O desafio da crise
AMIR KHAIR
O ESTADÃO - 14/08/11
Ocorreu uma deterioração veloz nos últimos meses em relação ao desdobramento da crise de 2008, especialmente nos EUA, Europa e Japão - centro do capitalismo mundial. A causa: o super consumo desses países da população irrigada a crédito sem lastro para dar sustentação ao mesmo. Almoço e jantar grátis acabaram.A bolha criada em 2008 pelo incontrolável mercado financeiro estourou no mercado imobiliário americano e se estendeu rapidamente para os países do sul da Europa e destes agora para os considerados mais fortes, como a Espanha, Itália e Inglaterra. As economias ainda preservadas da França e Alemanha em breve serão afetadas pelo encolhimento do consumo interno de todos esses países e pela fragilidade do sistema financeiro europeu sob sério risco de contágio em efeito dominó nos bancos que têm títulos públicos em carteira, especialmente a França, que poderá ser a bola da vez.
Estamos em plena recidiva da crise e ela poderá vir mais forte.
O sufoco passado nos EUA para ampliar o endividamento público, o rebaixamento da classificação de sua incontrolável dívida pública, aliada à disputa política dos representantes do atraso - os republicanos, e a falta de visão, de plano estratégico de governo, juntamente com a "solução" da crise grega deflagraram mais uma etapa da decadência americana e europeia, sem falar do Japão estagnado há vários anos após o colapso do seu sistema financeiro, agravado mais ainda pelo terremoto que abalou o país.
Os Estados Unidos ainda têm contra si a política ultrapassada de xerife do mundo, com tropas espalhadas em vários países, inclusive em ditaduras, que mantêm o atraso e exploração de sua população. Não sairá tão cedo dessa enrascada e a lenta retirada de tropas fortalecerá os que resistiram à invasão, como nos casos do Afeganistão e Iraque. Guantánamo, em Cuba, é o símbolo da excrescência que mancha a imagem americana. Provavelmente será a próxima a ser desmobilizada.
As revoltas no mundo árabe, a falta de solução para o conflito palestino-israelense, a tentativa de controle da difusão dos arsenais nucleares são outros problemas de difícil solução. Que autoridade moral pode ter os EUA, que tem o maior arsenal nuclear do planeta e resiste perder a hegemonia militar, que inviabiliza recursos no momento em que mais precisa para o desenvolvimento de áreas estratégicas na produção do país. Enfim, os EUA criaram situação insustentável e terão longo período para se livrarem dessas armadilhas.
Novos tempos. O mundo mudou. São novos tempos e desafios. Os ainda chamados países desenvolvidos, já passaram à categoria de países estagnados ou em decadência. Não há saídas mágicas. Enredados em dívidas e déficits fiscais elevados, com alto nível de desemprego e começando a sentir elevada tensão social pelas restrições impostas às condições de vida que desfrutaram artificialmente, terão de reduzir consumo, amargar perda de riqueza e passar por disputas políticas desestabilizadoras.
Essa mudança, surpreendente pela velocidade com que ocorre, veio confirmar que o neoliberalismo conduzido pela mão do mercado fracassou. Em contrapartida, novo sistema vem se impondo com sucesso, que é a condução da economia pelo Estado dentro de plano estratégico de longo prazo (oposto do laissez-faire) com apoio em empresas que se encaixam no mesmo. A China lidera esse processo e em breve poderá ser o país líder da nova ordem mundial. Índia, Brasil e Rússia integram o novo polo dinâmico da economia mundial.
Antes, porém, os países que acumularam reservas atreladas a dólares já sofreram e continuarão sofrendo perdas com a depreciação da moeda americana - que, com o tempo, tenderá a perder o referencial que ainda exerce. Provavelmente será substituída por um conjunto representativo de moedas das economias mais fortes e em expansão.
Desafio ao Brasil. A ênfase é apoiar o desenvolvimento no mercado interno via políticas de estímulo na base da pirâmide social. A melhor distribuição de renda é a chave do sucesso para todos. Deve continuar sendo política de Estado e não só de governo.
O governo anterior estimulou o crescimento da classe C. Assim, ampliou a produção, vendas, lucros e massa salarial com emprego formal. Foi o inverso da política anterior, que procurou o estímulo da economia por cima, via atração de investimentos do exterior nas privatizações. Não deu certo: perdeu-se patrimônio, aumentou o passivo interno e externo do País e o crescimento foi pífio. Sofreu ao final forte desgaste político e social, deixando fundamentos macroeconômicos a desejar, apesar de praticar o famoso tripé, que falha ao desconsiderar o crescimento econômico, que não cai do céu.
A realidade é que as empresas decidem investir frente a perspectivas de mercado. O crescimento da classe C deu partida a novo ciclo de investimentos e as elevações do salário mínimo e demais programas de renda, juntamente com a criação dos empréstimos consignados, foram artífices importantes dessa guinada na política econômica.
O governo FHC deu contribuições importantes: Plano Real, renegociação das dívidas dos Estados e municípios, Lei da Responsabilidade Fiscal, Proer e iniciou programas de renda embora em escala reduzida. FHC e Lula erraram ao entregar condução da economia à política monetária do Banco Central (BC), que agiu segundo a vontade do mercado financeiro. Independência de fachada! Resultado: somos há anos os piores do mundo em taxas de juros básicas e bancárias. Isso transfere recursos da sociedade e do governo para o setor financeiro, que ainda nada de braçada no País. É preciso acordar!
A esperança é que isso mude e a oportunidade é agora. A recidiva da crise abriu espaço para a queda nos preços das commodities, passou abril, quando 40% da inflação do ano ocorre, e ganha força a coesão na tomada de decisões pela presidente, através do Conselho Monetário Nacional (CMN), a quem deve competir a condução da economia, olhando crescimento, inflação, câmbio e liquidez. Libertando-se da prevalência do mercado financeiro, os resultados virão.
O momento, no entanto, é delicado. Essa recidiva da crise trará consequências nas disputas no mercado externo, mais apertado e disputado, especialmente nos manufaturados. Nossa vantagem continuará nas commodities e alimentos. A China continuará a tomar mercados com dumping e penetrar seus produtos triangulados por outros países ou não.
Temos de usar todas as defesas para a proteção das empresas mais afetadas pela concorrência internacional. Nesse sentido o lançamento do Plano Brasil Maior, pode ser o início e ganhar fôlego para ampliação.
O controle da importação e da entrada capitais é estratégico. O BNDES já ganhou massa crítica para continuar o financiamento e aporte de capital para os investimentos. Chega de repasses do Tesouro para ele. Não se pode contar com os bancos privados para investimentos, enquanto a Selic e suas taxas de juros elevados não forem limitados pelo CMN. É o que se impõe como primeira ação.
Felizmente, temos cacife para não repetir a recessão de 2009. O desafio é estimular investimentos e consumo, sem o pavor paralisante da inflação e ter como meta crescimentos nos níveis de 2004 a 2008, de 4,8%. É na crise que surgem oportunidade de mudanças e avanços. Devemos saber aproveitar isso.
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