FOLHA DE SP - 14/02
Retórica da discussão pública lembra a de um país convulsionado, mas não é o caso
NA "PRIMAVERA brasileira", o "gigante acordou". Gigantes, ou pelo menos grandiosas e grandiloquentes, eram as palavras de então. Mais à esquerda do arco-íris desbotado da política hodierna, havia júbilo com "movimentos horizontais", "devir das personalidades", coletivos, democracia direta, política sem hierarquias. O governo, mas não apenas, aparecia com a ideia de Constituinte.
Sete meses depois, num verão que parece ter torrado nossos miolos, a conversa desandou para leis contra o terrorismo, fantasia agora de direita. Viajamos no arco-íris ideológico.
Há decerto um mal-estar na falta de civilização do Brasil. Ou, melhor, evidenciaram-se desconfortos ou a revolta contra alguns horrores rotineiros. O país, porém, não está caindo aos pedaços, nem se despedaça em divisões políticas concretas e extremadas. Há uma desproporção entre surtos de exagero político discursivo e problemas reais; entre os arrebatamentos discursivos e as divisões políticas reais.
Do inverno da "Primavera" até este verão, nem mesmo se organizaram forças políticas novas de relevo, capazes de balançar o coreto da política partidária ou de dar intensidade, direção e sentido a um movimento social de peso, que levasse os atores políticos a dar tratos à bola.
Não se trata de dizer que não houve novidades, mas de notar que os abalos de 2013 não abalaram a política mais ou menos convencional. O ambiente ficou mais tenso. Ficou mais embolado o meio de campo da política partidária. O cálculo eleitoral pragmático eleitoral tornou-se mais impreciso devido ao "risco rua".
Isto posto, até agora, o governo não se viu decisivamente obrigado a tomar alguma atitude relevante para responder ou se amoldar à voz rouca ou estridente das ruas. A oposição, por inépcia, inapetência, caduquice ou desinteresse oportunista, não soube incorporar a força do protesto que apareceu em junho de 2013.
Afora exageros e maluquices retóricos, por enquanto não aconteceu mais nada de politicamente decisivo. Aliás, desde junho, apesar do tumulto das ruas e do tumulto na finança mundial, aliás coetâneos mas disjuntos, quase nada aconteceu.
Desde que o clima voltou a azedar na finança mundial, em maio, o governo de certo modo jogou a toalha e deu um tempo nas suas tentativas de anabolizar a economia, mesmo porque acabou o estoque de remédios artificiais de crescimento.
Ainda assim, mesmo após a divulgação dos horríveis resultados da política econômica, no trimestre final do ano, o governo no máximo ofereceu panos quentes e promessas vagas de mudança, de "mudar a interlocução com o mercado", no fim das contas uma bobagem.
Da "Primavera" até agora, ficou claro, ainda que aos poucos, que não só o crescimento brasileiro minguara, já sabido, mas que a "economia do povo", que ia bem, perdia seu gás. Salários e consumo crescem, mas cada vez mais devagar. No entanto, não houve desastre, nem de longe; nem a percepção popular da economia parece ter piorado de modo notável.
Basicamente, não aconteceu grande coisa. Há mau humor, tensão, certo. A retórica da conversa pública, porém, parece a de uma situação convulsionada.
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