Democracia dá trabalho, e um deles é ponderar, em tempo, o sentido social e o limite de cada ação pública
A coisa foi menos simples no seu começo e é menos simples, na continuação pelo país afora, do que se tem dito, com maior ou menor pose. Foi muito pouco dizer que os delinquentes que atacaram o Congresso e o Itamaraty eram baderneiros e pronto. O mesmo sobre os delinquentes que investiram contra a Prefeitura de São Paulo e sobre os que tentaram incendiar a Assembleia Legislativa no Rio ou, agora, atacaram no Leblon.
Tais façanhas não são só de "lúmpen" e baderneiros típicos. Os modos e perfis característicos da delinquência contaminaram grande parte das classes médias, como se pode e não se quer ver até em certos territórios universitários. E isso significa algo muito sério e profundo.
A simplificação deturpadora não é menor quanto à parcela social que se diz estar no exercício pleno da democracia em suas manifestações. Os acontecimentos ainda vivos do Leblon dão um bom exemplo. É só vê-los com a necessária ótica de que democracia não é o direito de exprimir qualquer coisa, em qualquer tempo, de qualquer maneira. Há condições e respeitos a serem considerados.
Manifestação em frente ao apartamento de Sérgio Cabral, por exemplo, pode ser um exercício de liberdade democrática, mas pode não ser mais do que uma atitude de autoritarismo. Cabral não é tolo de ficar em casa: está há tempos em endereço não conhecido. Mas seus vizinhos precisam ficar. Com a manifestação infrutífera, todo o trânsito desde o centro da cidade até a Barra da Tijuca, no outro extremo, reduz-se a um engarrafamento que triplica, ou mais do que isso, o tempo de volta do trabalho --não só em carros de luxo, não, também em centenas ou milhares de ônibus a serviço de todas as classes sociais.
Por que não o protesto no palácio de governo, se o alvo é o governador e não o familiar, o vizinho e o transeunte? Os efeitos urbanos, embora muito menores, são parecidos com os do Leblon. Mas a lógica do direito democrático de protestar os justifica, dado serem onde e como devem ser. Democracia dá trabalho, e um deles é ponderar, em tempo, o sentido social e o limite de cada ação pública.
Parece que estamos dispensados dessa obrigação. Os deslimites vêm de todos os lados. Todos em nome da democracia e de direitos.
Ainda o exemplo do Leblon: em nome da democracia, uma reunião de promotores, OAB e Anistia Internacional, na semana passada, recomendou à PM contenção nas ações repressivas aos baderneiros, em especial no uso de bombas de gás; agora a recomendação à PM, em nome da democracia, é de que não permita baderna. Então, para livrar a cara, vem o acréscimo: "mas sem excessos". E o que seriam esses excessos diante da violência delinquente? Ninguém diz, nem diz como deve ser a repressão. Basta falar em nome da democracia.
A simplificação em nome da democracia é um risco de antidemocracia.
OS CELULARES
A ministra Tereza Campello, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, esclarece que não haverá exigência de posse de celular pelos beneficiários da Bolsa Família. O pretendido, e não bem explicitado na sua entrevista publicada a respeito, é que o gestores do programa peçam aos beneficiários que sempre anotem o número do celular, se o tiverem na família --caso de mais da metade dos inscritos no programa.
O PODER
Onde ficou a ética? Essa é a questão no ato do ministro Joaquim Barbosa que suspende, por liminar, a criação de quatro Tribunais Regionais Federais pelo Congresso. Antes da votação parlamentar, o ministro abriu um confronto com os favoráveis à criação, e foi vencido. Com a circunstância do seu cargo de presidente do Supremo, impõe uma liminar que podia esperar por outro ministro, ao fim do recesso do Judiciário.
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