Na ânsia de mostrar serviço, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, saiu na frente do Executivo e, já em janeiro, patrocinou o projeto de reforma tributária elaborado e debatido há anos no Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), dirigido pelo economista Bernard Appy. Esse texto foi transformado em Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/19 e apresentado à Câmara pelo deputado Baleia Rossi (PMDB-SP).
Embora seja de entendimento mais complicado, porque é assunto de alguma densidade técnica, as mudanças tributárias analisadas nesta Coluna mexerão com a vida econômica de todo consumidor. Por isso, convém destrinchá-lo.
Este projeto é mais abrangente e mais consistente do que aquele que está sendo preparado pelo secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, porque unifica não só impostos federais (PIS, Cofins, IPI), mas, também, o ICMS, cobrado pelos Estados, e o ISS, cobrado pelos municípios. O nome proposto: Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Funcionará nos mesmos moldes do atual ICMS que, em outros países, leva o nome de Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Isto é, será cobrado em cada fase da produção. As parcelas das etapas intermediárias funcionarão como crédito a ser abatido do pagamento subsequente até que este seja feito pelo consumidor final.
Diferentemente do caótico ICMS, cobrado tanto na origem como no destino do bem ou do serviço, o IBS será cobrado apenas no destino, ou seja, apenas no município de domicílio do consumidor. Aí vai uma questão, ainda sem solução. Na proposta, explica Appy, o destino da receita do IBS acabará sendo determinado pelo CPF do consumidor, acoplado a seu CEP de residência. Significa isso que o contribuinte terá de alterar seu CPF a cada mudança de domicílio?
Para assegurar a independência federativa, o imposto será recolhido à conta única do Comitê Gestor, organismo cuja administração será partilhada de maneira paritária pela Receita Federal e por representantes dos Estados e dos municípios. Tal futuro Comitê Gestor será encarregado de transferir, em regime automático, a parcela do imposto correspondente a cada esfera de governo.
As alíquotas correspondentes à parcela dos Estados e municípios poderão variar para cima ou para baixo do valor de referência, de maneira a garantir a autonomia de cada ente federativo.
A questão aparentemente mais complicada é a que prevê dupla transição. A primeira delas tem a ver com o que Appy chama de “transição na distribuição federativa da receita”. É a definição de um período de dez anos entre o sistema atual e o seguinte, de maneira a não produzir nem aumento da carga tributária nem perdas para cada nível de governo. É um período em que o novo imposto tomará progressivamente o espaço dos anteriores. Essa suavização foi o jeito encontrado para reduzir eventuais resistências dos políticos. Também ajudará a eliminar os compromissos assumidos pelos Estados que, na guerra fiscal, concederam desonerações de ICMS para estimular a instalação de fábricas. Essas desonerações desaparecerão a partir do momento em que o imposto será cobrado apenas no destino e não mais no Estado que concedeu a vantagem fiscal.
A segunda transição, de até 50 anos, tem por objetivo reduzir as perdas que o novo tributo imporá aos Estados e municípios “exportadores” de mercadorias e serviços, na medida em que beneficiará apenas os “importadores”.
Mas não há compensação para o caso de municípios-sede de grandes plantas industriais e de refinarias, como Paulínia e Cubatão, que hoje têm grande participação nas receitas do ICMS e que perderão grande parte dessa vantagem quando o imposto passar a ser cobrado no destino. Para Appy, “o critério que hoje beneficia Paulínia e Cubatão, por exemplo, produz brutal distorção federativa”.
O novo imposto exigirá nova atitude nas políticas de desenvolvimento regional. Appy observa que as políticas que vigoram hoje, como as das zonas francas, são ineficientes. A reforma é oportunidade para corrigir esse defeito. Hoje, a maioria das isenções e incentivos fiscais tem por base o imposto que deixa de ser cobrado onde o produto é produzido. Quando o IBS for cobrado apenas no destino, os benefícios desaparecidos terão de ser substituídos por novos mecanismos de incentivo.
Appy acredita que, graças à simplificação e à transparência do sistema, essa reforma aumentará em 10% o potencial de crescimento da economia e, nessas condições, aumentará a arrecadação, sem aumento da carga tributária.
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