O GLOBO - 23/06
O economista Paulo Tafner foi subsecretário geral da Fazenda do Rio até outubro de 2015 e viu de perto alguns dos erros do estado. Houve um forte aumento de gastos, ou mesmo farra em algumas situações. A queda do preço do petróleo e o “descalabro na Petrobras", como define, tiveram sério impacto na economia fluminense. O socorro da federação alivia, mas o estado ainda tem um problema estrutural para resolver.
A receita bruta total do Rio cresceu 46% em termos reais entre 2008 e 2014, para R$ 91 bi, de acordo com dados da Fazenda. Em 2015, o montante caiu 15%. A despesa liquidada total subiu mais no período de bonança e caiu menos na tempestade. Até 2014, a alta foi de 50%, para R$ 90 bi. No ano seguinte, ela recuou 10%, e foi maior que a receita. O Rio fez escolhas erradas e criou despesas permanentes. Os gastos com pessoal e encargos subiram 59% entre 2008 e 2015.
Segundo Tafner, o estado adotou uma política de aumentos reais para os servidores da Saúde, Educação e Segurança. Os reajustes tiveram impacto também nos gastos previdenciários porque os ganhos são repassados aos inativos. Com essa regra, cada R$ 1 de aumento no salário do servidor gera despesa de R$ 4. O governo manejava a receita do petróleo para bancar os gastos com benefícios. Cerca de 95% dos recursos de royalties e participações especiais eram usados para cobrir a previdência do estado. Com a queda na arrecadação, o déficit previdenciário saltará de R$ 8 bi em 2015 para R$ 13 bi neste ano, previsão revisada recentemente. As despesas com pessoal foram tomando espaço cada vez maior no Orçamento. Hoje, quase 100% da receita com ICMS é destinada ao pagamento da folha salarial.
— No Rio, talvez tenha havido um exagero na recomposição de salários, especialmente na saúde, educação e segurança, que representam quase 90% da folha. Na previdência, a regra que corrige as aposentadorias pelo salário dos ativos precisa ser discutida, mas os estados têm pouca ingerência sobre a legislação — diz Tafner, que é especialista em sistema previdenciário.
A renegociação da dívida dos estados e municípios era necessária e precisava ser feita, mas demorou tempo demais. Ela começou em 2013, para dar um socorro ao município de São Paulo. Na visão de Tafner, a carência evitará um movimento generalizado de calotes dos estados. Mas a capacidade financeira da União, que vai ficar um período sem receber os pagamentos, também tem que ser preservada. O acordo vai custar ao Tesouro R$ 50 bi em três anos.
O efeito imediato da renegociação é “suavizar” a delicada situação financeira dos estados. Os governadores ganharam um fôlego, mas a solução para o desequilíbrio financeiro é mais complexa. Além da definição sobre a dívida, Tafner defende que os estados façam sua parte. No caso do Rio, o governador Francisco Dornelles adiantou que vai tomar “medidas muito duras” após decretar o estado de calamidade. Com exceção da Cedae, o Rio tem poucos ativos interessantes para privatizar. Tafner acredita que alguns benefícios terão que ser revogados. O estado ainda concede adicional por tempo de serviço ao funcionalismo. É uma regra sem sentido, diz ele, já abolida por alguns governos. Universidades de alta qualidade têm um custo elevadíssimo e são usufruídas pelos mais ricos, na maioria dos casos. O programa Aluguel Social, conta o economista, deveria ser revisto para focar nas pessoas que realmente precisam. O mesmo vale para o Bilhete Único e o Renda Melhor.
O Rio paga cerca de R$ 6 bi ao ano em dívidas à União e terá pelos próximos seis meses um espaço maior no Orçamento para cumprir com suas obrigações. A preocupação com a Olimpíada não é apenas pelas obras, mas também com o pleno funcionamento dos serviços. Seria um desastre para o país, explica Tafner, se a saúde e a segurança no Rio ficarem paralisadas durante o evento. O acordo e a injeção direta de recursos vão garantir a sensação de normalidade na operação do estado nos próximos meses, acredita o economista, mas o problema estrutural persiste.
Tafner lembra que no setor privado as dívidas também são renegociadas. O que preocupa é que não é a primeira vez que estados são beneficiados. Ele acredita que o efeito dessa crise nas contas vai fortalecer a importância de ter políticas públicas responsáveis. Algumas são impopulares, mas o respeito às boas práticas fiscais é uma forma de responsabilidade social.
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