O ESTADÃO - 15/04/12
O avião sacudiu, e o homem pegou a mão da mulher sentada ao seu lado.
– Desculpe – disse o homem. – É que eu...
– O senhor tem medo de voar, é isso?
– É. Na verdade, medo não. Pavor.
O homem continuava apertando a mão da mulher. Ela disse:
– Acalme-se. Foi só uma sacudida.
O avião deu outra sacudida. O homem gemeu e pediu:
– Você pode me abraçar?
A mulher relutou, mas concordou. Envolveu o homem nos seus braços.
– Obrigado – disse o homem. – Era o que a mamãe fazia, quando eu era garoto e nós viajávamos de avião.
– Pronto, pronto – disse a mulher. – Está tudo bem.
Outra sacudida.
– Eu posso agarrar o seu seio? – pediu o homem.
– Meu seio?!
– Para me lembrar da mamãe. Vai me dar mais segurança.
– Pode – disse a mulher, abrindo a blusa para o homem segurar seu seio.
Nisso ouviu-se a voz da aeromoça avisando que era para apertarem os cintos de segurança porque o avião estava entrando numa zona de turbulência.
– Ai meu Deus – disse o homem. E para a mulher: – Comece a tirar a roupa!
Metade
Fazia tempo que o Gordo Mário não aparecia no bar. A turma estranhava. Que fim levara o Gordo Mário? Na certa, gordo daquele jeito, tivera um enfarte. O que seria uma pena. O Gordo Mário era um grande companheiro. Divertido. Sempre alegre. Sempre cheio de histórias. Não podia ter morrido. Era tão popular e tinha tantos amigos que, se tivesse morrido, todos já saberiam.
E o Gordo Mário realmente não tinha tido um enfarte e morrido. Tanto não tinha que um dia reapareceu. Na verdade, quem apareceu foi meio Gordo Mário. Um Gordo Mário magro, quase irreconhecível. Contou que tinha feito uma dieta espetacular e perdido metade do seu peso. Aliás, contou isto várias vezes, para quem quisesse e não quisesse ouvir. O Gordo Mário não tinha outro assunto, só a dieta que o fizera perder a metade do que era.
O consenso no bar foi o seguinte: o Gordo Mário tinha perdido a metade errada.
Escolhas
Albert Camus disse que a única questão filosófica é o suicídio. Surpreende que – tendo sido goleiro na sua juventude argelina – Camus não tenha feito um adendo: as únicas questões filosóficas são o suicídio e o pênalti. Este pensamento não passou pela cabeça nem do Doninho, que ia bater o pênalti naquele final de jogo empatado, nem do Marcão, goleiro do adversário.
Mas os dois estavam vivendo um momento camusiano: dois homens diante da magnitude de uma escolha decisiva, de uma escolha de vida ou morte que só depende deles, que não está nem escrita nem preordenada nas estrelas. Doninho: finjo que vou chutar na direita mas chuto na esquerda, ou chuto na direita mesmo porque ele vai adivinhar que eu vou fazer mesmo o que fingi que ia fazer, para enganá-lo.
A escolha é só minha, Deus não tem nada a ver com isto. Marcão: escolho um lado e me atiro. Se acertar acertei, se não acertar... De qualquer maneira, a escolha é só minha. Doninho corre para a bola e chuta, e o conto termina aqui. Se a bola entra ou não, não é mais uma questão filosófica.
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