Macri tem adotado medidas impopulares, mas a economia começa a responder
É fascinante observar como as instituições tendem a se mover por consensos nas sociedades democráticas. Exemplo disso ocorreu essa semana, na Argentina. Depois da vitória do governo nas eleições de domingo passado, dois juízes emitiram ordem de prisão contra o deputado Julio de Vido, todo poderoso ex-ministro do Planejamento, Investimento Público e Serviços. Em seguida, a Câmara retirou, por unanimidade, o foro privilegiado do deputado, e ele foi preso.
Tecnicamente, não há uma relação causal entre esses fatos. Os novos deputados e senadores – metade da Câmara e um terço do Senado – só tomarão posse no dia 10 de dezembro. Antes mesmo das eleições, os deputados – não só governistas, mas também peronistas que não apoiam a ex-presidente Cristina Kirchner – haviam se comprometido a retirar o foro de De Vido se recebessem ordem de prisão contra ele.
Três ex-ministros de Kirchner, de pastas estratégicas do ponto de vista da corrupção – Transportes, Obras Públicas e Energia –, já haviam sido presos. Mas De Vido não era um ministro qualquer, como o nome de sua pasta indica. Ele controlava um orçamento de US$ 237 bilhões.
Ao longo de todo o governo do casal Néstor e Cristina Kirchner, De Vido assistiu à troca de mãos de dinheiro público e privado. Só em uma das investigações que o levaram à prisão, ele é acusado do desvio de US$ 7 bilhões na importação de gás natural liquefeito.
A Argentina aprovou recentemente uma lei de delação premiada, ainda não usada. De Vido e outros ex-funcionários poderão implicar Cristina, aspirante a candidata a presidente em 2019. Antes dela, seu filho, o deputado Máximo Kirchner, também pode ser alvo de mandado de prisão e perda do foro privilegiado.
A frente de partidos Cambiemos (Vamos mudar), que apoia o governo, ficou com 40% dos votos. Já o grupo de Cristina teve metade disso. Outros 20% foram para os peronistas “no K”, como se diz na Argentina, ou seja, que não apoiam a ex-presidente. Cambiemos venceu em Buenos Aires e em 13 das 23 províncias, que somam 66% dos eleitores.
Cobri as eleições, e notei que uma das razões que levaram a essa rejeição de Cristina é a associação de sua imagem a um passado de corrupção e ineficiência. Em contrapartida, o presidente Mauricio Macri, que veio do mundo empresarial, antes de ser governador de Buenos Aires, está associado a transparência e modernidade.
Desnecessário dizer que isso não se aplica a seus detratores, sobretudo à esquerda que o vê como um representante da elite empresarial e agropecuarista. Mas encontrei a maioria dos argentinos cansados do populismo. Em um país que foi praticamente o seu inventor, não é pouca coisa.
Macri tem adotado medidas impopulares, como o corte dos subsídios aos serviços públicos, mas a economia começa a responder, com crescimento da atividade e queda da inflação, e os argentinos aprovam o remédio amargo, sabendo que virá mais.
Foi nesse contexto que a Justiça deu o seu mais importante passo na direção de investigar a corrupção na “era Kirchner”, pedindo a prisão de De Vido, e a Câmara, incluindo parte da oposição, a autorizou. Os deputados não querem ter seu nome vinculado mais à impunidade.
Um dia depois da prisão de seu ex-ministro, Cristina foi depor no caso em que é acusada de “traição à pátria”, por um suposto acordo secreto com o Irã para encobrir o envolvimento do país no atentado a bomba de 1994 contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), que deixou 86 mortos.
O caso envolve também a misteriosa morte do procurador Alberto Nisman, cujo corpo foi encontrado em seu apartamento em janeiro de 2015, horas antes de ele apresentar um relatório de 288 páginas com suas conclusões sobre o encobrimento do Irã. Cristina seguiu o manual populista, de espalhar acusações contra seus acusadores, em vez de se defender.
A Argentina de hoje exige mais que isso.
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