segunda-feira, janeiro 09, 2012
Sob as barbas -ou não - RUY CASTRO
FOLHA DE SP - 09/01/12
RIO DE JANEIRO - Por dados recentes do IBGE, descobre-se que a segunda maior favela do país, a Sol Nascente, com 56.483 moradores, fica em Brasília, a 30 km do Palácio do Planalto. Você dirá: como pôde esse complexo de ilegalidade e miséria, composto de 15.737 domicílios, expandir-se sob as barbas do governo federal? E a resposta será: Por que não? A 30 km, tal complexo não é visível a olho nu. E Brasília foi concebida para não ver nada além de seu núcleo.
As favelas cariocas, por exemplo, sempre foram visíveis a olho nu, e 10 ou 11 presidentes da República puderam acompanhar sua expansão, quase dia a dia, nos primeiros 60 anos do século 20 -os últimos em que o Rio foi capital. Para enxergá-las, bastava que, ao sair à rua, levantassem os olhos acima do nível do mar e espiassem em volta.
A partir de 1902, quando Rodrigues Alves botou parte do Rio abaixo e desalojou gente que foi engrossar as primeiras favelas, sucederam-se Affonso Penna, Hermes da Fonseca, Wenceslau Braz, Delfim Moreira, Epitácio Pessoa, Arthur Bernardes, Washington Luís, Getúlio Vargas, Eurico Gaspar Dutra, Getúlio de novo e Juscelino Kubitschek, além de vários vices e interinos. Sob suas barbas e vista grossa, as favelas cresceram e se multiplicaram.
E não faltaram barbas sob as quais elas pudessem se expandir. De Rodrigues Alves a Washington Luís, todos os presidentes usavam barba, bigode ou cavanhaque. O primeiro de cara raspada foi Getúlio, em 1930. Dutra e JK o seguiram no escanhoamento, mas, aí, já era tarde -as favelas tinham adquirido vida própria.
De 1961 -Brasília- para cá, apenas dois presidentes usaram bigode (Jânio Quadros e Costa e Silva) e só um deles, barba (Lula). Mas as favelas continuaram a se expandir, por lá e por toda parte. Donde foi vista grossa mesmo.
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