Demógrafos da América Latina e Caribe reuniram-se no Rio para fazer o encontro regional preparatório dos 20 anos da Conferência das Nações Unidas Sobre População e Desenvolvimento, no Cairo. Foi no IBGE, e eu estive na mesa que unia os três temas - população, meio ambiente e desenvolvimento econômico. O cruzamento desses três olhares é instigante e ajuda a entender certos definitivos da vida.
No mesmo dia, nas minhas apurações para a coluna, consegui dados antecipados que mostram um avanço aterrador do desmatamento na Amazônia em junho, mês em que andei por lá e pude ver as toras mortas na beira das estradas em que trafegam, impunes, os madeireiros. Aquelas manchas dos sinais de satélites, capturados e processados por computadores em tempo real, não são uma abstração. Sei, de ver, que a derrubada da floresta continua.
Economista cético não entenderá os desafios econômicos dos próximos anos. Demógrafo que não entendeu os riscos humanos criados pela mudança climática será surpreendido pelos eventos extremos a que estará exposta a população.
A região conseguiu nas últimas décadas uma redução expressiva da pobreza. No Brasil, o núcleo mais duro da pobreza extrema está justamente no semiárido nordestino, local mais vulnerável aos efeitos da mudança climática. Há riscos de desertificação em outras áreas pobres da América Latina e Caribe. A longa seca do Nordeste este ano lembra que estão atrasadas as políticas de adaptação.
Na América Central e Caribe acumulam-se as evidências de que aumentarão as tempestades tropicais e outros eventos extremos determinados pelas mudanças climáticas. É preciso investir em prevenção de desastres.
O mundo precisará de água, biodiversidade, capacidade de produção de alimentos. A região tem tudo isso. Mas a América Latina não é um reservatório homogêneo de recursos naturais. Há os mais e os menos produtivos. O derretimento das geleiras do Peru e da Bolívia sustenta cenários de falta de água em Lima e La Paz, entre outras cidades. Os rios amazônicos passarão por volatilidades radicais. Já estão passando. Em 2010, houve a maior seca dos últimos 100 anos; em 2009, a maior enchente de que se tem notícia. Água demais e, depois, tempos de escassez exigirão entender melhor o novo regime hídrico. O princípio da precaução recomenda não encher a região de empreendimentos agressivos ao meio ambiente, nem aceitar o desmatamento.
A América Latina e o Caribe sofreram ao longo de sua história com um modelo de extração - em alguns casos, saques - das riquezas naturais, um projeto econômico deliberadamente concentrador de renda e um mal disfarçado racismo que opôs descendentes de europeus aos de origem indígena. No Brasil, entre brancos e negros. Tudo isso sempre foi imoral e hoje é disfuncional do ponto de vista econômico.
As mudanças demográficas - o número de filhos por mulher caiu de 6 para 2,1 em seis décadas - reduzirão os novos entrantes no mercado de trabalho. A desigualdade e a discriminação de qualquer natureza são um risco hoje até para as empresas e apequenam o mercado consumidor. Na economia do conhecimento, a educação não poderá mais ser relegada. O desenvolvimento econômico precisará da força dos cérebros. O modelo de saque desordenado das riquezas naturais e desprezo ao capital humano pode levar à perda de ativos que farão falta no novo mundo que se aproxima.
Claro que os países podem ignorar esses imperativos; os debates acadêmicos, perderem-se em questiúnculas; os administradores públicos, escolherem a insensatez, e os lobbies retrógrados, vencerem mais uma vez. Mas o preço a pagar pelos erros será maior agora.
Em 2004, quando o Brasil atingiu o segundo pior ano de desmatamento, 27 mil Km² (o primeiro foi 1995, com 29 mil Km²), começou uma ofensiva de defesa da floresta que derrubou essa taxa ano após ano. Mas, ainda assim, desmata-se todos os anos. Em 2012, foram 4,7 mil Km². Há o risco de voltar a piorar. Quem subestima esse risco, está desinformado.
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