O ESTADO DE SÃO PAULO - 03/05/09
Robert Fisk, talvez o mais famoso correspondente de guerra atual, contou-me um dia que ao voltar de trem da frente Iran-Iraque, um dos soldados lhe perguntou: ´gostou da guerra? É ótima, não é mesmo?´.
Os jornalistas que arriscam a sua vida para cobrir os conflitos armados no resto do mundo sempre me intrigam: o que os leva a arriscar tanto a vida em suas profissões?
Christina Lamb, do Sunday Times, foi me entrevistar um dia. Quando descobri que era correspondente no Afeganistão, terminei invertendo os papéis: passei a fazer-lhe as perguntas. Christina serviu de fio condutor para um dos personagens principais de ´O Zahir´. Mas foi uma outra correspondente, também encarregada de cobrir o Afeganistão, quem me relatou um diálogo tido com seu marido. Em uma bela manhã de domingo, em Londres, comentou com ele a sua decisão:
- Quero ser correspondente de guerra.
- Você está louca! Não precisa disso. Você está empregada naquilo que deseja, ainda ganha bem, embora nem precise desse dinheiro para viver.
- Digamos, então, que eu precise estar sozinha.
- É por minha causa?
- Não. Amo o meu homem, e ele me ama.
- Então que história é essa de guerra, em um lugar esquecido do mundo? Você não tem tudo?
- Tenho, tenho tudo o que uma mulher pode desejar.
- O que é, então, que há de errado em sua vida?
- Justamente isso. Tenho tudo, mas estou infeliz. Não sou a única: no decorrer destes anos, convivi ou entrevistei vários tipos de pessoas: ricas, pobres, poderosas, acomodadas. Em todos os olhos que cruzaram os meus, li neles uma amargura infinita. Uma tristeza que nem sempre eles aceitavam, mas estava ali, independente do que diziam.
- Na sua opinião, ninguém é feliz?
- Algumas pessoas parecem felizes: simplesmente não pensam no assunto. Outras fazem planos: ter um marido, uma casa, dois filhos, uma casa de campo. Enquanto estão ocupadas com isso, são como touros em busca do toureiro: não pensam, apenas seguem adiante. Conseguem um carro, às vezes até uma Ferrari. Acham que o sentido da vida está ali, não fazem jamais a pergunta. Mas apesar de tudo, os olhos traem uma tristeza que elas nem sabem que têm. Você é feliz?
- Não sei.
- Tampouco sei se todo mundo é infeliz. As pessoas estão sempre ocupadas: trabalhando além da hora, cuidando dos filhos, do marido, da carreira, do diploma, do que fazer amanhã, do que falta comprar, do que é preciso ter para não se sentir inferior, etc. Enfim, poucas pessoas me disseram: ´sou infeliz´. A maioria diz ´estou ótimo, consegui tudo o que desejava´. Então pergunto: ´o que o faz feliz?´ A resposta: ´Tenho tudo o que uma pessoa sonha - família, casa, trabalho, saúde.´ Insisto: ´então o sentido da vida é trabalho, família, filhos - que vão crescer e deixá-lo - mulher ou marido - e que vão se transformar mais em amigos do que em verdadeiros apaixonados. E o trabalho vai terminar um dia. O que fará quando isso acontecer?´ Resposta: não há resposta. Mudam de assunto.
- Mas por que esta história de ir para a guerra?
- Porque acho que na guerra o homem está no limite, pode morrer no dia seguinte. Seu olhar muda. Tudo muda. Ele é capaz dos atos mais bárbaros ou mais heróicos.
Não sei se é uma boa explicação. Mas é a explicação da minha amiga, que no momento em que escrevo a coluna, está de volta à frente da batalha no Afeganistão.
Robert Fisk, talvez o mais famoso correspondente de guerra atual, contou-me um dia que ao voltar de trem da frente Iran-Iraque, um dos soldados lhe perguntou: ´gostou da guerra? É ótima, não é mesmo?´.
Os jornalistas que arriscam a sua vida para cobrir os conflitos armados no resto do mundo sempre me intrigam: o que os leva a arriscar tanto a vida em suas profissões?
Christina Lamb, do Sunday Times, foi me entrevistar um dia. Quando descobri que era correspondente no Afeganistão, terminei invertendo os papéis: passei a fazer-lhe as perguntas. Christina serviu de fio condutor para um dos personagens principais de ´O Zahir´. Mas foi uma outra correspondente, também encarregada de cobrir o Afeganistão, quem me relatou um diálogo tido com seu marido. Em uma bela manhã de domingo, em Londres, comentou com ele a sua decisão:
- Quero ser correspondente de guerra.
- Você está louca! Não precisa disso. Você está empregada naquilo que deseja, ainda ganha bem, embora nem precise desse dinheiro para viver.
- Digamos, então, que eu precise estar sozinha.
- É por minha causa?
- Não. Amo o meu homem, e ele me ama.
- Então que história é essa de guerra, em um lugar esquecido do mundo? Você não tem tudo?
- Tenho, tenho tudo o que uma mulher pode desejar.
- O que é, então, que há de errado em sua vida?
- Justamente isso. Tenho tudo, mas estou infeliz. Não sou a única: no decorrer destes anos, convivi ou entrevistei vários tipos de pessoas: ricas, pobres, poderosas, acomodadas. Em todos os olhos que cruzaram os meus, li neles uma amargura infinita. Uma tristeza que nem sempre eles aceitavam, mas estava ali, independente do que diziam.
- Na sua opinião, ninguém é feliz?
- Algumas pessoas parecem felizes: simplesmente não pensam no assunto. Outras fazem planos: ter um marido, uma casa, dois filhos, uma casa de campo. Enquanto estão ocupadas com isso, são como touros em busca do toureiro: não pensam, apenas seguem adiante. Conseguem um carro, às vezes até uma Ferrari. Acham que o sentido da vida está ali, não fazem jamais a pergunta. Mas apesar de tudo, os olhos traem uma tristeza que elas nem sabem que têm. Você é feliz?
- Não sei.
- Tampouco sei se todo mundo é infeliz. As pessoas estão sempre ocupadas: trabalhando além da hora, cuidando dos filhos, do marido, da carreira, do diploma, do que fazer amanhã, do que falta comprar, do que é preciso ter para não se sentir inferior, etc. Enfim, poucas pessoas me disseram: ´sou infeliz´. A maioria diz ´estou ótimo, consegui tudo o que desejava´. Então pergunto: ´o que o faz feliz?´ A resposta: ´Tenho tudo o que uma pessoa sonha - família, casa, trabalho, saúde.´ Insisto: ´então o sentido da vida é trabalho, família, filhos - que vão crescer e deixá-lo - mulher ou marido - e que vão se transformar mais em amigos do que em verdadeiros apaixonados. E o trabalho vai terminar um dia. O que fará quando isso acontecer?´ Resposta: não há resposta. Mudam de assunto.
- Mas por que esta história de ir para a guerra?
- Porque acho que na guerra o homem está no limite, pode morrer no dia seguinte. Seu olhar muda. Tudo muda. Ele é capaz dos atos mais bárbaros ou mais heróicos.
Não sei se é uma boa explicação. Mas é a explicação da minha amiga, que no momento em que escrevo a coluna, está de volta à frente da batalha no Afeganistão.
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