O GLOBO - 14/02
É certo que Dirceu não sequestrou criancinhas nem matou para roubar. Mas seu comportamento como homem público é triste exemplo de abuso no mais alto escalão
Um observador leigo — e, por isso mesmo, inevitavelmente ingênuo — pode acreditar que existem dois Supremos Tribunais Federais em Brasília: um, com a presença do ministro Joaquim Barbosa na presidência da Casa, e outro quando ele está ausente.
Seria exemplo disso um episódio recente: nas férias de Barbosa, o vice-presidente do STF, Ricardo Lewandowski, decidiu que a Vara de Execuções Penais deveria examinar com urgência um pedido do condenado José Dirceu para trabalhar fora do presídio. Em princípio, não há nada de irregular nisso. É um benefício ao alcance de todos os presidiários de bom comportamento. Mas, obviamente, concedê-lo não deve depender unicamente disso.
Um observador totalmente leigo — como é o caso aqui — pode imaginar que essa colher de chá também depende de outros fatores. Por exemplo, a gravidade do delito que levou Dirceu para a cadeia. É certo que ele não sequestrou criancinhas nem matou para roubar. Pode-se ter como certo que sua presença nas ruas não assustaria crianças e velhinhos. Por outro lado, seu comportamento como homem público é um triste exemplo de abuso no mais alto escalão do Poder Executivo.
Em tese, a decisão de Lewandowski nada tem de irregular. Mas o processo que levou à condenação dos envolvidos no escândalo do mensalão teve certamente um efeito salutar no clima político de Brasília. Sua condenação, e do resto da quadrilha, foi, com certeza, uma prova saudável e sempre indispensável de que a democracia brasileira não fecha os olhos ao eventual comportamento criminoso de homens públicos. Como muita gente sempre pensou, para tristeza dos honestos e alegria dos que mamam, ou gostariam de mamar, nas ricas tetas do Estado.
O ministro Barbosa, que foi o relator do processo do mensalão, voltou das férias a tempo de revogar a decisão infeliz — para usarmos um adjetivo generoso, sem qualquer malícia — de Lewandowski. Principalmente, porque o presidiário Dirceu é acusado de mau comportamento como presidiário, por usar um celular na sua cela, o que é proibido.
O caso ainda não terminou: os advogados do presidiário Dirceu pretendem que o plenário do STF revogue a decisão do seu presidente. Não é impossível que isso aconteça. Mas seria um triste exemplo de que há dois tipos de internos nas celas do presídio de Brasília: cidadãos comuns e outros, que ainda se agarram aos privilégios que, pelo menos supostamente, perderam por mau comportamento nos corredores do poder.
A turma da arquibancada, com certeza, torce por Barbosa. Palmas para ele!
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