O Estado de S.Paulo - 11/04
Na prática, temos caminhado para um sistema semi-presidencialista
Uma boa forma de avaliar o início do governo Bolsonaro na área econômica é verificar o grau de continuidade da agenda do governo anterior. Em outubro, defendi que, apesar da renovação política, seria essencial dar prosseguimento à agenda econômica iniciada por Michel Temer.
Por este aspecto, há, naturalmente, boas e más notícias. Do lado positivo, há a proposta de reforma da Previdência e os leilões de infraestrutura - aeroportos, terminais portuários e ferrovia Norte-Sul. Em ambos os casos, em diferentes graus, há continuidade. Com competência, o ministro de Infraestrutura Tarcisio de Freitas, ex-secretário do PPI (Programa de Parcerias de Investimento) de Temer seguiu o trabalho iniciado no governo anterior. Já a proposta de reforma da Previdência, apesar de ser um novo projeto, reflete o aprendizado com a experiência do time antecessor.
A nota negativa é a pouca efetividade da Casa Civil, que é a responsável pela coordenação do governo e definição de prioridades. A percepção é de que muitos esforços iniciados no governo anterior foram descontinuados. Mudanças nos marcos regulatórios de setores de infraestrutura e no funcionamento de agências reguladoras, por exemplo, não parecem estar tendo o devido cuidado. Nada que não possa ser corrigido. Afinal, passaram-se apenas 100 dias.
É na política onde se acumulam os maiores equívocos, que são mais difíceis de corrigir. Bolsonaro errou ao fragilizar a relação com seu mais importante aliado no Congresso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Antes disso, deu tratamento inadequado ao seu colaborador desde a campanha, o ex-ministro Gustavo Bebiano. São sinais ruins na política, onde confiança é essencial. Um governo que sofre com a carência de lideranças políticas hábeis não poderia perder colaboradores.
Bolsonaro procura corrigir erros, o que é positivo, mas não será possível reverter a situação rapidamente. A confiança não é facilmente construída e, uma vez abalada, custa a ser reconquistada. É necessário perseverança.
O risco de isolamento político do presidente é real, especialmente com sua popularidade em rápida queda. Diante da urgente agenda de reformas constitucionais, este quadro preocupa. Como agravante, Bolsonaro não defende com a necessária ênfase sua agenda de reformas. O Congresso irá fazê-lo?
A classe política reage aos tropeços de Bolsonaro. Assistimos a um protagonismo crescente do Legislativo, e isso tem consequências.
Começando pelas negativas, tivemos a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) tornando impositivas as emendas parlamentares de bancada. Quase a totalidade dos gastos se tornará obrigatória.
Além disso, o Senado aprovou uma PEC que determina o repasse direto de recursos de emendas individuais aos caixas dos entes subnacionais, sem a necessidade de convênios com a União. A tinta da caneta está acabando. Isso sem contar as (justas) discussões sobre limitar a utilização de medidas provisórias pelo Executivo.
Assim, apesar do grande poder do governo de intervir na esfera econômica, o presidente da República pouco pode do ponto de vista orçamentário, por conta do elevado volume de despesas obrigatórias.
Que fique por aí. Pauta-bomba no Congresso seria irresponsabilidade. Felizmente, Maia sabe disso.
Do lado positivo, a Câmara finalizou a votação do cadastro positivo, apesar da ausência de empenho do governo, e agora discute a reforma tributária que prevê a criação de um imposto sobre o valor agregado em substituição a vários impostos indiretos. Se prosperar, esta medida será um primeiro grande passo para elevar o potencial de crescimento do Brasil, posto que a complexidade do sistema tributário é o fator que mais deprime a posição do País nos rankings globais de competitividade.
Na prática, temos caminhado para um sistema semi-presidencialista, com maior papel do Congresso. Esta sim é a nova política. Sobram dúvidas, porém, sobre sua capacidade de conduzir reformas. Que ao menos não falte responsabilidade do Congresso com o País.
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