O GLOBO - 09/01/12
Olhando para o futuro, deve-se destacar que o Brasil vem implementando com sucesso um modelo de forte expansão dos gastos públicos correntes não financeiros, no qual são consideradas as áreas de previdência, assistência social, pessoal, entre outras. Isso garante um crescimento relativamente elevado da demanda agregada a curto prazo, mas provoca, em contrapartida, uma acentuada redução da parcela da poupança nacional gerada pelas administrações públicas, além de desestimular a gerada pelo setor privado. Em consequência, leva à queda dos investimentos públicos, onde se destaca a infraestrutura de transportes.
Deve-se considerar, além do mais, o impacto expansionista do rápido processo de envelhecimento em curso no Brasil sobre os gastos com previdência, saúde e assistência social. Nesses termos, se nada for feito em contrário, os investimentos públicos em transportes tenderão novamente a declinar ao longo do tempo, revertendo a tímida recuperação que começou a se esboçar no segundo mandato do governo anterior.
Diante da dificuldade política de mudar o modelo, mas como não se pode viver sem infraestrutura, a solução natural de mercado se dá via transferência de recursos do resto da economia - ou do mundo - para esse setor, onde for possível o setor privado obter rentabilidade adequada.
A maior demanda por bens não comercializáveis (serviços, infraestrutura, alguns segmentos da construção civil etc.) gera aumento de preços, devido à impossibilidade de se complementar a oferta nacional com importações, e porque a implementação do modelo de gastos correntes implicou a desabada dos investimentos em infraestrutura. Já na indústria de transformação, onde o comércio internacional é intenso, o crescimento da demanda nos últimos tempos foi atendido basicamente por importações.
Desde 2003 o consumo agregado tem sido também impulsionado pela retomada do crédito bancário, cujo montante tem subido muito acima do PIB. Paralelamente, o Brasil vinha, aos poucos, atingindo alta competitividade na produção e exportação de commodities, quando se deu a persistente alta de preços no mercado internacional, que vigora desde o início dos anos 2000, puxada especialmente pela China. Juntamente com a subida da demanda por commodities, veio, do leste asiático, uma verdadeira invasão de produtos industrializados mais baratos. A forte vantagem comparativa da China na produção desses bens derrubou seus preços e os transformou em duros concorrentes da produção nacional.
Dados os preços de commodities, o significado de preços internos em ascensão no setor de não comercializáveis e preços externos em queda na indústria de transformação é, basicamente, se ter uma apreciação real da taxa de câmbio. Ou seja, a moeda nacional passa a comprar "poucos" bens não comercializáveis produzidos internamente e "muitos" bens comercializáveis ofertados no mercado internacional.
Esse processo parece de improvável reversão. Além das causas citadas, há a exploração do pré-sal, que deve agregar mais uma commodity competitiva, e o excesso de liquidez internacional, ainda sem data para refluir.
Assim, ao aumentar a rentabilidade relativa do setor de não comercializáveis, abre-se espaço para a solução natural de mercado. Com um único senão: ela implica também o forte encolhimento da indústria de transformação, que já é mostrado em dados divulgados pela Fiesp. Dos anos 80 para cá, o peso da indústria de transformação no PIB caiu pela metade.
A curto prazo, o encolhimento da indústria de transformação só não é maior pela reação de suas lideranças, que pressionam as autoridades pela imposição de maiores barreiras às importações e pela compra de grandes volumes de moeda internacional, o que acaba freando o ingresso de poupança externa e adicionando outro fator de pressão sobre os gastos correntes. Além de diminuir o grau de eficiência da economia, essas medidas travam o processo de expansão da infraestrutura (e, portanto, da economia), que passa a depender bem mais da reduzida oferta de poupança privada interna.
É difícil imaginar uma solução do problema da indústria de transformação sem alguma revisão do modelo de gastos correntes, ainda que de difícil digestão política. Afora isso, a chave para obter ganhos de produtividade na indústria seria a própria expansão do investimento em infraestrutura, dados os recursos disponíveis.
Para tanto, seria preciso, por um lado, que as regras para a realização de concessões para investimentos privados em infraestrutura e para a criação de Parcerias Público-Privadas dessem segurança e rentabilidade aos investidores privados e tarifas adequadas aos usuários. Com isso, haveria interesse das empresas em carrear recursos para esse setor.
Por outro lado, para que os escassos recursos públicos destinados ao investimento do governo em infraestrutura tivessem o melhor aproveitamento possível, seria necessário reduzir a burocracia, aperfeiçoar e agilizar as regras de licitação, e melhorar a capacidade de fazer e analisar projetos.
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