FOLHA DE SP/O GLOBO - 29/10
O juiz Marcelo Bretas deu uma demonstração de destemperada onipotência ao transferir o ex-governador Sérgio Cabral para uma prisão federal. Ele e o Ministério Público poderiam ter cuidado disso em julho, quando soube-se que o ilustre detento tinha como companheiro de cela e anjo da guarda um ex-PM condenado a 19 anos por negócios com o tráfico. É comum que os chefes de quadrilhas tenham guarda-costas na cadeia.
Bretas determinou a transferência punitiva de Cabral porque, numa audiência, discutindo a mecânica do comércio de joias, coisa que o ex-governador e sua mulher conhecem e usufruem, disse o seguinte:
"Vossa Excelência tem um relativo conhecimento sobre o assunto, porque sua família mexe com bijuterias. Se eu não me engano, é a maior empresa de bijuterias do Estado."
Bretas tomou essa afirmação sibilina como uma ameaça, feita "subliminarmente". Da cadeia, com "acesso privilegiado a informações que talvez não devesse ter", Cabral "acompanharia a rotina" de sua família. Diante disso, o Ministério Público requereu a transferência do preso para uma cana federal e Bretas concedeu-a. Dias depois o desembargador federal Abel Gomes confirmou a decisão, porque, entre outras impropriedades, Cabral estaria "pesquisando a vida das autoridades que constitucionalmente estão encarregadas da persecução e julgamento das diversas ações penais a que responde".
A partir de uma frase de Cabral, construiu-se um bonito romance policial. Preso, o Poderoso Chefão descobre que a família do corajoso juiz tem uma loja de bijuterias e mostra que sabe disso. (A cena está na rede, e quem quiser perder uns 15 minutos, pode conferi-la.)
Cabral foi para a audiência disposto a desestabilizar Bretas. Já fez isso em duas outras ocasiões, mas desta vez conseguiu. Colocou o juiz em tamanha defensiva que acabou pedindo ajuda aos advogados do criminoso. Com sua técnica parlamentar, Cabral foi da prepotência à humildade, armou o alçapão e Bretas caiu nele. Faltou-lhe a frieza de Sergio Moro. Cabral foi um bom ator e ninguém podia pedir a Bretas que o superasse na arte cênica, mas foi um mau juiz ao aceitar a argumentação do Ministério Público, encampando a tese da "informação privilegiada" para transferi-lo.
A informação de que a família de Bretas tem uma casa comercial nada tem de privilegiada. Foi publicada em fevereiro pelos repórteres Marco Aurélio Canônico e Italo Nogueira. Em setembro, Luiz Maklouf Carvalho repetiu-a, tendo entrevistado o próprio Bretas e seu pai. Nos dois casos, identificou-se a região do Rio onde fica a loja, que não é a maior do Estado, nem trabalha com bijuterias, pois seria mais adequado falar em miçangas. Como disse Márcio, o irmão mais moço do juiz, com uma das joias de Cabral pode-se comprar todo o estoque de sua loja, onde o preço médio das mercadorias é de R$ 5.
Dizer que Cabral teve acesso a informações privilegiadas ou que tenha pesquisado a vida de Bretas é atentar contra a inteligência alheia. Bastava ler jornal. Cabral fez o diabo (inclusive na cadeia) e suas condenações haverão de somar mais de cem anos, mas, com os fatos expostos, não se pode acusá-lo de ter pesquisado a vida de Bretas ou de ter recebido informações privilegiadas na cana.
O Sistema U, de entidades da União, embaralha decisões da Lava Jato
Surgiu um novo consórcio no céu de Brasília. É o Sistema U, composto pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Controladoria-Geral da União (CGU). De uma maneira ou de outra, todos existem para defender a moralidade pública.
Nos últimos meses, percebeu-se que algumas decisões saídas desse sistema vêm fazendo a alegria dos maganos apanhados em roubalheiras. Embaralhando o jogo com decisões escalafobéticas, elas atingiram a eficácia dos acordos de colaboração.
O procurador Carlos Fernando Lima, nacionalmente conhecido pela sua atuação na Lava Jato, expôs o fenômeno: "Quando o governo vai contra as pessoas que fizeram acordo, e não contra as pessoas que foram reveladas pelo acordo, qual a mensagem que ele passa? A mensagem é 'não façam novos acordos'. Então, o que ele quer é que não haja novos fatos revelados".
A União pretendia receber de uma empreiteira quantia superior a todo seu faturamento em dez anos. Noutro caso, o TCU abriu um processo baseando-se em fatos revelados no âmbito do acordo de colaboração firmado com o Ministério Público. Dois ministros votaram pelo novo processo, mas um deles era acusado de ter recebido propina por meio do filho do outro.
Pode-se supor que essas coisas acontecem apenas por furor punitivo de servidores bem intencionados. O problema é que as boas intenções servem aos interesses de quem não quer punição alguma, pois fritando-se o delator, livra-se a cara do delatado.
Nenhuma dessas observações tem a ver com a prisão dos irmãos Batista, da JBS, porque, no caso deles, a decisão de buscar o acordo com o procurador-geral Rodrigo Janot estava contaminada.
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MADAME NATASHA
Madame Natasha pede ao presidente Michel Temer que cuide melhor do idioma. Na quarta-feira (25), quando ele padecia de um desconforto, o Planalto informou ao país que se hospitalizara, por causa de uma "obstrução urológica". Segundo o Houaiss, o termo "urológico" se refere à urologia, "especialidade médica que se destina ao estudo e do tratamento de doenças do sistema urinário".
Temer estava com uma obstrução urinária. Ele, como o papa, a rainha da Inglaterra e os demais mamíferos, urina. Não há motivo para se fingir que Sua Excelência está dispensado dessa atividade.
Num outro extremo da sinceridade idiomática, ficou o general Ernesto Geisel. Em pelo menos uma ocasião, indo para a sala de jantar, perguntou ao convidado se "queria urinar". Em geral, disfarça-se com uma sugestão para "lavar as mãos".
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A MORTE DE KENNEDY
Os 2.200 documentos relacionados com o assassinato do presidente John Kennedy, em novembro de 1963, não contradizem a versão segundo a qual seu assassino, Lee Oswald, foi à Cidade do México um mês antes, batalhando por um visto cubano.
Ele esteve na embaixada russa e no Consulado de Cuba, e as duas visitas foram mapeadas e investigadas. Até agora, foi isso mesmo: ele, que tinha morado na União Soviética, queria um visto e não o conseguiu. (Ficaram em segredo outros 700 documentos.)
Sobre esse lance, paira uma frase do presidente Lyndon Johnson, dita em 1968, quando ainda estava na Casa Branca: "Kennedy queria pegar Castro, mas ele pegou-o primeiro. (...) Um dia isso vai aparecer."
Johnson havia sido o vice de Kennedy e detestavam-se.
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