Por mais circunstanciais que sejam as crises, os efeitos delas decorrentes podem ter consequências pontuais, tratáveis no âmbito de ações mais imediatas, ou de longo prazo, mais duradouras — se não, permanentes. Produzem, neste caso, contenciosos que precisam ser enfrentados com soluções estruturais. A atual crise fiscal do Estado brasileiro, por sua dimensão — a mais grave da História do país, pelo menos desde o início da República —, não passará sem que sejam resolvidas demandas nestes dois aspectos.
A urgência da crise pede ações imediatas. Ao mesmo tempo, pelo fato de a debacle fiscal (gerada na fase final dos últimos 13 anos, de domínio lulopetista sobre o aparelho de Estado) se assentar também em questões crônicas, não resolvidas a seu tempo, superá-la implica iniciativas que livrem o país de antigas distorções, agravadas pela falta de dinheiro.
É com esse pano de fundo que se deve travar o debate sobre o fim do ensino gratuito nas universidades públicas. Antes de tudo, é preciso encarar a questão sem as paixões que levam ao desvio do verdadeiro foco — como associar a cobrança de mensalidades a uma alegada “privatização” do ensino nas unidades de nível superior. O que se pretende com esse princípio, de resto uma forma de corrigir distorções sociais na ponta do funil de acesso às faculdades públicas, não é transferir a administração das unidades para a iniciativa privada. Por correto e justo, o que se defende é ressarcir o Estado — por extensão, a sociedade — pelo serviço que presta a quem pode pagar.
A crise mostra elevados déficits fiscais, frutos de acentuada queda de receitas, em todos os níveis da administração pública, o que se contrapõe a despesas engessadas por lei. O orçamento das universidades, federais e estaduais, mantidas pelo repasse de impostos, é impactado diretamente por esse colapso. A USP, situada no topo do ranking das unidades de ensino superior do país, é o exemplo mais notório. Ela recebe 5% do ICMS que entra no caixa do governo paulista; e com a arrecadação em baixa, caem os repasses.
A isso junta-se outra circunstância — a má gestão da universidade. De forma geral, esse não é um problema restrito à USP; é o panorama nas principais universidades públicas.
Crise à parte, manter a gratuidade, diferentemente do que reza a cartilha de quem a defende, corresponde a preservar um instrumento de deformação social. Uma pesquisa da “Folha de S.Paulo” mostrou que 60% dos alunos da USP têm condições de pagar mensalidades na faixa do que é cobrado nas unidades privadas. É um fenômeno óbvio: estudantes de famílias de renda mais alta cursam, no ensino médio, escolas particulares com melhor nível de ensino, mas caras. Entram, portanto, na disputa por uma vaga na faculdade mais bem preparados que os candidatos de faixas de renda menores.
Acabar com a gratuidade será um ato criterioso de correção dessa injustiça: cobra-se de quem pode pagar (ao mesmo tempo em que se equilibram os orçamentos deficitários das universidades) e criam-se mecanismos (bolsas etc.) para os alunos de baixa renda cursar a faculdade.
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