Pobres percebem melhor o valor de algo, mas o foco em sobreviver cria barreiras psicológicas para ações que os fariam melhorar de vida
Os mais pobres geralmente percebem melhor os custos de algo. Alguém com menos dinheiro é mais propenso a ir a uma loja mais distante se puder economizar R$ 100 na compra de um celular ou uma TV, enquanto as pessoas com mais dinheiro em geral preferem pagar mais caro a se deslocar. As dificuldades financeiras aumentam nosso foco no valor material das coisas, ajudando a extrair o máximo do gasto.
Mas isso se inverte quando as decisões são de longo prazo. Os mais pobres geralmente ignoram os juros mais altos nos empréstimos e preferem parcelar uma compra, muitas vezes pagando mais pelo produto, a economizar o dinheiro e obter um desconto à vista. E, além disso, guardam menos dinheiro, ficando mais expostos a imprevistos. O dano às finanças acaba sendo muito maior.
Existem explicações comportamentais para isso, segundo três psicólogos e professores, Mitchell J. Callan (Essex, Inglaterra), Will Shead (Mount Saint Vincent, Canadá) e James Olson (Ontário, Canadá). Em um artigo publicado em 2011 no Journal of Personality and Social Psychology, eles demonstram que os mais pobres tendem a ser mais imediatistas.
Em um experimento, 71 estudantes informavam sobre suas finanças. Alguns foram convencidos de que seu crédito havia sido mal avaliado em comparação com os demais participantes. Todos, então, tinham de escolher entre aceitar 500 dólares canadenses (C$) naquele momento ou C$ 1 mil depois de um certo prazo, de uma semana a dois anos.
Os pesquisadores ainda apresentaram seis cenários a cada participante. Uma opção, por exemplo, era entre receber C$ 250 naquele dia ou C$ 500 em uma semana. Outra, C$ 500 no dia ou C$ 750 em um mês. O normal seria escolher o que pagasse mais. Mas, entre os que achavam ter uma nota de crédito pior, o percentual de quem preferia o pagamento imediato era 15% maior que no outro grupo, mesmo quando esperar uma semana significava receber o dobro.
Quando é preciso se preocupar com o que se vai comer ou como pagar o aluguel, as outras necessidades são menos urgentes. O foco na sobrevivência, explica o estudo, cria uma sobrecarga mental e dificulta planejar o futuro. Os mais pobres não conseguem dar atenção a outras decisões, que poderiam tirá-los da pobreza.
É como se eles decidissem depois de uma noite sem dormir, explica outro artigo, publicado pelos economistas Anuj K. Shah, Eldar Shafir e Sendhil Mullainathan na revista Science em 2013. Em um experimento, 101 frequentadores de um shopping center foram separados por faixa de renda e responderam a questões como “Seu carro está com um barulho estranho e o conserto custará US$ xxx. Você pode pagar ou tentar a sorte e não pagar nada. O que decide?”.
Os preços variavam da condição “fácil”, um custo de US$ 1,50 pelo conserto, a “difícil”, US$ 1,5 mil. Essa diferença se refletiu no desempenho nos testes de pessoas com renda mais alta ou mais baixa. Ricos e pobres deram respostas iguais quando decidiam sobre um gasto mais baixo, mas o valor mais alto derrubou a performance dos mais pobres. Quase todo o foco estava no dilema de fazer ou não o gasto.
Algumas pessoas atribuem a pobreza às más decisões financeiras dos pobres. Os estudos mostram que não é verdade. A pobreza muitas vezes é resultado da dificuldade maior de fazer um planejamento. Algo que os programas de assistência deviam considerar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário