O GLOBO - 25/03
Não foi surpresa a decisão da Standard & Poor´s de rebaixar o Brasil. O governo ignorou todos os alertas e insistiu em manobras para manipular as contas públicas, em vez de corrigi-las. O efeito concreto será tornar mais caro o crédito para o país e mais ariscos os investidores. O fato de continuar sendo grau de investimento não alivia: o país será visto como tendo sido rebaixado.
O governo teve 291 dias para evitar o rebaixamento. Foi em 6 de junho do ano passado que a classificação de risco do Brasil foi colocada em perspectiva negativa pela S&P. De lá para cá, o governo criticou os críticos e não mudou. No fechamento das contas do ano passado, várias pequenas manobras foram feitas, como a de postergar repasses.
A crise de energia virou uma bomba fiscal e o pacote mostrou como o governo permanece com o mesmo vício: o de fazer contorcionismos. Desta vez, o truque foi empurrar a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) para se endividar e resgatar as empresas, que estão com problemas pela decisão de reduzir o preço de energia quando o custo subia. Tudo foi tirando a qualidade dos indicadores fiscais e a credibilidade na gestão da política econômica. Justamente na semana passada, os economistas da S&P estavam aqui. Puderam ver ao vivo os remendos fiscais brasileiros.
As projeções para a inflação pioraram; já se prevê o estouro do teto da meta este ano; as projeções de crescimento são fracas; e o déficit externo aumentou e atingiu US$ 19 bilhões nos dois primeiros meses de 2014. Não é um quadro de crise, mas a conjuntura não está boa para o momento em que há uma mudança na direção do fluxo de capitais no mundo. O rebaixamento agora é um agravante.
Está em curso um movimento de fuga do capital em busca de segurança. Os Estados Unidos estão crescendo, reduzindo estímulos monetários e com juros futuros aumentando. Há uma perturbação geopolítica no mundo com a anexação da Crimeia pela Rússia. O melhor era passar por essa situação com inflação baixa, crescimento maior e contas em equilíbrio. E o Brasil vai atravessar com dados ruins e duvidosos e o rebaixamento da sua avaliação de crédito.
Ontem, o Banco Central aumentou para US$ 80 bilhões a previsão do déficit externo para 2014. O Investimento Estrangeiro Direto (IED) já não cobre o nosso déficit há um ano, mostrando que essa mudança não é apenas conjuntural: veio para ficar. Em fevereiro, foi de US$ 4,1 bilhões o IED para um déficit de US$ 7,3 bilhões.
O país tem um volume grande de reservas cambiais, de US$ 371 bilhões, e é credor líquido. Situação bem diferente da que já viveu no passado. Mas o rebaixamento é um retrocesso. Depois de anos fazendo um lento caminho que o levou ao nível BBB, o país ontem teve que descer um degrau, para BBB-. O mais importante não é a nota em si, mas a inversão do movimento gradual de melhora.
A balança comercial, depois de anos no positivo, está no limite do negativo, no acumulado de 12 meses. O déficit está em US$ 6,2 bilhões do início do ano até a terceira semana de março. A principal causa da mudança é a importação de matérias-primas para o setor de energia: gasolina, óleo diesel, gás natural, petróleo. Parte disso é provocado pelo aumento de consumo de gasolina e energia, preços que têm sido subsidiados, com grande custo fiscal.
Na inflação, volta o risco de estouro do teto da meta, quando se achava que o Banco Central iria interromper o ciclo de alta dos juros. Algumas previsões são de que o IPCA vai passar de 6,5% ao fim do segundo trimestre; os cinco que mais acertam acham que o índice termina o ano acima do teto. De uma semana para a outra, a mediana das 100 instituições consultadas subiu de 6,11% para 6,28%. E isso sem qualquer melhoria do cenário de crescimento do PIB.
Adianta pouco lembrar que as agências erraram. Elas acumulam, sim, um histórico de erro. Mas quando promoveram o Brasil, o governo comemorou. É uma questão prática: elas têm impacto no custo das captações de governos, bancos e empresas dos países. Quando um governo é rebaixado, em seguida várias empresas e bancos também têm redução. E isso significa que essas empresas terão que pagar mais pelo financiamento externo.
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