domingo, julho 21, 2013

Por uma nova política - GAUDÊNCIO TORQUATO

ESTADÃO - 21/07

Cada coisa no seu devido lugar. É bem razoável a hipótese defendida pelo analista político Luiz Inácio Lula da Silva, em artigo publicado pelo New York Times, de que os protestos que ecoam em todos os espaços do território não sejam uma “rejeição da política”, para acrescentar que “sem partidos políticos não pode haver nenhuma democracia verdadeira”. Tem razão. Afinal, os atos que chegaram a colocar nas ruas cerca de 1 milhão de pessoas impregnam-se dos valores essenciais da política – a defesa da polis, o bem estar da coletividade – e constituem prova inequívoca da vitalidade do nosso sistema democrático. Daí a fechar com a ideia de que a onda de manifestações decorre, em grande parte, dos sucessos sociais, econômicos e políticos, alcançados na última década, ou seja, pelo PT, configura-se um rematado exagero. Como já foi exaustivamente demonstrado – até por farta cobertura de imagens de passeatas – não foram universitários, vindos de famílias pobres, os que, primeiro, acenderam as faíscas da fogueira social, mas grupamentos jovens de classe média tradicional, ao entorno de um Movimento por redução de tarifas de ônibus. Pode-se, até, dizer que as marolas formadas pela pedra jogada no meio da lagoa, ao chegarem às margens, atraíram os segmentos jovens da base da pirâmide.

A tese contrária à abordagem do ex-presidente se ampara no argumento de que os ganhos obtidos pelos contingentes periféricos - a partir dos 30 milhões de brasileiros que ingressaram na classe C - não tiveram contrapartida junto a núcleos da classe média tradicional, que viram expandidas as demandas nas estruturas de serviços públicos, sob a malha deteriorada dos sistemas urbanos, principalmente nas metrópoles. Se os milhares de jovens da classe média emergente passaram a ter carro e a viajar de avião e, consequentemente, a exigir mais, como lembra Lula, outros milhares da classe média tradicional ‘chutaram o pau da barraca” que acumulava suas demandas reprimidas. Vale lembrar que o poder de irradiação de ideias obedece a um movimento centrífugo, que costuma sair do meio para as margens. Também nascem no meio da pirâmide as locuções mais ácidas sobre deficiências nas áreas dos serviços públicos, o desprezo sobre os políticos e sua falta de compromissos, a par de uma cognição mais aguda sobre a corrupção generalizada. Donde se aduz que a abrangente movimentação social que se espraia pelo país foi aberta no centro da sociedade, não nas laterais como quer fazer parecer o maior líder do PT.

O ensaio de democracia direta, que temos assistido, não é, portanto, uma invenção da década petista, mas o desdobramento natural de uma crise que se arrasta, há décadas, e que tem como epicentro as fendas sociais abertas pela democracia representativa. Nesse ponto, é oportuno retomar os significados múltiplos dos protestos. Se não há uma rejeição à política, entendendo-se que, sem ela, fenecem os sistemas democráticos, carregam eles monumental repúdio à classe política. É inegável que, no pano de fundo das mobilizações de massa, lê-se um discurso contra formas obsoletas de se operar a política, compromissos não realizados, metas inalcançadas, educação defasada, violência desmesurada, equipamentos sucateados nos estabelecimentos hospitalares, ao lado de carimbos com os conceitos que mancham a fisionomia da representação: nepotismo, personalismo, caciquismo, fisiologismo. Eis o pântano de mazelas que os partidos costumam semear. Lula diz que o PT precisa aprofundar a renovação e “recuperar suas ligações diárias com os movimentos sociais e oferecer novas soluções para os novos problemas”. Tem razão. Reconhece que o partido se embalou na névoa moral que suja a imagem dos partidos, principalmente os grandes e médios. Ademais, o descalabro da esfera política ganhou, na era petista, forte impulso com a entronização do mensalão no altar parlamentar. No acervo de feitos (e desfeitos) do PT, não há como apagar aquela mancha, que, aliás, poderá respingar noutros entes, como o PSDB mineiro.

Líderes e partidos procurarão internalizar as lições que as ruas oferecem? Ou imaginam que, daqui a pouco, passado o calor das primeiras horas, as ondas que correm pelas avenidas de grandes e médias cidades tenderão a refluir? Se assim pensam, cometerão um erro comum ao agente político: achar que as coisas entrarão no baú do esquecimento. Esquecem que o copo transbordou. Atingimos o “ponto de quebra”. O país começou a fazer uma caminhada sem retorno. O povo quer dar um basta à empulhação. Ontem, era um povo descrente como um rio seco, um povo sem esperança como uma árvore desfolhada, sem viço e com a cor das coisas mortas. Hoje, são grupos que se mostram ativos, vivos, navegando nas águas caudalosas das mobilizações. Exibem vivacidade, dinamismo, determinação. Percebem que podem mudar o rumo das cidades e de suas próprias vidas. É a vibrante ascensão do que o sociólogo francês, Robert Lattes, chama de “autogestão técnica”. Significa que as pessoas sabem o que desejam, o ponto de chegada e os meios necessários para alcançá-lo. A expressão ganha força: o povo é dono de seu nariz. No contraponto, a imagem também popular é a de que o tempo do “Maria vai com as outras” dá adeus, fechando o ciclo da política de oportunistas.

São esses alguns sinais que haverão de contribuir para a formação de um perfil político mais atinente ao espírito do tempo, ou seja, capaz de capaz de atrelar a locomotiva da ética aos carros do trem da política. A chama ética poderá se transformar na chama a iluminar as reformas fundamentais que a sociedade clama, a partir da reforma política. O Brasil clama por partidos e agentes que desfraldem a bandeira de uma sociedade mais convivial. Sob o lema de um Estado muito perto da Nação.


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