O Rio de Janeiro da minha infância mesclava o seu generoso espaço público, que habitávamos como se fosse a nossa sala de visitas, com a crescente violência e a desorganização da política pública entremeada pela corrupção.
A impressionante paisagem, com os morros cercando o entorno da Lagoa, dos parques e das praias, atraía-nos para fora de casa. O amplo mobiliário urbano, herdado dos tempos de capital, com as calçadas largas invadidas pelas mesas e cadeiras dos botequins e lanchonetes, e os muitos dias de sol e de calor convidavam-nos ao convívio social na cidade onde ainda era raro o ar-condicionado.
A violência era igualmente parte do cotidiano. Levávamos o dinheiro do assalto ao ir de ônibus para a escola ou para a praia. Evitávamos atravessar o Jardim de Alá, sabedores dos roubos frequentes.
Esse Rio era repleto de contradições. Encantava-nos o samba e o choro e achávamo-nos livres de preconceito. No entanto, descuidávamos da infraestrutura nas muitas favelas e da educação para a maioria.
O descaso cobrou seu preço. Para agravar, a simpatia carioca tratou a política pública com paternalismo. Os governos dos anos 1980 interpretaram o cuidado com a segurança como herança da ditadura, e liberaram o comércio ilegal ao mesmo tempo em que não enfrentaram de forma eficaz o acesso à escola e ao saneamento.
A política incompetente, em um país que vivia uma grave crise econômica, resultou na deterioração do espaço urbano e na piora da violência.
Como ocorreu com o Brasil, o Rio de Janeiro iniciou um resgate com a normalidade a partir de meados dos anos 1990. Os homicídios caíram de 69 por 100 mil habitantes, em 1995, para 24, em 2012.
Esse resgate terminou e a culpa foi exclusivamente nossa.
Nos tempos de euforia, contratamos muitos servidores e concedemos expressivos aumentos salariais, apesar dos alertas de que o gasto com a folha de pagamentos, incluindo a Previdência dos servidores, levaria ao colapso das contas públicas.
Quando a profecia se realizou, no começo desta década, optamos por medidas paliativas, como a venda dos royalties do petróleo ou o uso de depósitos compulsórios para pagar as despesas. Vendemos as joias para pagar os salários. As joias se foram, a despesa continua.
A fragilidade fiscal resultou no retrocesso da política pública, da segurança à educação. O resultado é a dramática degradação do Rio.
O Brasil distribuiu imensas benesses para a segunda cidade mais rica de um país com tanta pobreza. Desperdiçamos.
O risco é resgatar "Feliz Ano Novo", talvez o melhor livro de Rubem Fonseca, em que a celebração termina com violência desenfreada, sem ordem e sem razão.
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