ESTADÃO - 06/08
Até aqui, nada foi feito para combater as raízes da crise no Rio
As difíceis negociações em torno das concessões feitas ao Judiciário e Legislativo no projeto de reestruturação da dívida dos Estados, que balançaram esta semana a credibilidade do ajuste fiscal da equipe econômica, são só um aperitivo do que o governo Michel Temer terá de enfrentar depois do fim da Olimpíada do Rio de Janeiro.
A apreensão maior que ronda os gabinetes de Brasília é mesmo com os desdobramentos da crise financeira do Estado do Rio. Cada real dos R$ 2,9 bilhões que Temer concordou em liberar ao governo fluminense – com a justificativa de garantir a segurança pública durante os Jogos – está contado. O dinheiro só é suficiente para permitir um mínimo de fôlego financeiro ao governo estadual até o fim da competição Não passa daí.
O que acontecerá depois, quando o dinheiro acabar, é a grande incógnita que dá dor de cabeça há semanas à equipe econômica. A forma como o presidente vai lidar com o problema, porém, terá repercussões nos Estados que, assim como o Rio, estão também vivendo grave crise nas suas finanças.
O potencial de minar o ajuste das contas públicas é sem precedentes, porque pode abrir uma crise na Federação. O governo não tem mais dinheiro para dar ao Rio. E pior: mesmo se conseguisse ampliar a ajuda, abriria uma brecha para que os outros Estados peçam também socorro do Tesouro Nacional. A liberação do dinheiro para o Rio já causou ciumeira nos outros governadores.
Enfrentando críticas pela flexibilização nas regras de contenção de gastos com pessoal feitas no projeto de reestruturação da dívida dos Estados, o ministro Henrique Meirelles, conseguiu barrar nesses três primeiros meses no comando do Ministério da Fazenda uma onda de pressão para que o governo liberasse não só um volume muito maior de dinheiro ao Rio, como para outros Estados que também pediram ajuda financeira à União.
Essa é, sem dúvida, a principal vitória de Meirelles em favor do ajuste fiscal. É, porém, silenciosa, porque até agora muito pouco dessa pressão dos governadores veio de fato a público. Desse ponto de vista, é inegável o avanço obtido no acordo que a equipe econômica negociou com os governadores e garantiu um alívio financeiro de R$ 50 bilhões aos governos regionais.
A fatura poderia ter saído bem mais cara. Até porque Estados menos endividados, que não foram tão beneficiados pelos acordo, também vêm pedindo compensações pelas perdas com a redução das transferências do Fundo de Participação dos Estados (FPE).
Meirelles evitou uma benesse maior de um presidente que governa com “predominância” política. Mas, com a possibilidade de agravamento da crise financeira do Rio, o ministro pode não conseguir mais segurar essa rojão. Ele tem dito a interlocutores que não pode liberar mais nada os Estados.
Até aqui, nada foi feito para combater as raízes da crise do Rio. O Estado compromete perto de 90% de sua receita efetiva com salários dos servidores. Ou corta a folha, ou aumenta a receita. Sem isso, sem chance...
É nesse ponto que a flexibilização do projeto da dívida dos Estados, em votação na Câmara, foi um péssimo sinal. O projeto tinha com uma contrapartida garantir uma metodologia mais transparente para evitar a maquiagem que é feita na contabilidade das despesas de pessoal dos Estados. Essas manobras é que vêm permitindo aos governadores, com a conivência dos Tribunais de Conta estaduais, burlar o limite de gasto com pessoal da Lei de Responsabilidade Federal, o único teto de gasto já adotado no País.
Quanto tempo o Rio aguenta com policiais, médicos, professores sem receber salários? Ao mesmo tempo, juízes, promotores e deputados, que foram beneficiados com as mudanças, continuam recebendo seus vencimentos em dia. A hipótese até de o Rio pedir intervenção federal, prevista na Constituição, não está descartada.
Depois da Olimpíada, o certo é que o caos na segurança, na saúde, nos serviços básicos, no pagamentos de fornecedores vai continuar. Quem vai resolver?
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