domingo, novembro 24, 2013

O que Bloomberg ensinou - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 24/11

Depois de 12 anos à frente de Nova York, o prefeito acusado de “babá do povo” sai de cena deixando lastro de iniciativas históricas no urbanismo e na educação


Num momento inspirado, o publicitário Nizan Guanaes escreveu que uma eleição municipal é hoje mais importante que a escolha de um presidente. É nas cidades, afinal, que estão as soluções para os problemas da violência, da educação e do meio ambiente. Faz sentido. A prática o confirma. Basta pensar no frisson em torno da eleição do democrata Bill de Blasio para a prefeitura de Nova York.

Tanto quanto saber como De Blasio vai conduzir aquela que ainda carrega a faixa e o cetro de “janela do mundo”, a hora agora é de olhar para o legado de seu antecessor, Michael Bloomberg. Discreto, ruim de discurso e péssimo em piadas, Bloomberg tem lugar garantido na história do urbanismo, do ensino ou das políticas de segurança pública. Foram 12 anos à frente da cidade – em três mandatos, o que lhe rendeu o infame apelido de “Hugo Chávez”. Diz-se, inclusive, que seu sonho é falar espanhol sem sotaque, mesmo sabendo que muitos jovens hispânicos não parariam na rua para lhe dar um abraço. A política de revistar a moçada mais pobre, nas periferias, conhecida como stop and frisk, era antipática, ganhou esparrelas na Justiça. Não adiantou dizer que a criminalidade diminuiu à casa dos seis homicídios para cada 100 mil habitantes, um marco.

De Blasio quer acabar com as revistas. Mas vai ter de queimar muita banha para vencer a popularidade de Bloomberg. Desde sua eleição, em 2001, em meio aos destroços do 11 de Setembro, o milionário da comunicação não gozou do sacolejo bom da unanimidade. Conquistou-a, lidando com a viuvez do povo, que amava o antecessor, Rudolph Giuliani, o pai da “tolerância zero”. Tudo no novo prefeito parecia um pouco desajeitado. Era o que se podia esperar de um empresário às voltas com a política, vendo seu público passar para 8 milhões de pessoas, às voltas com um PIB de US$ 566 bilhões. Teve vertigens. Pode ter sido justamente essa falta de jeito o seu segredo, reconhecido até pelos que o xingaram de “prefeito babá” – apelido sob medida para o sujeito obcecado por tabelas nutricionais e que aconselha a moçada a aceitar o próprio corpo. Mas ele riu por último, e melhor.

Bloomberg é democrata de berço, mas se elegeu como republicano, ainda que tenha apoiado Obama. Mal resolvido, diriam, ganhou em humanidade. No fim da história, procurou um lugar mais a ver com ele – o de independente. Caiu-lhe bem, pois esse homem tem tudo para ser mesmo um hiato na crônica das cidades. Tudo o que os gestores dizem que “não dá” para fazer, ele fez. O jornalista do New York Times Jim Dwyer diz que “Mike” tem sorte e fortuna, e pronto. Outros diriam que ele trabalha pesado, daí seu êxito.

Comove ver a foto da população sentada em cadeira de praia na Times Square, “tomando um banho de luz”, como diz o biógrafo do local, ninguém menos do que Marshall Berman. As normas antitabagistas aplicadas em Nova York viraram moda e varreram o mundo. O sucesso do High Line Park – a velha linha de trem que virou área de lazer – deve ser replicada nos quatro cantos do planeta, para alegria da humanidade. Mais? Bloomberg concentrou policiais nas áreas carentes, reconhecendo que os pobres são as maiores vítimas da violência. Só essa já vale o show.

No fim, a “era Bloomberg” vai ficar marcada pelo que diz respeito à educação, apesar de o prefeito ser visto com rabo de olho nesse quesito, nem sempre com justiça. Há recalques em jogo. Ele mexeu com os dogmas de muitos educadores, daí ter recebido como troco o olho vesgo da desconfiança. Mas deixou uma pá de indagações que, num mundo perfeito, deveriam ocupar os pesquisadores. Bloomberg fechou muitos colegiões, cujos diretores eram viciados em reclamar. No lugar, implantou escolas menores e mais ágeis. Tirou do limbo os conselhos comunitários. Implantou os “mediadores de violência” – professores capacitados para lidar com gangues, drogadição e indisciplina. No Brasil, deveria ser lei: chega de inspetores, guardas e demais burocratas abordando alunos em se tratando de questões tão delicadas.

Por fim, eis o ponto, tirou mestres com baixo desempenho da sala de aula – enlouquecendo os sindicatos. Em meio à grita, premiou bons resultados. Para muitos, há de arder na chama eterna, mas qualquer um que já passou por uma escola sabe que o inferno é conviver com um professor deitado em berço esplêndido, ocupado em atrasar vidas a cada expediente. Ele teve tolerância zero nesse quesito. Pode ter errado o tom, mas não deixou o problema para depois. Grato, Bloomberg.

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