domingo, janeiro 13, 2013
Conflitos e perplexidades - AFFONSO CELSO PASTORE
O Estado de S.Paulo - 13/01
As indicações dadas pelo Banco Central são de que o ciclo de redução da taxa de juros chegou ao fim. Em termos reais, a taxa Selic está abaixo de 2%, e a TJLP e as taxas do PSI são negativas. Essa elevada dose de estímulos monetários não impediu que em 2012 o crescimento do PIB ficasse em torno de 1%, nem tem sido capaz de gerar otimismo quanto ao crescimento em 2013. Apesar do baixo crescimento econômico, a inflação de 2012 chegou a 5,84%, com os preços dos serviços - que dependem fundamentalmente dos reajustes de salários - crescendo 8,7%, apenas um pouco abaixo da taxa de 9% de 2011. Como é possível a coexistência de crescimento econômico tão baixo ao lado de uma inflação de serviços tão elevada e persistente?
A resposta depende em parte do comportamento do mercado de trabalho. Embora a indústria não cresça e os investimentos em capital fixo estejam em queda, há pleno emprego no mercado de trabalho. A economia cresce pouco, mas a demanda de mão de obra supera o crescimento da população em idade ativa. Isto faz com que a taxa de desemprego corrigida pelas variações na taxa de participação continue declinando, atingindo no último mês um pouco abaixo de 4%, que é o seu menor valor histórico.
A combinação de uma baixa taxa de desemprego, com taxas elevadas de crescimento da população ocupada, e com os reajustes reais do salário mínimo, leva a um crescimento acelerado dos salários reais.
O Banco Central tem apontado que, no Brasil, os salários reais vêm crescendo acima dos demais países, superando em muito o crescimento da produtividade média da mão de obra. Se os salários crescessem 10%, por exemplo, e cada trabalhador produzisse 10% a mais, não haveria aumento do custo salarial por unidade de produto. Mas se os salários crescerem acima da produtividade do trabalho, haverá um empurrão de custos, que: ou será repassado para preços, gerando mais inflação; ou se transformará em redução de margens de lucro, levando à contração da produção. As duas coisas vêm ocorrendo no Brasil.
Os dados da Pesquisa Mensal de Emprego e Salários, do IBGE, mostram que, entre 2002 e 2008, os salários reais da indústria cresceram a uma taxa praticamente igual à de crescimento da produtividade da mão de obra. Mas, do início de 2010 em diante, o crescimento dos salários tem ocorrido ao lado da estagnação da produtividade do trabalhador, levando a um forte crescimento do custo unitário do trabalho. Com isso, a produção industrial tem sido desestimulada, e os preços dos serviços se elevam.
Para evitar os efeitos da elevação de custos sobre a produção industrial, o governo decidiu permitir a ocorrência de uma maior depreciação cambial, o que levaria a uma recomposição das margens de lucro. Festejou a depreciação provocada pela redução dos ingressos de capitais, acreditando que a pressão cambial não seria repassada para os preços. Ganharíamos apenas um câmbio real mais depreciado e uma relação câmbio/salários mais alta, esquecendo-se que é totalmente impossível recompor as margens de lucro sem que as empresas elevem os preços. O resultado é que assistiu a um aumento da inflação dos bens comercializáveis internacionalmente, que se somou à inflação de serviços, levando o IPCA de 2012 para 5,84%. O crescimento da inflação nos últimos meses tem uma relação estreita com a tentativa de mudar o regime cambial, buscando um câmbio real permanentemente mais depreciado, revelando que há limites ao uso do câmbio como um instrumento de política econômica.
Se persistisse na rota de uma depreciação cambial mais intensa, o governo colheria um aumento ainda maior da inflação, pulverizando a possibilidade de manter a taxa Selic constante por um extenso período. Talvez pudesse reduzir esse efeito sobre o índice de preços lançando mão de uma nova rodada de artifícios, como ocorreu com a redução do IPI de automóveis ou a manutenção dos preços da gasolina, ainda que a custa da penalização dos resultados da Petrobrás. Mas a história do último ano não é favorável a este respeito. Afinal, estes artifícios não foram suficientes para trazer a inflação para a meta, como prometia o Banco Central, mostrando que nada substitui uma política monetária bem feita, ancorando a inflação no cumprimento da meta.
Se o Banco Central estiver realmente comprometido com a meta de inflação, sabe que atualmente não há espaço para novas reduções da taxa Selic, e se o governo quiser ajudar o Banco Central a atingir a meta não pode querer uma depreciação cambial mais intensa. No entanto, apesar da perspectiva de continuidade do crescimento do consumo, as notícias vindas dos investimentos não são boas. No quarto trimestre de 2012, a formação bruta de capital fixo deve ter sofrido uma nova queda, e as perspectivas são de que esse comportamento deva continuar. Os riscos vindos do abastecimento de energia acentuam esse movimento. A perspectiva para 2013 é de um crescimento baixo do PIB. As projeções de consenso, atualmente em 3,3%, ainda não incorporam totalmente os riscos vindos da oferta de energia, e deverão cair nos próximos meses.
Esbarrando nos limites quanto à queda da taxa de juros e quanto à depreciação cambial, e atribuindo um peso grande ao crescimento do PIB, qual poderia ser a reação do governo? O candidato mais provável é a elevação da dose de estímulos fiscais, e aqui há duas possibilidades. Primeiro, o governo não tem hesitado em elevar a dívida pública bruta para transferir recursos ao BNDES, sob o argumento de que isso não eleva a dívida líquida, porque adquire créditos contra o BNDES. Ocorre que esses créditos não são líquidos, e ainda que erradamente os deduza da dívida bruta como se fosse caixa em moeda corrente, gera uma expansão fiscal, que não é passível de mensuração olhando apenas para as estatísticas do superávit primário. Isso, sem falar no custo do subsídio. Segundo, pode pura e simplesmente reduzir ainda mais os superávits primários.
Em princípio, os superávits deveriam ser maiores em anos de crescimento acelerado e menores nos anos de queda cíclica, e por isso não se pode objetar que possam cair em períodos de baixo crescimento. O que não pode ocorrer, contudo, é os superávits ficarem escondidos por manobras contábeis, impedindo que seja aferido o estímulo dado à economia, acentuando o grau de incertezas que já é grande, contribuindo para desestimular os investimentos.
Para sair da armadilha de crescimento baixo, o governo deveria estimular os investimentos em infraestrutura, e como não tem recursos, deveria contar com a participação do setor privado, em programas de privatização. Com isso, geraria externalidades que elevariam os investimentos nas empresas privadas, iniciando um ciclo de crescimento da produtividade.
Mas isso significaria uma guinada de 180 graus na orientação da política econômica, que não cabe no ideário de um governo que acredita que o Estado deva ser o grande provedor desses investimentos. O mais provável, nessas circunstâncias, é que não abandone a atual orientação de política econômica e, neste caso, infelizmente temos de pensar na continuidade do crescimento baixo ao lado de inflações elevadas.
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