"Agradeço a todos os deuses por meu espírito invencível. Sou o dono de meu destino. Sou o capitão de minha alma.” Essas palavras poderiam soar recheadas de arrogância. Não na boca de Nelson Mandela, o líder sul-africano que ficou preso 27 anos e dali saiu para reconciliar seu país. Não há ceticismo que resista ao filmeInvictus. Se você ainda não viu a atuação impecável de Morgan Freeman como Mandela – e se algum ressentimento perturba seu sono –, entre no cinema hoje.
Há muitos motivos para ver Invictus. E o maior deles não é ser fã de rúgbi ou entender as regras desse jogo que combina força brutal e agilidade. Tampouco é o fato de a África do Sul sediar a próxima Copa do Mundo em julho. O maior motivo para ver Invictus é entender a nós mesmos, nossa força ou limitação, sós ou em equipe. Perceber com mais clareza o jogo cotidiano da liderança, em casa e no trabalho. Confrontar nossa verdade, sem subterfúgios ou rancores. O filme ajudará você a saber se seu chefe o inspira realmente. Ou se você inspira os que trabalham a seu lado.
Uma cena tocante é o chá entre Mandela e o capitão da seleção sul-africana de rúgbi, François Pienaar, o louro africâner de temperamento contido representado por Matt Damon. Ao contrário de seus camaradas, Mandela intuía que os Springboks, mesmo com bandeira e hino associados ao apartheid, poderiam ser usados para unir negros e brancos numa imensa torcida arco-íris.
– François – diz Mandela, sorrindo –, você tem um emprego muito difícil, um enorme desafio.
– Seu desafio é maior, senhor presidente.
– Mas não é minha cabeça que eles querem degolar a cada jogo, François.
É neste momento que Mandela faz perguntas decisivas – e o filme é muito mais sobre perguntas do que respostas: “Como você inspira seus jogadores? Como os faz crer que eles são melhores do que realmente são?”.
Todos que lideram um grupo – de cinco pessoas apenas ou 100 milhões – deveriam se perguntar o mesmo diariamente.
Sim, Invictus é um filme de Clint Eastwood. Da delicadeza e simplicidade de As pontes de Madison (1995) até as últimas superproduções, Eastwood se consagrou como diretor. Mas quem acreditou primeiro na história foi Morgan Freeman. Ele leu o livro de um jornalista sobre Mandela e quis crer que nenhum outro ator poderia ser tão convincente na pele do líder sul-africano. Foi Freeman quem levou o roteiro para Eastwood. Estudou pessoalmente a postura generosa e altiva de Mandela, o sorriso plácido e contagiante, o jeito de dançar com as mãos e os quadris e o hábito de arrumar sua própria cama ao acordar. Aprendeu especialmente com Mandela seu jeito de desconcertar as pessoas, a determinação de vencer com honestidade, sem golpes baixos. “Não quero perturbar o inimigo, mas quero ganhar. Como ganhar?” (A Nova Zelândia era a favorita na final memorável de 1995.)
Mandela é um guerreiro que fez da serenidade e do perdão sua maior arma. O poema “Invictus”, que dá título ao filme, é do inglês William Ernest Henley. Na cela mínima ou nos trabalhos forçados no pátio da cadeia, Madiba (apelido de Mandela) repetiu para si milhares de vezes que não importava “se o portão era estreito ou se sua sentença era repleta de castigos”. Seu corpo estava ali. Mas seu espírito não fora subjugado. Ao ser libertado há 20 anos, em fevereiro de 1990, havia ódio entre brancos e negros – e entre negros e negros. Mandela só pensava em seu país, não em vingança. Queria recuperar a confiança da comunidade internacional, acabar com a segregação racial, evitar uma guerra civil. Acolhia seus ex-algozes com boas palavras e cumprimentos calorosos, sem ingenuidade. Transpirava uma confiança inabalável na humanidade.
Mandela foi prêmio Nobel da Paz em 1993. Hoje, tem 91 anos. Tive o privilégio, como jornalista, de encontrá-lo em sua visita ao Brasil, em 1991.
Qualquer ser humano sabe quando está diante de um líder que o inspira a ser melhor do que é na realidade. Invictus é sobre isso. Sobre o poder da inspiração. Num jogo, numa conversa, numa vida ou na condução de um país.
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