O GLOBO - 31/03
Conteúdo nacional não deve ser fim em si mesmo, mas ferramenta temporária de apoio
Ganhou destaque recentemente a declaração da presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, de que a prioridade da empresa é o aumento da produção, e não a exigência de conteúdo nacional. É uma boa notícia, mas também mais um sintoma de que essa política precisa ser reformulada.
Políticas públicas têm custos e benefícios. Com políticas industriais não é diferente. No caso específico da política de conteúdo nacional, os benefícios dizem respeito aos empregos e renda gerados. Por sua vez, os custos estão associados à compra de insumos domésticos mais caros (ou de qualidade menor) do que sua contrapartida importada. Note que esses custos se materializam mesmo que no longo prazo a indústria doméstica se torne competitiva.
O balanço entre custos e benefícios somente é positivo se os requerimentos de conteúdo nacional não forem muito agressivos e se a política for temporária. Em outras palavras, se o hiato de preço entre o bem nacional e importado não for muito grande e cair ao longo do tempo.
No caso brasileiro, há indícios de que os requerimentos de conteúdo nacional são excessivamente altos. O próprio posicionamento recente da Petrobras corrobora essa afirmação. Além disso, esses requerimentos abrangem uma gama muito ampla de setores, muitos deles não associados diretamente à área de petróleo. Não é possível ser competitivo em tudo. Finalmente, não parece haver sinais claros de que a proteção aos fornecedores domésticos diminuirá no longo prazo.
O contraponto com a experiência norueguesa — na qual pretensamente o Brasil se inspirou, e que muitas vezes é citada como exemplo de sucesso em políticas de conteúdo nacional no setor de petróleo — é bastante ilustrativo. Diferentemente do Brasil, lá não houve preocupação com o encadeamento doméstico para muitos setores. Foram escolhidos alguns poucos setores em que o país ainda não estava presente de forma significativa, mas nos quais era possível atingir competitividade internacional em alguns anos. E, embora diversas medidas governamentais tenham sido adotadas para desenvolver empresas locais e para favorecer a contratação de empresas norueguesas em determinadas circunstâncias, nunca se recorreu a requerimentos de percentuais mínimos de conteúdo local ou algo semelhante. Note-se que há evidências de que, mesmo no caso norueguês, os custos da política industrial não foram desprezíveis.
O conteúdo nacional pode ser uma ferramenta muito poderosa para alavancar setores industriais ligados à extração de petróleo e gás no Brasil. No entanto, ele não deve ser um fim em si mesmo, mas uma ferramenta temporária de apoio. Ele deve ser removido ao longo do tempo, pela gradual exposição à competição internacional. Caso contrário, há o risco de que os setores contemplados pela política se desenvolvam voltados apenas para o mercado doméstico. Neste caso, dificilmente serão capazes de atingir competitividade no mercado internacional. Já fizemos isso no passado e sabemos que essa é a receita certa para o fracasso.
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