O Estado de S.Paulo - 12/08
Na busca de temas que lhes garantam destaque no debate político, líderes estudantis, dirigentes de associações comunitárias e parlamentares apelam cada vez mais para discursos e iniciativas em favor da ampliação das vinculações constitucionais de verbas orçamentárias.
Há três anos, por exemplo, a União Nacional dos Estudantes (UNE) passou a pressionar o Congresso para aprovar projetos de lei que obriguem o Executivo a gastar o equivalente a 10% do valor do PIB em educação. Atualmente, os investimentos públicos no setor educacional correspondem a 5,8% do PIB. Japão, China e Coreia do Sul investem menos de 5%. Em seu artigo 212, a Constituição obriga a União a aplicar em educação 18% de sua receita tributária e os Estados e municípios, 25%. A UNE também quer que 100% dos royalties do petróleo sejam destinados à educação. Com apoio de movimentos sociais, sindicatos de professores e ONGs, a entidade alega que o aumento da vinculação orçamentária na educação, por meio de emendas constitucionais, é uma forma de "reverter injustiças históricas".
A mais nova ofensiva para aumentar as vinculações constitucionais do orçamento vem da área da saúde. Constituído por mais de 100 entidades, o Movimento Nacional em Defesa da Saúde Pública/Saúde+10 entregou ao presidente da Câmara, deputado Eduardo Alves, um projeto de lei de iniciativa popular que impõe à União a obrigação de repassar à saúde pública o equivalente a 10% de sua receita bruta. Isso aumentaria em R$ 40 bilhões o que o governo federal já gasta no setor. Apoiado por centrais sindicais e ONGs, o movimento coletou 1,9 milhão de assinaturas - 400 mil a mais do que é exigido pela Constituição para a apresentação de projetos de iniciativa popular.
Na Câmara e no Senado, os relatores das comissões criadas para debater o financiamento da saúde pública - deputado Rogério Carvalho (PT-SE) e senador Humberto Costa (PT-PE)- apresentarão seus pareceres nas próximas semanas. Eles já anunciaram que proporão um porcentual de vinculação da receita corrente líquida da União, e não da receita bruta, como pretende o Movimento Nacional em Defesa da Saúde Pública. Para Carvalho e para Costa, isso facilitaria o cálculo do montante a ser destinado para a saúde pública. Mas, para o coordenador do Saúde+10, Ronald Santos, as manifestações de protesto favorecerão a aprovação do projeto de iniciativa popular. Alegando que a receita fiscal é insuficiente para financiar todas as suas atividades e encargos, o governo é contra o projeto.
Propostas como essas dão muita visibilidade política aos seus autores, mas pecam pelo irrealismo e pela irracionalidade, que sempre geram resultados desastrosos. Verbas vinculadas retiram dos municípios, dos Estados e da União margem de manobra para a tomada de decisões. Receitas vinculadas provocam rigidez orçamentária, na medida em que não podem ser utilizadas para financiar despesas diferentes daquelas para as quais foram criadas. Receitas vinculadas também desestimulam os setores beneficiados a melhorar sua gestão. O hábito de esperar que o aumento dos gastos públicos resolva qualquer problema dificulta a modernização de setores estratégicos da máquina governamental.
Isso fica claro no caso da educação, onde o problema não é a escassez de dinheiro, mas a gestão inepta e perdulária dos recursos existentes, com a abertura de universidades públicas onde não há demanda e a expansão de cursos noturnos sem que haja candidatos qualificados para frequentá-los, por exemplo. Como a educação, a saúde também precisa de uma revolução gerencial e de prioridades. A ampliação das vinculações orçamentárias pode agradar a determinadas corporações, mas, do ponto de vista do interesse público, não faz sentido jogar mais dinheiro em sistemas que não conseguem realizar as tarefas para as quais foram criados. A saúde e a educação não melhorarão com a vinculação de verbas. A qualidade de seus serviços depende, isso sim, de reformas estruturais - sobre as quais autoridades e militantes pouco falam.
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