O GLOBO - 21/02
Os números que o governo anunciou ontem, de receitas e gastos para 2014, levantam várias dúvidas nas duas pontas. A previsão de crescimento embutida no Orçamento caiu de 3,8% para 2,5%. Mas pode ser menor ainda. Ontem, o ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda Nelson Barbosa me disse que acredita em 1,5%. São números que mudam o volume dos impostos.
A receita que o governo arrecada, se o país crescer 2,5%, é bem maior do que com apenas 1,5%. Muitos bancos e consultorias estão considerando mais provável uma alta do PIB dessa ordem. Nelson Barbosa, em entrevista que me concedeu na Globonews, disse que o governo deveria começar este ano a reajustar gasolina e energia elétrica para reduzir o custo para o setor público. A gasolina está sendo vendida nas distribuidoras a preço abaixo do que a Petrobras paga ao importar. Isso corrói os resultados da companhia. O custo da energia para as empresas do setor está ficando maior do que o previsto. Se esses reajustes começarem a ser feitos, o custo da estatal com a importação de derivados de petróleo diminui; e o gasto do governo com o subsídio à conta de luz não subirá tanto. Mesmo se esse aumento acontecer, já se sabe que o Tesouro gastará mais do que os R$ 9 bilhões incluídos no Orçamento. E essa despesa, ainda em aberto, não entrou na conta. A Rosenberg Associados prevê que a conta da energia, com o uso intensivo das térmicas, chegará a R$ 18 bilhões.
Há muita variável ainda confusa para se saber se o governo conseguirá mesmo atingir esse superávit de 1,9% do PIB. Normalmente, em ano eleitoral, a tendência é gastar mais e não menos.
A primeira tesourada foi sobre as emendas dos parlamentares: R$ 13 bilhões. É o velho jogo de faz de conta. O governo finge que aceita as emendas, os parlamentares fazem média com seu eleitorado, depois o governo corta no contingenciamento. Depois, em retaliação, os políticos ameaçam o Executivo com projetos que podem aumentar muito a despesa.
No anúncio de ontem, o governo se dispôs a cortar também no PAC, R$ 7 bi, essa foi uma tesourada inesperada. Outro que sentiu a lâmina foi o Ministério da Defesa: R$ 3,5 bilhões, e até o Ministério da Fazenda perderá R$ 1,5 bilhão.
O governo se comprometeu a fazer o mesmo superávit primário de 2013, ou seja, 1,9%. Mas este ano é mais difícil porque não poderá contar com tanta receita extraordinária. Tem a concessão do 4G e ontem o "Valor" falou que o governo espera arrecadar R$ 12 bilhões. Calculava-se menos. No ano passado, o governo teve o leilão de Libra e o Refis. Só o segundo colocou R$ 20 bilhões nos cofres públicos.
Nelson Barbosa, que agora é professor do Ibre/FGV e da UFRJ, lembra que, a partir do Refis, empresas que nada estavam pagando, porque as dívidas estavam sendo discutidas na Justiça, passarão a pagar. O que significa que o Refis do ano passado vai elevar a arrecadação este ano, ainda que em valor substancialmente menor.
O governo anunciou cortes de despesas discricionárias e obrigatórias no valor total de R$ 44 bilhões. Alguns cortes são mais críveis do que os outros. Há muita dúvida se ele consegue reduzir as despesas obrigatórias. O governo está prometendo cortar em despesas previdenciárias, que só fazem crescer; em diminuir o custo das desonerações de folha, que está aumentando; e diz que cortará também em "subsídios".
Um dos pontos positivos do anúncio de ontem foi o governo não prever novas transferências para os bancos públicos. Nos últimos anos, só o BNDES recebeu mais de R$ 320 bilhões. Essas transferências viraram uma bola de neve e um dos principais pontos de incerteza nas contas públicas. O governo se endividava no mercado a juros altos e transferia para o BNDES. Dizia que era "empréstimo" - coisa que ninguém acredita que seja - para não entrar na conta da dívida líquida. O governo ficava mais endividado, mas isso só impactava a dívida bruta. Essa é uma das razões pelas quais todo mundo passou a olhar apenas a dívida bruta.
Hoje, mais importante do que o número do superávit é o governo demonstrar que está disposto a chegar nele por uma contabilidade normal. O que desgastou a imagem do Brasil foram as manobras contábeis para atingir as metas. Por isso, o que a equipe econômica precisa agora é provar que não pensa em chegar lá com malabarismo.
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