em R$ 3,00 neste ano. O temor das ruas definitivamente está ditando a administração municipal.
No Rio, o governador Sérgio Cabral também cedeu e cancelou o aumento das tarifas de trens e do metrô, depois de violentas manifestações. Na capital fluminense, o prefeito Eduardo Paes anunciou um reajuste de 9% nas passagens, e o resultado foi mais um protesto que, como tem sido habitual, se transformou em batalha campal no centro da cidade. Está claro, assim, que o monstro criado e alimentado pela ausência de governantes responsáveis está mais forte do que nunca.
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